Luísa Azuaga
Introdução Se fizermos uma pesquisa bibliográfica por assuntos numa rede computacional,usandopara tal a palavra motfologia, vamos depararcom várias referênciasa eswdosde Química, Botânica,Biologia, e não apenas de Linguística. Na verdade,trata-sede um termo que não é exclusivo da ciência da linguagem; aliás, quando,no início do século XIX, começoua ser utilizado, tambémo não era, referindo, sim, qualqueranálisecujo objecto fossea forma. Nessaáreado saber,porém, motfologia foi desdelogo empregue,especificamente, no sentidotradicionalde análisedasformasque as palavrasde uma dada língua podemassumir. Presume-se,então, a partir desta definição clássica,que uma palavra ocorre sobdiferentesformas;mas,dadoo termofonna serpolissémico,não só em Linguística, como no seuuso quotidiano,como vamosinterpretá-Io nestecontexto? Consideremosos exemplosapresentadosem (Ia), ou em (lb): (1) (a) canto cantas canta cantamos
cantais cantam (b) cantar
pintar lutar
cantor pintor lutador
Em (Ia), reconhecemos tratar-sesempredo verbo cantarque ocorrenas diferentesmanifestações,ou seja, seis elementosde um conjunto de alter215
nativasparadigmáticas,as suas"formasno Presentedo lndicativo. Em (lb), estamosperanteseis ocorrênciasde seis palavrasdiferentes,porém, de algum modo, notamosque elas tambémse relacionamformalmente,entre si, i. e., a estruturainterna de cada uma reflecte relaçõescom as outras. A Morfologia analisa, então, as formas das palavras, ou melhor, as alteraçõessistemáticas,na forma destasunidades,alteraçõesessasque estão relacionadascom mudançasno sentidodas mesmas,como observamos, quer em (Ia) quer em (lb), ilustrando,embora,estesexemplos,dois tipos distintos de alterações,como teremosoportunidadede atendermais adiante, ao longo destecapítulo. É uma disciplina linguística que tem a palavra por objecto, e que estuda,por um lado, a sua estruturainterna, a organizaçãodos seusconstituintese, por outro, o modo como essaestruturareflecte a relação com outras palavras,que parecemestar associadasa ela de maneiraespecial.Nesseestudoinclui-se a análisedas unidadesque são usadasnas alterações sofridas, como, por exemplo, afixos flexionais e derivacionais,bem como as regrasque são postuladaspara dar conta dessas alterações.
1. Palavra Mas o que é uma palavra? Qualquer falante parece não ter dificuldade em dar inúmeros exemplos de palavras ou reconhecer também um grande número de palavras da sua língua. Agora que estamos a ler esta página, reconhecemo-Ias facilmente pelos espaços em branco entre elas e, se deparamos com uma, da qual não sabemos o significado, podemos procurá-Ia num dicionário, lugar onde tais elementos se encontram quase que armazenadosà espera da nossa consulta. Mas as palavras não são apenas reconhecíveis na escrita, como o que apontámos acima poderia fazer supor; ao ouvirmos alguém falar, também identificamos certas sequências como palavras. Por exemplo, imagine-se que, durante uma conversa, nos perguntam: -O que é que « » significa? ou -Como pronuncias « » ? O item lexical a incluir no espaço entre aspas, normalmente, deve representar uma palavra. De facto, esta constitui-se na associação do sentido que express~ com os sons que a formam e conhecer uma palavra implica, por conseguinte, saber o que signifiça e como é pronunciada. Repare-se que, em geral, para além de identificarmos estas unidades, todos nós concordamos também com o que consideramos ser, ou não, uma palavra na nossa língua. Assim, a forma sublinhada na frase Era um gato enorme e muito ,s.l2lillQ, não é uma palavra em Português, embora todas as outras o sejam. 216
Este quadro, à primeira vista simples e incontroverso, analisado de mais perto começa, porém, a revelar-se muito diferente. Aceitando, em princípio, a existência da palavra, não nos apercebemos, por exemplo, na maior parte das vezes, da complexidade da sua natureza. Por outro lado, é vulgar os falantes suporem que as palavras são unidades de sentido indivisíveis. Na verdade, muitas delas, como, por exemplo, pai, mãe, bom, para, não podem ser segmentadas em unidades menores, que também sejam portadoras de sentido, ou seja, não possuem estrutura interna, tratando-se de palavras simples e, com certeza, este facto deve pesar na formação dessa convicção, que é relativamente generalizada. Todavia, notemos que grande número de palavras do Português são palavras complexas, i. e., divisíveis em partes menores, portadoras de sentido, como por exemplo folhagem ou plumagem, em que folha refere uma parte de uma planta e pluma uma pena de ave, enquanto em ambos os casos a sua parte final, -agem, transmite a noção de conjunto. Analisemos em seguida, com algum pormenor, a estrutura interna de uma palavra que apresente um certo grau de complexidade, como é o caso de perigosamente: podemos explicar o seu sentido, que representamosentre aspas, como «de modo perigoso», o que implica recorrer-se ao sentido de perigoso, que por sua vez podemos explicar como «cheio de perigo». Encontramos,então, várias camadasde referência ao sentido, e não uma simples associaçãohomogéneade uma forma fonética a um conteúdo semântico. Para dar conta do sentido de perigosamente, podemos proceder do seguinte modo: separamos uma parte do seu sentido e associamo-lo com a relação que estabelece com outra, perigoso, presumivelmente mais «básica», e, depois, procedemos da mesma forma com perigoso, estabelecendo uma relação com perigo. Temos de actuar da mesma maneira com a outra parte do seu sentido, relacionando perigosamente, desta vez, com palavras como lentamente ou rapidamente, e, em seguida, perigoso com palavras como venenoso ou brioso. Em cada um dos casos, a outra palavra, com a qual se estabelece a relação, possui uma forma incluída na forma da que está a ser definida, por exemplo, lentamente/ perigosamente e perigoso/ /perigo, para além da relação de sentido encontrada. Parece, então, existir uma relação sistemática entre subpartes da forma de uma palavra e subpartes do seu sentido; sendo assim, podemos atribuir a perigosamente a representação (2), em que (2a) indica a sua divisão formal, e (2b) uma análise paralela do seu sentido:
(2) (a) (b)
[[perigo] [[SITUAÇÃO]
[oso] ]
[mente] ]
[CHEIO]] [MODO] 217
Note-se que, no esquema, ocorre -oso, embora na palavra em análise tenhamos perigosamente. Uma explicação para este facto recorre à etimologia do sufixo adverbial -mente, que, oriundo do substantivo latino mens, mentis, do género feminino (cf. Cunha e Cintra, 1984: 103), se adiciona sempre à forma feminina do adjectivo: perigosa-mente. O sentido de uma palavra complexa, portanto, será função do sentido das suas partes. Deste ponto de vista, o sentido de perigosamente é a combinação do sentido das subpartes perigo, -oso e -mente, como indicado na análise que acabámos de realizar. Voltando à nossa pergunta inicial, que nos fez pensar sobre o que entendemos por palavra, note-se ainda que, no nosso conhecimento linguístico, em relação a cada uma destas unidades, para além de sabermos o seu sentido e a representação fonológica única que determina a sua pronúncia, possuímos ainda informação quanto à sua categoria sintáctica 00 classe gramatical (ver capítulo Sintaxe). Assim, se compararmos a frase em (3a) com a sequêncianão gramatical em (3b), sabemosque construir, sendo um verbo, não pode ocorrer numa frase em que um nome como construção pode figurar, e que urgentemente, como é um advérbio, não pode ocorrer onde um adjectivo como urgente pode aparecer. (3) (a) A construção de parques de estacionamentoé uma tarefa urgente. (b)*A construir de parques de estacionamento é uma tarefa urgentemente.
Sabemosestesfactosintuitivamente,enquantofalantesdo Português,por isso alguns linguistas consideramque possuímosuma gramáticainteriorizada,incluindo regrasde construçãode frases (ver capítulo Sintaxe)que, como vemos, recorremà informaçãosobre a categoriasintácticadas palavras.
