Indisciplina

  • November 2019
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INDISCIPLINA NA ESCOLA

Maria Otilia Sartório* Mara Nieckel da Costa ** Patrícia Arlaque** Resumo: A indisciplina é um dos principais problemas encontrados no contexto escolar. Tem diversas origens, é de difícil manejo e preocupa professores, pais e equipe diretiva. Neste artigo, apresenta-se uma revisão bibliográfica, o relato de uma experiência de estágio em uma Escola da Rede Pública Estadual e a análise crítico reflexiva desta atuação. Palavras-chave: indisciplina, contexto escolar

INTRODUÇÃO

A Universidade Luterana do Brasil – Campus Guaíba (RS) disponibiliza para Escolas da Rede Pública Estadual do município, o Serviço da Assessoria e Pesquisa em Psicologia Escolar – SAPPE, que é desenvolvido por alunos do Curso de Psicologia, quando em Estágio em Psicologia Escolar. Constatou-se nas visitas às Escolas, que a indisciplina era a principal preocupação no discurso das direções e professores, se constituindo como principal obstáculo ao trabalho pedagógico. Assim, será apresentada uma revisão bibliográfica sobre o tema, indisciplina na escola, um relato de experiência relacionado ao trabalho desenvolvido em uma das Escolas atendidas pelo Serviço de Assessoria e Pesquisa, e reflexões críticas em relação à experiência relatada e a bibliografia consultada.

1 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA A indisciplina na escola é caracterizada como falta de controle de impulsos e baixa tolerância a frustrações; comportamentos inadequados, como agressões a colegas e professores, desrespeito e dificuldades de aceitação e cumprimento das normas e regras disciplinares, muitas vezes, desacato à autoridade dos professores e destruição do patrimônio escolar (BÖCK,1996; REGO,1996). • •

*Autora – Acadêmica Curso Psicologia - Universidade Luterana do Brasil – Campus Guaíba ** Professoras Orientadoras – Docentes da Universidade Luterana do Brasil - Campus Guaíba

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As regras que implicam valores e formas de conduta estão relacionadas aos limites. Estes devem ser interpretados como o que não pode ser feito ou ultrapassado e também como no sentido de situar, dar consciência da posição ocupada dentro de um espaço social : a família, a escola, a sociedade como um todo (LA TAILLE,1998). Assim, a indisciplina seria característica daquele que não tem limites, que não respeita a opinião e sentimentos alheios, que apresenta dificuldades em entender o ponto de vista do outro, que não consegue dialogar e conviver de modo cooperativo com seus pares (REGO, 1996). As relações familiares são muito importantes no desenvolvimento humano e conseqüentemente,

os estilos educativos tem grande influencia na formação educacional

(OLIVEIRA, 1995). Baumrind (apud PREDEBON, 2005), desenvolveu pesquisas sobre os estilos educativos parentais e nomeou uma tipologia de estilos parentais, classificando-os em: autoritário, autorizante e permissivo. O estilo autoritário caracteriza-se pela obediência, pelo respeito à autoridade, pelo trabalho, pela tradição dos pais e pela preservação da ordem. Não há estímulo à comunicação aberta e bidirecional entre pais e filhos. Os padrões são rígidos, utiliza-se a punição e, muitas vezes, a força física para disciplinar os filhos. Já o estilo educativo autorizante caracteriza-se pelo estabelecimento de limites e regras claras, com explicação sobre estas regras, suporte emocional, autonomia, comunicação clara, aberta e bidirecional, onde os pais estimulam os filhos à independência e individualidade. Por fim, o estilo educativo permissivo inclui pais muito tolerantes, pouco autoritários, que utilizam o mínimo de punição possível, fazem poucas exigências por comportamentos maduros e permitem uma considerável auto-regulação por parte dos filhos. Diante de situações de conflitos, não estabelecem limites e parâmetros. Moreno e Cubero (apud Rego, 1996) se reportam às conseqüências de cada um destes estilos educativos. O estilo de uma educação familiar autoritária manifesta aspectos como a obediência e organização, timidez, apreensão, baixa autonomia e

auto-estima. Como são

privadas de entender as justificativas para as normas impostas, tendem a orientar suas ações de forma a receber gratificações e evitar o castigo, demonstrando valores morais pobremente interiorizados. O estilo autorizante, mais democrático, proporciona aos filhos significativo autocontrole, melhor auto-estima, capacidade de iniciativa, autonomia e facilidade nos relacionamentos. Demonstram a interiorização dos valores morais difundidos nas famílias e parecem ser capazes de assumir posturas mais por seus valores intrínsecos que por temor a sanções externas. Já o

estilo permissivo, devido às poucas exigências e controle dos pais

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proporciona mais alegria e disposição às crianças, mas

