O PAIRIMONIO EM PROCESSO
Reitor Vice-Reitora
Aloisio Teixeira Sylvia Vargas
Coordenadora do iómm de Ciência e Cultura Beatriz Resende EDITORAUFRJ Diretor Carlos Nelson Coutinho Coordenadora de Edição de Texto Coordenadora de Produção Conselho Editorial
Lisa Stuart Janise Duarte Carlos Nelson Coutinho (presidente), Charles Pessanha, Diana Maul de Carvalho, José Luis Fiori, José Paulo Netto, Leandro Konder, Virginia Fontes
M A R I A C E C LIA ~ LONDRES FONSECA
AGRADECIMENTOS
Copyright O 1997 Maria Cecilia Londres Fonseca Ficha Catalográfica elaborada pela Divisão de Processamento Técnico - SIBIIUFRJ F676p
Fonseca, Maria Cecília Londres O Patrimônio em processo: trajetória da política federal de preservação no Brasil I Maria Cecília Londres Fonseca. 3. ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2009. /
298 p.; 16 x 23 cm.
1 . Patrimônio cultural I. Título
-
Brasil. 2. Patrimônio Cultural - História. CDD
363.690981
ISBN 978-85-71 08-149-9 1' edição 2' edição
-
1997 2005
Edição de Texto Núbia Melhem dos Santos (Iphan) e Jose Antônio Nonato (Iphan) (1" edição) Alvaro Mendes (Iphan) (2" edição) Revisão Alvaro Mendes (Iphan) e Sylvio Clemente da Motta (2" ediçáo) João Sette Camara (3a edição) Capa UNIDESIGN Projeto Gráfico Janise Duarte Editoração Eletrônica Marisa Araujo Universidade Federal do Rio de Janeiro Forum de Ciência e Cultura Editora UFRJ Av. Pasteur, 2501sala 107 Praia Vermelha - Rio de Janeiro CEP: 22290-902 Tel.1Fax: (21) 2542-7646 e 2295-0346 (21) 2295-1595 r. 210, 224 e 225 http:llwww.editora.ufrj.br
Em geral, as pessoas se referem ao período de elaboração de tese como um tempo de isolamento, de renúncias, de trabalho árduo e tenso. Não foi essa, no entanto, a impressão que me ficou do período em que preparei meu trabalho para a obtenção do titulo de doutora em Sociologia pela UnB. Além do profundo envolvimento com o tema, pude sempre contar com a valiosa colaboração de colegas, parentes e amigos. Em Angélica Madeira encontrei a orientadora de todos os momentos e a disponibilidade para acompanhar, mesmo quando distante, todos os passos do meu trabalho. A Clara de Andrade Alvim devo, entre muitas outras coisas, a sugestão de estudar os processos de tombamento. Foi com ela que descobri os ricos pontos de contato entre o mundo das palavras e o mundo dos objetos. De dona Graciema, esposa de Rodrigo Melo Franco de Andrade, obtive informações que jamais encontraria em qualquer documento. Dos professores do Departamento de Sociologia da UnB sempre recebi estímulo e apoio. Devo a Vilma Figueiredo a sugestão para procurar na sociologia o caminho para elaborar as questões suscitadas por minha experiência profissional na área da cultura. Maria Stella G. Porto me orientou com sensibilidade no difícil
SUAARIO
momento de elaboração do prometo.De Christianne e Brasilmar F. Nunes recebi sugestões muito oportunas, que corrigiram rumos e apontaram trilhas ainda não
exploradas.Mariza Veloso, minha parceira no estudo do património,trouxe contribuições valiosas em função do conhecimentoque acumulou sobre o assunto. Contei sempre com a colaboração de meus colegas da então Fundação Nacio-
nal pró-Memória.Xavier Maureau é sempre um interlocutorestimulante.em busca de novasformas de abordar a questão do património.Antânio HerculanoLopes e Antõnio Luas Dias de Andrade também me ajudaram, de diferentes maneiras. Mana
Alice de Castro me deu acesso à sua pesquisasobre os Livros do Tombo. Dará e Pedro Alcântara me repassaram sua riquíssimaexperiência na área da pedra
Listade siglas
11
Prefácioà terceira edição
15
e ca/. dr. Lúcio Costa, dona Judith Martins e dona Lígia Martins Costa. heró/s de 21
Introdução
um Patrimónioque não conheci, me possibilitaramconhecere entender melhor o entusiasmo e mesmo a devoção despertados pelo Sphan naqueles que tiveram a opor-
Partel
tunidadede dele participar.José Silva Quintas, LuasFelipe P. Serpa. Ana Gatade Oliveira, Helena Mussi, Ann-Mal Meirelles, companheirosda referência, me forne-
A noção de património: características e história
Capítulol
O património: umaquestãode valor
ceram informaçõesque. de outro modo, não poderiaobter. Aos funcionários do Arquivo Central do lphan agradeço a atenção com que sempre atenderam a minhas solicitações. Ao então Instituto Brasileiro do PatrimónioCulturaldevo a dispensa de meus encargos funcionais durante o período de elaboração da tese. Da Capes e do CNPq
1.1
A noção de património como categoria jurídica
1.2
O património como forma de comunicação sacia
1.3
O património como objeto de uma política pública
Capítulo 2 - A construção do património: perspectiva histórica
recebi apoio financeiro em diferentes momentosde meu curso de doutorado. 2.1
Gelson participou desde o início, e suas sugestõesforam fundamentaispara
Os primórdios da preservação de monumentos e a autonomização
33
35 37 41
45 51
54
dasnoçõesde históriae de arte
que eu pudesseme distanciarde um pontode vista predominantemente funcional e alcançasseum nível de análise política. A Vladimir Murtinho, Paulo Sérgio Pinheiro, Celso Lafer, Joaquim Falcão, João
Geraldo Piquet Carneiro, Mansa Peirano e Luís Antõnio de Castro Santos agra-
2.2
A legitimação do património pelo valor de nacionalidade
2.3
A teoria dos valoresde Alo"s Riegl
2,4
A ampliação da noção de património e a legitimação via direitos
57
65 70
culturais
deço as contribuiçõese sugestõesfeitas. De Célia B. Nogueirae Eduardo Slerca
Parte2 - O património no Brasil
recebi uma assessoriajurídica de inestimávelvalor para a linha de. investigação
79
J
que desenvolvi.
E não poderia esquecer daqueles que. embora ausentes, deixaram sua marca na minha vida pessoal e profissional, e também neste trabalho. A Aloísio Magalhães.
com quem tive o privilégio e o prazer de conviver desde os primeirostempos do CNRC, e a Fausto Alvim Júnior. personalidadeinstigante e criativa, devo, entre mui-
tas outrascoisas,o exemploda busca constantee entusiasmada do novo, mesmo nos caminhos estreitos da burocracia.
Capítulo .9 - A fase heróica
81
3.1 0 contexto cultural 3.2 0 movimento modernista e o património
82
3.2.1 0 sentido de ruptura no modernismo brasileiro
87
3.2.2 0s modernistas e MinasGerais
92
87
A criaçãodo Sphan
94
3.3.1 As iniciativasprecursoras
94
3.3
3.3.2 A institucionalizaçãoda proteção do património
96
3.3.3 0 anteprojetode Mário de Andrade e o decreto-leiRe25
98
3.4
0 programa de trabalho do Sphan
5.2
Os principaisproblemas
5.2.1
As concepções de valor histórico e de valor artístico
5.2.2
As concepçõesde valor excepcionale de valor naciona
5.2.3
Os conceitos de centro histórico e de entorno
l 06
5.2.4 Sobre a legitimidade do processo de atribuição
3.4.1 As prioridades e os limites
l 06
3.4.2 A construção de um saber verdadeiro
l 10
5.3
A atuação do Conselho Consultiva
3.4.3 Umretratoempedrae cal
l 12
5.4
Observações finais
3.5 0s colaboradores e os adversários
l
16
3.5.1 0 papel da equipe e do Conselho Consultivo
l
16
3.5.2 As vozes discordantes
l
18
3.6
Uma autonomia fraca
188 188 195
198 200
de valor nos tombamentos 205 207
Conclusão
213
Referênciasbibliográficas
225
l 20
Anexos
237
Capítulo4 - A fase moderna
l 31
Anexo l
Cronologia da política de preservação no Brasil
4.1
0 contexto cultura
l 31
Anexo ll
Decreto-lein' 25, de 30 de novembro de 1937
4.2
0 Sphan pós-Estado Novo
l 39
Anexo 111 Parecerde Carlos Drummondde Andrade
4.3
As alternativas do je ao)lphan
l 41
Anexo IV
O compromisso cultural da Nova República
l 41
Anexo V
Processos de tombamento abertos de 1.1.1970
4.3.1 0s caminhos da descentralizaçãoe a busca de novos 0 Centro Nacional de Referência Cultural
143
Anexo VI
Processos de tombamento abertos de 1990 a 2008
4.5 A unificação da política federal de preservação:
154
Anexo Vll
Decreto n' 3.551, de 4 de agosto de 2000
Anexo Vlll
Bens registrados de 2002 a 2008
Anexo IX
Bens culturais e naturais do Brasil inscritos na
a fusão lphan/PCH/CNRC 4.6
Uma propa$ta de democratização da política cultural:
158
a criaçãoda Secretaria da Culturado MEC 4.7
0 alcance e os limites da política federal de preservação nos anos 70-80: um balanço
lista do património cultural mundial da Unesco 160
Capítulo 5 - A prática de tombamento: 1970-1990
179
5.1
180
A sistemática dos processos de tombamento
245 253 255 259
a 14.3.1990
sentidos para a preservação 4.4
239
5.1.1 A origem dos pedidos
183
5.1.2 Justificativas, pareceres e impugnações
186
279 291
295 297
LISTA DE
SIGLAS
ABA
AssociaçãoBrasileirade Antropologia
ABC
Santo André. São Bernarda do Campo e São Caetana
ABI
AssociaçãoBrasileirade Imprensa
ABL
Academia Brasileira de Letras
AIB
Ação IntegralistaBrasileira
ALN
AliançaLibertadoraNacional
cc
ConselhoConsultivodo Sphan
Cebrap
Centro Brasileiro de Análise e Planejamento
CNRC
Centro Nacional de Referência Cultural
Condephaat
Conselho da Património Histórico, Artístico, Arqueológico e Tecnológico
Corephaae
Comission Régionaledu Patrimoine Historique, Artistique. Archéologique et Ethnographique
CPC
Centro Popularde Cultura
DAC
Departamentode AssuntosCulturais
Dasp
Departamento Administrativo do Serviço Público
DC
Departamento de Culturada Prefeiturade São Paulo
DCR
Divisão de Conservação e Restauração
DET
Divisãode Estudos e Tombamento
DIP
Departamento de Imprensae Propaganda
b.
do Património Histórico e Artístico Naciona
PNDA
Dphan
Departamento
DR
Diretoria Regional
PP
DTC
Diretoria de Tombamento e Conservação
PSD
Partido Social Democrata
Embratur
Empresa Brasileira de Turismo
PSDB
Partido da Social Democracia Brasileira
Esaf
EscolaSuperior de Administração Fazendária
PT
Partido dos Trabalhadores
FNpM
Fundação Nacional pró-Memória
PTB
Partido Trabalhista Brasileiro
Funai
Fundação Nacional do Índio
Seac
Funarte
Fundação Nacional de Arte
Seac
Subsecretaria de Assuntos Culturaisdo MEC
IAB
Institutodos Arquitetos do Brasil
SEC
Secretaria de Culturado MEC
lbama
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente
Senalba
IBPC
Instituto Brasileiro do Património Cultural
lcomos
International Councilof Monuments andSites
Programa Nacional de Desenvolvimento do Artesanato Partido Progressista
Secretaria de Ação Cultural
Sindicato dos Empregados em Entidades Culturais. Recreativas. de
Assistência Social. de Orientação e Formação Profissional,de Brasília
Seplan
Secretaria de Planejamento da Presidência da República
Span
Serviço do Património Artístico Naciona
Idesp
Instituto de Estudos Económicos, Sociais e Políticos de São Paulo
IHGB
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
Sphan
Secretaria do Património Histórico e Artístico Nacional
INF
Instituto Nacional do Folclore
Sphan
Serviço do Património Histórico e Artístico Nacional
lphan
Instituto do Património Histórico e Artístico Naciona
Sphan
Subsecretariado Património Histórico e Artístico Nacional
lseb
Instituto Superior de Estudos Brasileiros
Sudene
Superintendência de Desenvolvimento
LAA
Livro de Artes Aplicadas
UDN
União DemocráticaNacional
Laep
Livro Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico
UNE
União Nacional dos Estudantes
LBA
Livrode BelasArtes
LH
Livro Histórico
MDB
Movimento Democrático Brasileiro
MEC
Ministério da Educação e Cultura
MES
Ministério da Educação e Saúde
MinC
Ministério da Cultura
OAB
Ordem dos Advogados do Brasil
ONU
Organização das Nações Unidas
PC
Partido Comunista
PCH
Programa de Reconstrução das Cidades Históricas
PD
Partido Democrático
PMDB
Partido do Movimento Democrático Brasileiro
Unesco
do Nordeste
United Nations Educational. Scientific and Cultural Organization IOrganização das Nações Unidas para a Educação. Ciência e Cultura)
PREFÁCIO À T[RC€1RA EDIÇÃO ÓÂRIA CICÍHA
LONOR[S FONSeCÁ
E com grande satisfação que apresento uma nova edição de O Pafrlmónfo em prmesso, a terceira em pouco mais de dez anos. Interpretoesse fato como sinal de
que o livro continuasendo útil para os que se interessampelo tema do património cultural. Por esse motivo, procurei, mais uma vez, atualizar, na medida do possível, algumasdas informaçõesque constam nos anexos. Deste modo, o leitor pode acompanhar tanto os fatos mais recentes da política federal de preservação, registrados na cronologia, quanto os ates de aplicação dos instrumentos de proteção e salvaguarda,seja em nível nacional- por meio de tombamentose registros- seja em nível internacional - por meio das inscrições nas listas criadas pelas Convenções da Unesco das quais o Brasil é signatário. Entretanto,como já havia procurado enfatizar em toda a análise, as políticas de preservação do património cultural transcendem em muito os recursos viabilizados pela aplicação de leis, decretos ou portarias por parte dos órgãos estatais de património. Esse fato é reconhecido pela Constituição Federal de 1988 quando se refere
à imprescindívelparceria entre Poder Público e comunidade na tarefa de promover e proteger o património cultural brasileiro. Lembro que as leis de incentivo à cul-
tura têm como um de seus objetivos estimularessa parceria.
