AS RAÍZES BÍBLICAS DO JUBILEU "O costume de celebrar os Jubileus, como um tempo dedicado de modo particular a Deus, tem início no Antigo testamento e reencontra a sua continuação na história da Igreja" (TMA 11). Para o povo de Israel e, segundo a lei de Moisés, o jubileu era um tempo dedicado de modo particular a Deus. Ao analisarmos o Jubileu no Antigo Testamento vamos fazê-lo dando importância a três aspectos para o povo de Israel: Sábado (onde o sétimo dia é dedicado ao Senhor), o Ano Sabático (o sétimo ano de uma série de 7 anos), e o ano jubilar (o quinquagésimo ano depois de uma série de sete anos sabáticos - 7x7= 49 e celebra-se o 50º). 1- 0 Sábado O Sábado era extremamente importante para o povo de Israel (cf.Gen.2:2-3 e Ex.20:11). Estes dois textos revelam-nos a importância que o sábado tinha para o povo de Deus: é um dia consagrado a Yahweh, um tempo que Lhe está reservado da mesma forma que pertencem a Yahweh os primeiros frutos da terra e os primeiros animais dos rebanhos. Com o sábado celebra-se a presença de Deus no tempo e o seu domínio sobre o ritmo da história tal como as ofertas das primícias e dos primogénitos manifestam a soberania de Deus sobre os outros seres criados. A observância do sábado - dia dedicado ao Senhor e, por isso, dia de descanso – é a melhor forma de mostrar que o tempo pertence a Deus, é também obra Sua, e o homem não tem domínio sobre ele. Para além destas razões teológicas acerca da importância do sábado para o povo da aliança, encontramos também motivações de carácter humano e social (Ex 23,12). O sábado é, assim, um dia de descanso, de paragem de qualquer trabalho, com uma finalidade humanitária (descanso para todos), mas fundamentalmente para celebrar a acção de Deus na história de Israel (libertação do Egipto) e na criação. Por isso se diz que o sábado é "para Yahweh" (Lv 23, 3), é "o sábado de Yahweh" (Lv 23,38), é o "dia consagrado a Yahweh" (Ex 31,15), o próprio Yahweh "o santificou" (Ex 20,11). 2 – O Ano Sabático O ano sabático está para os outros anos como o sábado está para os dias da semana: o sábado é o sétimo dia e o ano sabático é o sétimo ano. Se o sábado é dia de repouso para os homens e os animais depois de seis dias de trabalho, o ano sabático é de descanso para a terra depois de ter sido cultivada durante seis anos: um ano em que os campos não são cultivados e se deixam em pousio. a) O descanso da terra Em Ex 23, 10-11 o descanso da terra é necessário para que os pobres tenham que comer e também os animais do campo. Uma finalidade puramente humanitária. Mais tarde o livro do Levítico, desenvolve a lei do descanso da terra e dá-lhe uma justificação teológica (Lv.25:2-7 O significado religioso está muito mais explícito neste texto: não é apenas o "sétimo ano", mas "um sábado para Yahweh"; não é a tua terra mas a terra que Yahweh te dá. As normas acerca do ano sabático, podemos sintetizá-las no seguinte: 1 - Há um ciclo de sete anos, o último dos quais é santificado porque tal como o sétimo dia, assinala a presença de Yahweh no tempo; 2 - A terra foi dada por Yahweh e é pertença de todos. Por isso, deve estar ao serviço de todos; 3 - Ao menos num ano estão todos em iguais circunstâncias e os pobres terão comida como os proprietários das terras. b) A libertação dos escravos e o perdão das dívidas As leis referentes ao ano sabático foram pouco a pouco sendo ampliadas com outras normas de carácter social que incidem em dois aspectos novos: a libertação dos escravos e o perdão das dívidas con-