estas mostram-se mais impulsivas e

imaturas, e apresentam dificuldades para assumir responsabilidades. A escola completa a função educacional da família. Como agente de socialização, transmite conhecimentos, habilidades e atitudes necessários ao desenvolvimento e ajustamento do indivíduo à sociedade (OLIVEIRA, 1995). Para isso, precisa de normas e regras que orientem o seu funcionamento e a convivência entre seus membros. São compreendidas como condições necessárias ao convívio social, e sua internalização e obediência podem levar o indivíduo a uma atitude autônoma e libertadora, pois orienta e limita suas relações sociais (AQUINO, 2000). A maneira de interpretar a indisciplina ou a disciplina acarreta implicações na prática pedagógica, pois fornece elementos que podem interferir nas interações estabelecidas com os alunos, na definição de critérios de avaliação de desempenho na escola e no estabelecimento de objetivos a alcançar. Também, a visão de professores, técnicos, pais e alunos, sobre as causas da indisciplina é um aspecto capaz de influenciar o processo educativo desenvolvido na escola (REGO,1996). Os professores podem ver a indisciplina como um sinal dos tempos modernos, revelando saudosismo das práticas escolares e sociais que não davam margem à desobediência e inquietação por parte das crianças e adolescentes; ou como o reflexo da pobreza e da violência presente no contexto social, fomentada pelos meios de comunicação; ou como reflexo da educação recebida na família, assim como da dissolução do modelo nuclear familiar; ou ainda, como traços de personalidade dos alunos. Os alunos costumam dirigir suas críticas ao sistema escolar, e a indisciplina seria causada pelo autoritarismo nas relações escolares, a qualidade das aulas, a organização dos espaços e horários, o pouco tempo de recreio, a quantidade de matérias incompreensíveis, pouco significativas e desinteressantes, a aspereza de determinados professores, a falta de clareza dos educadores, as aulas monótonas, ausência de regras claras, etc. (REGO, 1996). Já outros profissionais da comunidade escolar, como diretores, coordenadores, etc., e muitos pais atribuem a responsabilidade pela indisciplina ao professor em sua falta de autoridade, ou poder de controle e aplicação de sanções. A disciplina estaria ligada à ordem, submissão e respeito à hierarquia, e a idéia de autoridade se confunde com autoritarismo (DAVIS e LUNA apud REGO,1996). Para Aquino (2000) a indisciplina escolar deve ser analisada sob um prisma histórico baseado em condicionantes culturais ou sob uma matiz psicológica, em relação à influência das relações familiares. Do ponto de vista histórico, a disciplina desenvolvia-se basicamente na

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obediência e subordinação, e o professor era hierarquicamente superior, detinha o respeito alheio e, mais próximo da lei, tinha como prerrogativa a punição. Sua função principal era modelar moralmente os alunos, assegurar o cumprimento das regras e normas mais amplas, incluindo os deveres escolares. Com a democratização da sociedade, as relações sociais se transformaram e surgiu um novo sujeito histórico, mas como padrão pedagógico permanece a imagem do aluno submisso e temeroso. As escolas, com um caráter elitista e conservador, para classes mais abastadas, passaram a ser mais democráticas e o ensino expandiu-se para outras camadas sociais. Entretanto, esta escola continuaria num velho sistema não adaptado a este novo sujeito histórico. A indisciplina atual representaria uma força de resistência e produção de novos sentidos à instituição escolar. Em relação à influência das relações familiares, a indisciplina estaria associada à idéia de estruturação psíquica, de acordo com seus determinantes psicossociais, cujas raízes se encontrariam no sujeito, da noção de autoridade. Assim, a aceitação da autoridade externa pressupõe uma estruturação psicológica moral anterior ao ingresso escolar. Estruturação essa, referente a introjeção de parâmetros morais com permeabilidade a regras comuns, partilha de responsabilidades, reciprocidade, cooperação, solidariedade e respeito mútuo, indispensáveis para o trabalho em sala de aula. Nos alunos, a carência destes parâmetros se traduz em agressividade/rebeldia, apatia/indiferença ou ainda desrespeito/falta de limites, que supõe índices de insalubridade moral, além de obstáculos à ação pedagógica. O aluno que não teve uma estruturação psicológica moral estabelecida pela família, provavelmente não terá uma infraestrutura moral para o trabalho pedagógico. Como solução, o professor pode criar condições de alterar esta estrutura, reinventando a moral discente através de seu campo específico de conhecimento, fundando ou recuperando a moralidade pelo seu trabalho,que pressupõe a observância de regras, de semelhanças e diferenças, de regularidades e exceções. O mesmo autor ainda relaciona a indisciplina ao baixo aproveitamento que representam dois grandes males da escola contemporânea e principais obstáculos para o trabalho docente. Na figura do aluno-problema que em geral apresenta distúrbios pedagógicos, de natureza cognitiva ou comportamental, situam-se ações que vão caracterizar a indisciplina. Esse aluno-problema pode apresentar três características básicas: o aluno “desrespeitador”, o aluno “sem limites” e o aluno “desinteressado”. O aluno desrespeitador tem pouco respeito pela escola, que teria se tornado muito permissiva em relação ao rigor e à qualidade de educação que remonta ao militarismo, elitista e na base da ameaça e do castigo. O aluno de hoje não viveu o aquele momento histórico militar, e é necessária, então, uma relação de respeito para com o trabalho