\
O movimontojá apontado na pesquisa inicial, no sentido de ampliação da
cas da ação humana, ao longo do tempo, naquele espaço ' A perspectiva histórica
noção de património cultural, vem adquirindo, nos últimos anos, contornos mais
reencontra, assim, o seu lugar na política de património, em que, como vimos no
específicos. Pois é necessário que essa ampliação conceitual venha acompa-
estudo da trajetória do lphan, prevalecia a percepção estética e a ênfase na arqui-
nhada pelo cuidado de "construir' novas figuras. discriminando e qualificando os
tetura. Outra inovação importante foram os geoparques, figura criada pela Unesco
recortes sobre os quais se vai atuar, de modo a viabilizar a adoção das medidas
com foco no desenvolvimentosustentável em áreas de intoresse geológico e paleon-
mais pertinentes para cada situação. Mas. como qualquer modelo que se queira
tológico, de modo a levar em conta também a qualidade de vida das populações
elaborar para mapear o mundo real, essas novas categorias - assim como as que
que neles habitam.:Finalmente,nos últimos anos, consolidou-seo Programa
as antocederam - não se excluem mutuamente, pelo contrário. apenas apontam
Monumenta,uma parceria do governo brasileiro com o Banco Interamericanode
para enfoques diversificados que, muitas vezes e de diversas maneiras, necessa-
Desenvolvimento(BIDÉ,que. em 2006, foi integrado ao lphan. De uma atuação ini-
riamente se superpõem.
cialmente centrada na recuperação de imóveis e espaços públicos de algumas
Essa constataçãofica evidente na própria distinção - recente - entre patri-
cidades históricas protegidas pela legislação federal, em parceria com estados e
mónio cultural material e imaterial, que, inclusive, norteou a última reestruturação
municípios, o programa passou a contar também com financiamento para imóveis
do Instituto do Património Histórico e Artístico Nacional (lphanl. Sem dúvida, a
privados. criando um instrumento inovador que se pretende converter em prática
instituição do instrumento do Registro dos Bens Culturais de Natureza Imaterial,
permanentedo lphan. Além disso, foram desenvolvidas três linhas de trabalho
viabilizada pelo decreto n' 3.551/2000, foi um passo fundamental no sontido tanto
visando ampliar o alcance do programa e irradiar, para a sociedade, o envolvi-
de ajustar o património cultural reconhecido pelo Estado à diversidade da cultura
mento com a tarefa da preservação: capacitação de mão-de-obra, programas edu-
brasileira quanto de viabilizar uma atuação adequada à especificidadede múltiplos
cativos e promoção de atividades económicas.
processos e manifestações culturais, democratizando, inclusive, o alcance da
No âmbito do patrimóniocultural imaterial, a proposiçãode certos bens para
ação do poder público federal na preservaçãocultural. Mas a prática vem demons-
Registro tem levantado questões desafiadoras, que obrigam à busca de alterna-
trando que, igualmente fundamentais, embora menos visíveis, são os inventários
tivas adequadasa cada situação. Comprova-se,assim. o acerto inicial de limitar
e os planos de salvaguarda - que, juntamente com o registro, são os pilares da
o decreto3.551,de 4 de agostode 2000,à instituiçãodo Registro- comquatro
políticade património imaterialdo lphan-, que necessariamente envolvem, em sua
Livros iniciais - e à criação do Programa Nacional do Património Imaterial, dei-
realização. a dimensão material do património cultural, seja na referência a sítios.
xando aberto o espaço para que o acúmulo de experiência e a avaliação constante
centros históricos, edificações, seja a objetos, como as produções do chamado
dos resultadoscontribuampara a paulatinaestruturaçãodesse universo.Por exem-
"artesanato', os adereços, os instrumentos musicais, para não falar dos elementos
plo, optou-se. com prudência, por desenvolver inicialmente Inventários para mapear
da natureza. matérias-primas para a fabricação dos mais divorsos
e conhecer melhor a dinâmica de campos como as práticas alimentares e as lín-
produtos.
No âmbito do património cultural material, a criação de uma figura como a de
guas e falares do Brasil, com base no entendimento de que os inventários consti-
;paisagemcultural brasileira', inspirada em instrumento da Organizaçãodas
tuem uma forma preliminar e informal de salvaguarda. A criação da Câmara do
NaçõesUnidasparaa Educação, a Ciênciae a Cultura(Unesco)já em vigor,de-
Património Imaterial' no Conselho Consultivo do Património Cultural, e de grupos
corre da constatação de que é necessária uma perspectiva mais integrada e parti-
de trabalho como o Grupo de Trabalho da Diversidade Linguística IGTDL),' forma-
cipativa da proteção. A proposta é de que a atuação seja compartilhada por dife-
do a partir de solicitação feita em seminário coordenado pelo lphan em parceira com
rentes órgãos da administração pública e também pela sociedade, com base em
a Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados, e de cujos trabalhos
um pacto que tem como objetivo o uso e a gestão de uma determinada área, deli-
participaram representantesde vários órgãos da administração pública. como o
mitada em função das referências culturais que a caracterizam. O objeto não são
Ministério da Educação (MEC). o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
apenas as edificações ou paisagens excepcionais. como também quaisquer mar-
jIBGE), o Ministério da Justiça (MJ), a Fundação Nacional do índio (Funai), a
16
O PATRIAõNIO [A
PROCESSO
PR[FACIO A TERCEIRA tOiC'AO
17
Fundação Palmares (MinC) o Museu Goeldi(MCT) e a Universidadede Brasília IUnB), entre outros, tem possibilitado a formulação de políticas interinstitucionais e o
guarda do Património Cultural Imaterial da América Latina (Crespial), primeiro centro regionalvoltado para aplicaçãoda Convençãode 2003, e de que o Brasil é
encaminhamentode ações diversificadas, o que potencializa inegavelmente o alcance
membro fundadorae a proposta de instalação, na cidade do Rio de Janeiro, de um
das políticasde património.
Centro de Formação em Patrlmânio para a América Latina. Caribe e Países de Língua
Portuguesae Espanhola da Africa e Afia, conforme modelo elaborado pela Unesco
Também no sentido da ampliação e coordenação das ações voltadas para a pre-
e já realizadoem instituiçõesespalhadaspelo mundo.
servação e promoçãodo património cultural brasileiro, a atual presidência do lphan vem trabalhando na montagem de um sistema nacional de património que aproxime
Concluindo, é possível constatar, a partir da sumária apresentaçãode fatos
os níveis federal, estadual e municipal em tomo de objetivos comuns. É inegável que,
recentes que considero relevantes, que as políticas e ações voltadas para a pro-
no Brasil, o entendimento de que o apoio à cultura é uma questão de interesse pú-
teção e promoçãodo patrimóniocultural brasileirotêm sido objeto de reformu-
blico tem avançado consideravelmente nas últimas décadas, com todos os estados
lações e de sugestões inovadoras. no sentido da busca de soluções eficientes,
da federação e muitos municípios já dotados de órgãos específicos em sua admi-
criativas, e adaptadas às novas realidades, e que necessariamenteimplicam na parceria com outras instituições e também com a sociedade.
nistração. Embora, no caso da preservação do património cultural, as propostas do órgão federal ainda sejam o principal foco de inspiração para esse desejável movi-
Não possodeixar de registrar,mais uma vez, meus agradecimentos às pessoas
mentode descentralização, há casosinteressantes de propostaspioneirasem nível
que colaboraram para o desenvolvimento de minha trajetória profissional. Ao
local, como, por exemplo, a cooficialização, no município de São Gabriel da Cachoeira
presidente do lphan, Luiz Femando de Almeida, devo a possibilidade de participar da
(AM), em 2002, das línguas tukano, nheengatue baniwa, ao lado do português. Além
elaboração de algumas das propostas citadas acima. Como membro do Conselho
disso, estados e municípiostêm procuradoformular ou reformularseus planos de
Consultivo do Património Cultural, tenho a oportunidade de usufruir da rica troca de
cultura de forma participativa, e vários deles. sobretudo da região Nordeste, estão
conhecimentos, idéias e experiências que ocorre nas reuniões. Do mesmo modo,
buscando aperfeiçoar iniciativas de apoio à transmissão de conhecimentos e prá-
como representantedo Brasil no primeiro Comitê Intergovemamental do Património
ticas por parte dos detentoresde saberese fazerestradicionaisque, por não estarem
Imaterial, de 2006 a 2008, pude ampliar consideravelmente meu conhecimento
integrados nos sistemas consagrados de ensino e pesquisa, nem no mercado for-
sobre o património e as políticas culturais de vários países, e participar. com os cole..
mal de trabalho.não costumam receber atenção por parte dos órgãos estatais, a não
gas do comitê e do Secretariadodo PatrimónioCultural Imaterial da Unesco, da
ser por meio de ações com indesejável viés assistencialista.
estruturação das primeiras propostas para a aplicação da convenção de 2003. Por
Outra mudança recente no desenho da política federal de património é a criação
ser impossível nomear todos a que devo valiosas contribuições, destaco aqui apenas
do Instituto Brasileiro de Museus, como corolário de processo iniciado na gestão do
os que colaboraramcom informaçõese sugestões para a atualização desta edi-
ministroGilbertoGil. Emboraa pesquisade que trata este livra-não tenha se detido
ção: Márcia Sant'anna, direto.ra do Departamento do Património Imateriall Carlos
na análise das várias dimensões da preservação do património cultural brasileiro -
Fernando Delphim e Jurema Kopke Eis Arnaut, do Departamentodo Património
como a dos patrimónios arqueológico e paleontológico, do património natural, e tam-
Material e Fiscalizaçãol Lia Motta, coordenadora-geral de Pesquisa, Documen-
bém dos espaços museológicos-, aquela iniciativa finaliza para o carátor espe-
tação e ReferênciasSylvia Braga e Robson de Almeida, do ProgramaMonumental
cífico e diferenciado das atividades de guarda, conservação e promoção reali-
Anna Mana Serpa Barroco, secretária do Conselho Consultivo do Património
zadas pelos museus.