Do que acabámosde expor, é possívelconcluir que podemosdefinir uma palavraa partir de vários pontosde vista. Podemoscaracterizá-Ia,por exemplo, como o domínio de princípios que regulam o material morfológico, mas tambémcomo uma unidadegráfica, como uma unidadefonológica (ver capítulo Fonologia), como o elemento básico do léxico (ver capítulo Semântica),ou como o elemento terminal da estruturasintáctica (ver capítulo Sintaxe);há uma variedadeconsiderávelde perspectivasque, naturalmente,delimitam unidadesque não têm forçosamentede coincidir. Diferentes abordagens sobre, o que é uma palavra convergem na mesma
unidadeem muitos casos,noutros não, o que tem sido causade grandes controvérsias. Vejamos alguns dos aspectosque ilustram esta falta de coincidência. Consideremos,para começar,o contínuo sonoro. Quando as pessoas 218
falam, muitas vezes interrompem o discurso através de pausas,porque queremdar uma formulação correcta aos seus pensamentos,melhorar a ordemdaspalavrasna frase, procuraro termo exacto,etc. Se observarmos este pormenor,daremosconta de que tais pausas,feitas em silêncio, ou preenchidaspor sons indicadoresde hesitação,como «ah...ah...ah...», não ocorrem,em geral, no interior das palavras,mas sim entre elas. Com base nesteaspecto,qualquersegmentode uma frase, limitado por pontossucessivos, nos quais é possívelfazer uma pausa,é uma palavra. Assim, em (4), marcandocom a letra p as posiçõesde pausaspossíveis, de acordocom estadefinição,cadasegmentoentre duasinstanciações destaletra é uma palavra. p p p P (4) Agora, chamem o guarda-noctumo. No contínuo sonoro em (4), encontramos, deste modo, três segmentos, agora, chameme o guarda-noctumo. Se a nossa segmentaçãose fundamentar na atribuição de acento principal de palavra, critério que diz igualmente respeito ao aspecto sonoro de (4), verificamos uma coincidência nas unidades encontradas: agora, chamem e o guarda-noctumo são três unidades, três palavras fonológicas. Porém, se analisarmos (4), partindo de outros critérios, ortográficos ou sintácticos, por exemplo, já isso se não verifica: de facto, tanto a análise ortográfica como a sintáctica não identificam com uma palavra a sequência o guarda-noctumo. Esta falta de coincidência está associada ao facto de a palavra palavra não ser um termo científico, mas emprestadodo vocabulário corrente. Aliás, muitas das dificuldades encontradas na clarificação da natureza desta unidade radicam, em larga medida, na utilização do termo com uma variedade de sentidos que, Tegra geral, não chegam a ser delimitados. Tentemos, por conseguinte, identificar esses diferentes sentidos. Em (5), se quisermos contar as palavras, não levamos muito tempo a chegar ao número seis, notando os itens que ocorrem entre espaços em
branco. (5) Quantascontascontas abrir nesteBanco? Trata-se da noção de palavra enquanto palavra ortográfica, unidade que, na escrita, é delimitada por espaços em branco. No entanto, muitas vezes, este critério ortográfico não nos permite ter a certeza de quando começa ou acaba uma palavra, mesmo a este nível, dado que, em alguns casos,como, por exemplo, em alfinete-d'ama, se usa hífen e um apóstrofo, sinais gráficos que, na realidade, não constituem propriamente um espaço. 219
Consideremosoutro pormenor: contámosas palavrasortográficasem (5), mas haverána frase repetições?Quantassão consideradasdiferentes? A respostaa estasperguntasnão é tão simples como pareceà primeira vista, ou melhor, não há apenasuma única resposta,pois ela depende do sentidoa atribuir a palavra; com efeito, repare-secomo as duas instânciasde contassão, de um ponto de vista ortográfico, a mesmapalavra ortográfica e, de um ponto de vista do sentido, por exemplo,palavrasdiferentes: trata-se de palavras homónimas, que se escrevemda mesma maneira,embora designemnoçõesdiferentes,não se encontrandorelacionadassemanticamente. Há palavras,como pregar (pregos)e pregar (um sermão),que, se têm a mesmagrafia, não se pronunciamda mesmamaneira,apresentandosignificados diferentes:são palavras homógrafas. Entretanto,podemostambém encontrar palavras que se pronunciam da mesma maneira, mas se escreveme têm sentidosdiferentes,como concelhoe conselho,ou cozere coser: sãopalavrashomófonas.Estestermos, homógrafo,homófonoe homónimo,têm todos um elementocomum,de origem grega, homo,que significa «o mesmo»;assim,homógrafosignifica «a mesmagrafia»,homófono «o mesmo som» e homónimo «o mesmonome». Se em (5) contas,no sentido de «escrituraçãodo crédito e débito de alguém»,e contas,no sentido de «tencionas»,não são a mesmapalavra, em (6), e continuandoa analisara ambiguidadedo termo, quantaspalavras diferentesencontramos? (6) Sou professor,masjá fui estudante. A resposta vai depender,portanto, da perspectiva a adoptar; assim, podemosconsiderarsou e fui a mesmapalavra ou palavrasdiferentes. Soue fui são palavrasdiferentes,do ponto de vista gráfico; nessabase, é possívelafirmar que contamosseis formas de palavra em (6): sou,professor, mas,já, fui e estudante,entendendopor forma de palavrauma forma, fonológica ou gráfica, que pode ocorrerisoladamentee que representa uma ocorrênciaparticular, sob a qual uma palavra se apresenta. No entanto,podemostambémconsiderar sou e fui a mesmapalavra, pois a forma de palavra sou e a forma de palavrafui sãoformasdo lexema SER,ou seja, soue fui são formas de palavraque realizamo mesmoitem vocabularabstracto,são diferentesmanifestaçõesdessaunidadelexical. Palavra, com este novo sentido, não é um elemento constituído por letras ou sons;o lexema é uma unidadelexical abstractaque reúne em si todasas flexões (ver adiante5. Flexão e derivação)de uma dadapalavra; de certo modo, é o que todas as formas de palavra associadasa ele possuem em comum; daí que, por convenção,e como critério metalinguís220
tico, se tenha estabelecidoescreveras formas de palavra em itálico e os lexemascom letras maiúsculas;podemos,assim, escreversou é uma forma de SER. Os lexemasnão ocorremno plano da expressão;se, nestecaso, usamos o termo ocorrência,fazemo-lo apenasmetaforicamente.De facto, as ocorrências,quer na escrita quer na fala, apresentamsempreuma forma, gráfica ou sonora,logo as unidadesque ocorrem são as formas de palavra, que representamou realizam os lexemas. É frequenteidentificar-selexema com entradano dicionário (o que não estátotalmentecorrecto, na medida em que alguns dicionários podemincluir, explicitamente,numa entrada,por exemplo,palavrasderivadas«regularmente»da que constana entrada),o que implica entradasseparadas para homófonos,homónimose homógrafos,mas não para as formasde palavra. Assim, não encontramosdirectamenteas formas de palavra soue fui num dicionário,masa forma do infinitivo, ser,a sua forma de citação. A forma de citaçãode um lexema é a forma de palavra que convencionalmentese escolheupara representaresselexema na entradade um dicionário. Até agora identificámos quatro empregosdiferentes de palavra, aos quais correspondemquatro noçõesdiferentes: 1. palavra ortográfica: unidade da escrita, delimitada por espaços em branco. As palavras ortográficas são distintas umas das outras, porque escritas de modo diferente -pai, passo, paço; 2. palavra fonológica: unidade fonológica, resultante de um determinado tipo de segmentação do contínuo sonoro. As palavras a este nível são distintas pelos processos fonológicos que as delimitam; constituem-se como sequênciasque formam constituintes prosódicos únicos, apresentando uma determinada propriedade unificadora, como um só acento principal, ou indivisibilidade de produção, ou outro critério fonológico. De modo muito simplista, diremos que são distintas umas das outras, porque pronunciadas de modo diferente -pai, pregar (pregos), pregar (um sermão); 3. formas de palavra: palavras distintas umas das outras, porque re-
presentamvariantes flexionais de uma mesma unidade lexical. Trata-se de formas fonológicas ou gráficas, que podem ocorrer isoladamente -pai, pais; sou, fui; 4. lexema: unidade lexical, abstracta, que reúne todas as flexões de uma mesma palavra. Em princípio, os lexemas são distintos uns dos outros, porque portadores de sentidos diferentes -PAI, MÃE.
Em muitoscasos,estesquatrotipos sãorepresentados pelo mesmoitem, e. g. a palavra lápis, consideradaisoladamente,é sempreescritae pronun??1
ciadada mesmamaneira,não apresentavariaçãogramaticale é um lexema; porém, o mais frequenteé estestipos não seremidênticos. Como vimos, por vezes, quando empregamoso termo palavra, não pretendemosreferir um item vocabular abstracto, um lexema, mas uma realizaçãodesselexema,ou seja,uma forma de palavra.Outrasvezes,ainda, palavra pode também ser consideradaa representaçãode um lexema, mas com a particularidade de a ela se associaremcertas propriedades morfossintácticas,i. e., em parte morfológicas,em parte sintácticas,como, por exemplo,nome, verbo, género,número,etc. Observemosas frasesem (7), reparando,tanto em (7a) como em (7b), que, por um lado, se repetea mesmapalavraortográfica, lápis, realizando esta forma de palavra o lexema LÁPIS mas que, por outro lado, não se trata exactamentedos mesmoselementosem ambasas frases: (7) (a) (b)
Comprei um lápis. Comprei dois lápis.