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pedagógico, baseada na autoridade inerente ao papel do professor. Neste caso, a indisciplina escolar estaria indicando um novo sujeito, democrático, em busca de uma nova relação civil, que necessita transformações nas relações escolares. Já o aluno “sem limites” é caracterizado por crianças que não reconhecem a autoridade, não respeitam regras, em razão da permissividade dos pais, apontando para a hipótese do déficit moral como explicação para a indisciplina. Entretanto, a inquietação e a curiosidade do adolescente, antes reprimidas, podem ser encaradas como ótimo ingrediente para o trabalho escolar, dependendo apenas do seu entendimento e manejo e a idéia da permissividade na família não pode ser aceita como obstáculo para o professor em sala de aula, pois muitas vezes o aluno é indisciplinado com um professor, mas não com outro. E o terceiro tipo, o aluno “desinteressado”, teria sua origem na falta de recursos para motivá-lo, como métodos adequados e equipamentos apropriados como televisão, computador, etc. Ainda, o mesmo autor,

distingue as atribuições da família e da escola, que são

complementares, mas distintas. A família educa para a moralização da criança, para o cultivo de virtudes pessoais, para a ordenação da conduta. Já a escola se ocupa do conhecimento sistematizado, com a ordenação do pensamento por meio da reapropriação do legado cultural. A indisciplina pela falta de limites seria apenas um complicador para o ato pedagógico, jamais um fator impeditivo. Ao professor não cabe moralizar a criança, mas fazer ordenar o seu pensamento. Neste sentido, a indisciplina parece ser uma resposta ao abandono e labilidade das funções docentes em sala de aula, um termômetro da relação do professor com seu campo de trabalho, seu papel e suas funções. A disciplina não seria um pré-requisito para a ação pedagógica, mas um dos produtos ou efeitos do trabalho em sala de aula. Já para Rego (1996), os envolvidos no processo de indisciplina escolar tem um olhar parcial e pouco fundamentado sobre o problema. Os educadores colocam

a influência das

características individuais dos alunos num primeiro plano, vistas como resultados de fatores inerentes a cada aluno ou de pressões do universo social, situando o problema da indisciplina fora do seu alcance. Esta concepção determinista do desenvolvimento humano traz sérias conseqüências às práticas pedagógicas e acarreta perplexidade e imobilismo no sistema educacional. Este se vê desvalorizado e isento de cumprir seu papel no processo de constituição do sujeito, do ponto de vista de seu comportamento e da construção do conhecimento. Por outro lado, em oposição a estas concepções deterministas do desenvolvimento humano, a mesma autora se reporta a teoria sócio-cultural elaborada por Vygotsky, conhecida

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como abordagem sócio-interacionista ou sócio-histórica. Esta teoria, concebe “a cultura, a sociedade e o indivíduo como sistemas complexos e dinâmicos, submetidos a ininterruptos e recíprocos processos de desenvolvimento e transformação”. Considera fundamental o desenvolvimento humano em seu contexto cultural. Vygotsky estudou as funções psicológicas superiores como o controle consciente do comportamento, a capacidade de planejamento e previsões, atenção e memória voluntária, pensamento abstrato, raciocínio dedutivo,imaginação, etc., consideradas superiores e sofisticadas por referirem-se a mecanismos intencionais, ações conscientemente controladas, processos voluntários que dão ao indivíduo a possibilidade de independência em relação às características do momento e espaço presentes. Estes processos psicológicos complexos se originam nas relações entre indivíduos humanos e se desenvolvem ao longo do processo de internalização de formas culturais de comportamento. Nessa perspectiva, as características do funcionamento psicológico, assim como o comportamento de cada ser humano, são construídos ao longo da vida do indivíduo através de um processo de interação com o meio social, que possibilita a apropriação da cultura elaborada pelas gerações precedentes. A cultura é, assim, parte constitutiva da natureza humana, já que a formação das características psicológicas individuais se dão pela internalização dos modos e atividades psíquicas historicamente determinados e culturalmente organizados. Ao mesmo tempo, que internaliza o conhecimento social, o sujeito o modifica e intervém em seu meio, podendo renovar a própria cultura. Neste aprendizado, há o importante papel de mediador, exercido por outras pessoas nos processos de formação dos conhecimentos, habilidades de raciocínio e procedimentos comportamentais de cada sujeito. São estas pessoas do grupo social que indicam, delimitam e atribuem

significados à realidade e são estas mediações que permitem aos

indivíduos imaturos se apropriarem, lentamente, do patrimônio da história da humanidade e de seu grupo cultural. Ao internalizar as experiências fornecidas pela cultura, a criança e o adolescente reconstroem individualmente os modos de ação realizados externamente e aprendem a organizar os próprios processos mentais, a controlar e dirigir seu comportamento e agir por si mesmo no mundo. Estes processos são absorvidos como transformação e síntese, um dos principais mecanismos a serem compreendidos no estudo do ser humano. O comportamento e desenvolvimento dos seres humanos dependerão principalmente das influências culturais, das aprendizagens e das experiências educativas. Assim, a educação recebida na família, na escola e na sociedade, de um modo geral, cumpre um papel fundamental na constituição dos sujeitos. Mas, especialmente, a escola é imprescindível neste processo, pois neste espaço, as crianças e