Culturall e, ainda, Jurema Machado, Coordenadora de Cultura da Unesco no Brasil. Agradeço também a Valéria Leite de Aquino por sua inestimável colaboração na
Em nível intemacional, o Brasil tem participado ativamente dos trabalhos desen-
preparação deste e de tantos outros trabalhos.
volvidos pela Unesco na área da cultura, seja no processo de formulação de con-
venções,seja como integrantedos comitês por elas criados. Dois fatos merecem
Rio de Janeiro,9 de fevereirode 2009.
destaque:a criação em Cuzco, Peru, em 2005, do Centro Regional para a Salva-
18
O PÂTRIAÕNIO EA PROCESSO
PREFÁCIOÀ íeRCEIR EDiÇÃo
L
19
MolAS
INTRODUÇÃO
Em 27 de agosto de 2007 foi lançado em Pomerode (SCI o prometoRoteiros Nacionais de Imigração, inaugurando o conceito de "paisagem cultural brasileira". As pesquisas foram iniciadas na gestão do superintendente jatual dlretor de PatrimónioMaterial e Fiscalizaçãol palmo Vieira Filho, em Santa Catarina, onde foram identificados espaços e tradições remanescentes da imigração italiana, alemã. polonesa e ucraniana. O tombamento do primeiro conjunto de bens. com a denominaçãode "Roteiros Nacionaisde Imigração: Santa Catarina", foi aprovado na LV reunião do Conselho Consultivo do Património Cultural, realizada em dezembro de 2007.
o Geoparquedo Vale do Cariri. no Ceará. e está conduzindoa criação do segundo,o
Se a zelador do Museu de Kolmar quiser mostrar ao visitante qual, entre os seus tesouros, mais preza. leva-o para longe do altar de Grünewald, para uma sala cheia de tricolores. pompler e outros
Geoparque da Serra da Bodoquena, em Mato Grosso do Sul.
elmos e lembranças de natureza aparentemente insignificantes são
O lphan participou da criação do primeiro Geoparque das Américas e do Hemisfério Sul,
de uma época que, para ele, é a idade heróica. Em 2005 foi criada, no âmbito do Conselho Consultivo do Património Cultural, a Câmara
Mm Weher, Ensaios de sociologia.
do PatrimónioImaterial, primeira no gênero desde a criação dessa entidade. com o objetivo de subsidiar a discussão e as decisões dos conselheiros sobre o tema. O processo teve origem na solicitação de registro do talian. língua do grupo vêneto ampla mente falada no sul do Brasil, encaminhado ao lphan em 2001
A constituição de patrimónios históricos e artísticos nacionais é uma prática
característicados Estados modernos que. através de determinadosagentes, recrutados entre os intelectuais, e com base em instrumentos jurídicos específicos. delimitam um conjunto de bens 00 espaço público. Pelo valor que lhes é atribuído, enquanto manifestaçõesculturais e enquanto símbolos da nação, esses bens passam a ser merecedores de proteção. visando à sua transmissão para as gerações
futuras. Nesse sentido. as políticas de presewação se propõem a atuaç basicamente. no nível simbólico, tendo como objetivo reforçar-uma identidade coletiva, a educação e a formação de cidadãos. Esse é, pelo menos, o discurso que costuma justificar a constituição desses patrimónios e o desenvolvimentode políticas públicas de preservação.
Aparentemente,essas políticas alcançam um alto grau de eficácia simbólica: é. muito raro ocorrerem contestações quanto ao valor dos monumentos que são
objeto de proteção. No Brasil, por exemplo, não ocorreria a ninguém atualmente
duvidarda pertinênciado tombamentodas grandesobrasdo Barroco- igrejas,
Í
palácios, chafarizes. conjuntos urbanos etc. - realizado. principalmente, nas décadas de 1930 e 1940. Nesse sentido, o trabalho feito pelo Serviço do Património Histórico e Artístico Nacional teria sido muito bem sucedido. pelo reconhecimento
que alcançou no país e no exterior. 20
O PATR}AÕN FO EA PROCESSO
h
Na verdade,porém, esse "poder simbólico"' dos patrimóniosnacionais é relativo e tem um alcancelimitado. Pois se o objetivo dessa política estatal é amplo. na medidaem que não se dirige a setores, grupos ou ativídadesparticulares,mas díz respeito a toda a sociedade nacional. de fato o campo de sua produção é bas-
tante restrito: trata-se de uma política conduzidapor intelectuais,que requer um grau de especializaçãoem determinadasáreas do saber (arte, história, arquitetura. arqueologiae, mais recentemente,etnologiae antropologia)e, por parte dos usuários. algum domínio desses códigos. A legitimidadeda constituiçãode um património assenta. para seus mentores, não apenas no seu valor como símbolo da
mente, função que é legitimada por seu compromisso com a construção da nação e com a luta pela cidadania. Dado o caráter inescapavelmente ambíguo da posição desses intelectuais, sobretudo nos períodos autoritários, vou tentar apreender como lidaram com os diferentes compromissos, os impasses e os limites com que se defrontaram. Pois, devido ao grau extremamente rostrito, no Brasil, da participação da sociedade nas políticas culturais em geral, e particularmente nas políticas
de preservação,as decisões desses intelectuais foram fatores cruciais na orientação dessas políticas. Em geral, as políticas de preservação são conduzidas por intelectuais de perfil
nacionalidade,mas também em valores culturais atribuídos a partir de critérios
tradicional (historiadores,artistas, arquitetos, escritores etc.l que se propõem a
formuladospor aquelas disciplinas.
atuar no Estado em nome do interesse público, na defesa da cultura. identificada
A produçãode um universo simbólicoé, nesse caso, o objeto mesmo da ação política, daí a importância do papel que exercem os intelectuais na construção dos
com os valores das camadas cultas. Ao protegerem a cultura desses grupos, con-
vertida em valor universal, não teriam dificuldade em conciliar, sem maiores con-
patrimóniosculturais. Nesse sentido, são dois os desafios com que se defrontam:
flitos, sua identidadede intelectuaise de homenspúblicos.No caso do Brasil,
o primeiro é o de. através da seleção de bens "móveis e imóveis" (conforme o
essa foi a situação dos intelectuais modernistas que participaram do Serviço do
preceito legal vigente na maioria dos países), construir uma representação da
Património Histórico e Artístico Nacional(Sphan) desde 1937, e que instauraram uma
nação que, levando em conta a pluralidade cultural, funcione como propiciadora
política cultural cuja continuidade e prestígio se mantiveram durante mais de trinta
de um sentimentocomum de pertencimento.como reforço de uma identidade nacionall o segundo é o de fazer com que seja aceito como consensual.não-arbi-
anos. Entretanto,diferentementedo que ocorria então na Europa, esses intelec-
trário, o que é resultadode uma seleção- de determinadosbens - e de uma
de vanguarda,o que conferiua sua atuação na área do patrimóniouma autoridade
convenção- a atribuição.a esses bens, de determinadosvalores.Ou seja, de.
diferenciada
ao mesmo tempo, buscar o consenso e incorporar a diversidade.
tuais eram figuras que, nos seus respectivos campos de atuação, tinham posições
Mas, a partir da década de 1970, sobretudo quando o regime militar entrou em
Os intelectuais que estão direta ou indiretamente envolvidos em uma política
crise, essa política começou a ser criticada, e seu caráter nacional contestado.
de presewação nacional fazem o papel de mediadores simbólicos. já que atuam
por se referir apenas às produções das elites. Nesse momento, coube a intelec-
no sentido de fazer ver como un/verbais,em termos esléffcos,e nac/onafs,em
tuais com um novo perfil (especialistasem ciências físico-matemáticase sociais.
termos po/ecos. valores relativos, atribuídos a partir de uma perspectiva e de um
administradores.pessoas ligadas ao mundo industrial) definir novos valores e no-
lugar no espaço social. E são também os intelectuaisque, ao apontarem,no exer-
vos interesses.Duranteas duas décadas que se seguiram,essa mudançaevoluiu
cício de sua função crítica, o caráter arbitrário da representaçãovigente de patri-
de umamodernização da noçãode património- o que significouvinculara temá-
mónio. atuam no sentido de sua transformação.2
tica da preservação à questão do desenvolvimento - à po//fixação da prática de
Os processosde seleção e proteção do patrimóniocultural nacional são regu-
preservação, na medida em que os agentes institucionais se propuseram a atuar
lados por leis, procedimentos e rituais bastante específicos, e costumam ser con-
como mediadores dos grupos sociais marginalizados junto ao Estado. Esses inte-
duzidos por agentes com um perfil intelectual definido (Bourdieu, 1980, p. 69),; No contexto brasileiro, é preciso levar em conta o papel político que, desde o período colonial, têm aqui exercido os homens de cu/fura: o de atuarem como porta-vozes das massas desprovidas de recursos para se organizarempolitica-
22
O PATRIAÕNIOeA PROCESSO
lectuais viram na área da cultura, margina/ no conjunto das políticas estatais, um espaço possível de resistência ao regime autoritário. Seu objetivo último era justamente o de ampliar o alcance da política federal de património, no sentido de de:
mocratizá-la e coloca-la a serviço da construção da cidadania.
INTRODUCAO
23
O problema é que, como observa Bourdieu, qualquer luta no interior de um
governo autoritário, mantendojunto ao MEC e ao governo federal um invejável
campo 'pressupõe um acordo entre os antagonistas sobre o que merece ser objeto
grau de autonomia.Já nos anos 70 e 80, na fase de abertura do regime militar,
de luta' (1980, p. 115), ou seja, no caso, sobre o que seria o objetivo específico
de crise da modernidade e diante de uma comunidade científica mais independente.
da presewação. Esse, como veremos, foi um dos impasses que caracterizou a
estruturada e diversificada(cf. Pécaut, 1990, p. 257-308), os intelectuaisque se
política federal de património desenvolvida no Brasil nos anos 70-80. Nesse período. coexistiram duas linhas de atuação paralelas num mesmo campo, - a da pedra
propuserama reorientar a política federal de preservação- em um sentido que
e cal. continuidade do antigo Sphan, e a da referência. oriunda do Centro Nacional
Implicava, ao contrário do que havia ocorrido no Sphan, uma âRiculação com outras áreas do governo e com os movimentossociais, tendo em vista uma idéia
de ReferênciaCultural (CNRC),criado em 1975 - que não conseguiramconvir em
de democracia participativa - viram. muitas vezes. seu trabalho e sua atuação Jun-
um mínimo de definições comuns. A hegemonia do grupo de referéncfa, na verda-
to a um governo autoritárioserem postos sob suspeita por outros intelectuaisde
de. se limitou ao plano discursivos na prática, foi através dos tombamentos efetua-
renome. De um lado, porque se estariam deixando cooptar pela ditadura militar.
dos pela Sphan que continuoua ser construído o patrimóniohistórico e artístico
já em crise de legitimidadel de outro, por se arvorarem em porta-vozes dos inte-
nacional.
resses populares (cf. Miceli, 1985, p. 127) no momento em que a sociedadecivil
Outro problema das políticas de preservação em geral é o fato de que as eventuais demandas da sociedade em relação à cultura são extremamente difusas. Se
se reestruturava. tanto por meio dos mecanismos de representação política quanto por meio de novas formas de organização não-governamentais.
entre os produtores culturais - cineastas, atores, músicos, escritores etc. - essas
Essa trajetória que acabei de esboçar muito rapidamente, e que será apre-
demandas são mais definidas e, frequentemente, veiculadas por meio de organiza-
sentada nos capítulos3 e 4, indica. a meu ver. que o grande desafio, ainda hoje, de uma política federal de preservação no Brasil é desenvolver,numa sociedade
ções corporativas(associações,sindicatosetc.), falar de uma demandasocial em termos da constituição de um património cultural da nação é bastante problemático,
como a brasileira, uma política de património que seja, efetivamente. uma política
sobretudo em uma sociedade como a brasileira. na qual, ao lado da pluralidade.
pública. Em que medida essa política não tem funcionadoantes como uma ativi-
dos contextos culturais, existem profundas desigualdades económico-sociais, e a
dade implantada e conduzida pelo Estado. com a participação de determinados
autonomia de uma esfera cultural sequer faz sentido para alguns grupos da socie-
intelectuais,como mais um recurso ideológico para obter consenso,para legitimar um prometonacional do próprio Estado ou. simplesmente,para inserir o país no
dade nacional. Nesses casos, fica mais complexo o papel político dos intelectuais que atuam. dentro do Estado, como organizadores de uma demanda cultural ainda
concerto das nações civilizadas?
não explicitada. no sentido de defender os interesses de grupos carentes de orga-
No entanto, nas décadas de 1970 e 1980, a orientação da política cultural de-
nização própria. Foi com base nessa realidade que se formularam, nos anos 70-
senvolvidano nível federal foi no sentido de ampliar a noção de patrimónioe de
80, vários projetos do CNRC, posteriormente integrado à Fundação Nacional pró-
estimulara participaçãosocial, propondo uma relação de colaboraçãoentre Esta-
Memória.4
do e sociedade.Não teriam esse período e essa nova orientaçãodeixado marcas
Em resumo. em ambos os momentos decisivos - o momento fundador, no final
no sentidode propiciaruma democratização da políticafederalde património?Ou
da década de 1930. e o momento renovador, na segunda metade da década de
tratou-se apenas da afirmação de uma boa /r7fençãode agentes institucionais.
1970 e Início da de 1980 - a posição dos intelectuais que conduziram a política
carente, no entanto, de condições sociais e políticas para ser implementada? Pro-
federal de preservaçãofoi marcada por algum grau de ambiguidade, se bem que com resultados diferentes. Durante o Estado Novo, os modernistas gozavam de
a banho
curar elementos para responder a essas indagações é um dos objetivos deste tra-
franca hegemonia no meio intelectual e conseguiram resolver razoavelmente bem,
O panorama atual, relativamente às políticas culturais no Brasil, parece indicar
naquele momento, a dicotomia entre o que consideravamseu papel de homens de
que nada mudou nesse campo pedHdco das políticas estatais: a questão cultural
cultura a serviço do interesse púó/ico e sua inserção na administraçãode um
raramente aparece na agenda dos partidos políticos ou nos discursos de eventuais
24
O PATRIAÕNIOEA PROCESSO
INIR OOUCÃo
25
} espaço público. Podadoporque mudo, na medida em que, ao funcionar apenas
candidatoslos cargos públicos na área da cultura não despertammaior interesse
como símbolo abstratoe distante da nacionalidade,em que um grupo muito redu-
por parte da classe políticase, da parte da sociedade, raras são as ocasiões em
zido se reconhece, e referido a valores estranhos ao imaginário da grande maioria
que ocorrem mobilizaçõesem torno de demandasespecificamentevoltadas para
da populaçãobrasileira,o ânus de sua proteção e conservaçãoacaba sendo con-
a questãoda cultura.A facilidadee a profundidade comque foi realizadoo "des-
sideradocomo um fardo por mentes mais pragmáticas.Não foi outro o sentido das
mantelamentoda área da cultura" no início do governo Collor seriam um indício
emendas apresentadas,em 1994, ao texto constitucional de 1988, que ampliava
dessa situação.
consideravelmente a noção de património cultural. Essas emendas, apresentadas
No caso da políticafederal de preservação,os cerca de mil bens tombados
por ocasião da revisãoconstitucional,visavam a reduzir tanto o universodo patri-
jincluindo-se aí desde monumentos isolados a conjuntos da extensão do Centro
mónio como as atribuições da instituição responsável por sua proteção.'