traídas. Com estas leis pretende-se solucionar as desigualdades sociais agravadas com a alienação dos bens de família e os empréstimos com juros. A legislação mais completa a este respeito encontra-se no livro do Deuteronómio 15, 1-3 e 7-9. Estas leis colocam em evidência o carácter sócio-económico do ano sabático. Na legislação bíblica o escravo é um membro do povo escolhido; a sua pertença ao povo converte-o num irmão (Dt 15, 12-15) - não foram também eles, os israelitas, escravos no Egipto? Há um espírito comunitário que tende para um ideal de justiça e igualdade entre todos os membros do povo de Israel. O perdão das dívidas liberta as pessoas para que voltem a ser elas mesmas e a libertação dos escravos é uma ampliação da remissão das dívidas. 3 - 0 Ano Jubilar O ano jubilar está em estreita relação com o ano sabático: é o ano que segue um ciclo de sete anos sabáticos e, portanto, o quinquagésimo ano. Nas suas linhas gerais este ano tem as mesmas características do ano sabático: descanso da terra e libertação dos escravos. Mas, no que diz respeito ao perdão das dividas, a legislação exige, de um modo veemente, a devolução dos bens aos seus antigos proprietários, a recuperação do património e o regresso ao seu clã (família/tribo). Cada um retomava o seu antigo lugar na família e na sociedade. a) O nome "jubileu" O termo "jubileu" deriva do latim jubilum, que significa "gritos de alegria", 'júbilo", e pretende traduzir o hebraico yobel. O nome específico de "ano jubilar" ou simplesmente 'jubileu" deriva claramente da palavra hebraica yobel que significa "chifre de carneiro". E então o "ano do chifre do carneiro" (Lv 25; 27,18-24) porque era o seu toque (tocar o corno do carneiro) que assinalava o início deste ano. Era um toque solene a cargo apenas dos sacerdotes, diferente do da trombeta ordinária sofar ( Josué 6,5). O som da trombeta, o yobel, era tocado no sétimo dia do sétimo mês, o início do quinquagésimo ano, enquanto o começo do ano ordinário era indicado pelo toque dum sofar normal (Lv 23, 24). b) As leis do jubileu O ano jubileu é mencionado na Bíblia apenas em textos posteriores ao exílio da Babilónia e, na sua essência, é uma instituição sócio-económica que trata dois pontos essenciais: a família e a terra. A legislação completa sobre o ano jubilar encontra-se no capitulo 25 do livro do Levítico. Uma visão global deste cap. 25 permite-nos ver as leis que dizem respeito ao ano jubilar: ⇒Os vv. 1-7 contêm a legislação referente ao ano sabático, vista por nós anteriormente. ⇒Os vv. 8-14 referem as leis do ano jubilar com as suas implicações económicas: é um ano santo e de libertação para todos os que habitam no país. Cada um recuperará o seu património. ⇒Os vv. 15-17 indicam algumas normas quanto à compra e venda de acordo com o número de anos que precedem ou seguem o ano jubilar. ⇒Os vv. 18-22 trazem a garantia de que nada faltará nos anos em que a terra não é cultivada. ⇒Os vv. 23-55 enunciam uma série de normas práticas relativas ao resgate de propriedades e de pessoas incluindo as excepções. c) A importância do jubileu Tendo presente o livro do Levítico, cap. 25 com os pormenores da legislação e de sua efectivação histórica, a nós, hoje, interessa-nos ver quais foram os ideais que estiveram na base destas leis para nos ajudarem também a nós a vivermos o grande jubileu do ano 2000. 1.Afirma-se um sentimento de solidariedade: ninguém pode ser escravo toda a vida; as dívidas, a pobreza e a falta de meios económicos não podem considerar-se definitivos; a terra que não se cultiva
serve para dar de comer aos pobres que, nesse ano, têm as mesmas possibilidades que todos os outros; relativiza-se a escravatura porque se respeita a liberdade do homem. 2.A terra, os recursos naturais, têm uma função social e mais importante do que o legítimo direito à propriedade privada, está o homem em ser o administrador dos bens que lhe foram dados por Deus. 3.As diferenças sociais não são uma realidade indiscutível. Ninguém está por cima de ninguém por causa da sua origem, nascimento ou posição social. O ano sabático e o ano jubilar podem ser leis idealistas ou utópicas, mas são um esforço para ultrapassar a falta de solidariedade, vencer a injustiça e rebelar-se contra as desigualdades sociais.