Com efeito, se substituirmoslápis por formas equivalentesdo lexema FUNIL, por exemplo, como em (8), verificamosque, em (7a) e em (7b), lápis representaduas palavrasgramaticalmentedistintas: (8) (a) Comprei um funil. (b) Comprei dois funis.
Podemos,por conseguinte,dizer que lápis em (7a) realiza LÁPIS e SINGULAR, enquantoem (7b) realiza LÁPIS e PLURAL; são, portanto, palavrasdiferentesmorfossintacticamente. Palavra morfossintácticaé então o termo que se deve utilizar, quandopretendemosdesignara especificação ou a descriçãode uma das formasde um lexema,tal como ela ocorre num dado enunciado. A naturezadas palavrasé, consequentemente, muito complexa,existindo uma vasta literatura sobre definição de palavra e sobrea maneirade conciliar as várias alternativas. Os cinco tipos de palavrasque identificámospermitem-nosatingir um maior grau de precisão,no empregoque deles fizermos, dada a sua especificidade.Porém,sempreque essaespecificidadenão sejanecessária, continuaremosa usar o termo palavra, emboraconscientesda imprecisãodo seuconteúdo. Além de atentarmospara a complexidadeda unidade linguística que propomospara objecto da Morfologia, chamámostambéma atençãopara o facto de as palavraspoderemser internamentecomplexas,como verificámosacima com perigosamente. 222
malisar, quer as palavras simples quer as complexas, conue se tratava de associações particulares de som e sentido; ote-se que as palavras não constituem, numa língua, a única ~m que se estabelece este tipo de asssociação. Não são consil unidade máxima desse tipo de relação som/sentido, pois as)s sintagmas (ver capítulo Sintaxe), sequências estruturadas de são unidades maiores; devem, então, ser consideradas a uni)ortadora de sentido, ou precisamos de postular a existêncianidade menor que a palavra, essa, sim, a unidade mínima signium problema básico em Morfologia. luando analisámos perigosamente, a correspondência entre a 1a forma em (a) e a análise paralela do sentido em (b), ugerir que o domínio da relação directa entre som e sentipalavra como um todo, mas as subpartes dela, dado perigosaombinação estruturada de unidades menores que a palavra, lortadoras de sentido. estas observações, os linguistas estruturalistas dos anos 40 :Jue as palavras são, em geral, constituídas por tais unilaiS pequenas do que elas, a que deram o nome de morfema. ~moderna são duas noções cruciais em Morfologia, cada uma 1m vasto projecto incompleto de pesquisa; da palavra já faláouco; vamos agora considerar a outra noção.
eve ser apenas coincidência o facto de in-, quer em inconstituuer em ingrato, quer em várias outras palavras do Português, ronúncia e o mesmo sentido, podendo nós dizer o mesmo Irofessoral, formal, essencial, etc. Propusemos acima, em (2), Ia correspondência que aí se verifica entre as duas análises, ~mantica, que palavras como perigosamente não são signos simIas uma combinação determinada de signos individualmente simples, ~presentandoa união de uma parte discreta do sentido da palama parte discreta da sua forma. Esses elementos são o que, no 'lmericano, geralmente se designa por morfemas.~m Bloomfield (1933) encontram-se os fundamentos para este tipo de .-ltorfológica, baseadana noção de oposição (ver capítulo Fonologia) ia distribuição dos elementos linguísticos. 1 definição deste autor, o morfema é, por um lado, uma come sequências fonológicas, e, por outro, uma unidade de sentido, -:23
ou seja, «uma forma linguística que não apresentasemelhançasfonético-semânticascom qualqueroutra forma» (Bloomfield, 1933:161). São estasunidadesindivisíveis, de conteúdosemântico(ou de função gramatical)que constituemas palavras,nestequadro teórico. O morfema é geralmente também definido como a unidade mínima significativa que, como já sabemos,tem uma forma física (i. e., fonológica e fonética) e um sentido, ou função, no sistemagramatical. O morre é essaforma física que representaum morfema. Em princípio, cada morte diferente representaum morfema, Os mortes são, então, as unidadesque, enquantosegmentosda forma de palavra considerada,podem ser escritos,como nestecaso, ou falados, como tão frequentementeacontece;trata-se,por consequência, de unidades discretasque realizam,na fala, ou na escrita,as unidadesabstractasa que chamamosmorfemas;existe, assim,uma relaçãode actualização 00 realização entre morfema e morte, este último a expressãofísica dessaunidade abstracta.O morfema é, portanto, realizado por algo de natureza diferente: não se pode ouvir ou pronunciarum morfema,só se pode ouvir ou pronunciaro que realiza essemorfema, ou seja, o morte. Como afirmámosantesacercados lexemas,dadoque os morfemasnão ocorremno plano da expressão,usamos,tambémnestecaso,o termo ocorrência apenasmetaforicamente. Quandonos queremosreferir a um morfema,regra geral utilizamos o morte que o realiza e escrevemo-loentre chavetas,com letra maiúscula, por exemplo, {LÁPIS}, {PLURAL}, {FELIZ}. Para reconhecermos,num som único, ou num conjunto de sons,a representaçãode um morfema, existemtécnicase princípios a seremutilizados. Antes, porém, de abordarmosestes aspectos,repare-seem algumas questõesimportantes: a) O facto de uma dada sequênciasonoraserconsideradaa manifestação de um morfema dependeda palavra em que ocorre. Por exemplo,se in- representaum morfema com o sentido de negaçãoem palavrascomo inábil, incombustível,esteconjuntode sonsnão tem o estatutode morfema em infante ou indiano, pois, nestasúltimas palavras,não possui valor semântico ou gramaticalidentificável. b) Até agora, temos utilizado o critério semânticopara identificar os morfemas.Na verdade, em muitos casos,formas que têm em comum o mesmo sentido podem ser atribuídas ao mesmo morfema; no entanto,o empregoexclusivo de tal critério pode revelar-seproblemático,o que levou à utilização de outros, de carácterformal. c) Finalmente,perantepalavrascomo helicóptero,pterópodeou díptero, devemosconsiderarpter- morfemado Português?Historicamente,pter é um empréstimodo Grego, língua em que significava «asa»;helicópteroé um 224
aparelhoaerostáticoque conhecemosbem, possuindohélices horizontais que,quaisasas,o sustentamna atmosfera;dípteroé um insecto,uma mosca ou um mosquito,que tem duasasas,e pterópodeo grupode moluscoscujos pésapresentam expansõeslaterais,lembrandoasas.É óbvio que pter ocorre em palavrasportuguesas,cujo sentido tem a ver com «asas»,o problema é que a maiorpartedos falantesnunca reparouna conecçãosemânticaentre helicópteroe «asas».Convém, portanto, estabeleceruma distinção entre informaçãoetimológica,cuja relevânciaé, essencialmente, histórica, e informaçãosincrónica,que faz parte do nossoconhecimentolinguístico. Dissemosjá que, dadasas falhasde uma abordagempuramentesemântica, emboraestecritério do sentidodesempenhe o seupapelna identificação dos morfemas,os linguistas estruturalistasprocuraramatribuir prioridades a critérios formais. O princípio básico usado na análisedas palavrasé o princípio da oposição,como referimos acima. Procedemos,então,opondo formasque, por um lado, são diferentesfonologicamentee, por outro, são tambémdiferentessemanticamente. Assim, a diferençafonológicaentre, por exemplo,/pal e /pe/ está correlacionadacom uma diferençasemântica. Começamosa análisedas palavrasem morfemascom a sua segmentação em morres. É frequenteum morre realizar um morfema, mas estarelaçãode um para um nem semprese verifica; por vezes,dois ou mais morresapresentam o mesmosentido,mas, entretanto,nunca ocorremno mesmocontexto; por outro lado, a soma dos seus contextos constitui o conjunto dos contextosem que o morfema que realizampode ocorrer. Como exemplo, analisemoso casodo morfemade plural do Português.Nos falaresde Lisboa e do Rio de Janeiro,o plural, manifestona escritapela terminação-s, pode assumirformas fonéticas diferentes (ver Cunha e Cintra, 1984:76) como verificamosem (9) na palavra casas: (9) (a) casasamarelas (b) casasbonitas (c) casaspequenas o morfemaplural realiza-sede três maneirasdiferentes,como indicamos em (10): (10) (a) [z] antesda vogal que inicia a palavra amarelas; (b) [3] antesda consoantesonoraque inicia a palavra bonitas; (c) [J] antesda consoantesurdaque inicia a palavra pequenas. De facto, a diferençana forma que detectamos,não se encontraassociada a nenhumadiferençade sentido. 225