Histórico de Salvador, com aproximadamentetrezentos imóveis, e cidades inteiras, como Ouro Preto, Tiradentes, Olinda, Antõnio Prado) funcionammais como sím-
Pesadoporque mudo.essa é, portanto, uma das idéias que movem este traba>'
bolos abstratose distantesda nação do que como marcos efetivosde uma identi.
lho. Prolegfdos,a maior parte do tempo, do acesso do público que, em geral, vê a preservação como uma atividade cu/fa, própria dos países civilizados, esses
dade nacional com que a maioria da população se identifique, e que integrem a ima-
bens parecem guardar a sete chaves, para a grande maioria da população,as
gem externado Brasil. Na verdade, a identidadebrasileiratem sido representada
informações,sentidos e valores que teriam justificado sua inclusão no património
basicamente pelo samba, pelo futebol, pelo carnaval e. mais recentemente, pelas
histórico e artístico nacional. A distância entre as tradições culturais, as diferentes
telenovelas e pela Fórmula 1 . No exterior, o Brasil continua sendo valorizado sobre-
Identidadoscoletivas, entre a pluralidadecultural da nação e a memória nacional
tudo por seus recursosnaturais. pela sua naturezatropical- salvo nos meios inte-
construídapelo Estado,fica, desse modo, mais aguda, assim como os limites
lectuais e nos organismos internacionais de cultura, como a Unesco, onde o Brasil
dessa política estatal enquanto política pública. Nesse sentido, tudo leva a crer
tem vários bens inscritoscomo PatrimónioCulturalda Humanidade(ver Anexo IX).
que as novas propostas dos anos 70-80 não chegaram a mudar significativamente
essa realidade.
Isso não significa,porém, que os bens culturais que se acham sob a proteção legal do Estado - em função do tombamento - não sejam reconhecidos como de
Além disso (ou, talvez, por isso). o tema do patrimónioe a questãodas polí-
valor, e que a sua presewação não seja consideradauma causa justa. Objeções frontais só costumamocorrer quando a ação do Estado vem contrariar interesses
ticas de preservaçãodespertam pouquíssimointeresse entre os cientistas sociais
particulares. como, por exemplo, de empresários da construção civil, proprietários
dam esse tema, na medida em que se interessampelos processosde construção
de imóveis antigos, prefeiturasde cidades históricascom proletos de urbanização modernizadoresetc. Para a populaçãoem geral. os bens tombadoscostumam ser
de identidades culturais diferenciadas.
no Brasil. Dentreesses, são sobretudoos antropólogosque, eventualmente,abor-
Seus trabalhos.' no entanto, têm-se concentradona análise dos discursos
valorizadospor sua anf u/dada, por sua riqueza,por sua Z)eleva,cobrando-se inclusiveda instituiçãofederal maiorzelo na tarefa de protegê-los.Já vão longe os tempos em que os agentes do Património corriam o risco de serem apedrejados por populações enraivecidas, que não hesitavam, inclusive, em ocupar um imóvel
em vias de ser tombadocom leprosos,para forçar sua demolição.5 As reações à ação do Estado, representadopela instituiçãofederal encarregadada proteção do património, hoje, quando ocorrem, se dão nos tribunais. na imprensa, na luta política e no tráfico de influências.e
oficiais. Mas, ao abordarem esse discurso desligado de uma prática social mais 7
ampla,e tambémda prática institucionalespecífica,deixam de fora o nível propriamente político da questão, a dimensão do conflito, na forma, mais velada que contundente,como se manifesta especificamente nesse campo. Este trabalho pretende se distinguir de outros estudos já produzidossobre o mesmo tema em três aspectos: em primeiro lugar, o objeto da pesquisaé o processo de construção do património histórico e artístico no Brasil. considerado en-
quanto uma prática social produtiva, criadora de valor em diferentes direções. Valioso, trata-se, porém, de um património pesado e mudo. Pesado, não só
como observa Antõnio Augusto Arantes:
por sua monumentalidade,pela solidez dos .materiais e pelo lugar que ocupa no INTRODUÇÃO
26
O PATRIÁõNIO eA PROCESSO
27
legitimam essa produção - e sim o próprio processo de construção desse patri1...)de valor económicoque pode ser aumentadoou diminuído,dependendodo tratamento que se dê aos bens preservadoslde valor simbólico.constitutivoda memória. da territorialidadee da identidade nacional, além de outras identidades mais específicas e locais; e de valor político, levando ao aspecto da hegemoniae ao dos direitos culturais. 11988, p. 16)
mónio, ou seja, as práticasinstitucionaisdesenvolvidaspor determinadosatores, que podem ser mais ou menos democráticas. A perspectivado trabalho é primordialmente histórica: procurei montar uma narrativaa partir da qual seja possível distinguir categorias universais como me-
Nesse sentido, é importante considerar não apenas a atuação dos agentes ins-
mória, tradição, monumento. de formulações particulares - como património e
titucionais, como também a participação - direta ou indireta - da sociedade nossa
preservação - e continuidades de diferenças.
construção,ou seja, a apropriação que é feita dessa prática política pelos diferentes grupos sociais.
jcf. MEC/Sphan/FNpM, 1980). pois reflete o modo como a própria instituiçãoconta
Em segundo lugar, considero os discursos oficiais produzidos sobre o patrimó-
sua história: o que distingue a fase he/pica, que vai desde a criação, ainda em
nio como um aspecto dessa prática, por meio da qual diferentes atores, em diferentes
caráter provisório, do Sphan. em 1936, a 1967. quando termina a longa gestão de
momentos, tentam raso/ver nesse campo específico algumas das grandes questões
Rodrigo Meio Franco de Andrade, da fase moderna, iniciada com a ascensão de
que têm ocupado tradicionalmentea reflexão sociológica:a tensão entre o universal
Aloísio Magalhães na política cultural, quando se elaboram novas propostas de
e o particular, entre o público e o privado, entre tradição e modernidade, entre cultura
atuação. A gestão de Renato Soeiro (1967-1979)constitui um período.Mermediá-
e política, entre Estado e sociedade. Nesse sentido, parto do pressuposto de que uma política de preservação é uma prática bem mais ampla que um conjunto de
Em termos de periodização(ver Anexo 1), recorri a um critério já consagrado
rlo, quando o Sphan tenta se adaptar a uma nova conjuntura buscando ajuda internacional e coexistindo com outras instituições federais atuantes na esfera da pre-
servação.
atividades visando à proteção material de determinados bens. Em terceiro lugar, procuro me situar criticamento em relação às análises sobre os dois períodos em questão. Considero que os fundamentos tanto de algumas
Um pressuposto fundamental de minha reflexão é a distinção entre política estatal - no sentido da atividade concentrada e conduzida no interior do aparelho
críticas feitas, nas duas últimas décadas, ao que seria o caráter excludente e eli-
do Estado- e política pública- no sentido de articulada,Inclusivepor mecanismos
tista da construção do património realizada pelos intelectuais modernistas nos
formais,com os interessesmúltiplosda sociedade."Consideroque falar de uma
anos 30 e 40, quanto de certas objeções feitas ao trabalho desenvolvidopelo CNRC, reduzindo-oa um recurso legitimador de um regime autoritário em crise, como fru-
tos de um anacronismo,9no sentido de que analisam problemasde uma época a partir de questões e critérios formulados em outra. Por esse motivo, um dos objetivos deste trabalho é tentar a maior aproximação possível do ponto de vista dos agentes que conduziram, naqueles dois momentos decisivos, a política federal de preservação no Brasil. Ao analisar a representação do património histórico e artístico nacional construída pelo Estado, não a considero como reflexo das classes dominantes ou da pluralidade cultural brasileira. Procuro, sim, adotar uma posição de crítica ao modo como esse objeto tem sido construído e ideologicamenteelaborado por determinados sujeitos sociais, que têm detido, no Brasil, o monopólio dessa construção. Em suma, o objeto desta análise não é um produto - o conjunto de bens culturais que compõem o património histórico e artístico nacional no Brasil, ou os discursos que
28
política pública de preservaçãosupõe não apenas levar em conta a representatividade do patrimóniooficial em termos da diversidadecultural brasileira e a abertura à paRicipaçãosocial na produçãoe na gestão do património,como tambémas condições de apropriação desse universo simbólico por parte da população. E falar
em democratizaçãoimplica, nesse caso, considerarum conjunto de ações, em vários níveis, visando a desprivatizar esse campo. Essa afirmação parte do pressuposto de que os patrimónios históricos e artís-
ticos nacionais devem ser entendidos não como universos fechados, representações de uma nação una e coesa, identificada a um Estado centralizador,e sim em sua relação com práticas sociais de construçãoe de objetificaçãode identidades coletivas, que, em termos políticos, representam,em muitas oportunidades. interessesconflitantesentre si e com um prometonacional, às vezes apresentado sob a égide do /nferessepúl)/lco. Ou seja, trata-se de, ao mesmo tempo, atualizar um ponto de vista analítico - no sentido de tentar adequar a perspectivada pes-
NTRODU(AO
O PATRIAÕNIO[A
PROCESSO
29
se exerce se for reconhecido,quer dizer, ignorado como arbitrário. Isto significa que o poder simbólico não reside nos 'sistemas simbólicos' em forma de uma #/ocuflonaryforce mas que se define numa relação determinada - e por meio desta - entre os que exercem o
quisa às condições atuais do Estado e da sociedade brasileiros, sob um regime democrático - e tentar vislumbrar possibilidades de participação social ainda não
poder e os que Ihe estão sujeitos, quer dizer, na própria estrutura do campo em que se
exploradas.''
produz e se reproduz a crença
Qual a relação, no Brasil, entre as múltiplas memóriascoletivase uma memo-
O quefaz o poderdas palavrase das palavrasde ordem,poderde mantera ordemou
ria nacional? E como é conduzida a apropriação da pluralidade cultural, enraizada
de a subverter, é a crença na legitimidade das palavras e daquele que as pronuncia,crença
cuja produção não é da competênciadas palavras.' (Bourdieu,1989, p. 14-151 A complexa relação entre cultura e política, e a questão do papel dos intelectuais enquanto homens públicos, são temas recorrentes na reflexão sociológica. Max Weber(1 982), no texto 'A política como vocação", distingue a ética da responsabilidade - em que ações são avaliadas segundo seus resultados - da ética da convicção - em que ações são avaliadas segun-
enquan tn intÊlüctuais e enquanto homens públicos."
Neste trabalho. privilegiemum período da política federal de preservação no
do sua coerênciacom valores.Para Weber, não se pode exigir do político que se exima em nome de valores,nem do sábio que ponha seu saber a serviço do poder. Em texto recente. o cientista político Norberto Bobbio(1 9931 retoma a temática weberiana das duas éticas. e a reelabora. Para Bobbio, "o compromisso primeiro dos intelectuaisdeveria
ser o de impedirque o monopólioda força se tome tambémo monopólioda verdade'. Um texto clássico sobre essa questão, mas com base em outras premissas. é o do maMsta Antõnio Gramsci(s/d.). que distingue as intelectuais tradicionais - que se acreditam "autónomos
e independentesdo grupo social dominante', mas que, na verdade, estão a serviço de grupos sociais cujo poder está em declínio- dos intelectuais orgânicos - que atuam como organizadores da hegemonia social, identificados com os interesses dos grupos emergentes. 3
Ent=n'!=i'i=li;:i': =:=" ';:;.iii:;i:=;= .:=: luto do PatrimónioHistórico e Artístico Nacional (lphan).'; Resumindoo roteiro deste trabalho, no cama--l'
Por esse motivo, é pertinente considerar que essa política estatal constitui um campo, conforme a definição de Pierre Bourdieu:'Compreender a gênese social de um campo. e apreender aquilo que faz a necessidade específica da crença que o sustenta, do jogo de linguagem que nele se joga, das coisas materiais e simbólicas em jogo que nele se geram. é explicar, tornar necessário. subtrair ao absurdo do arbitrário e do não-motivado os actos dos produ-
modo
procuro explicitar o
tores e as obras por eles produzidas e não, como geralmente se julga, reduzir ou destruir.'