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adolescentes são desafiados a entender as bases do conhecimento científico e a tomar consciência de seus processos mentais, que possibilitarão novas formas de pensamento, comportamento, inserção e atuação em seu meio (REGO, 1996). Diante disto, a autora presume que um comportamento mais ou menos indisciplinado de um indivíduo dependerá de suas experiências, de sua história educativa, que sempre terá relações com as características de seu grupo social e da época histórica em que acontece. Desse modo, o comportamento indisciplinado é aprendido e pode-se inferir que a indisciplina está intimamente ligada às interações na família e também na escola, já que são as principais agências de educação. Entretanto, embora seja inegável a importância da educação familiar, no que se refere à cognição, afetividade e moralidade, ela não é determinante e irreversível. Numa perspectiva sócio-cultural, os traços que irão caracterizar a criança e o jovem em seu desenvolvimento, também irá depender das inúmeras aprendizagens proporcionadas nos diferentes contextos socializadores. Neste sentido, pode-se inferir que crianças provenientes de ambientes familiares inadequados em estilo e orientação poderão superar as adversidades se tiverem a oportunidade de vivenciar, em outros contextos educativos, um modelo diferente de educação. A escola, como local de vivência social diferente da família, tem um relevante papel de oportunizar o acesso a informações e experiências novas capazes de provocar transformações e desencadear novos processos de desenvolvimento e comportamento (REGO, 1996). Rego (1996) refere ainda, que a escola não pode se eximir de sua tarefa educativa no que se refere à disciplina. O cotidiano escolar deve dar condições para que as crianças e adolescentes possam conhecer, aprender, construir e interiorizar valores e posturas consideradas corretas pela nossa cultura e desenvolver mecanismos de controle reguladores de sua conduta. Para isso, a escola e educadores adequariam suas exigências às possibilidades e necessidades dos alunos, e estes, além de obedecer e se conformar com as regras estabelecidas pelo receio de punições e ameaças precisariam conhecer e até discutir as intenções que as originaram e as conseqüências de suas infrações. Neste sentido, é de fundamental importância o papel mediador do professor e a sua reflexão sobre as regras da escola, em relação à justiça, necessidades e flexibilizações e a coerência entre suas condutas e as que esperam dos alunos. A indisciplina pode também ter suas causas em fatores intra-escolares, que envolvem a escola como um todo. Neste caso, há necessidade de uma análise profunda e conseqüente dos fatores responsáveis pela indisciplina em sala de aula. Pesquisas mostram que pode estar relacionada à ineficiência da prática pedagógica como propostas curriculares problemáticas e metodologias que subestimam a capacidade dos

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alunos, cobrança excessiva da posição sentados, inadequação da organização dos espaços em sala de aula

e tempos disponibilizados, excessiva centralização na figura do professor, pouco

incentivo à autonomia e às interações entre os alunos, constante uso de ameaças e sanções visando o silêncio, pouco diálogo, etc. Longarezi (2003) afirma que a indisciplina, apontada pelos professores como principal obstáculo do trabalho pedagógico, denota uma ausência de estrutura psicológica moral que torna o jovem despreparado para o convívio em ambientes regrados. Os adolescentes que apresentam falhas no seu desenvolvimento moral, geralmente, manifestam comportamentos inadequados, julgados, muitas vezes, como comportamento indisciplinado, o que indica uma correlação entre disciplina e desenvolvimento moral. Também para Araújo (1996) a indisciplina em sala de aula estaria relacionada com o desenvolvimento moral infantil. Baseia-se na teoria do desenvolvimento moral elaborada por Piaget, publicada em 1932 em seu livro “O juízo moral na criança”. Para ele, Piaget (1977) “toda a moral consiste num sistema de regras, e a essência de toda a moralidade deve ser procurada no respeito que o indivíduo adquire por elas”(p.11). Deste modo, verifica-se a vinculação entre regra e moral e a importância que o respeito às regras exerce no desenvolvimento da moralidade. Piaget (apud ARAUJO, 1996) constatou que em relação às regras as crianças passam por três fases: a anomia, a heteronomia e a autonomia. A anomia é um estado de ausência de regras, a partir do nascimento da criança. O sujeito age de acordo com o que considera certo, pelos seus interesses pessoais, desconsiderando as regras sociais. A heteronomia é a fase em que as crianças percebem a existência de regras, que são impostas por outros que exercem autoridade. Elas agem de acordo com os outros, que sabem o que é certo ou errado. São os pais, professores, pessoas mais velhas, a religião. A autonomia em que as crianças sabem que existem regras para se viver em sociedade, e que a fonte destas regras está nelas mesmas. O sujeito tem a capacidade racional de discernir entre o certo e o errado, levando em consideração os outros e seus direitos, baseando suas ações em princípios de universalidade e justiça. Assim, o sujeito, que nasce em anomia só construiria uma capacidade autônoma, passando por estados de heteronomia. Ao nascer, a criança encontra-se em um estado de egocentrismo radical. É a partir de sua interação com o mundo, basicamente com a família, e com a descentração cognitiva, originada desta interação, que pode começar a perceber a si e aos outros e a existência de regras que regulam as relações interindividuais. A criança então, passa para a heteronomia, que normalmente se dá pela coação exercida pelas pessoas mais velhas, que a

