Medicina Pror Medcurso Residencia Diag

  • November 2019
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Texto de revisão Por: Ddo. Vitor de Mello Netto Dr. Luiz André Fernandes Adaptado de: N Egl J Med 2003;349:259-66.

Diagnóstico da Apendicite Aguda Caso Dá entrada na Emergência uma paciente jovem, 22anos, previamente hígida, com dor abdominal aguda de início há 18h no quadrante inferior direito (QID). Ao exame físico está afebril, com dor à palpação profunda no QID, mas sem sinais de peritonite. O exame pélvico revela dor em região anexial direita sem massa. Como deverá ser conduzido este caso?

O Problema Clínico A dor abdominal é uma das principais queixas nos serviços de Emergência em todo mundo. Porém, nem sempre é tarefa simples diferenciar as condições benignas daquelas cujo diagnóstico tardio tem graves consequências. Neste contexto, a apendicectomia se destaca como a cirurgia mais comum, relacionada ao abdome agudo, cujo diagnóstico nem sempre é de fácil evidência como ocorre na maioria dos pacientes masculinos jovens. Em mulheres em idade fértil ou na peri-menopausa alguns diagnósticos diferenciais se impõem diante da mesma apresentação clínica. A dor abdominal nos extremos de idade pode constituir um desafio diagnóstico, seja pela procura tardia pelo atendimento médico ou mesmo pela dificuldade de se obter uma história adequada e um exame físico acurado. O retardo no diagnóstico da apendicite está associado ao maior risco de perfuração, representando significativa morbi-mortalidade. Devido à importância da intervenção precoce e aos riscos relacionados à conduta expectante, muitos cirurgiões defendem a laparotomia precoce, mesmo na ausência de um diagnóstico definitivo. No entanto, cerca de 20% dos pacientes submetidos à laparoscopia por suspeita de apendicite, apresentam o apêndice normal e este índice pode chegar a 40% nas mulheres mais idosas. Num esforço para aumentar a acurácia diagnóstica, a reavaliação clínica do paciente, a laparoscopia e os exames de imagem têm sido importantes ferramentas quando a apresentação clínica é duvidosa.

Estratégias e evidências História e exame físico Sem dúvida, a história e o exame físico são a principal referência na avaliação de dor no QID e, apesar de nenhum aspecto clínico isolado ter acurado valor preditivo de apendicite, a combinação de vários sinais e sintomas pode sustentar este diagnóstico.

Sintomas -dor QID -Náuseas -Vômitos -Dor antes dos vômitos -Anorexia

Sensibilidade(%)

Especificidade(%)

67 39 -74 63 68 16

69 57 - 84 69 58 95

81 58 -68 49 -51 100 84

53 37 - 40 45 - 69 64 66

Tabela 1 especificidade e sensibilidade de cada sinal e sintoma

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Achado Sinais -Febre -Defesa -Descompressão Dolorosa -Sinal de Rovsing -Sinal do Psoas

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Os três sinais e sintomas mais importantes são: dor no QID, rigidez abdominal e migração da dor da região periumbilical para o QID; sendo a duração aguda da dor também considerada um bom preditor de apendicite. No caso de mulheres com suspeita de apendicite, os principais diagnósticos diferenciais devem incluir: doenças inflamatórias pélvicas(DIPs), gastroenterites, ITU, folículo ovariano roto, gravidez ectópica e a própria dor abdominal de origem desconhecida. Um estudo retrospectivo de sinais e sintomas que diferenciavam a apendicite de doença inflamatória pélvica (DIP) em mulheres com dor abdominal em P.S. mostrou que os achados de maior predição de DIP incluíam: história de DIP, corrimento vaginal, sintomas urinários, anormalidade no EAS, dor fora do QID e à mobilização cervical. Por outro lado, verificou-se que a presença de anorexia não contribui na diferenciação.

Exames laboratoriais Na avaliação inicial de dor no QID, alguns exames podem confirmar desordens específicas. Em mulheres em idade fértil com dor abdominal aguda, a dosagem do nível sérico de beta gonadotrofina coriônica humana pode denunciar uma prenhez uterina ou ectópica. Apesar de cerca de 90% das apendicites cursarem com leucocitose, este achado é considerado pouco específico, pois é muito prevalente em outras causas de dor abdominal como nas doenças pélvicas. Aproximadamente 10% dos pacientes com dor abdominal apresentam ITU e o EAS pode indicar causas urológicas de dor abdominal. Apesar da apendicite poder cursar com piúria, hematúria, bacteriúria em até 40% dos pacientes, a contagem de hemácias na urina maior que 30 células por campo ou de leucócitos maior que 20 células por campo, sugere fortemente desordem do trato urinário.

