Jornalismo Colaborativo No Rio Grande Do Sul - Artigo

  • May 2020
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JORNALISMO COLABORATIVO NO RIO GRANDE DO SUL: O CASO DE zerohora.com `

Cristine Kist

Resumo: O crescimento constante da internet tem aberto portas para uma conexão cada vez maior entre público e veículos de comunicação. A facilidade de acesso da audiência aos meios resultou em um inevitável aumento da participação das pessoas no processo de produção de conteúdo. As ferramentas que convidam o leitor a publicar notícias de seu interesse e que não seriam divulgadas pelos grandes veículos se multiplicam. No Rio Grande do Sul a representante desse fenômeno é a seção Leitor-Repórter, de zerohora.com. Palavras-chave: jornalismo online; cidadão; jornalismo participativo; internet; colaboração; audiência 1. INTRODUÇÃO Desde a popularização da Internet, no final dos anos 90, Web e jornalismo mantém uma relação estreita, e não são poucos os que acreditam estar na rede o futuro dos veículos de comunicação. Para Matias Molina¹, jornalista e autor de Os Melhores Jornais do Mundo (2007), “para os jornais a internet pode ser um problema ou um desafio”. O desafio decorre do fato de que ainda não foi encontrada a forma ideal de fazer jornalismo na Web. Segundo Marcelo Träsel², “estamos vivendo atualmente um momento de transição profunda em relação ao suporte, e ainda não surgiu uma forma adequada para o jornalismo online” (2008). Uma das questões inerentes ao agora chamado webjornalismo é a participação do leitor na produção da notícia. Na maioria dos sites ditos jornalísticos - que em geral representam uma marca já estabelecida em outros meios - há espaço para que o leitor contribua de alguma maneira. Essa contribuição pode se dar através de canais que incluem desde envio de fotos e comentários em blogs até o dito jornalismo cidadão, termo criado para definir as áreas dos sites cujas notícias são feitas exclusivamente pelo público. ________________________________________________________________ ¹ MOLINA, Matías, em declaração durante palestra na Feira do Livro de Porto Alegre, em novembro de 2008. ² TRÄSEL, Marcelo, em declaração durante palestra na Feira do Livro de Porto Alegre, em novembro de 2008.

Mas o conteúdo produzido pelos usuários nem sempre é visto com bons olhos. David Coimbra, cronista e editor de Zero Hora, escreveu em coluna publicada no dia 14 de março de 2008:

Quando ligo o rádio e ouço "esse programa é feito pelo ouvinte", mudo de estação. Não quero ouvir algo que é feito pelo ouvinte, nem ler o que o leitor escreve. Quero o trabalho do especialista, do jornalista de comprovadas experiência e competência. Quero consumir a elite, não a mediocridade. Até democracia demais cansa. (Zero Hora, 14 de março de 2008)

É inegável, no entanto, que o jornalismo cidadão ganha cada vez mais espaço e credibilidade. Dan Gillmor³, em seu livro We the Media (2004), afirma que “pela primeira vez na história moderna, o usuário está realmente no comando, como consumidor e como produtor” (Pg. 137). Prova disso é o site da própria Zero Hora, que além de oferecer diversas alternativas para participação através do tradicional envio de fotos e da liberação de comentários, convida o leitor a mandar as notícias de seu interesse para a seção Leitor-Repórter, único canal destinado a esse tipo de conteúdo no Estado.

2. PARTICIPE O Participe é um dos canais de zerohora.com, e o Leitor-Repórter uma de suas ferramentas. O Participe busca ouvir a opinião dos leitores sobre os mais diversos assuntos e chamá-los a “mostrar a cara” no site. Essa é uma prática relativamente antiga e bem sucedida adotada por inúmeros veículos para fazer com que o usuário se identifique com a marca e seu conteúdo. No último Dia dos Namorados, por exemplo, zerohora.com pediu aos leitores que enviassem fotografias de momentos românticos com os companheiros. Em menos de 24 horas, cerca de 300 imagens foram recebidas e se alternavam na home page do site.