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obriga a agir de acordo com as regras que estabelece, por meio de ameaça de punição, tanto física quanto psicológica (ARAÚJO,1996). Na heteronomia, as relações interindividuais, baseadas na coação e o respeito unilateral, não levam o sujeito a ter consciência de suas ações. O egocentrismo infantil vai dando lugar a uma socialização mais ampla, em que a criança conhece um mundo mais complexo e convive com outras de sua idade. Junto com transformações cognitivas, pode ocorrer o processo de cooperação, em que a criança confronta seus pontos de vista com os de outros sujeitos. Deste processo de cooperação surge o respeito mútuo e gradualmente as relações da criança podem deixar de se basear somente na obediência para basear-se também na reciprocidade. Assim, do ponto de vista moral, a cooperação pode conduzir a uma “ética de solidariedade e de reciprocidade” nas relações que resultará numa autonomia progressiva de consciência na qual poderá prevalecer a heteronomia. As relações de cooperação, de reciprocidade e respeito mútuo são as fontes da autonomia e a passagem dos estados de heteronomia para autonomia existe como possibilidade, e não necessariamente como realidade. O sujeito poderá ou não se tornar autônomo. Não há uma idade determinada para que isto ocorra, pois como processo construtivo pode haver diferentes estados de autonomia que se situarão em níveis diferentes de juízo moral. Então, a autonomia ideal é uma possibilidade do ser humano e, do ponto de vista prático, pouquíssimas pessoas parecem conseguir construí-la. São as relações com base no respeito mútuo que permitirão construir estados de heteronomia mais elaborados em direção à autonomia. Se o indivíduo viver constantemente em ambientes de coação e respeito unilateral, dificilmente poderá alcançar um desenvolvimento ideal e autonomia (ARAÚJO, 1996). Com base na teoria de Piaget, Araújo (1996) relaciona a indisciplina à moralidade. Refere ele que a indisciplina na escola se reporta ao desrespeito às regras estabelecidas. Se o princípio que norteia a regra não for o de justiça, a regra será imoral, e a indisciplina será sinal de autonomia. Se não é estabelecida com base em princípios democráticos e imposta de maneira autoritária, o sujeito pode não se sentir obrigado a cumpri-la, e a indisciplina será um protesto contra a autoridade. Observando a natureza e a forma com que as regras são estabelecidas, o aluno indisciplinado pode ser ou não imoral, assim como o professor, supervisor ou diretor. Para lidar com a indisciplina, tradicionalmente, é utilizada a repressão, por meio de instrumentos de coação que a sociedade coloca à disposição dos profissionais da educação, que só funcionam com sujeitos que temem a autoridade. Esta forma de lidar com a indisciplina reforça os estados de heteronomia e não traz os resultados esperados. Para romper com esta postura autoritária, as

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instituições podem adotar o método da “liberdade”, que é geralmente confundida com permissividade. Ao deixarem os alunos “livres”, para decidir tudo e fazer só o que acreditam ser correto, reforçam estados de anomia, em que não são solicitados a levar em consideração os colegas, as normas, leis e regras da sociedade. O autor acredita que, para romper a dicotomia repressão-liberdade, deve haver uma democratização nas escolas, a partir de relações de respeito mútuo e reciprocidade que modifiquem a visão sobre o papel que as regras devem exercer nas instituições. Neste contexto, deve existir uma concepção clara da função normatizadora das regras para as relações sociais, que podem ser questionadas e modificadas, e os alunos podendo expressar-se livremente têm a oportunidade de posicionar-se em relação às suas ações questionadas. Para Aquino (2000) há princípios éticos limitadores da intervenção escolar, que envolvem quatro elementos básicos: o conhecimento; a relação professor-aluno; a sala de aula, e o contrato pedagógico, que é a proposta de regras de convivência, que precisam se explicitadas e compartilhadas por todos os envolvidos no contexto escolar e se possível, negociadas por todos. O mesmo autor também refere cinco regras éticas para o trabalho docente: compreensão do aluno problema como porta-voz das relações estabelecidas em sala de aula; des-idealização do perfil de aluno; fidelidade ao contrato pedagógico, com clareza quanto as tarefas em sala de aula. A ação discente é de certa forma o reflexo da ação do professor; experimentação de novas estratégias de trabalho, entendendo a

sala de aula como um laboratório pedagógico; a

competência e o prazer como compromissos básicos em sala de aula.

2 RELATO DA PRÁTICA Este relato refere-se a uma turma de sexta série do Ensino Fundamental, com queixa de indisciplina, rotulada como a pior turma da Escola, com supressão de recreios e impedimentos de passeios pelo mau comportamento. Como indisciplina citou-se: dificuldade de manterem-se em silêncio enquanto o professor explicava o conteúdo, conversas paralelas, agressividade entre eles mesmos,

falta de atenção, brincadeiras em sala de aula, “bagunça”,

passeio pela sala,

dificuldade de trabalho em grupo, descompromisso com o material escolar e com os temas, desrespeito para com professores, dificuldades de respeitar as normas da escola. Na observação, foram identificadas as dificuldades relatadas pela diretora e supervisora da Escola. Embora alguns alunos procurassem atender ao professor e se esforçassem para fazer o tema, eram interrompidos por estes outros que faziam muito barulho. Havia ainda, alunos