Observação e laparoscopia Quando a história e os achados do exame físico são consistentes com o diagnóstico de apendicite, a cirurgia é realizada sem necessidade de maiores investigações. Porém, quando a clínica inicial não sugerir necessidade de cirurgia imediata, o paciente deve permanecer em observação por 6 a 10 horas com o objetivo de esclarecer o diagnóstico. Esta prática é capaz de reduzir o número de laparotomias desnecessárias sem aumentar a taxa de perfuração do apêndice. Contudo, a acurácia diagnóstica da Tomografia Computadorizada (TC) e o seu uso precoce nestes casos pode reduzir o custo total e o uso dos recursos hospitalares a despeito da estratégia observacional. A laparoscopia diagnóstica tem sido advogada para esclarecer os casos duvidosos e parece reduzir as apendicectomias desnecessárias. Seu uso é mais eficaz em mulheres, uma vez que causas ginecológicas de dor são identificadas em 10 a 20% de tais pacientes. Contudo, é um procedimento invasivo com taxas de complicações em torno de 5 a 10%, sendo a maioria destas relacionada à anestesia geral.

Radiografia convencional A radiografia abdominal tem sensibilidade e especificidade reduzidas no diagnóstico da apendicite aguda, assim como os exames de enemas contrastados, apresentando, também, baixa acurácia.

Ultra-sonografia

Fig. 1. USG - Apêndice distendido, com paredes espessadas e apendicolito não radiopaco (seta)

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Estudos que avaliaram a eficácia da ultrasonografia evidenciaram uma sensibilidade de 75 a 90% contra uma especificidade de 86 a 100%, com valor preditivo positivo de 89 a 94%. Além disso, a USG permite a realização de diagnósticos alternativos, tais como a piossalpingite ou a torção de ovário, que podem ser observados em 33% das mulheres examinadas com suspeita de apendicite. Embora a apendicite possa ser praticamente descartada diante de um exame normal, vale lembrar que este achado pode estar presente em até 5 % dos pacientes. Muitos médicos hesitam na decisão clínica sobre a apendicite quando este segmento não é observado em estudos de imagem, afinal, a não observação do apêndice, seja este doente ou normal, limita a utilização deste método para diagnóstico.

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Tomografia Computadorizada Atualmente, com a TC espiral, todo o abdome pode ser “escaniado” em cortes cada vez mais finos realizados durante uma breve pausa respiratória, oferecendo imagens de alta qualidade e resolução do apêndice e tecidos adjacentes. Nos casos suspeitos, a TC espiral oferece sensibilidade de 95 a 97% e acurácia de 94 a 100%. A TC provou ser acurada nos pacientes com diagnóstico duvidoso. Num estudo realizado com 107 pacientes com apresentação clínica duvidosa, todos realizaram TC contrastada de abdome antes de serem submetidos a apendicectomia. Os achados histopatológicos provaram uma sensibilidade de 92% e especificidade de 95% com acurácia global de 90%. Os principais achados da apendicite na TC são: distensão do apêndice, espessamento da parede e inflamação peri-apendicular. Além disso, a visualização completa do abdome permite a identificação de diagnósticos alternativos como colite, diverticulite, obstrução de intestino delgado, doenças inflamatórias intestinais, cistos anexiais, colecistite aguda, pancreatite aguda e obstrução uretral.

TC x USG A comparação da eficácia da TC e da USG em adultos mostraram a superioridade da TC no diagnóstico da apendicite. Os valores de sensibilidade, especificidade e valor preditivo positivo e negativo foram: 95 X 87%, 89 X 74%, 97 X 92% e 83 X 63% respectivamente. Fig. 2 TC - Apêndice perfurado com abscesso complexo e coleção fluida pélvica (Seta) BL - Bexiga

