OS MAIAS Intriga Numa invenção algo complexa, Eça serve-se da história de uma família para narrar as desventuras de uma sociedade. Assim, o romance acompanha dois níveis de acções distintos, um decorrente do título “Os Maias” , que tem Carlos como personagem central e subdivide-se numa intriga principal e numa intriga secundária, outro decorrente do subtítulo “Episódios da vida romântica” que foca a descrição de eventos recreativos da sociedade portuguesa da Regeneração, constituindo a crónica da costumes. O nível de acção decorrente do título dá-nos a conhecer a história da família Maia ao longo das gerações de Caetano, Afonso, Pedro e Carlos da Maia. A intriga principal é constituída pelo romance entre Carlos e Maria Eduarda; a intriga secundária dos amores de Pedro e Maria Monforte é necessária para construir a intriga central. Na intriga principal coexistem poucas personagens, nomeadamente Carlos, Afonso, Maria Eduarda, Ega e Guimarães. Carlos é o protagonista, embora pertença também à crónica de costumes; Afonso está quase só ligado à intriga, sendo o elo de Carlos com o passado e com a intriga secundária protagonizada por Pedro, seu filho, e por Maria Monforte; Maria Eduarda pertence somente à intriga e é o objecto do amor e desejo de Carlos; Ega é o melhor amigo e confidente de Carlos, intervém de maneira importante na crónica de costumes; Guimarães exclusivamente personagem da intriga, transporta a identificação de Maria Eduarda, obrigando ao reconhecimento e apressando a tragédia. Esta intriga tem início quando Maria Eduarda aparece no Hotel Central. Na intriga secundária Pedro conhece Maria Monforte, namora-se e casa com ela desafiando a autoridade e oposição do pai que a apelida de “negreira” e questiona não só as suas origens mas também os seus princípios. Após uma viagem ao estrangeiro vêm morar para Arroios onde fazem vida de sociedade. Nascem os dois filhos e Maria Monforte adia sucessivamente o encontro com o sogro. Aparece Tancredo e Maria Monforte enamora-se dele, traindo Pedro e fugindo com o napolitano, levando consigo a sua filha. Pedro leva Carlos para o Ramalhete e após contar tudo ao pai, suicida-se deixando Carlos a Afonso. A acção das intrigas é fechada porque não há possibilidade de continuação: Pedro suicida-se,
Maria
Monforte
já
morreu,
Maria
Eduarda
e
Carlos
suicidam-se
psicologicamente, perdendo a capacidade de amar, e Afonso morre. Em Carlos há, no final da obra, um pedaço de esperança de saborear “o prato de paio com ervilhas”, pelo que este pode ser considerado o único personagem em que a acção não se fechou completamente.
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Entre as duas intrigas pode-se observar um paralelismo, começando logo pelo facto de a intriga principal só se dar por serem criadas condições para tal, pela intriga secundária, além disso há pontos em comum. Apesar dos programas educacionais opostos de Pedro e Carlos, ambos são vítimas do meio em que se inserem, o que levará à frustração dos seus ideais e capacidades. Tanto Pedro como Carlos têm vidas devassas; o primeiro desejou o encontro com Maria Monforte e conseguiu-o graças ao Alencar, o segundo desejou o encontro com Maria Eduarda e conseguiu-o, também, mas graças ao Dâmaso; ambos são objecto de uma paixão avassaladora. Afonso opõem-se a ambos os romances, ao de Pedro devido aos antecedentes de Maria Monforte, cujo pai enriquecera por negociar escravos, ao de Carlos por considerar Maria Eduarda “uma amante”. Maria Monforte retarda o encontro com Afonso, enquanto que Carlos e Maria Eduarda retardam a felicidade por causa de Afonso. Em ambos os romances surge um elemento desencadeador do drama, no caso de Pedro, e da tragédia no caso de Carlos, sendo Tancredo para Pedro e Guimarães para Carlos. Pedro suicida-se fisicamente, enquanto que Carlos se suicida psicologicamente. Há ainda pequenas acções secundárias como os relacionamentos amorosos adúlteros de Ega e Raquel Cohen, e, de Carlos e Condessa de Gouvarinho, como o comportamento e as atitudes de figurantes, nomeadamente de Dâmaso, Eusébiozinho e Palma Cavalão, e ainda como o paralelismo entre a educação dada a Carlos e a Eusébiozinho. A crónica de costumes engloba os ambiente sociais, os figurantes e seus comportamentos, bem como as relações do protagonista Carlos, quer com o ambiente, quer com as personagens, pelo que os episódios são acções ainda que com duração limitada. É uma acção aberta porque cada episódio pode continuar. Tem uma existência autónoma em relação à intriga familiar e os episódios constituem um documentário social da Regeneração. Embora independente da intriga familiar, estes episódios encontram-se harmoniosamente encaixados na narrativa porque são personagens que “actuam” a nível da intriga e integram cenas da vida contemporânea lisboeta. É fundamentalmente ao nível da intriga principal que surge a crónica de costumes, pelo que ambas se desenvolvem em paralelo.
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