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nomeados como “líderes negativos”. Eram ídolos para os demais, que não se comportavam como eles, mas os acobertavam e protegiam em visível conivência. O professor que estava em sala de aula não tinha autoridade, por diversas vezes pedia silêncio e não era ouvido. Tratava-os infantilmente. Mesmo dando as explicações necessárias, os alunos voltavam a perguntar como se nada tivesse sido explicado. Muitos alunos não trazem o material necessário para trabalhar em sala de aula e algumas meninas trazem bonecas para brincar. Foi elaborado um projeto de trabalho que incluía os alunos, os professores, e os pais, que pretendia conscientizar os alunos para o que estava ocorrendo em sala de aula, resgatar os valores éticos e morais nas relações interpessoais entre alunos e professores, para um ensino mais qualificado e produtivo. Este projeto previa reuniões com professores, entrevistas com os pais dos alunos mais problemáticos, reuniões com os alunos para reflexões e aplicações de dinâmicas sobre elaboração de regras, direitos e deveres na família e na escola e escolha de líderes. Os resultados esperados eram a conscientização dos alunos das suas responsabilidades em sala de aula quanto a limites, normas e regras e ao uso da sua liberdade. A elaboração de regras de convivência em sala de aula foi bastante difícil. Foi necessária uma reflexão sobre a situação que a turma enfrentava e uma retomada da elaboração das regras, que pode então ser concluído. Tendo em vista a dificuldade de trabalhar com toda a turma, um grupo de 10 alunos interessados em continuar o trabalho, em reunião,

manifestaram-se

insatisfeitos com as injustiças, quando todos pagam pelos erros de alguns, a indisciplina de uns que impedem que outros trabalhem, os professores “bonzinhos” que deixam a turma fazer “bagunça”. Disseram preferir os professores mais rígidos que cobram disciplina e trabalhos, porque aprendem mais, e chegaram a conclusão que poderiam ajudar os alunos indisciplinados cobrando a disciplina a observação das regras instituídas em sala de aula, e ajudando nos deveres que não conseguiam fazer. As reuniões com os professores revelaram problemas com a turma, como a agressividade e indisciplina que dificulta o trabalho pedagógico e com a equipe diretiva, em relação à comunicação e dificuldades nos relacionamentos interpessoais e o mau clima organizacional. Também se referiram às confusões geradas pelo Estatuto da Criança e do Adolescentes. Foi feita uma palestra por funcionário da Promotoria da Criança e do Adolescente que abordou esclarecimentos sobre os temas Estatuto da Criança e do Adolescente, autoridade do professor em sala de aula, procedimentos e aspectos legais em relação à indisciplina e em casos

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mais graves como o

desacato a autoridade, lesões corporais,

danos morais e danos ao

patrimônio, bem como porte de armas e uso e distribuição de drogas. As entrevistas com os pais revelaram desorientação na percepção e desempenho do papel de pais e direitos e deveres dos filhos. Não sabiam como agir para estabelecer limites e controlar a indisciplina. Também citaram

problemas familiares graves. Houve um trabalho de

esclarecimentos sobre educação familiar. Constatou-se que nesta turma os dois principais “alunos-problema” em relação à indisciplina, têm desajustes familiares, e que os problemas de indisciplina na escola começaram quando instalaram-se os problemas familiares . À medida que o tempo ia passando, íamos tendo o retorno dos professores e direção de que a turma apresentava melhoras gradativas no comportamento em sala de aula.

3 ANÁLISE CRÍTICO-REFLEXIVA A indisciplina aparece como um problema real e de difícil solução. Possivelmente esta dificuldade esteja ligada às suas múltiplas causas, nem sempre diagnosticada de maneira correta, ou negadas por uma questão de conveniência. A queixa principal da Escola cuja experiência foi relatada é a indisciplina das turmas de sextas-séries que estaria dificultando o trabalho pedagógico e favorecendo o fracasso escolar. É descrita como falta de limites dos alunos, um não saber ouvir, dificuldade de manterem-se em silêncio enquanto o professor explicava o conteúdo, conversas paralelas, agressividade entre eles mesmos, falta de atenção, brincadeiras em sala de aula, “bagunça”, passeio pela sala, dificuldade de trabalho em grupo, descompromisso com o material escolar e com os temas, desrespeito para com professores, colegas, desrespeito às normas da escola. Evidenciou-se a indisciplina como falta de limites, conforme cita Rego (1996), que estaria relacionada aquele que não respeita a opinião e sentimentos alheios e dificuldade em entender o ponto e vista do outro, não dialoga e não sabe conviver de modo cooperativo. Aquino (2000) identifica o aluno-problema “sem limites”, que obstrui o trabalho pedagógico e tem como conseqüência o fracasso-escolar, o que é confirmado pelo último conselho de classe, em que a turma foi mal nas avaliações.

Este aluno não reconhece a

autoridade, não respeita regras e teria como causa a permissividade dos pais. Rêgo (1996), baseado referencial teórico de Vygotsky, em sua abordagem sóciointeracionista ou sócio-histórica, em que os processos psicológicos complexos se originam nas relações entre indivíduos humanos e se desenvolvem ao longo do processo de internalização de