(1989,P.69) 4
Por exemplo, projetos voltados para a relação da cultura indígena com a questão fundiária, a especificidade do trabalho do artesão relativamente à legislação trabalhista, a adequação dos
currículos e dos períodos lesivosàs peculiaridades dos diferentes contextos culturais etc. A teoria do controle cultural. desenvolvida pelo antropólogo mexicanoGuillermo Bonfil Batalla
j1988), trata dessa questão. 5
nando-a com o contexto cultural mais ampio-
6
NOTAS
Cf. EdgardJacintho,em Memóriao/a/ # 4(MinC/Sphan/FNpM.1988), sobre os trabalhos de inventário que realizouna cidade de São João del-Rei, na décadade 1940. Exemplos interessantes de mobilização da sociedade ocorreram no tombamento do Hotel Capacabana Palace e do Parque Lage (Rio de Janeiro, RJI. da Serra da Barriga IUnião dos Palmares,AL) e do Terreiro da Casa Branca ISalvador. BAI, e, mais recentemente,no asfaltamento de área tombada em São João del-Rei(MGI e na construção de um complexo imo-
biliário na encostatombada do Morro Dois Irmãos (Rio de Janeiro, RJ).
i'iiiÍiiãÜÕ eA PROC[SS0 30
INTRODUCÃO
31
Ver as emendas que foram encaminhadas pelos senadores Élcio Alvarez IPFL-ES), Jutahy Magalhães IPSDB-BA) e Pedra Teixeira IPP-DF) e pelo deputada Germano Righotto (PMDB-
RSI, que propõem a restrição da proteção, pelo poder público. aos bens de propriedade da
-r 1}
q
União e a prévia aquiescência a esses tombamentos pelo Serviço de Patrimónioda União. 8
Ver. a respeito. o trabalho já publicado de Milet (1988), e as teses, ainda inéditas. de Gonçalves (1990). Rubino j1991) e Santos (1992).
q
Sobre o conceitode anacronismo na pesquisa histórica, diz o historiadorLuís Felipe de Alencastro: 'Ao mover-se do presente para outras épocas. e vice-versa. ao lidar com as continuidades. as passagens, as rupturas, as derivações, o historiadordeve constantemente premunir-se contra a pecado capital de sua disciplina: o anacronismo. Vestir uma determinada sociedade com as roupas talhadas em outras épocas. eis em que consiste o anacronismo.'
NOCÃO Dt
11991,p. 63) ia Essa distinção (assim como a diferençaentre coisa e valor. feita no início do capítulo l) é utilizada neste trabalho como recurso analítico, para esclarecer certos aspectos da questão do património. Na bibliografia consultada, os termos po//fica estafa/ e po/ftlca púb/lca costumam ser tomados como equivalentes. Alguns textos recentes têm abordado a questão do património nesse sentido, como a série Les l./eux de mimo/re. do historiador francês Pierre Nora(1 984-1 992). No Brasil. os traba-
lhos do antropólogoAntõnio Augusto Arantes também exploramessa perspectiva. 12
Como parte da pesquisa, foram realizadas entrevistas com atores dessa política, vlsanda a colher informaçõesde óasfldores. que não constavam dos documentos oficiais, e também
no sentido de apreendera visão que esses atires tinham das instituiçõesem que trabalhavam e da atividade por elas desenvolvida. Essas entrevistas se revelaram especialmente valiosas para a análise do período 197G-1980, e. sobretudo, da atuação do Centro Nacional
de ReferênciaCultural (CNRC), dada a carência de material documentalarquivadosobre essa instituição e sobre as iniciativas e cantatas feitos por Aloísio Magalhães e seus colaboradores. Foram realizadas entrevistas com Lúcio Costa, Lígia Marfins Costa. Judith Martíns. Dará e Antõnio Pedra Alcântara, Embaixador Vladlmir Murtinho, Clara de Andrade Alvim. José
SirvaQuintas,Luís Felipe Perret Serpa. PautaSérgio Pinheiro. Contribuíramtambémcom informaçõesvaliosas Mana Allce Siaines de Castro. Ann-Mal BeckmanMeirelles,Ana Gita de Oliveira e Helena Mussi. 13
A instituição federal encarregada da proteção do património histórico e artístico nacional foi criada em 1936 jainda em caráter experimental) com o nome de Serviço do Património Históri-
co e Artístico Nacional (Sphanl. Em 1946 passou a se chamar Departamento IDphanl e, em 1970, se transformou em Instituto jlphan). Com a reforma institucionalocorrida no MEC em 1979, é criada a Secretaria do Património Histórico e Artístico Nacional (Sphan). que. com a criação da Secretaria da Cultura em 1981, se converteu em Subsecretaria. Com a criação do Ministério da Cultura em 1985 voltou a ser Secretaria. e foi extinta por decreto do governo Collor em 1990. Foi então criado o Instituto Brasileiro do Património Cultural
jIBPC) que, em 1994.voltou a se chamar lphan (ver Anexo l).
32
PARTI
O PATRIAÕNIO[A
PROCESSO
PATRIAÕNIO
CARACTERÍSTICAS E HISTÓRIA
CAPITULO l O PATRIAONIO: UAA QU{ISTAO DE VALOR
Não imporá quais sejam os direitos de propriedade, a destruição
de urraprédio histórico e monumentalnão deve ser permitidaa esses ignóbeis especuladores, cujo interesse os cega para a honra. (-.) Há duas coisas num edifício: seu uso e sua beleza. Seu uso pertence ao proprietário,sua beleza a todo o mundos destruí-loé, portanto, extrapolar o que é direito.
VectorHugo
A questão dos patrimónios históricos e artísticos nacionais costuma ser abordada tendo como foco o conjunto de objetos que os constituem. ou. quando muito. os discursos que os legitimam. Neste trabalho, o centro da investigação serão os processos e as práticas de construção desses patrimónios, conduzidos por atores definidos e em circunstâncias específicas. São essas práticas e esses atores que
atribuem a determinados bens valor enquanto património, o que justificaria sua proteção. Nesse sentindo,é a noção de valor que servirá de base a toda a reflexão
aqui desenvolvida,pois consideroque são esses processosde atribuiçãode valor que possibilitam uma melhor compreensão do modo como são progressivamente construídos os patrimónios. Na medida em que um dos traços que diferencia as sociedades simples das sociedades complexas é a existência, nestas últimas, de um aparelho estatal, com regras próprias e maior ou menor autonomia em relação aos diferentes grupos so-
ciais e, conseq(lentemente,à distinção entre memórias coletivas diversificadase uma memória nacional, neste capítulo procuro analisar o modo específico de construção do universo simbólico dos patrimónios culturais nacionais: a sua constituição, a partir de um estatuto jurídico próprio, a sua proposição,como uma forma de
comunicaçãosocial, e a sua institucionalização,enquanto objeto de uma políti-
ca pública.
No artigo "A história da arte'. Gíulio CarãoArgan' parte de uma distinção entre coisa e valor - que servirá de base para a discussão, neste capítulo, da noção de património:
çalves (1990), esses bens viriam objetivar, conferir realidade e também legitimar
essa "comunidadeimaginada' Essa relação social, mediada por bens, de base mais afetiva que racional e
Uma vez que as obras de arte são coisas às quais está relacionado um valor, há
relacionada ao processo de construção de uma identidade coletiva - a identidade
duas maneiras de trata-las. Pode-se ter preocupação pelas coisas: procura-las. identificá-
nacional - pressupõe um certo grau de consenso quanto ao valor atribuído a esses
las, classifica-las, conserva-las, restaura-las. exibi-las, compra-las, vendê-lasl ou, então, pode-seter eh mente o valor: pesquisar em que ele consiste. como se gera e transmite,
se reconhecee se usufrui.j1992a, p. 13)
bens, que justifique, inclusive,o investimento na sua proteção. No caso dos patrimónios, essa capacidade de evocar a idéia de :nação decorreria da atribuição, a
esses bens.de valoresda ordem da cultura - basicamenteo históricoe o artístico.
Essas duas maneiras de abordar os fenõmonos artísticos ocorrem também no
A noção de património é, portanto, datada, produzida, assim como a idéia de na-
tratamento dos chamados bens pafrlmonlaé. É próprio das políticas de preserva-
ção, no final do século XVlll, durantea RevoluçãoFrancesa,e foi precedida,na
ção estarem voltadas para as coisas e mesmo serem absorvidas por elas. A ne-
civilização ocidental. pela autonomização das noções de arte e de história. O his-
cessidade de resistira pressõesno sentidoda destruição jtanto por fatoresnatu-
tórico e o artístico assumem, nesse caso, uma dimensão instrumental, e passam
rais como humanosl. aliada à responsabilidade. inclusive penal, do Estado e de
a ser utilizadosna construçãode uma representação de nação.Já dizia Guizot.
eventuais proprietários, em relação aos bens tombados, faz com que o objetivo
no século XIX, que o solo da França é simbolizado por seus monumentos.:
dessas políticas acabe se reduzindo à proteção de bens, convertendo-se assim
Enquanto prática social, a constituição e a proteção do património estão assentadasem um estatutojurídico próprio. que torna viável a gestão pelo Estado, em nome da sociedade.de determinadosbens, selecionadoscom base em certos
as coisas no objeto principal da preocupação dos atires envolvidos.
Consequentemente, o valorculturalquese atribuia essesbenstendea ser naturalizado,sendo considerada sua propriedadeintrínseca, acessível apenas a um olhar qualificado. Essa costuma ser a visão do técnico, do restaurador,dos responsáveis, enfim, pela conservação da integridade material dos bens. mas termina por predominar também entre os formuladores daquelas políticas.
critérios. variáveis no tempo e no espaço. A norma jurídica, nesso caso, funciona
como linguagem performativade um modo bastante peculiar: não apenas define direitos e deveres para o Estado e para os cidadãos como também inscreve no espaço social determinadoscones, figurações concretas e visíveis de valores que se
quer transmitir e preservar.
Entretanto, considero que uma política de preservação do património abrange
A seguir, com base na idéia de património tal como é formulada em toxtos jurí-
necessariamenteum âmbito maior que o de um conjunto de atividades visando à
dicos brasileiros,' vou procurar especificaro modo como, no Brasil, se constituiu
proteção de bens. Ê imprescindível ir além e 'questionar o processo de produção
essa noção enquanto fato jurídico e enquanto fato social.
desse universo que constitui um património, os critérios que regem a seleção de
bens e justificam sua proteção; identificar os atires envolvidos nesse processo e os objetivos que alegam para legitimar o seu trabalhosdefinir a posição do Esta-
1.1 A NOÇÃO DE PATR]AÕNEO COPO CATEGORIA ]URÍDtCA Em termos jurídicos. a noção de património histórico e artístico nacional é re-
do relativamente a essa prática social e investigar o grau de envolvimento da socie-
ferida pela primeiravez no Brasil (embora não exatamentecom essa denomi-
dade. Trata-se de uma dimensão menos visível, mas nem por isso menos signi-.
nação), como sendo objeto de proteção obrigatória por parte do poder público, na
ficativa, das políticas de preservação.
Constituição de 1934. Diz o art. 10 das disposições preliminares:
No caso dos patrimónios históricos e artísticos nacionais, o valor que permeia
Art. 10 - Compete concorrentemente à União e aos Estados:
o conjunto de bens, independentemente de seu valor histórico, artístico, etnográfico etc., é o valor nacional. ou seja, aquele fundado em um sentimento de pertencimento a uma comunidade, no caso a nação. Como observa José Reginaldo Gon-
36
O PATRIAõN IO [A
111.proteger as belezas naturais e os monumentos de valor histórico ou artístico. po dendo impedir a evasão de obras de arte.
PROCESSO
O PATRIAÕNIO: UAA QUESTÃODE VALOR
37
E, no entanto,somentecomo decreto-lei RQ25, de 30 de novembro de 1937. que se regulamenta a proteção dos bens culturais no Brasil. Esse texto. além de explicitar os valores que justificam a proteção. pelo Estado, de "bens móveis e
imóveis', tem como objetivo resolver a questão da propriedade desses bens. Desde então, todas as Constituiçõesbrasileiras têm ratificado a noção de património em termos de direitos e deveres, a serem obsewados tanto pelo Estado como pelos cidadãos.4
turais, mencionadosno art. 215 da Constituiçãode 1988 e reconhecidospela Unesco, desde 1948, na Declaração Universal dos Direitos do Homem. O direito, portanto, além de ter por objeto interessesque se realizamdentro
do círculo da economia,volta-setambém para interessesoutros.tanto do Indivíduo, quanto da família e da sociedade. São os direitos meta-individuais,que têm
como titular não o indivíduo. mas uma coletividade mais ou menos abrangente. Entre esses interessesfigura o interesse público de que fala o art. le do decreto-
A primeira linha de reflexão que desenvolveremdiz respeito à questão do valor.
lei Re25. de 30.11.37.Pelascaracterísticas do sujeitodessetipo de interesse-
Em todos os textos jurídicos, é o valor cultural atribuído ao bem que justifica seu
indeterminado (a sociedade nacional. a humanidade etc.) - do seu objeto - fluido
reconhecimentocomo património e, conseqilentemente, sua proteção pelo Estado.