Estamosperantemorresdiferentesque realizam,nos três casos,o mesmo morfema {PLURAL}. Quandomorfes diferentesrepresentamo mesmomorfema,são agrupados e intitulados alomorfes dessemorfema. Repare-seque, nos exemplosque acabámosde analisar,a escolhaentre estasdiferentesrealizaçõesé determinadaou condicionadapelo somseguinte. Dizemos nestescasosque o morfema {PLURAL} apresentaalomorfismo condicionado foneticamente. Outro exemplode alomorfismotambéminteiramentecondicionadopor razõesfonológicas,verifica-senas terminaçõesde plural das seguintespalavras inglesasem (11): (11)
Singular cal [kaet] dog [d:Jg] horse [h:J:s]
Plural cats [kaets] dogs [d:)gz] horses[h:):siz]
A terminaçãode plural apresenta,como vemos, três pronúnciasdiferentes: [s], [z], [iz], mas estes três elementos representamo mesmo morfema {PLURAL}. A técnica utilizada na identificaçãodos morfemasbaseia-sena noção de distribuição,i. e., o conjunto dos contextosem que uma forma linguística particular ocorre. Note-seque as terminaçõesde cats, dogse horses nunca ocorremno mesmocontexto;estesmorresencontram-seem distribuição complementar. Dizemos que os morres se encontramem distribuição complementar, por consequência,quandorepresentamo mesmosentido ou servema mesma funçãogramaticale, para alémdisso,nuncaocorremem contextosidênticos. Assim, os três morres [z], [3] e m, que representamo morfemade plural na palavra casas em (10), encontram-setambém em distribuição complementar.Cada um delesocorreapenasem contextosespecificadosem (11), logo são alomorfesdo mesmomorfemade plural. A escolhado alomorfe a usar num determinadocontexto não é feita ao acaso;nestesdois exemplos,dependemda naturezado som que os segue imediatamente:são alomorfescondicionadosfonologicamente. Mas a distribuiçãodos morrespode sercondicionadapor outrasrazões, que não fonológicas; em inglês, há outras maneiras de manifestar a pluralidade além da que apontámos;há palavrascujo plural se manifesta na temiinação -en,como oxen ou children; ora, a escolhadestaoutra maneira de manifestarpluralidadenão dependedo contextofonético, masdos lexemas em questão,OX e CHILD; esta variante do morfemade plural, nestecaso,é condicionada lexicalmente. 226
Noutros casos, ainda, como em confortável e confortabilidade, ou inteligível, inteligibilidade, por exemplo, é a estrutura morfológica que determina a ocorrência dos dois morres, confortá-vel e conforta-bil, ou inteligí-vel e inteligi-bil, ou seja, o alomorfismo, neste caso, é condicionado pela presença do sufixo -dade, adicionado a uma palavra que terminava com o sufixo -vel; estamos, então, perante um alomorfismo com base num condicionamento morfológico, uma propriedade idiossincrática destaspalavras. Repare-se que o morfema {SER} se realiza sou, quando se encontra associado aos morfemas de presente, primeira pessoa e singular, mas fui, quando se encontra associado ao morfemas de passado, primeira pessoa e singular; {SER} apresenta, portanto, vários «disfarces», alomorfes que dependem inteiramente da presença de um elemento gramatical particular no seu contexto; nestes casos, dizemos que estes alomorfes são condicionados gramaticalmente. Numa língua como o Alemão, a forma dos adjectivos depende do género dos nomes que modificam; vejamos, como exemplo, o nominativo singular do adjectivo gross, que, portanto, apresenta alomorfes condicionados gramaticalmente, que indicamos usando itálico: em ein ein ein
grosser Wagen «um cauo grande» grosser Hund «um cão grande» grosses Haus «uma casa grande» grosses Rad «uma roda grande»
(Wagen: nome masculino) (Hund: nome masculino) (Haus: nome neutro) (Rad: nome neutro)
Os morresque realizamum morfemaespecíficoe que sãocondicionados (fonética,lexical, morfológicaou gramaticalmente) sãochamados,como vimos, alomorfesdessemorfema. Qualqueralomorfe é um morre; apenas se especifica,com a utilizaçãodaqueletermo, que o morre em causaé uma entre várias realizaçõesde um morfemadeterminado. Em resumo, para identificarmos
morfes como alomorfes de um
morfema único recorremos,portanto, a um critério duplo, semânticoe distribucional; por um lado, os morres, apesarda sua diferença formal, devemapresentaro mesmosentido,por outro, devemencontrar-seem distribuição complementar. Repare-se, entretanto,que o termo morfemanemsempreé utilizado com o sentido que aqui lhe atribuímos, verificando-se,consequentemente, o mesmocom a palavra alomorfe; daí que, ao encontrarmosestaspalavras noutrostrabalhos,devamossempreverificar se as definiçõesusadascoincidem com estasque apresentamos. A análisede uma determinadapalavra numa determinadalíngua consiste, na abordagemestruturalista, na identificação dos seus morfemas constitutivos:vimos como perigosamente,por exemplo,era constituídapor 227
2.
três elementosperigo, -osoe -mente;porém, há ainda outros aspectosque devem ser analisados,na medida em que, para formar uma palavra complexa, não parece apenas ser necessário concatenar esses morfemas constitutivos:o sentido de uma palavra complexa requerque se representem certasrelaçõesde hierarquização,entre os seuselementosconstituintes, i. e., que se conheçao modo como os seusconstituintesse estruturam no domínio da palavra; para contemplarestepormenor,atribui-seàs palavras uma análiseque inclui uma estruturainterna hierarquizada,ou estruturade constituintes imediatos, Cls (ver capítulo Sintaxe),como em (12): Adv/Y//~"'"",
(12)
A
in-
"'"
AdO
feliz
-mente
Resumindoa posiçãoestruturalistaquanto à estruturada palavra,podemos dizer que: As palavrassão constituídaspor morfemas. Os morfemassão realizadospelos morres. 3. Os morfemasencontram-seordenadosnuma estruturahierarquizada de CIs, quanto à forma. Deste modo, o estudo morfológico está dividido em duas partes: uma que contempla o alomorfismo, i. e., que dá conta da maneira como os morfemas, unidades abstractas, se relacionam com a sua parte fonológica, ou seja, que diz respeito à natureza dos princípios que regem a variação, na realização do material morfológico, e outra parte, que chamaremos de morfotáctica, que se interessa pelo modo como os morfemas se agrupam em estruturas hierarquicamente organizadas, para construir palavras complexas. A morfologia, nesta abordagem,é um conjunto de afIrmações acerca do modo como os morfemas se distribuem em relação uns aos outros e se organizam em estruturas de CIs, e do modo como cada um é realizado, em termos do seu contexto.