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formas culturais de comportamento, presume que um comportamento mais ou menos indisciplinado de uma pessoa dependerá de suas experiências, de sua história educativa que sempre terá relações com o grupo social e histórico em que acontece. Então, supõe a importância das relações familiares no desenvolvimento humano. É possível, portanto, partindo deste referencial, que os estilos educativos dos pais tenham grande influência na indisciplina escolar, o que corrobora a afirmação de Aquino (2000), da permissividade dos pais como causa da indisciplina. Além disto, conforme Baumrind (apud PREDEBON, 2005), o estilo educativo permissivo inclui pais tolerantes, pouco autoritários, que utilizam um mínimo de punição possível, exigem pouco em termos de comportamentos maduros, não estabelecem limites ou parâmetros. E ainda, Moreno e Cúbero (1995), citado por Rego (1996), se reportam às conseqüências do estilo educativo permissivo, em que os filhos, apesar de mais alegres e dispostos, mostram-se impulsivos, imaturos e dificuldades para assumir responsabilidades. Em relação à permissividade, as entrevistas com os pais mostraram

que utilizam este modelo

educativo permissivo, referindo que estão confusos e não sabem o que fazer em relação à sua educação, pois não conseguem controlá-los. Isto também se repete na escola, em sala de aula, quando os professores permitem que os alunos sejam indisciplinados, com posturas impulsivas e imaturas, irresponsáveis em seus deveres, egocêntricas e desrespeitosas em relação a eles, os professores e aos colegas. Como

pais permissivos pouco impõe regras e fazem poucas exigências, e o estilo

permissivo favorece comportamentos imaturos e impulsivos com dificuldades de assumir responsabilidades, pode-se supor também que estes jovens indisciplinados apresentem uma falha no desenvolvimento moral, conforme postula Aquino (2000), Longarezi (2003) e Araújo (1996). Aquino (2000) afirma que se o aluno não teve uma estruturação psicológica moral estabelecida na família, provavelmente não terá uma infra-estrutura moral para o trabalho pedagógico. Longarezi (2003) refere que a ausência de uma estrutura psicológica moral torna o jovem despreparado para o convívio em ambientes regrados e que adolescentes que apresentam falhas em seu desenvolvimento moral geralmente apresentam comportamentos inadequados, muitas vezes julgados como indisciplinados. Araújo (1996) parte do referencial teórico de Piaget (1977) para quem “toda a moral consiste num sistema de regras, e a essência de toda a moralidade deve ser procurada no respeito que o indivíduo adquire por elas”(p.11). Permite vincular regra e moral e dá importância ao respeito às regras para o desenvolvimento moral, a partir de sua interação com o mundo, basicamente a família. Esta,

propicia que a criança ao

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nascer em estado de anomia, possa se desenvolver para uma heteronomia, através da imposição de regras, pela moral de coação, que é aceita em função do respeito unilateral,

para

posteriormente desenvolver o respeito mútuo e em relação de cooperação e reciprocidade com seus iguais, ou percebidos como iguais, chegar a autonomia moral. Também postula que é impossível chegar a uma autonomia moral sem passar pela heteronomia, em que a fonte das regras emana de fora do sujeito, no caso, de seus pais, educadores e pessoas mais velhas. Isto faz supor, que aqueles pais que são permissivos, não impões regras, ou impõe poucas regras, impedem que seus filhos possam se desenvolver moralmente, não desenvolvem o sentimento de obrigatoriedade de agir pelo dever do bem,

cultivando o egocentrismo exacerbado para a idade

em que se encontram, e impedindo a descentração, e conseqüentemente o desenvolvimento do respeito mútuo, Assim, impedirão relações de cooperação e reciprocidade, fundamentais para uma autonomia moral. Isto posto, pode-se inferir que alguns destes alunos de sexta serie não desenvolveram-se moralmente, a ponto de não se adequarem às regras da escola ou da sala de aula, permanecendo numa anomia relativa, com posturas egocêntricas em que a descentração ainda não aconteceu de maneira a permitir relações de cooperação e reciprocidade. Por outro lado, observou-se também que o professor não fazia o exercício da

sua

autoridade. Araújo(1996) refere que Piaget, na década de 1930, já afirmava que autonomia seria possível e até provável se a educação abandonasse sua posição autoritária. Nessa idéia, as escolas confundiram autoritário com autoridade e passaram a abdicar de sua autoridade com medo de serem autoritários. Para romper com a postura autoritária, muitas escolas adotaram o método da liberdade, que pode ser confundido com permissividade. E se reporta à idéia confusa adotada nas escolas de estímulo a autonomia, em que consideram que as regras estão dentro do próprio sujeito, interpretando autônomo como quem faz o que acha certo, de acordo com suas próprias idéias, e que a busca do desenvolvimento dos alunos deve ser feita deixando-os livres para decidir as regras de acordo com suas idéias. Mas, deixando os alunos “livres” para decidir de acordo com as suas idéias, como se não vivessem em sociedade eles ficam mais próximos da anomia, de ausência de regras, em que o sujeito quer fazer o que deseja,

sem levar em

consideração os outros ou a sociedade. Assim, este professor parece estar abdicando de sua autoridade,

também deixando seus alunos sem orientação e regras, incentivando o seu

egocentrismo. Nestas perspectivas, foi utilizada a dinâmica em que se procurou estabelecer regras de convivência social, em sala de aula, para o grupo, procurando desenvolver neles um movimento

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para a heteronomia e autonomia,

incentivando relações de cooperação e reciprocidade.