(a identidade nacional, a qualidade de vida, o meio ambiente etc.) e, também, pela
A segunda linha de reflexão - vinculada à primeira
-
remete especificamente
intensa litigiosidade de seus parâmetros e pelo caráter mutável de seu conteúdo
ã questão da propriedade, crucial nas implicações práticas do instituto do tomba-
jcf. Mancuso, 1991, p. 67-80), o interesse público se insere na categoria dos inte-
mento. sobretudo quando consideramos que a maior parte dos bens que compõem
resses difusos.
os patrimónios. e, certamente, os mais significativos, são bens arquitetõnicos. Na
O próprio direito à propriedade - enquanto direito do indivíduo, consagrado
medidaem que são consideradosde interesse público,os bens tombados se con-
pelo Direito romano. fonte para o Direito brasileiro - é. no Código Civil Brasileiro,
vertem, em certo sentido, em propriedade da nação, embora não percam seu caráter de mercadorias apropriáveis individualmente
limitado pelo que seria a função social da propriedade, regulamentada pela legisla-
O instituto do tombamento - dispositivo por meio do qual, no decreto-lei Rg25.
pode contrapor a outros valores, não-económicos, de interesse geral, e, por isso.
de 30.11.37,se efetiva a proteçãode bens culturais pelo Estadono Brasil - incide
o exercício desse direito é tutelado pela administração pública.
sobre o sistemade valores dos bens por ele atingidose sobre o estatuto da pro-
No caso específicodo bem tombado, a tutela do Estado recai sobre aqueles
priedade desses bens de forma peculiar, específica. Para entender essa especificidade, é preciso retomar a distinção referida por Argan entre coisa e valor.s
aspectos do bem considerados de interesse público - valores culturais, refe-
Do ponto de vista jurídico - e para fins de regulamentaçãodo direito de propriedade -, tanto o Código Civil como o Código Penal brasileiros distinguem bens
ri
ção. Nesse sentido, o exercício do direito de propriedade sobre as coisas não se
materiais,ou coisas,de bens imateriais.O Direito das Coisas,no CódigoCivil, "trata da coisa, enquantovalor económicoapropriávelindividualmente,e de suas relações privadas' (Castro, 1991, p. 25). Distingue a coisa, apropriável, dos bens ima-
teriais, não económicos,que, no dizer do jurista Clóvis Bevilacqua, "são irradiações da personalidadeque, por não serem suscetíveisde medida de valor. não fazem parte de nosso património' (apud Castro, 1991, p. 34) Esses bens imateriais, ou valores, são objeto específico, por exemplo, do Título 111do Código Penal de 1940. Do ponto de vista jurídico, são inapropriáveis indi-
vidualmente- à diferença dos bens materiais - e a relação dos indivíduos com
rências da nacionalidade.O valor patrimonial é qualificado no texto legal: "quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico. bibliográfico ou artístico" (art. le decreto-lei ne 25, de 30.11.371.De acordo com o mesmo texto, o agente encarregado
da atribuiçãodessevalor, para fins de tutela pública, é a autoridadeestatal competente - no caso, o Serviço do Património Histórico e Artístico Nacional. através de seu Conselho Consultivo.
Cabe ao poder público, portanto, exercer tutela no sentido de proteger "os valores culturais ínsitos no bem material, público ou particular. a cujos predicamentos, particularidades ou peculiaridades é sensível a coletividade e importa defender e conservar em nome da educação, como elementos indicativos da origem.
da civilização e da cultura nacionais' (Rocha. 1967, p. 31).
esses bens se expressaJuridicamentesob a forma de direitos: o direito à liberda-
Esse é. /afo senso, o objetivo das políticas de presewação: garantir o direito
de, à vida, à instruçãoetc. Nessalinha se inscreveriam tambémos direitoscul-
à cultura dos cidadãos, entendida a cultura. nesse caso, como aqueles valores que indicam - e em que se reconhece - a identidade da nação.
38 O PATRIAõNIO eA PROCESSO O PATRIIIONIO: UAA QUESTÃODE VALOR
39
Entretanto, embora a proteção incida sobre as coisas, pois estas é que cons-
deraçãoo fato óbvio de que os significadosnela não estão contidos,nem Ihe são
tituem o objeto da proteção jurídica, o objetivo da proteção legal é assegurar a
inerentes: são valores atribuídos em função de determinadas relações entre atores
permanênciados valores culturais nelas identificados. Esses valores só são alcan-
sociais, sendo, portanto. indispensável levar em consideração o processo de pro-
çáveis através das coisas, mas nem sempre coincidem exatamente com unidades
dução, de reprodução, de apropriação e de reelaboração desses valores enquanto
materiais. Essa distinção se torna mais clara quando consideramos o tombamento
processo de produção simbólica e enquanto prática social.
de conjuntos, seja de bens móveis (por exemplo, coleções de museus) ou imóveis
aporexemplo. centros históricos). Nesses casos, o objeto do tombamentoé um
1.2 0
PAÍRIAÕN10 COPO rORW DE COAUNICACÃ0 SOCiAl
único valor - o bem coletivo (no sentido gramatical do termo, de conjunto de uni-
O universo dos patrimónios históricos e artísticos nacionais se caracteriza
dades), embora materializado em uma multiplicidade de coisas, geralmente hete-
pela heterogeneidade dos bens que o integram, maior ou menor conforme a con-
rogeneas.
cepção de patrimónioe de cultura que se adote: igrejas, palácios, fartos, chafa-
No caso do património,os valores não económicosa serem protegidos(valo-
rizes, pontes. esculturas, pinturas, vestígios arqueológicos, paisagens, produções
res culturais) estão inscritos na própria coisa, em função de seu agendamento
do chamado artesanato, coleções etnográficas, equipamentos industriais, para não
físico-material, e só podem ser captados através de seus atributos. Mas. com o
falar do que a Unesco denomina património não-físico ou imaterial - lendas, can-
tombamento,o bem não perde o valor económicoque Ihe é próprio, enquanto coisa,
tos, festas populares,e, mais recentemente,fazeres e saberes os mais diversos.
passível da apropriação individual. Por esse motivo, é preciso regular mais rigida-
mente ainda, nesse caso, o exercício do direito de propriedade.
Essa enumeração, propositalmentecaótica, visa a chamar a atenção para o fato de que os bens enumerados acima pertencem, enquanto signos, a sistemas
Sobre o mesmo bem, enquanto bem tombado. incidem, assim. duas modalida-
de linguagem distintos: à arquitetura, às artes plásticas, à música, à etnografia,
des de propriedade: a propriedade da coisa. alienável, determinada por seu valor
à arqueologia etc. Cada um desses sistemas tem, por sua vez, suas especifici-
económico. e a propriedade dos valores culturais nela identificados que. por meio
dades e seu modo próprio de funcionamento enquanto código. Além disso. esses
do tombamento, passa a ser alheia ao proprietário da coisa: é propriedade da nação, ou seja, da sociedade sob a tutela do Estado.
bens cumprem funções diferenciadas na vida económica e social.
Esse duplo exercício de propriedade sobre um mesmo bem gera, obviamente.
Do que foi dito acima, pode-se deduzir que o que denominamos património constituí um discurso
de segundo grau: às funções e significados de determinados
uma série de problemas, pois o exercício de um tipo de propriedade limita neces-
bens é acrescentadoum valor específico enquanto património,o que acarreta a res-
sariamente o exercício do outro. É evidente que os conflitos de interesses - sobre-
semantização do bem e leva a alterações no seu sistema de valores. O processo
tudo entre o interesse público e o privado - ficam, nesse caso, mais agudos,
de seleção desses bens é conduzido por agentes autorizados - representantes do
mesmo porque o chamado valor cultural de um bem não é regulado por um mer-
Estado, com atribuições definidas - e dentro de categorias fixas, a pdorf definidas.
cado específico, mas se define no nível da "economia das trocas simbólicas'.
relacionadasa determinadas disciplinas (arte, história, arqueologia. etnografia etc.l.
De tudo que foi dito, fica claro que o âmbito de uma política de preservação do património vai muito além da mera proteção de bens móveis e imóveis em sua feição material. pois. se as coisas funcionam como mediação imprescindível dessa atividade, não constituem, em princípio, a sua justificativa, que é o interesse pú-
No caso brasileiro, essas categorias são os valores especificados no decretolei Rg25, de 30.11.37.' A essas categorias se superpõe uma categoria unificadora.
a de valor nacional. Os signos referidos funcionam antes como símbolos, no sentido saussuriano
blico, nem seu objeto último,que são os valoresculturais.E, se os valoresque se
do termo. Para Saussure j1969, p. 101), o símbolo nunca é inteiramente arbitrário,
pretende preservar - conformeestá explícitona abordagem jurídicada questão-
ele não é vazio, pois é construídocom base em uma motivaçãocultural.O símbolo
são apreendidos na coisa e somente nela, não se pode deixar de levar em consi-
da justiça não poderia ser uma carruagem.
40
O PATRIAõNIO [A
PROCESSO
O PATRIAÕNIO: UIVA QUESTÃODE VALOR
41
«
b.
H No caso dos bens patrimoniais.os atributos da coisa são consideradosvalo-
dos códigos utilizados - no caso, as diferentes linguagens-. como também que
res culturalmente relevantes, excepcionais. No caso do Brasil, determinados bens
tenha acesso a um determinadouniverso cultural. No caso do patrimónionão bas-
como igrejas dos séculos XVll e XVlll, casas de câmara e cadeia, fortes. palácios.
ta, portanto, selecionar e proteger criteriosamente um conjunto de bens. E preciso
sedes de fazendas etc. foram erigidos pelos agentesdo Sphan em símbolos da
que haja sujeitos dispostose capazes de funcionarem como interlocutoresdessa
nação por sua vinculação a fatos memoráveis mas, sobretudo. por suas qualidades
forma de comunicaçãosocial, seja para aceita-la tal como é proposta, seja para
construtivas e estéticas. Cabe, portanto, recorrer à noção de símbolo, pois haveria
contesta-la, seja para transforma-la.
uma motivação, baseada na cultura, na constituição desses símbolos.
O que quero dizer é que a proteção da integridade física dos bens patrimoniais
Pode-se concluir que os patrimónios funcionam como repertórios nos termos
não é por si só suficientepara sustentaruma política pública de preservação.Isso
da definição de Umberto Eco: "um repertório prevê uma lista de símbolos, e even-
porque a leitura de bens enquanto bens patrimoniais pressupõe as condições de
tualmente fixa a equivalência entre eles e determinados significados' (1987, p. 40).
acesso a significações e valores que justifiquem sua preservação. Depende, portan-
Neste ponto, quero chamar a atenção para a distinção- até o momento não
to, de outros fatores além da mera presença, num espaço público,de bens a que
explicitada - entre bem cultural e bem patrimonial. A intermediação do Estado no
agentes estatais atribuíram valor histórico, artístico etc., devidamenteprotegidos
segundo caso, através de agentes autorizados e de práticas socialmente definidas
em sua feição material.
e juridicamente regulamentadas, contribui para fixar sentidos e valores, priorizando
Essa dimensão da questão do património - ou seja, a consideração dos bens
uma determinada leitura: seja a atribuição de valor histórico, enquanto testemunho
do ponto de vista de sua recepção- não costuma ser abordada,a não ser even-
de um determinado espaço/tempo vivido por determinados atoresl seja de valor
tualmente,pelos agentesinstitucionais.Normalmente,é do pontode vista da pro-
artístico, enquanto fonte de fruição estética, o que implica também uma modalidade
dução dos patrimóniosque a questão é tratada. seja na afirmaçãodo valor nacio-
específica de conhecimentosseja de valor etnográfico, enquanto documento de
nal dos bens tombados - tónica do discurso oficial -, seja na crítica ao modo como
processos e organizações sociais diferenciados.
são selecionadosesses bens. Entretanto,poucos se voltam para a análise do mo-
Ao se considerarum bem como bem cultural,ao lado de seu valor utilitário
do e das condições de recepção desse universo simbólico pelos diferentes seto-
e económico(valor de uso enquanto habitação, local de culto, ornamentoetcl e
res da sociedade nacional - questão que é particularmenteimportanteno Brasil,
valor de troca, determinado pela mercado), enfatiza-se seu valor simbólico, en-
onde a diversidadecultural é imensa. a escola cumpre muito precária e limitada-
quanto referência a significações da ordem da cultura. Na seleção e no uso dos
mente uma de suas funções principais, que é a de formar cidadãos com uma base
materiais, no seu agendamento, nas técnicas de construção e de elaboração, nos
cultural comum. e onde o hábito de consumo de bens culturais é incrivelmente
motivos, são apreendidasreferências ao modo e às condições de produção desses
restrito. Por esse motivo. qualquer proposta de democratização da política de
bens, a um tempo. a um espaço, a uma organização social, a sistemas simbó-
preservaçãoque não leve em conta essa realidadecorre o risco de cair no vazio,
licos. No caso dos bens patrimoniaisselecionadospor uma instituiçãoestatal,
na medida em que os valores culturais que se quer preservar- fundados,como
considera-se que esse valor simbólico refere-se fundamentalmente a uma iden-
já foi observado,nas noçõesde arte e de história- só fazem sentido para um pe-
tidade coletiva, cuja definição tem em vista unidades políticas (a nação, o estado,
queno grupo. Outro problema,na mesma linha mas em sentido inverso, é a leitura
o município).