3. Alguns problemas Em quadros teóricos estruturalistas, propôs-se o morfema, como temos vindo a ilustrar, como unidade básica da Morfologia, em alternativa à noção de palavra. Parecia haver interesse em eliminar esta e substituí-Ia por 228
morfema, no domínio da pesquisa,fundamentalmentepelas seguintesrazões: primeiro, porque, quando se comparam diferentes línguas, é difícil encontrar uma definição satisfatória para a noção de palavra; segundo, porque, perante a existência de muitas palavras complexas, reconhece-se a necessidade de um conceito que corresponda à unidade mínima, ao nível da formação de palavras. Na realidade, esta tomada de posição foi profundamente influenciada por dois aspectosimportantes. Por um lado, a visão estruturalista da linguagem que a identifica praticamente com um código, ao considerá-Ia constituída por um grande número de elementos separados, cada um com a sua forma distinta, codificando uma unidade de sentido; num enquadramento deste tipo -em que, para secobter uma determinada mensagem a partir desta forma codificada, basta, essencialmente, decifrar o código, identificar os diferentes elementos portadores de sentido e, em seguida, reconstituir a mensagem,combinando os sentidos encontrados -o morfema é o melhor candidato ao lugar de unidade central do código linguístico. Por outro lado, quando os estruturalistas se iniciam em análises morfológicas, já possuem um modelo para este estudo: o do fonema, a unidade mínima distintiva da estrutura sonora, que tinha resultado em importantes investigações. A estrutura morfológica de muitas palavras em diversas línguas, particularmente nas chamadas aglutinantes (ver 8. Tipologia das línguas), como o Turco e o Suaíli, em que existe uma correspondência biunívoca entre um morte e um morfema, parece não levantar problemas a este tipo de abordagem que considera as palavras analisáveis em constituintes morfémicos; porém, há também muitas palavras em que não é possível delimitar e identificar os morfemas, satisfazendo o requisito fundamental de as semelhanças semânticas e as semelhançasfonéticas se encontrarem correlacionadas, como se reconhece explicitamente no quadro estruturalista (cf. Hockett, 1947). Ilustrando alguns dessescasos problemáticos, comecemos por verificar que há casos em que o número de morfemas presentes é maior que o número de mortes encontrado; na palavra fui reconhecemos estarem realizados vários morfemas; um deles é {SER}, como podemos provar se, por exemplo, à frase em (13) mudarmos o contexto sintáctico, mas não a significação como em (14):
(13) Fui aluno destaescolao ano passado. (14) Ao ser aluno desta escola,tive oportunidadede conhecervários bons colegas. Outro moderna incluído em fui é o moderna {SINGULAR}, como verificamos se, em (13), alterarmos a forma do sujeito para o plural, o que 229
obriga ao uso da forma fomos; fui marca ainda {PASSADO}, Português não é possível dizer como em (15):
pois em
(15) *Hoje, neste preciso momento, fui aluno desta escola. Por outras palavras, podemos inferir por meio de padrões estruturais da língua que o verbo se encontra no passado, no singular, na primeira pessoa, embora nada na forma da palavra manifeste explicitamente tal. Os morfemas {PASSADO}, {SINGULAR} e {I.a PESSOA} são representados pelo mesmo morre portmanteau. Um outro tipo de problema ocorre em palavras, nas quais se verifica um morre vazio (uma subparte formal a que nada corresponde semanticamente); neste caso, o número de mortes que podemos isolar excedem o número de morfemas representados. Repare-se na palavra chaleira onde temos os segmentos chá e -eira que realizam o morfema {CHÁ} e o sufixo -eira e ainda o elemento de ligação -l- que não pode deixar de ser tomado em linha de conta na análise morfológica desta palavra; trata-se de wn formativo, um elemento obrigatório nesta forma de palavra, mas não corresponde a nenhum lexema ou morfema; consequentemente,não é propriamente um morte, nem um alomorfe, mas apenas algo que funciona como uma espécie de cola morfol6gica. Outra dificuldade na relação entre a forma morfológica e a semântica verifica-se quando da ocorrência de unidades morfológicas descontínuasno interior de uma palavra complexa; para ilustrar estas unidades, recorremos a duas línguas, o Latim e o Bontoc; no Latim, encontramos a forma verbal rumpo, «eu rompo», onde deparamos com um infixo nasal que interrompe a subcadeia contínua da forma rup- (confronte-se com rupi «eu rompi», oride não ocorre o infixo); em Bontoc, uma língua falada nas Filipinas, também ocorrem infixos, i. e., morfemas que são inseridos no interior de um outro morfema, como ilustramos a seguir:
Verbos
Nomes! Adjectivos fikas «forte» kilad «encarnado» fusul «inimigo»
fumikas «ser forte» kumilad «ser encarnado» fumusul «ser inimigo»
Considerandoainda outro caso que levanta problemasà análiseestruturalista,temos em Portuguêsváriosexemplosde palavrasformadasa partir de um prefixo e de um sufixo, sendoo processosimultâneo,como o ver00 encurtar, que é uma forma morfológica única, formada ~ partir do adjectivo curto, por meio de uma prefixaçãoe uma sufixaçãosimultâneas; nestascircunstâncias, fala-sede circunfixos e do processoda circunfixação, -
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, nome pelo qual este processo é tradicionalmente dePortuguês. a circunfixação, como a infixação, levantam o problema de, ao unidades morfológicas descontínuas no interior de uma fornão permitirem o mesmo tipo de correspondência que em (2). . Os problemas que temos vindo a encontrar para a análise morfémica dizem respeito apenas a incompatibilidades entre a análise da I à existência de constituintes descontínuos na forma. casos em que não é plausível analisar os aspectos morfológicos termos de um afixo isolável, identificável, de modo a que possa consforma fonológica desse moderna? vários exemplos de palavras portuguesas em que é possível identios diferentes modernas; falámos já no moderna de pluflexional -s, que encontramos em casas, livros, viagens, etc.; podemos proceder a essa identificação em palavras como lápis, lápis, como vimos em (7b)? Algumas análises, bastante controaliás, postulam, neste caso em que não há uma marca visível de particular, a existência de um morre zero para dar conta da de função entre as duas formas homófonas de LÁPIS em (7). mais tarde outros casos problemáticos que tratam de remorfológicas em que não se manifestam alterações na forma (ver de palavras). modernas de reduplicação (ver 6. Processos morfológicos) à análise morfológica proposta, na medida em reduplicado não é sempre o mesmo, como teremos oportude verificar adiante; outro, talvez até o mais importante, é o das apofónicas (Ablaut, Umlaut e outras mutações vocálicas e morfologicamente significativas) de que são exemplo as se-
formas inglesas: sing «eu canto» VS. sang «eu cantei» vs. song «canção» Um outro tipo de discrepância entre a análise formal e a análise semân-.das formas de palavras foi estudada e descrita com pormenor em ..(1976). Trata-se de palavras em que se observa a existência de l sem que a ela correspondam morfemas portadores de sentido, nas palavras inglesas refer, receive, defer, deceive. Verifica-se um semelhante em português com palavras como aferir, conferir, referir, inferir, preferir ou transferir, onde podemos encontrar um morfema, ao qual não está associado um significado específico, mas cujo re:. , enquanto elemento constituinte dessaspalavras, é justificável. 231
---lexicais
A definição tradicionalde modernacomo unidademínima significativa é então posta em causa. Este conjunto de problemasé, talvez, um pouco heterogéneo,mas a frequênciadas situaçõesem que eles ocorremnas línguasde todo o mundo levou linguistas, como, por exemplo, Aronoff (1976) e MacCarthy (1981), a rever os princípios norteadoresda noção estruturalistade morfema, generalizando-osou até mesmoabandonando-os. A teoria morfológica,hoje em dia, em particulara generativa,tem como unidadechave a palavra,porém,como o modernacontinuaa ser uma entidade teórica importante, consideremos ainda os diferentes tipos de moderna mais em pormenor.
4. Tipos de morfema Os morfemasclassificam-se,quantoà naturezada sua significação,em morfemas lexicais e morfemas gramaticais, ou modernas funcionais; estes últimos têm como única função assinalarrelaçõesgramaticais,como os morfemasde númeroou de tempo,as preposiçõesou o artigo, ao passoque os primeiros têm conteúdosemântico,como os que se referemao mundo objectivo ou subjectivo,como {RAPAZ}, {AZUL}, {BEM} ou {LISBOA}. Os morfemaslexicais constituemuma classe aberta, são em número ilimitado, sendosemprepossívelcriar um novo verbo, nome, adjectivo ou advérbio (neste caso, só quando se trata dos advérbios em -mente); em contrapartida,os morfemasgramaticaisconstituemum grupo finito, uma classefechada de unidadesnuma dadalíngua. De facto, as unidadeslexicais pertencema inventáriosilimitados ou abertose as unidadesgramaticais pertencema inventárioslimitados ou fechados;como a escolhado falante nos diferentespontosda cadeiafalada incide, consequentemente, sobre um número considerávelde unidadesdo primeiro tipo, enquantoo paradigma das unidadesgramaticaisé restrito, é de esperarque, num texto dado, a percentagemdas diferentesunidadesempreguesseja muito menoselevada para os elementoslexicais do que para os elementosgramaticais. Convém notar que alguns linguistas, particularmente de tradição europeia,usamo termo monema para designarestasunidadesa que demos o nome de morfema (ver Martinet, 1967:12-13), reservandomorfema para um grupo restrito que apresentaum sentido apenasgramatical, relacional; em esquema,teríamos
Monemas <:::
(lexemas): {CLASSE},{PAI}, ---gramaticais
etc.