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³ GILLMOR, Dan – We, the media. Editora O’Reilly, 2004

O sucesso desse tipo de “promoção” evidencia a necessidade do público de “se ver” nos veículos. A ferramenta de envio de fotos não é mais popular que as de produção de conteúdo simplesmente por ser mais simples ou exigir menos recursos, mas também porque é a que gera mais visibilidade ao participante. O sucesso do jornalismo colaborativo, portanto, não se dá apenas pela necessidade do leitor de ver destacados aspectos cotidianos que o dizem respeito e que por um motivo ou outro não são veiculados pelos grandes meios, mas também pela motivação gerada pelo reconhecimento de terceiros. 3. O LEITOR-REPÓRTER O site de Zero Hora em seu formato atual é relativamente novo. Ele foi criado em 2007, quando a Internet já estava extremamente difundida no País e eram incontáveis os grandes jornais que já detinham seus espaços na rede. Foi fácil, portanto, perceber as tendências e adequar o site para que se encaixasse nos padrões até então bem-sucedidos. Para Bárbara Nickel4, editora e principal responsável pelas mídias sociais do site, a ferramenta objetiva “dar espaço para os leitores verem notícias de interesse específico das suas comunidades”. O Leitor-Repórter segue, portanto, o estilo de outros canais que oferecem ao público a oportunidade de produzir conteúdo. Seu principal diferencial é a possibilidade que o internauta tem de verificar em que estágio se encontra a notícia enviada por ele. É possível descobrir se a notícia está em revisão, em edição ou se foi reprovada. Em caso de reprovação, o leitor recebe um e-mail comunicando-o da decisão e justificando a recusa. 3.1 ESCOLHA E VERIFICAÇÃO DA NOTÍCIA Nem todo conteúdo enviado ao Leitor-Repórter é aproveitado. Algumas notas são encaminhadas para outras seções do site, como as que fazem referência ao clima ou a preferências clubísticas, por exemplo. _____________________________________________________________________ 4

Bárbara Nickel, em entrevista concedida no dia 30 de junho de 2009.

Quando a notícia é considerada adequada, no entanto, o trabalho de averiguação da veracidade dos fatos relatados é imprescindível. Essa verificação pode ser feita tanto pelos editores do site quanto pela Agência RBS, responsável pela averiguação de notícias de todos os veículos do grupo. E é justamente essa a função do jornalista enquanto personagem do jornalismo participativo: verificar os fatos e transmiti-los ao restante do público da melhor maneira possível. Essa verificação é facilitada pelos contatos do profissional e por sua posição. A necessidade de investigar relatos é inerente ao jornalismo, e é por isso que a profissão sobreviverá por maior que seja a contribuição da audiência. Para Marcelo Träsel, “a informação verificada, objetiva e com credibilidade vai ser ainda mais importante do que é agora”. E quanto maior for a participação das pessoas e consequentemente a quantidade de informação disponível, mais necessária a credibilidade dos veículos e de seus profissionais. E não é só o leitor o beneficiado por ver exposto o que considera notícia e que o afeta diretamente. Muitas vezes o internauta exerce através da ferramenta a função de “pauteiro” do site. Não são raros os casos de relatos enviados por leitores que resultaram em matérias para o jornal impresso. Para Bárbara, “ao mesmo tempo que [a ferramenta] serve para os leitores enxergarem seus problemas ou fatos de interesse no jornal, serve também para o jornal receber informações que de outra forma não teria como, já que não tem como o jornal ter jornalistas em todos os lugares todo o tempo” (2009). 3.2 A PARTICIPAÇÃO A participação dos leitores ainda é relativamente pequena. São enviadas em média apenas duas notícias por dia. A tendência, no entanto, é quanto mais credibilidade a rede oferecer, maior seja o número de contribuições. A qualidade dos relatos enviados também é deficitária, mesmo considerando a absoluta falta de obrigação do público em conhecer quaisquer normas de escrita ou edição. Com grande frequencia são enviados para o Leitor-Repórter conteúdos que nada tem a ver com o objetivo da seção. Em alguns casos o leitor cumpre rigorosamente a função de pauteiro: manda uma única frase relatando um acidente de carro ou a queda de uma árvore, por exemplo. Quando isso acontece, é feita a verificação pelo profissional responsável e o material enviado é