que as classes cultas fazem da cultura popular, em geral a partir de uma pers-
Assim como ocorre na literatura. portanto, e nas artes em geral, para que determinados bens funcionem enquanto património é preciso que se aceite uma
pectiva folclorizanteque enfatiza o exotismo ou a discutível categoria da autenticidade.7
convenção: que esses bens constam determinadas significações - ou seja, que
Por esse motivo.vale a pena consideraresse aspectoda questão.ou seja.
se entre no jogo, aceitando suas regras. Isso significa que o interlocutor deve ter
o processo de apropriação dos bens patrimoniais. Para Roger Chartier (1988).
condições de participar do jogo não só na medida em que tenha algum domínio
todo receptoré. na verdade, um produtor de sentido, e toda leitura é um ato de
42
O PÂTRIAÕNIO
[A
PROCESSO
O PAIRIÁÕNIO: UAA QU[SIÀO DE VALOR
lm
apropriação.As significações produzidas pelas diferentes leituras podem, inclu-
A democratização da apropriação não deve, no entanto, ser entendida como
sive, estar bem distantesda intenção ou do interesse do autor da obra - ou, no
mera difusão das significações produzidas pelos agentes institucionais. Como
caso dos bens patrimoniais,das significaçõese valores que os agentes estatais autorizados lhes atribuíram enquanto património.
observa Roger Chartier. uma abordagem que leve em conta a comple'xidade do
De um lado, é evidente que esses bens serão tanto mais nacionais quanto maior for o númerode pessoasque os identifiquecomo património.Por outro lado,
feitos dos mesmos bens, o que possibilita, inclusive, sua apropriação diferenciada
esse consenso não significará necessariamenteque todos fazem a mesma leitura
Por outro lado, esse tipo de abordagem vai evidenciar os limites que se interpõem
do bem. SÓ para dar um exemplo bastante óbvio. a igreja do Senhor do Bonfim,
a essa apropriação. e que decorrem da dificuldade de acesso, para grupos sociais
em Salvador,será valorizadapor alguns por suas qualidadesestéticas,por ou-
culturalmente desfavorecidos (entendidaaqui culturacomo as informações, e ex-
tros, como local de culto católico, por outros ainda, como palco para rituais de
periências veiculadas primordialmente pela educação formal). ao consumo e aos
candomblé,e pelos turistas, muito provavelmentecomo um dos símbolosda capi-
códigos de leitura dos bens patrimoniais.
tal da Bahia.
processo de recepção vai chamar a atenção para os usos diferenciados que são
pelos grupos sociais, mesmo em situação de desigualdade económica e social.
Essa perspectiva não impede que as diferenças sejam identificadas (Inclusive
O que quero dizer é que, por mais regulamentadoe controladoque pretenda
as diferenças com raízes económicas e sociais), mas desloca a sua própria esfe-
ser o processode construçãodos patrimónios,e por mais fixos que possam pare-
ra de identificação, uma vez que não implica a qualificação social das obras como
cer os efeitos de um tombamento, tanto materiais como simbólicos, a recepção dos bens tombados tem uma dinâmica própria em dois sentidos:primeiro, no da
caracteriza as práticas que se apropriam. distintivamente, dos materiais que circu-
mutabilidadede significações e valores atribuídos a um mesmo bem em diferentes
lam numa determinadasociedade (Chartier, 1988, p. 233).
momentos históricos - mudança que diz respeito inclusive às próprias concepções
um todo("arquiteturaluso-brasileira',"artesanato',"arte popular etc.l. Em vez disso,
As análises centradas no processo de construção dos patrimónios são impor-
do que seja histórico, artístico etc.l segundo, no da multiplicidade de significações
tantes, na medida em que procuram desvendar o modo como determinados intelec-
e de valores atribuídos, em um mesmo momento e um mesmo contexto, a um mes-
tuais, em nome do Estado, concebem a "identidade nacional". Mas, uma vez que
mo bem, por grupos económica, social e culturalmente diferenciados.
o interesse na questão do património seja o de entender o processo específico
ou menos recente,e decorrede circunstânciasespecíficas.que serão abordadas
de circulaçãodos bens patrimoniaisnumasociedade.a consideração do vértice da recepçãoé Indispensável, tendoem vista o caráterdinâmicoe ativo de qual-
no próximo capítulo. O que interessa ressaltar aqui é que é imprescindívellevá-
quer apropriaçãosocial. Apenas quando esse aspecto é devidamenteincorporado
las em conta na formulação de uma política de preservação.
à políticaestatal é que se pode falar em uma políticapública.
A percepção dessas dinâmicas relativamente ao património é fenómeno mais
O fato é que as análisescríticas das políticasde preservaçãotêm dado ênfase ao processode construçãodos patrimónios.visando a chamar a atenção para sua
1.3 0
PATRiAÕN10COAM 0üJ[T0 DE
UU POLÍTICA PÚBLICA
utilização como instrumento ideológico de legitimação do poder estatal. Ao critica-
Para Oscar Ozlack e Guillermo O'Donnel. as políticas estatais seriam "alguns
rem o seu caráter elitista, atribuem-noapenas ao processo de seleção de bens,
acordesde um processosocialtecido em torno de um tema ou questão"(1976, p.
excludente, e que privilegia os monumentos identificados com a cultura dominante -
17). Para Jobert e Mulher,as políticas públicas constituem "tentativas de gerir uma
que, no caso do Brasil, é a cultura luso-brasileira.Conseqüentemente, as pro-
relaçãoentre um setor e a sociedade global" (1987, p. 521. Em ambas as definições,
postas visando a democratizaro patrimóniose centram no vértice de sua cons-
pressupõe-se um "Estado em ação', distinto da imagem de um Estado uno, que se
trução - ou seja. na ampliação do conceito de patrimónioe na participação da
apresenta como identificadoà nação. de que garantiria a coesão. Nessa imagem -
sociedadena constituiçãoe no gerenciamentodesse património.Fica de fora a
a do Estado como um organismo que regula os movimentos da sociedade - Estado.
questão da democratizaçãoda apropriação simbólica desses bens.
nação e sociedade praticamente se fundem no imaginário social.
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O PATRIAÕNIO [A
PROCESSO
O PÀTRIAONIO: UAA QU[SIÁO DE VALOR
45
A idéiade um "Estadoem ação' implica,no entanto,a heterogeneidade, a luta de poder e o conflito de interesses. mesmo dentro da burocracia estatal.
difusas e costumamse concentrar em grupos restritos. também os objetivos dessas políticas nunca são claramente apresentados, tanto nos discursos oficiais
Logo, analisar o "Estado em ação' significa levar em conta sua dinâmica inter-
quanto em definições formuladas em outras instâncias.' Nesse sentido, é mais
na, a partir das ações de diferentes sujeitos, tornando-se difícil recorrer, nesse
proveitoso verificar como diferentos linhas de pensamento político elaboram uma
nível, a modelos analíticos que o reduzam a um instrumento de classe, a gestor
prática política nesse campo
da ordem social, a promotor do desenvolvimento, ou a qualquer outra concepção
que neutralize os inevitáveis antagonismos, tanto do Estado com a
sociedade
quanto internamente, na máquina estatal.
Numa perspectivaliberal, cabe à sociedade produzir cultura. Ao Estado, cabe apenas garantir as condiçõespara que esse direito possa ser exercido por todos os cidadãos. Para Norberto Bobbio (1977), essas condições são, basicamente,o
A imagem que se tem da política federal de presewação no Brasil contradiz
reconhecimentoe o respeito a valores como a liberdade (enquanto ausência de
essa afirmação.A ídéia de uma ação política monolítica,conduzidapraticamente
impedimentosfísicos e morais), a verdade (enquantoespírito crítico, em oposição
sem contestações pelo Estado, em nome do interesse público, foi, inclusive, refor-
ao dogmatismo. à intolerância e às falsificações) e a confiança no diálogo.
çada pela aura que, até hoje. envolve a fase heróica do Sphan. Entretanto,como
Bobblo faz um distinção entre política cultural e política da cultura. A primeira
a trajetória dessa política estatal veio demonstrar, essa foi apenas uma entre dife-
é a planificaçãoda culturafeita pelos políticos, em que a cultura figura como ins-
rentes orientações possíveis - e que, na época, se impôs sem maiores dificul-
trumento para alcançar fins políticos. A segunda é a política dos homens de cultu-
dades. como a mais apropriada - para se elaborar a questão da identidade na-
ra, voltada para garantir as condições de desenvolvimentoda cultura e o exercício
cional na constituição de um património histórico e artístico.
dos direitos culturais.
Partindo do pressuposto de que essa imagem é formada com base em uma
Se, na perspectiva liberal, cabe ao Estado simplesmente assegurar o espaço
situação conjuntural - o modo como essa política vem sendo conduzida no Brasil.
para a produção e o consumo de bens culturais. numa perspectivasocialista o Estadoliberal constituiriaum instrumentode classe. Nesse sentido, o que Bobbio
o que uma análise comparativa com outras políticas pode comprovar -, propusme, neste trabalho, a abordar essa política estatal na sua relação com a sociedade.
denominou po//rica de cu/fura seria inviável numa sociedade de classes.
procurando apreender, ainda que nos limites de uma prática específica - os tom-
Consideroque a posturaliberal é irrefutáveldo pontode vista de seus prin-
bamentos- a presença de outros atores que não apenas os agentes institucionais.
cípios. mas, no caso brasileiro,seus pressupostoscolidemcom uma realidade
Pois é evidente que, se essa política foi instaurada e se mantém há mais de
em que a cidadaniaainda não é um bem coletivo. Nesse caso, a formulaçãode
cinqüenta anos, é porque atende a algum tipo de demanda social mais ampla.
uma política cultural democrática(atributo que tanto os liberais quanto os socia-
Na pesquisa, procurei seguir os passos discriminados tanto por Ozlack e O'Donnel
quanto por JobeR e Mulherpara a análise de políticas públicas: a definição da questão e do modo como ela se tornou politicamente relevante, passando a ser objeto de uma política públicas a discriminação dos atores envolvidos, estatais e não-estatais, de sua inserção social e das lideranças que assumem o setorl os recursos a que esses atores recorrem para legitimar essa política, ou seja, a rela-
ção de um prometo setorial com um prometoglobal para a naçãol os instrumentos utilizados na sua implementação.
listas defendem em suas propostas) implica uma atuação necessariamentemais ativa e abrangente do Estado. Trata-se não só de defender determinados valores,
como de criar condições para implementá-losnuma sociedade onde os direitos mínimos da cidadania, na prática, são exercidos por poucos- Ou seja, considerar
todos os cidadãoscomo homensde cultura, assimcomo propunhaGramsci,em condições de exercer os direitos culturais. e atuar no sentidode converter esse princípio- que no caso do Brasil é ainda um ideal - em realidade. Na verdade, a implementação de uma proposta como essa - desafio que vem
sendo enfrentadosobretudo no âmbito das secretarias municipais de cultura' No conjunto das políticas implementadas pelo Estado, as políticas culturais se
distinguempelo tema. Mas, assim como as demandasnessa.área são bem mais
O PATRIAÕNIO[A
PROCESSO
requer um esforço prévio, uma atuação didática no sentido de sedimentar uma
nova cultura política.