(morfemas): {UM}, {DE},{PL}, 232
etc.
em mais do que um moderna,como cafezinhoou amor-perfeito,são pa. lavras polimorfémicas. Mas não se fique com a ideia de que as palavras polimorfémicastêm de serconstityídaspelo menospor um modernalivre, pois há em Portuguêspalavrascomo eurocrata ou morfologia que são constituídasapenaspor modernaspresos. Vimos que as palavrastêm estruturainterna.Consideremosagora,mais em pormenor,os elementosconstituintesde palavra,usadospara criar essa estrutura. Em Português,as palavrassimples,monomorfémicas,podem consistir num único constituintenão flexional, o radical, como, por exemplo, pai, mãe, ou por radical e um sufixo I-a, I-o ou I-e: poema, bolo, mestre.As palavrascomplexas,palavraspolimorfémicas,formadaspor mais do que um constituintenão flexional, em geral, contêmpelo menosduaspalavras,caso das palavras compostas,como guarda-noctumo,ou um modernacentral, que transmiteo sentidobásico,e um número variável de outros modernas que modificam este sentido, como no caso das palavras derivadas: por exemplo,em infelizmente,podemosdetectaro radical, o moderna potencialmentelivre feliz, e dois afixos, in- e -mente.O moderna preso in-, à esquerdado radical, é um prefixo e -mente,o modernapresoà direita do radical,é um sufixo. O afixo é um morfemaque ocorreapenasquandoconcatenadocom outro modernaou modernas.Por definição,um afixo é, portanto,um moderna preso.Na forma de palavra pais junta-seo sufixo flexional plural -s ao radical simplespai. O radicalé, portanto,a parte da palavraque existe antes de se afixar um elementoflexional, um afixo cuja presençaseja requerida pela sintaxe,como os marcadoresde número nos nomes.Em rapazinhos ocorre o mesmosufixo flexional -s, desta vez depois de um radical mais complexo, um radical derivacionalque consistena raiz rapaz e o sufixo derivacional-zinho que é usadopara transmitiro sentidode «pequeno». Finalmente,qualquerunidade à qual um afixo pode ser aliado tem o nomede base.Os afixosjuntos a uma basepodemser,portanto,flexionais, se seleccionados por razõessintácticas,ou derivacionais,se alteramo sentido ou a função gramaticalda base.Uma raiz como petiz pode ser uma base, na medidaem que é possíveljuntar-lheo sufixo flexional paraformar o plurnI, petizes,ou um afixo derivacionalparaformar um outro nome, petizada.~
5. Flexão e derivação Vimos antesque os mortes afixos podem ser divididos em duasgrandes categorias funcionais, os morfemas flexionais e os morfemas derivacionais.Esta classificaçãoreflecte o reconhecimentode dois grandes -
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processos de construção de estrutura interna das palavras, a flexão e a
derivação.Embora todos os morfologistasaceitem,de algum modo, esta distinção,trata-se~e um dos temas mais controversosda teoria morfológica. Esta divisão dos fenómenosmorfológicos,presentejá nos gramáticos latinos, como, por exemplo, Varrão, não tem sido cuidadosamente estabelecidaa partir de uma definição explícita; no entanto,consideremos algunsexemplosque lhe servemde base. Vejamosprimeiro flexão. Sabemosque há palavras, ler, por exemplo, é uma entre muitas, que podem assumirvárias formas (leio, lemos,li, leu, etc.),continuandoessasdiferentesformasa serconsideradas a mesmapalavra; dizemosentãoque lemosé uma forma da palavra ler e que li também é a mesmapalavra.Assim, como as formas flectidas são variantesde uma únicae mesmapalavra,podemosconcluir que flectir uma palavranão deve alterar-lhea categoriagramatical,o que, de facto, acontececom os exemplos dados: li, lemosou ler são sempreformas do mesmoverbo. Devido a estacaracterística,flexão é a operaçãoque não obriga a palavra a alterar a sua categoriasintáctica,segundouma das suasdefiniçõesmais correntes.
Já demosalguns exemplosde derivação; vejamos,de novo, como o verbo constituir forma o nome constituição por meio do sufixo -ção e como, a partir destapalavra, podemosformar o adjectivo constitucional, que, por sua vez, está na basede constitucionalizar.Neste processo,não andámosaté fechar um círculo, fomos antes formando uma espéciede espiral, ou escadaem caracol, pois constituir, sendoembora tambémum verbo, não quer dizer o mesmoque constitucionalizar;nada nos permite aflrmarque constitucionalizaré urna forma da palavra constituir,trata-se sim de duas palavrasdiferentes,embora relacionadas,na medida em que a primeira foi criada a partir destaúltima. Como os exemplosnos deixam concluir, a derivaçãoé uma operaçãomorfológica que forma palavrasnovasde outrasjá existentes,e, normalmentemasnão necessariamente, como em café, cafezinho,a nova palavra não pertenceà categoriasintácticada que lhe serviu de base.
Estesdois ramos da morfologia, flexão e derivaçãodevem,então, ser separados?
Um argumentoa favor da separaçãoé o facto de morres portmanteau -i. e., como vimos acima, morres que realizam numa só unidade não analisável,valores de duas ou mais categoriaslinguísticas -ocorrerem com frequênciaem sistemasflexionais, mas muito raramenteem derivação; entretanto, as línguas naturais parecem não apresentar, no mesmo
morre portmanteau, elementos que combinem categorias flexionais e derivacionais. 235
Também tem sido notado que, nas formas em que ocorrem elementos derivacionais e flexionais, com<:>; por exemplo, emflexionais, o material que corresponde à flexão, neste caso a marca de plural, ocorre na parte mais externa da palavra: a flexão é periférica em relação à derivação; por outras pa1~yras,quando se trata de dois ou mais sufixos, os flexionais vêm antes dos derivacionais, que são, portanto, mais internos, o que constitui nova assimetria entre derivação e flexão. No entanto, não é assim tão fácil separaros processosque são flexionais dos que são derivacionais, como temos vindo a sugerir.
6. Processosmorfológicos Mencionámos algumas operações morfológicas que operam sobre uma determinada palavra, gerando uma nova palavra, como as operações por prefixação e por sufixação" mas as que ilustrámos não esgotam a variedade de processos observáveis nas diferentes línguas. Assim, além destes processos morfológicos de afixação, que são de adjunção, típicos de uma morfologia concatenativa, há outros que são processos de repetição e processos de alteração da estrutura interna das palavras. Sublinhe-se que este modo de encarar os fenómenos morfológicos é diferente do que propusemos até aqui. Falámos de formas de palavras divididas em mortes, de mortes sendo realizações de modernas, de variação entre um alomorfe e outro alomorfe de um moderna, ou seja, explorámos um modelo essencialmente estático para a análise das palavras. Agora, a forma de palavra emerge como resultado da interacção de uma forma básica e de outra, i. e., adopta-se uma visão dinâmica nos estudos morfológicos. Passamos,então, a utilizar uma seta para simbolizar processo nos exemplos empregues. Começando pelos processos de adjunção, consideremos a afixação. Os processos de afixação podem ser, como vimos, de prefixação, sufixação ou infixação, conforme, respectivamente, o afixo é adicionado à esquerda da base (infeliz), à direita desta (felizmente) ou num ponto determinado no seu interior (fumikas «ser forte», como vimos em Bontoc). Em Português, o processo mais frequente parece ser o da sufixação, tanto em formações derivacionais (feliz ~ felicidade, gerar ~ geração), como nas formações fIexionais (classe ~ classes, cantar ~ cantamos). Para além da afixação, há um outro processo aditjvo, ou melhor, de repetição, geralmente designado por reduplicação. Nessescasos, o afixo não é uma constante, possui antes uma forma determinada, na totalidade ou em parte, pela forma da base a que se aplica o processo; por outras palavras, -
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o formativo é uma cópia de parte do material a que é adicionado, como no exemplo qUe se segue de verbos em Tagalog: maglakbay buksan
«viajar» «abrir»
maglalakbay «viajar + intensivo» pagbubuksan «abrir + intensivo»
As sílabas reduplicadas, que assinalámos com o itálico, não possuem segmentosfonológicos em comum, no entanto, representam o mesmo ele-
mento morfológico: o intensivo. O último grupo de processos morfológicos a que nos vamos reportar envolve uma modificação, total ou parcial, da própria base. Já demos alguns exemplos em Inglês de modificação parcial, ao referirmos casos de mutação vocálica, como em sing ~ sang «
propondoessadirecçãonos casosde mutação. Há casos em que a modificação da base é total, como em ser ~ fui, 00 go ~ went «
supressão de estrutura, como as palavras portmanteau: franglês (francês+inglês) ou terminótica (terminologia+informática) ou ainda a palavra inglesa motel (motorway+hotel). Segundo uma análise de Bloomfield, as formas masculinas do adjectivo em Francês são derivadas das formas do feminino por subtracção; assim, o feminino bonne e o masculino bon, ou blanche e blanc, são exemplos em que se verifica uma relação estabelecida por supressão de estrutura. De facto, não é possível prever da forma do masculino que consoante deve ser-lhe adicionada para formar a forma do feminino, mas, se assumirmos que o masculino é derivado do feminino, podemos descrever a relação existente entre estas duas formas do adjectivo por meio de uma única operação: subtrair a consoante final. Estes processos, todavia, podem ser classificados de forma diversa, conforme as análises a que forem submetidos. Por exemplo, a forma francesa bon pode ser considerada a forma de ligação, sendo bonne formada -
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por afixaçãodo elementoque na grafia correspondea -e; a forma inglesa went pode ser segmentada em wen mais o sufixo dental -r, que encontramos em formas de passado,como em bum-t ou fel-r; estaríamos,tanto no casoem Francês,como no caso em Inglês, peranteum processode afixação, e não de modificação,como propusemosantes. Não é nossoobjectivo escolhera análiseque consideramosmais apropriada, o que pretendemos,sim, é chamar a atençãopara o facto de o mesmoprocessopoder serintegradoem diferentesgrupostipológicos,conforme a análisea que for submetido. Ainda não falámos de uma operaçãoem que duas palavras,ou mais, se juntam para formar uma nova palavra,como em couve-jlor,amor-perfeito, guarda-noctumo,etc., i. e., a composição.Trata-sede mais um processo morfológico, se considerarmosque uma palavra A é composta, quandopossuiuma estruturado tipo geralBC, em que B e C são elementos que podem ser relacionadoscom outras palavrasque podem ocorrer independentemente.