Conforme foi relatado, foi difícil, num primeiro momento, em razão de a turma estar sem referências no que se refere a regras. Entretanto, no encontro seguinte, após reflexões sobre assuntos pertinentes, conseguiu-se um considerável avanço, em que o grupo, apesar das dificuldades, conseguiu definir regras para a sala de aula e comprometeu-se com elas. Posteriormente, foi nos dado um retorno sobre o comportamento, quando afirmaram que a turma estava mais calma. Retornando a Rego (1996), embora reconheça a inegável importância da educação familiar, no que se refere à cognição, afetividade e moralidade, também reconhece que ela não é determinante e irreversível e que as inúmeras aprendizagens proporcionadas nos diferentes contextos também influenciarão a criança e o jovem em seu desenvolvimento. Estes contextos incluem também a escola, que não pode se eximir de sua tarefa educativa no que se refere à disciplina. E o papel do professor como mediador é de fundamental importância para propiciar mecanismos de controle reguladores de conduta. Assim, todo o trabalho que é feito na escola, em maior ou menor grau, traz influências às crianças e adolescentes, que poderão ser muito positivas. A indisciplina, nesta Escola, embora nesta turma pareça estar mais relacionada aos alunos em suas características, também se pode inferir que o professor tem seu papel em sala de aula. No exercício de sua autoridade e como comunicador do conhecimento também deve assumir sua responsabilidade de fazer com que a turma se desenvolva e caminhe em direção a uma autonomia. Através das interações neste contexto deve oportunizar experiências novas que provoquem transformações e novos processos de desenvolvimento e comportamento, mesmo que para isto deva repensar seu projeto pedagógico para a turma. Assim, nesta turma, a indisciplina parece estar relacionada às interações sociais dos alunos em relação à educação familiar, com alguns alunos-problema em razão de dificuldades em suas estruturas familiares, mas

também guarda relações com a prática pedagógica dos

professores e com as atitudes disciplinares tomadas pelo corpo diretivo da escola. E em relação a estas práticas pedagógicas, é importante ressaltar que os professores poderiam refletir sobre os elementos básicos envolvidos nos princípios éticos limitadores da intervenção escolar, que conforme Aquino (2000) são o conhecimento, a relação aluno professor, a sala de aula e o contrato pedagógico. Além destes elementos básicos, o mesmo autor também cita as regras éticas para o trabalho docente, que precisariam ficar claras para os professores, e que em geral ficam esquecidas pelos mais diversos motivos, como a compreensão do aluno como

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porta-voz das relações estabelecidas em sala de aula, a des-idealização do perfil do aluno, a fidelidade ao contrato pedagógico, a experimentação de novas estratégias de trabalho e a competência e prazer como compromissos básicos em sala de aula. Para o controle da disciplina nesta escola, e também de uma maneira geral, nas escolas que apresentam este problema, haveria a necessidade de se trabalhar com o grupo de alunos, no sentido de desenvolver relações de cooperação e reciprocidade que permitam o desenvolvimento da autonomia, ou antes ainda para uma heteronomia, uma vez que parecem estar numa relativa anomia; com os professores, para um efetivo compromisso com o trabalho pedagógico, norteado por princípios éticos que visem o conhecimento para o aluno, não esquecendo que o professor tem direito a autoridade em sala de aula e que esta autoridade é de fundamental importância para o trabalho pedagógico; com os

pais, que no contexto social atual, sentem-se perdidos em

relação a educação de seus filhos, referindo não saber o que fazer para resgatar a autoridade sobre seus filhos e que muitas vezes preferem transferir para a escola uma responsabilidade que é deles, e ainda, com a equipe diretiva e professores para uma melhor comunicação e diálogo para esclarecimentos e a busca de conhecimento que aponte soluções para problemas relacionais, propiciando um clima organizacional satisfatório, que certamente se refletirão no controle da indisciplina.

CONCLUSÃO

O contexto escolar apresenta muitas configurações e por envolver muitos segmentos é de difícil e desafiante intervenção, principalmente quando está relacionada à indisciplina. Além de envolver os diversos segmentos, está relacionada a diversas causas não bem definidas. Entretanto, apesar das dificuldades, as interações sociais nos diversos contextos proporcionam aprendizagens capazes de influenciar o desenvolvimento de crianças e jovens, o que é de relevante importância e constitui a base de qualquer intervenção.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ARAUJO, U. F. Moralidade e indisciplina: uma leitura possível a partir do referencial piagetiano. In: AQUINO, J.G. (org). Indisciplina na escola: alternativas teóricas e práticas 11 ed. São Paulo: Summus, 1996. BÖCK,Vivien R. Professor e a psicologia aplicada na escola. Porto Alegre: Kinder,1996. LA TAILLE, Yves de. Limites: três dimensões educacionais. São Paulo: Ed. Ática,1998. LONGAREZI, Andréa M. O dilema do professor: a indisciplina na perspectiva dos agentes educativos. Revista Uniara n. 15, 2004. LONGAREZI, Andréa M. Educação moral e limites: princípios norteadores da ação docente. Revista Profissão Docente On Line. Vol.3 (9), 2003. Disponível em: http://www.uniube.br/institucional/proreitoria/propep/mestrado/educação/revista/vol03/09/art.2.h tm acesso em 01.jun.2006. OLIVEIRA, P.S. Introdução a sociologia da educação. 2. ed. São Paulo: Editora Ática, 1995. PREDEBON, Juliana C. Variáveis preditoras dos problemas de comportamento na adolescência. Porto Alegre: PUCRS. Tese de Doutorado, Faculdade de Psicologia, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2005. REGO, T.C.R. A indisciplina e o processo educativo: uma análise na perspectiva vygotskiana. In: AQUINO, J.G. (org). Indisciplina na escola: alternativas teóricas e práticas 11 ed. São Paulo: Summus, 1996.

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