complementado com novas informações. Esse tipo de participação é válido e contribui para uma cobertura qualificada por parte do veículo, mas não necessariamente requer a utilização da ferramenta, já que sugestões de pauta sempre foram bem-vindas, mesmo por telefone. Há, no entanto, aqueles que se inserem perfeitamente no considerado ideal. Mandam a notícia, ainda que com pequenos erros, e a incrementam com fotografias e vídeos. E não são apenas as pequenas pautas locais e interiorianas que são exploradas por esse espaço. A mobilidade característica da Internet permite que relatos sobre manifestações no Canadá, por exemplo, virem destaque na capa do site.

4. OS MEIOS TRADICIONAIS Não é somente através do Leitor-Repórter que a audiência participa de forma efetiva da produção de conteúdo no site. A máxima “meu leitor sabe mais que eu” (GILLMORE, 2004) reflete bem a rotina de um site de notícias. Diariamente, inúmeras correções são feitas através da própria ferramenta de comentários. Não raro são realizadas alterações em gráficos e matérias graças ao auxílio do público. É também cada vez mais frequente a utilização de murais para a localização de cases para as reportagens. No dia 11 de junho, a reportagem especial de ZH contava a história de casais que haviam se apaixonado de formas diferentes. Pelo menos um deles foi encontrado através de um mural cuja indagação era “como você conheceu o seu amor?”. O detalhe é que o mural havia sido criado exatamente para esse fim. Começa a virar lugar comum buscar cases de matérias entre os leitores, que assim abandonam a posição de espectador para assumir a de fonte.

5. CONCLUSÃO A participação do público sempre pautou o jornalismo. Seja baseado no número de exemplares vendidos, de cliques feitos, da quantidade de televisores ligados ou através de pesquisas de opinião, o interesse da audiência sempre foi decisivo na escolha das notícias. O jornalismo colaborativo representa, no entanto, o auge da efetividade da contribuição do leitor. Mais do que divulgar pequenas notas referentes a problemas de bairro, o público agora

espera divulgar a si próprio. Embora seus gostos e preferências tenham sempre sido levados em conta pela grande mídia, somente agora isso fica claro. E o reconhecimento proporcionado por essa exposição que resulta na participação cada vez maior dessa audiência. A participação daqueles que para os primeiros teóricos da comunicação eram irrelevantes no processo de transmissão da informação só tem a acrescentar. A colaboração do público não representa somente um aumento na quantidade de notícias, significa também uma elevação de qualidade, na medida em que cada cidadão possui habilidades e conhecimentos que um jornalista não teria. “Antes da Web e da mídia social [...] os verdadeiros detentores do conhecimento dependiam da boa vontade dos jornalistas para se comunicar com o público. Hoje, tudo o que os separa do público é um pouco de boa vontade desse público em garimpar a Web”5 (TRÄSEL, 2008). O jornalismo cidadão veio, mais do que qualquer outra coisa, para somar.

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5

TRÄSEL, Marcelo. Post publicado em blog pessoal no dia 17 de março de 2008.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS MOLINA, Matías, em declaração durante palestra na Feira do Livro de Porto Alegre, em novembro de 2008. TRÄSEL, Marcelo, em declaração durante palestra na Feira do Livro de Porto Alegre, em novembro de 2008. GILLMOR, Dan – We, the media. Editora O’Reilly, 2004 NICKEL, Bárbara, em entrevista concedida no dia 30 de junho de 2009.

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