7. Formação de palavras As questões morfológicas podem também ser encaradas a partir da análise de como as palavras são formadas numa língua. De facto, ao reflectirmos sobre este tema, podemos descobrir que as palavras obedecem a certos princípios na sua formação. Desta maneira, qualquer falante do Português, ao deparar-se com inconstitucionalissimamente, poderá eventualmente dizer que nunca ouvira antes este termo, que tem alguma dificuldade em o pronunciar, tão comprido ele é, que não sabe bem o que quer dizer, ou melhor, que pode tratar-se de um modo de actuar muito inconstitucional, mas de certeza que não o rejeita como não fazendo parte da sua língua, ao contrário de, por exemplo, *issimaconstituinciomental. lnconstitucionalissimamente é, portanto, uma palavra portuguesa, e o falante tem disso consciência, assim como também sabe intuitivamente que nela podemos considerar componentesque ocorrem noutros contextos, como in- (em ingrato), -ai (em original), -íssimo (em belíssimo), -mente (em calmamente) ou ainda constituição, o que demonstra que palavras complexas, como é o caso desta, revelam semelhanças fonéticas e semânticas parciais umas com as outras. A intuição que temos quanto às relações entre palavras, como vimos quando do nosso exemplo, inconstitucionalissimamente, era captada na perspectiva tradicional, pelo facto de se dizer que partilham um moderna, mas pode ser também considerada nesta nova abordagem,dizendo-se que essaspalavras partilham, por exemplo, uma base (inconstitucional e constitucionalmente) ou partilham uma propriedade -
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morfológica relevante,como {PLURAL} (casase alunos), ou que a sua derivaçãoenvolve a mesmaregra, como ingrato e infiel, em que o prefixo in- se junta a um adjectivo. Chegamosassima uma visão mais refinada do que a que propõe que as palavrasapenaspartilham, ou não, um ou mais morfemas. Quanto à questãoda reconstruçãodas relaçõesinternas,ou hierarquização,entre as partesconstituintesde uma palavra complexa,que a visão tradicional representapor meio de uma organizaçãodos seus morfemas componentesnuma árvore de estruturade constituintes,propõe-se,em alternativa,uma regrade formaçãode palavrasque operesobrea palavra(ou radical), manipulandotanto a sua forma fonológica (tipicamente,mas não exclusivamente,por afixação),como as suasoutras propriedades. Se considerarmosque o estudodas formasé representado mais adequadamentepor meio de relações ou processosdo que por concatenações e afixos, aconteceentão que a morfologia de uma língua consiste em um conjunto de regras,cada uma descrevendouma dada modificaçãode formas existentes,modificaçãoque as relaciona com outras formas. Em vez de se investigar uma teoria da estruturada palavra, fundamentadana noção clássicade morfema, parte-sedo princípio de que as palavrasse encontramrelacionadasumascom as outras,atravésda operaçãode processos, atravésde regrasde formaçãode palavras. Este é um projecto de trabalho que a Morfologia tem levado a cabo ultimamente,mas que não iremos desenvolver,dado o carácterintrodutório destecapítulo. Esta designaçãoFormação de Palavrasé, por vezes, empreguepara referir, na sua globalidade,os processosde variaçãomorfológicana constituição de palavras,incluindo, portanto, flexão, derivaçãoe composição; em geral, porém, o seuempregorestringe-sea estesdois últimos. Poder-se-iasupor que caberia aqui falar da criação de palavrastotalmentenovas,como foi o casode kodak,ou da criaçãode palavrasque se formam por meio de várias alteraçõessobrepalavrasexistentes;por exemplo, as criadaspelo processode truncamento, como manif (manifestação), prol (professor/a),ou fac (faculdade)em que se elimina uma sequênciano final de uma palavra,não se verificandoalteraçãodo seusentidoou da sua categoriagramatical,ou ainda de outros casosde abreviatura,como as siglas, de que são exemplo PS, CGTP, ou MFA; no entanto,estescasos,e outros, embora sejamrecursospara criação de novas palavrasno léxico, não serãoincluídosna nossaanálisede formaçãode palavras,pois não são processosregulares. Vejamos em primeiro lugar os processosde formaçãode palavrascaracterizadospela adição de afixos. Com já sabemos,chamam-sederivadasas palavras'formadaspor afi239
xação. Trata-se de palavras complexas, constituídas por um constituinte, a base, ao qual se associa outro constituinte, o afixo. Recorde-se que se costuma usar este termo base para referir a parte de uma palavra à qual se aplica uma operação, como a junção de um afixo; por exemplo, na palavra complexa inútil, a base é útil, mas se adicionarmos a inútil o sufixo -mente, considera-se base desta vez inútil. A base pode, portanto, corres-
pondera: a) run radical simples (constituídopor um único morfema); b) run radical complexo (constituídopor mais do que um morfema); c) run tema (inclui um radical e um índice temático). Vimos, então,que a basetanto pode ser um radical (dental),uma palavra simples (cafézinho),como uma palavra complexa (infelizmente). Em Portuguêso processomais frequenteé o da sufixação,aliás, tanto em formaçõesderivacionais(feliZ/felicidade,gerar/geração),como nasformaçõesflexionais (classe/classes, cantar/cantemos). Vários exemplosmostramque tanto os sufixos como os prefixos podem, quer ocorrer em sequências,como legal, legalizar, legalização,ou introduzir, reintroduzir, quer tambémco-ocorrerna mesmapalavra,como em ilegalização,desarmamento, etc. Entretanto,note-seque os prefixos não alteram: a) a posição do acento principal da base: vestir/revestir, feliz/infeliz. b) a categoria sintáctica da base: vestir V' revestir V' feliz Adj' infeliz Adj
Os sufixos, por seulado, a) alteram a posição do acento principal da base: sílabal silábico, dedo/ Idedal, b) e determinam a categoria sintáctica das palavras a que se afixam: triste Adjl tristeza N' estudar j estudanteN"
Regra geral, prefixos e sufixos associam-sea palavraspertencentesa uma única categoria sintáctica; por exemplo, o prefixo in- associa-sea adjectivos (apto, inapto), mas o prefixo re- a verbos (fazer, refazer),o sufixo -mentea adjectivos (alegre, alegremente),mas o sufixo -oso a nomes (veneno,venenoso). Além destesprocessosde derivação,iremos ainda chamar a atenção paraa derivação parassintética, a derivação regressiva e a derivação imprópria, ou conversão. Na derivaçãoparassintética,deparamoscom vocábulosformadospela 240
agregaçãosimultânea,a um determinadoradical, de um prefixo e um sufixo, o que designámosacima por circunfixo; sãoderivadosparassintéticos desalmado,abotoar, adoçar ou encurtar. Na derivação regressiva,a palavraderivada,ao contráriodo que aconteceu com todos os exemplosque apresentámos até aqui, não é uma ampliação da primitiva, mas a redução da palavra derivante; assim, dança deriva de dançar e ataque do verbo atacar. Trata-se de um processo derivacionalem que o elementoque se subtrai se assemelhaa um morte com existência noutras palavras; porém, só é possível dizer que dança deriva de dançar, e não o contrário, se soubermosqual é a forma mais antiga na língua. A conversão,que alguns linguistas (ver Adams, 1973, por exemplo), designampor derivação zero, ou ainda derivação imprópria, consistena obtençãode uma palavra a partir de uma palavrajá existente,sem qualquer alteraçãona sua forma. A nova palavra difere do vocábulojá existente apenasno que diz respeitoà sua especificaçãocategorial;assim,este processopermite-nosformar, entre outros, a) substantivosde verbos: comer,jantar, ser, etc., ou b) substantivosde adjectivos: rico, velho,pobre Trata-sede um processode formaçãode palavrascujo estatutonão é bem claro, na medida em que, por vezes,é consideradoum ramo da derivação (ver Marchand,1969), por outras,um processoindependente,à parte da derivaçãoe da composição(ver Strang, 1968). A composiçãoconsisteem formar uma nova palavra a partir de duas palavras (ama-seca,mestre-escola)ou de um radical e uma palavra (ortografia, bibliografia), por exemplo. Repare-seque o compostopode ser constituído por elementospertencentesa diferentesclassesgramaticais,assimtemos: a) b) c) d) e) f)