Efeito dos estudos de imagem na conduta final Apesar da TC ter elevada acurácia no diagnóstico da apendicite, estudos retrospectivos sobre os efeitos da TC no desfecho da decisão e sobre as taxas de apendicectomia desnecessária apresentaram resultados conflitantes. Num estudo com 100 pacientes o plano inicial era dividido em duas possibilidades: cirurgia imediata ou a internação para observação clínica. O plano inicial então fora comparado com a conduta dirigida pela imagem tomográfica. Dessa forma, observaram-se 59 mudanças na conduta inicial, incluindo a prevenção de apendicectomias desnecessárias, admissão para observação desnecessária, cirurgia imediata e a identificação de outras patologias resultando numa economia de U$447 / paciente. Outro estudo com 99 pacientes, comparou a avaliação cirúrgica inicial diante da suspeita de apendicite com a conduta sugerida pelas imagens de TC e USG do QID. Cada paciente fora reavaliado clinicamente após 2 horas, sendo o plano final traçado com base em todas as informações disponíveis. Das 18 mulheres indicadas inicialmente para cirurgia, apenas 9 tinham apendicite (50%), sendo que seis das 9 que não tinham apendicite foram poupadas da cirurgia pelo uso da TC. A taxa de apendicectomia desnecessária foi reduzida de 50% para 17%, uma diferença estatisticamente significativa. O fato de apenas 50% das mulheres com diagnóstico inicial cirúrgico realmente terem indicação de apendicectomia enfatiza a dificuldade em estabelecer o correto diagnóstico em mulheres. Por outro lado, das 26 mulheres que foram submetidas à cirurgia, 24 (92%) tinham apendicite e 2 (8%) não. Nestes casos, a adição da TC não influenciou a decisão cirúrgica e também não houve nenhum paciente no qual a USG tenha levado ao cancelamento do plano cirúrgico inicial. Entre os 49 pacientes mantidos em observação, os achados da TC associados à avaliação repetida do exame físico levaram a mudança de conduta em 13 pacientes que foram liberados do hospital e em outros 10 pacientes, os quais foram submetidos à cirurgia de urgência. Dado os custos da observação hospitalar, TC e da apendicectomia aplicada a ambos os grupos, os autores calcularam uma economia de U$ 206/paciente.

A realização da TC com uso de contraste iodado IV ou contraste entérico é um assunto controverso. Trabalhos recentes indicam que o contraste venoso melhora o delineamento da espessura da parede do apêndice, bem como a detecção de inflamação dentro do apêndice e suas adjacências, com melhora da acurácia diagnóstica. A razão primária do uso de contraste entérico é permitir a identificação do íleo e ceco terminais, uma vez que a ileíte terminal pode simular apendicite tanto clínica quanto radiologicamente. O contraste entérico tem a vantagem da administração oral ou retal.

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Áreas de incerteza

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Alguns autores defendem o “escaneamento” direcionado da região do apêndice, enquanto outros, de todo abdome e pelve. A utilização de TC espiral com cortes menores que 5mm é crucial para a acurácia diagnóstica. Além da técnica de imagem, a experiência e a habilidade do radiologista são de grande influência na utilidade do exame.

Conclusões e Recomendações A avaliação da dor aguda no QID é um problema clínico comum. O diagnóstico se baseia fortemente na história acurada e no exame físico.

História e exame físico

Apresentação clássica de apendicite Dor aguda Migração para QID Rigidez abdominal Dor centrada no QID Palpação dolorosa em QID Anorexia

Apendicite

Apendicectomia

Apresentação duvidosa

Homem ou mulher não grávida

Paciente grávida

USG e/ou TC

USG

Indeterminada ou Não visualização

Observar e repetir Ex.: físico ou laparoscopia

Achados normais ou diag. alternativo

Tratamento de suporte

Um paciente,seja masculino ou feminino, com dor aguda em QID que migrara da região umbilical deve ser prontamente submetido a apendicectomia. A acurácia do diagnóstico esperado nestes casos é superior a 95% e não se espera ser melhorado pelos exames de imagem. Porém, nos casos duvidosos ou diante da suspeita de massas ou perfuração com formação de abscesso, a TC deve ser empregada para auxiliar no diagnóstico, como no caso da paciente apresentado no início do texto. Nestes casos, a TC mostrou-se superior a USG transabdominal na identificação de apendicite, abscesso associado ou diagnósticos alternativos. A USG deve ser reservada para avaliação de mulheres grávidas ou naquelas com elevada suspeita de doença ginecológica. Caso a doença ginecológica seja suspeitada, deve-se considerar a USG abdominal ou transvaginal. Os resultados de imagem podem ser classificados como positivos, negativos ou indeterminados para apendicite. Caso a imagem seja sugestiva, recomendamos a realização da apendicectomia sem demora. Por outro lado, caso o apêndice não seja visualizado ou diante de resultados indeterminados sugerimos a observação clínica complementar e a repetição do exame físico ou então, laparoscopia seguida de intervenção apropriada. Finalmente, caso a TC evidencie outras desordens ou ausência das mesmas, não há necessidade de apendicectomia e o tratamento de suporte ou alternativo deve ser instituído. Estas estratégias podem reduzir os custos da observação, uma vez que a TC normal descarta a apendicite com elevada acurácia.A observação deste protocolo aumenta a acurácia diagnóstica, levando a intervenções no momento adequado, ao mesmo tempo em que reduz as taxas de apendicectomias desnecessárias e reduz de forma significativa os custos desnecessários com exames de imagem e observação clínica.

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Fig. 3. Abordagem proposta

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