nome+nome:saia-calça,abelha-mestra nome+adjectivo:cofre forte, ferro-velho adjectivo+nome:belas-artes adjectivo+adjectivo:azul-marinho verbo+nome:tira-teimas,passatempo nome+preposição+nome: lua-de-mel,máquinade escrever
No que se refere ao sentido, a palavra compostapode apresentarum conceito novo, dissociadodas noçõesexpressaspelos seusconstituintes, comoem amor-perfeito,uma flor, ou barba-azul,um homemcom determinado comportamento,mas tambémpode ser composicional,i. e., o seu 241
sentidodepreender-se dos sentidosdos seuselementoscomponentes,como varapau,ou carruagem-salão. Classificam-seos compostosem endocêntricose exocêntricos,conforme, respectivamente, denotamou não uma subclassedos elementosdenotados por um dos seusconstituintes.Concretizando,carruagem-salãoé um tipo de carruagem,um médico-cirurgiãoé um médico com uma determinada especialidade,logo estesdois compostossão endocêntricos,mas um barba-azulnão é uma barba específica,nem um pele-vermelhaé um tipo de pele, mas alguémque pertencea uma determinadaraça: estessãocompostosexocêntricos. Há compostosque denotamuma entidadeconstituídapelosdois elementos que ocorremna sua construção,por exemplo, pintor-poeta,ou director-actor; nestescasos, atribui-se aos compostoso termo dvandva, do Sânscrito,ou então são designadoscompostoscopulativos. A maior parte dos compostosacima podem também ser classificados re compostos primários; contrastamcom os compostos sintéticos, na medidaem que, nestesúltimos, ocorreum verbocomo basede um dos seus constituintes, sendo o outro constituinte um elemento que, numa frase, funciona como argumentodesseverbo. Veja-se, por exemplo, compostos sintéticoscomo abre-latas, guarda-vestidos,ou limpa-chaminés. São tambémconsideradoscompostosos compostoseruditos, constituídos por radicaislatinos e gregos,como biometria: biologia, geologia,geometria e aindacertascombinações,como não-me-toques, disse-que-disse ou bem-te-vi (ver Cunha e Cintra, 1984:108).
8. Tipologia das línguas Emboratenhamosa ideia de que as línguas são muito diferentes,elas tambémrevelamsemelhançassurpreendentes do ponto de vista estrutural. Nessesentido,podemosconsideraras semelhanças e as diferençasentre as línguas,a partir das suascaracterísticasmorfológicas,de como as palavras são nelas formadas. Com base nos padrõestípicos de formaçãode palavras,os linguistas propõemcinco tipos morfológicosde línguas: analíticas (tambémchamadas isolantes),aglutinantes (ou aglutinativas),flexionais (ou sintéticas,ou ainda fusionais), incorporantes (ou polissintéticas)e infixantes. Consideremoscada um destestipos, começandopelas línguasde morfologia analítica.No Chinês,os ~orfemas presossãomuito poucofrequentes, sendoas palavras,em geral, morfemasraízessemquaisquerelementos afixados.Nestaslínguas, por consequência,cada morfematende a ocorrer isoladamente,como uma palavra. 242
Turco é um dos exemplos clássicos de uma língua aglutinante; apretendência para a relação morte-moderna ser uma relação de um
Latim, pelo contrário, não permite correlacionardeste modo a sua parte de mortes e morfemas.Trata-sede uma língua tlexional em -'as palavras,normalmente,consistamem vários morfemas,se que um morre representa,muitas vezes,vários morfemassimultaé possível,apenaspor intermédiode uma só palavra,por tUttUSlVUq, expressaro que se diz em Portuguêsusandouma fraviu um caribu. Trata-sede uma língua incorporante,que tende a palavras com elementosflexionais e aglutinantes.Os estudos feitos sobre este tipo de línguas levantamquestõesinteressantes as relaçõesentre Morfologia e Sintaxe,pois a distinçãoentre o esda estruturada palavra e o estudo da estruturada frase nas línguas como que é esbatida,desfocada. analisámosalguns exemplosde infixação. Trata-sedo processotídas línguas semitas,como o Árabe e o Hebreu, nas quais a maior tlexão estárelacionadacom a infixaçãode materialvocálicoa uma consisteinteiramenteem consoantes.No Árabe egípcio a raiz ktb «escrever»;kitab, «livro», e katab,«ele escreveu»,sãopalavras a partir dessa raiz com a infixação de diferentes afixos vocáilustrando tal processo. Greenberg(1954) apresentouuma tipologia de línguasque é largamente ~ A sua proposta foi no sentido de que, partindo da análisede um representativode frases,se dividisse o número de morfemaspelo .palavras,de modo a encontrara percentagem entre morrese pana língua em questão;o resultadoserve de base para a classificação tipológica da língua em análise. É importantenotarmosque a classificaçãonestestermosapenaspretende reflectir as tendênciasdominantesque podemosdetectarnuma determinadalíngua. De facto, não deve existir nenhumalíngua naturalque utilize exclusivamenteum determinadopadrãode formaçãode palavras.
A concluir A investigação morfológica é uma das mais antigas preocupações que as línguas suscitaram, ,surgindo análises deste tipo já entre os gregos, por exemplo, que propuseram a classificação das palavras em partes do discurso, ou na Índia, onde a Gramática de Panini, datada do século IV antes de Cristo, revela um profundo interesse pela forma das palavras. -
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Tivemos oportunidadede observarcomo a Linguística Moderna,particularmentea de orientaçãoestruturalista,quer na América quer na Europa, atribuiu granderelevo às questõesmorfológicas,dando um ênfaseaos critérios de identificaçãodos modernase às condiçõespara o reconhecimento dos vários tipos de mortes, sublinhandooutros as relaçõesentre as propriedadesgramaticaise o modo como elas se reflectiam nas relações com as suasexpressõesmorfológicas. A Linguística Generativa,ao contrário, no seu percurso inicial entre 1957 e meados dos anos 70, praticamente eliminou a noção de uma morfologia autónoma,como até aí se tinha defendido, mas essa atitude deveu-se,fundamentalmente,ao facto de o Inglês, língua pobre do ponto de vista da flexão, ter sido quaseexclusivamenteo objecto de análise; actualmente,no entanto,defende-seque o modelo gramaticaldeve incluir uma componentemorfológica, que constitui um sistemacoerentee distinto, com princípios e regraspróprios. De facto, nas primeiras versõesda GramáticaGenerativa,os aspectos da formação de palavras ou da flexão não eram consideradosfenómenos com característicaspróprias, a ser estudadoscomo áreasque exigissema formulaçãode uma componenteindependente,distinta da Sintaxe, por um lado, e da Fonologia, por outro. Todavia, estepanoramaalterou-secom a Hipótese lexicalista, que procurou resolver os problemaslevantadospelo tratamentotransformacionalistada formaçãode palavras,o que tem vindo a permitir interessantetrabalho,no domínio da morfologia generativa,tanto na chamadaversão forte, nome dado à posição adoptada por Halle (1973), que propõe que tudo o que diz respeitoà Morfologia se localiza no Léxico, como na sua versãofraca, posiçãoinicialmenteapresentadapor Aronoff (1976), que defendeque a flexão não se processano Léxico. Nestesentido,tem-setentadoprovarque o Léxico não é «um apêndice à Gramática,uma simpleslista de irregularidades» (Bloornfield, 1933:274), mas uma componentegramaticalestruturada,e que as unidadeslexicais, conjunto que integra palavras,afixos e radicais,tanto na estrutura,como na formação,são condicionadaspor princípios geraise condiçõesespecificamentemorfo1ógicos. A análise morfológica procura, assim, explicar diversos fenómenos linguísticosque, verificadosao nível da palavra, têm vindo a ser localizados no Léxico.
Leituras complementares: BAUER, 1983; BAUER, 1988; DI SCIULLO e WILLIAMS, 1987; GLEASON, 1961; HOCKElT, 1958; NIDA, 1949; SCALISE, 1984; SPENCER,1991. 244