O PATRIÁÕNIO: UIVA QUESTÃODt VALOR
47
N
b Se essa orientação tem se mostrado complexa no âmbito municipal, que dirá
NOTAS
uma proposta de democratização como a formulada pela política federal de cultura Historiador e crítico de arte italiano. catedrático de História da Arte da Universidade
no início dos anos 80, ainda em plena vigência do regime militar. Naquele momen-
de Romã. Trabalhou de 1933 a 1955 na Administração Estatal do Património Artístico. Foi eleito prefeito da cidade de Romã, em 1976, e senador pelo Partido Comunis-
to, além da fragilidade dos mecanismos institucionais do representação política. que só então começavam a ser reorganizados,e das formas de participaçãosocial,
ta Italiano.em 1983.
especificamentena área da cultura ja não ser entre alguns produtores culturais, como os cineastas), ínexistiam mecanismos de mediação entre Estado e socieda-
Sobre a relação entre a história e as ideologias políticas, disse, em entrevista,o his-
de, e era praticamenteimpossível identificar atores sociais constituídosem torno
toriador Eric Hobsbawm: "A história é a matéria-prima para ideologias nacionalistas, étnicas
de causas culturais. Ficava no ar a pergunta (e, para alguns, a suspeita) sobre
ou fundamentalistas,da mesma maneira como as papoulas são a matéria-primapara os viciados em heroína. O passado é um elemento essencial, talvez até mesmo o ele-
o sentido dessa proposta: idealismo de alguns agentes institucionais.instrumen-
mento essencial nestas ideologias. Quando não existe um passado adequado. ele
talização da cultura por um governo em crise de legitimidade ou estratégia política
sempre pode ser inventado.' 10 Estado de São Pau/o. 16 jan. 1994. Especial Do-
de resistência, possível num setor à margem dos grandes interesses do capital?
mingo,p. D61
Independentementeda resposta que se dê a essas indagações, o fato é que, como observa Chantal Mouffe (1988, p. 95), a mora enunciação, através de discursos, de determinados princípios e direitos - como o direito à igualdade - cons-
titui fator que viabiliza a constituição de novos sujeitos sociais (por exemplo, os
escravos como"homens',as mulherescomo"cidadãs" etc.) e a transformação de relações de subordinação em antagonismos. Nesse sentido, nos anos que se seguiram à formulação da proposta da Secretaria da Cultura do MEC, em 1981. ficou
3
Embora algumas das observações que se seguem tenham interesse geral - na medida em que se aplicam a outros contextos nacionais - elas dizem respeito apenas ao modo como, no Brasil, é construída juridicamente a noção de património histórico e artístico nacional.
Cf. Barbuy. 1989, sobre as menções, nas Constituiçõesbrasileiras,relativas à cultura Lembro que essa distinção- entre coisa e valor - é referida aqui apenas na medida
evidente que essa proposta veio atender a uma demanda social de valores demo-
em que é útil como recurso para a compreensãoda noção de património.Não se têm em mente dois termosindependentese sim duas faces de uma mesmamoeda,
cráticos, na medida em que seu discurso foi incorporado pelas mais diversas ins-
como o par significante/significado,
tâncias,
e foi absorvido pela Constituição de 1988.
em ling(mística.
Entretanto. se partiu da área federal uma primeira reivindicação pela democra-
Para fins de inscrição dos bens tombados, devem-se considerar os quatro Livros do Tombo: Livro Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico, Livro Histórico, Livro de Be-
tização da política cultural, na prática têm sido os órgãos municipais que vêm
las Artes e Livro de Artes Aplicadas.Esse último livro se acha em desuso.e dele
implementando com maior visibilidade propostas nesse sentido. E, passados vá-
constam apenas quatro inscrições.
rios anos da elaboraçãodo documento l)/refrües para operaclona/izaç;ão da po/Ê
fica cu/fura/do MEC(1981),fica no ar a pergunta: quala propostahoje- emface
Foi no sentido de reelaborar criticamente esses tipos de leitura que vários proletos do CNRC abordaram manifestações de cultura popular. A partir dessa mesma visão
de uma realidade politicamente outra, embora social e economicamente ainda for-
foram consideradas as manifestações das diferentes etnias.
temente marcada pela desigualdade - da área federal para a cultura, em geral, e para o património, em particular?
Sobre essa questão, sintetiza Eunice Durham: "de um lado, é necessário eliminar
Esse trabalho não pretende - nem seria de sua atribuição - oferecer resposta
as barreiras educacionais e materiais que impedem a maioria da população de ter acesso aos bens culturais. que são monopolizadospelas classes dominanteslde ou-
a essa pergunta, mas apenas contribuir com alguns subsídios para a formulação
tro lado, é importantepreservare difundir a produção cultural que é própria das clas-
de propostas que, afinadas com a realidade presente, não deixem de levar em
ses populares, garantindo seu acesso a instrumentos que facilitem essa produção e permitam sua conservaçãoe transmissão' japud Arantes, 1984, p. 34).
conta uma experiênciaacumulada,em mais de cinqüentaanos, por uma política
que se tem diferenciado- tanto de um pontode vista positivocomo negativo-
Tanto a definição de política cultural formulada pela Unesco quanto a de Néstor
no conjunto das políticas estatais brasileiras.
GarcíaCanclini são igualmentevagas e genéricas:
48
O PATRIAÕNIO
eA PROCESSO
O PÁIRIAÕNIO: UAA QUESTÃODE VALOR
49
B
1) Para a Unesco, política cultural constitui "um conjunto de práticas sociais conscien-
CAPITULO 2
tes e deliberadas,de intervençõese não-intervenções,tendo por objeto satisfazer certas necessidadesculturais pelo melhor emprego possível de todos os recursos materiais e
A CONSTRUÇÃO DO PATRIAÕNIO: PlIRSPllCTIVA HISTÓRICA
humanosde que dispõe uma sociedade num momentodado" j1969, p. 8). 2) Para Canclini. política cultural é 'um conjunto de intervençõesrealizadaspelo Estado. as instituições e os grupos comunitários organizados a fim de orientar o desenvolvimento
simbólico, satisfazer as necessidades culturais da população e obter consenso para um tipo
de ordem ou de transformaçãosocial" j1987, p. 26). Ver Faria, HamiltonJosé Barrete de; Souza,Valmir de jorg.). Experiênciasde gestãocultural democrática. Róis, São Paulo, n. 12. 1993. Em entrevista a Gabriel Cohn, Marilena Chauí, então secretária municipal de cultura de São Paulo, esclarece o sentido desse tipo de proposta: "Decidimos também considerar a cultura como direito do cidadão, o direito de
A modemidade de uma sociedade se mede por sua capacidade de se reapropriar das experiências humanas distantes da sua no
tempo e no espaço. Alain Touraine, Cdtfque de/a modem/lé.
ter acesso aos bens culturais, o direito de produzircultura, e o direito de participardas decisões na política cultural. E com isso o nosso prometoé um prometode cfdadan/acu/fura/."
11990, p. 32)
A questãodo património se situanumaencruzilhada que envolvetantoo papel da memória e da tradição na construção de identidades coletivas, quanto os recursos a que têm recorrido os Estados modernos na objetivação e legitimação da idéia de nação. Permeandoessas dimensões, está a consideração do uso simbólico que os diferentes grupos sociais fazem de seus bens - e aqui me refiro tanto à produção quanto à conservaçãoou destruição - na elaboração das categorias de espaço e tempo.' Ou seja, o valor que atribuem a esses bens enquanto meios para
referir o passado, proporcionar prazer aos sentidos. produzir e veicular conhecimento. Esses diferentes valores atribuídos são, na civilização ocidental, regulados por duas noções que se articulam sobre as categorias de tempo e espaço -
a noção de história e a de arte. A primeira, enquanto reelaboração do passado, a segunda, enquanto fruição in praesenfía. Nesse sentido. os bens que constituem
os patrimónios culturais se propõem como marcas do tempo no espaço. Mas foi apenas quando, no final do século XVlll, o Estado assumiu, em nome do Interesse público. a proteção legal de determinados bens a que foi atribuída a capacidade de simbolizarem a nação, que se definiu o conceito de património his-
tórico e artístico nacional.
50
O PATRIAON 10 eA PROCESSO
Os p-incipais valores culturais atribuídos aos bens patrimoniais são o valor
tância, sendo atualmente pouco frequente.' O próprio termo monumentofol mu-
artísticoe p valor histórico. Emboraa legislação possase referira outrosvalores-
dando de significaçãoe passoua ser entendidocomo monumentohistóricoe artís-
o decreto-leiRe 25, de 30.11.37, por exemplo. mencionatambém os valores ar-
tico, ou seja, toda obra tangível de valor histórico e artístico. Essa atribuição de
queológico, etnográfico, paisagístico etc. - esses, na realidade. são tributários das
valor, ao contráriodo que ocorre com os monumentosintencionais,é a posferloÜ
noçõesde históriae de arte.
e só passaa ocorrera partir do momento em que, na cultura ocidental,as noções de arte e de história adquiremalguma autonomia.No contexto da história,que Le
A percepção da especificidade da questão do valor na abordagem dos bens que são considerados monumentos históricos e/ou artísticos só se tornou possível a partir de uma postura inovadora, que. segundo Françoise Choay, se iniciou com
Goff considera "a forma científica da memória coletiva', a noção de monumento passaa ser pensadana sua relaçãocom a noção de documento(1990,p. 535-553).
o austríaco Alois Riegl, ligado, assim como Panofsky, Wõlfflin e Gombrich, à ico-
Também a noção de preservaçãodeve ser entendidanessa dupla dimen-
nologia anglo-saxã. Diz ela, na introdução à edição francesa de Le Cu/fe moderne
são, de invariante e de variante cultural. A propósito, diz o antropólogo norte-ame-
des monumenfs, publicado pela primeira vez em 1903, com o título de Der mo-
ricanoJames Clifford:
derne Denkmalkultus=
roleta, posse, classificação e valor não estão, certamente, restritos ao Ocidentel
Unico no seu gênero desde sua aparição, esse pequeno texto continua até hoje inigua-
lável.1-.) Bastaindicarque, pela primeiravez na históriada noção de monumento histórico e de suas aplicações,Rlegl toma distância. Sua posição de observadornão é nem a dos arquitetos,que desde Alberti integraram a questão do monumento histórico na teoria de sua disciplina, nem a dos homens de letras, que fizeram do património monumental o objeto de uma cruzada passional. Graças a essa distância. ele pede, antes de qualquer outro, realizar o inventário dos valores não ditos e das significações não explicitadas, subjacentes
ao conceito de monumento histórico. De imediato, este perde sua pseudotransparência de dado objetivo. To.na-se o suporte opaco de valores históricos transitivos e contraditóHos,
mas. em outras regiões essas atividades não precisam ser associadas à acumulação jem vez da redistribuição)ou à preservação (em vez da decadência históricaou natural). A prática ocidental de caleta da cultura tem sua própria genealogia local. imbricada em noções européias distintas de temporalidade e ordem. (1988. p. 2181
As noções modernasde monumentohbfódco, de pafrfmónfoe de presewação só começam a ser elaboradas a partir do momento em que surge a idéia de estu-
dar e conservarum edifício pela única razão de que é um testemunhoda história e/ou uma obra de arte. Sendo a proservaçãode monumentosuma atividade necessariamenteseletiva.
de procedimentosc(mplexos e conflitantes. IRiegl. 1984. p. 16-17)
E esse olhar distanciado que possibilita a desconstruçãodas noções de monu-
uma constanteopção entre o consewar e o destruir (ativo ou passivo. no sentido
mento, monumento histórico, preservação, e o mapeamento de sua história. Assim.
de não impedir a destruição),'ela será exercida por determinadosagentes, e se-
Riegl pôde distinguir traços que seriam considerados universais. de formas culturais
buição de valores - e, conseqtlentemente,a preservação. E exatamente nesse pro-
específicas da civilização cristã-ocidental.
Para Riegl. o ato de erigir monumentos:- entendidoscomo "uma obra criada pela mão do homem e edificada com o objetivo preciso de conservar sempre presente e viva na consciência de gerações futuras a lembrança de uma ação ou de um destino' (1984. p. 351 -. pode ser identificado nas épocas mais remotas da humanidade. Segundo Françoise Choay, "o monumento se assemelha bastante a um universal cultural" (1992. p. 15). Esse tipo de monumento. visando à rememoração celebratlva. é chamado por Riegl monumento "intencional'. Durante
cesso - que tem uma dimensãoexplícita, regulamentada.como, no caso do Brasil. a inscrição de bens nos Livros do Tombo, e outra implícita, e muitas vezes ãó deli-
beradamenteocultada, que remete às relações de poder entre os agentes envolvidos com a preservação- que se manifestamos conflitos de interesse em jogo na prática aparentementetranquila da preservaçãode bens culturais em nome do
interesse público. E no sentido de tentar apreenderesses focos de conflito, que se manifestam tanto entre os diferentesgrupos sociais envolvidoscom a questão quanto no inte-
a Antiguidade e a Idade Média, esse seria o único tipo de monu-
mento conhecido, mas a parir do Renascimento teria começado a perder impor-
52
gundo determinados critérios, que orientam e também legitimam o processo de atri-
O PATRIAONIO [A
PROCESSO
rior da atividade institucional,que orientarei a análise da prática de preservação exercida no Brasil. em nível federal, nas décadas de 1970-1980.Neste capítulo.
 CONSTRUÇÃO DO PÂTRIAÕNIO: PERSPECTIVA HISTÓRICA
53
a partir dos trabalhos de Alois Rlegl5 (1984), de André Chastel,' Jean-Pierre
Se. no caso da tradição cristã, foi a Igreja a guardiã dos objetos de culto e
Babelon' (1980) e de Françoise Choayo (1992), procurarei elaborar um conjunto
a gestora de sua transmissão, o que chamamos pafrfmõnfo só vai constituir-se
de referências para pensar a história dos valores atribuídos a bens culturais para
efetivamente como corpus de bens a serem cultuados, presewados e legados para
fins de preservação.
uma coletividade.em função de valores leigos, como os valores histórico e artís-
Esses autores vão chamar a atenção não apenas para as condições de transformação das noções de monumento histórico, património e preservação, como também para as tensões presentes no processo de preservação. E importante observar que a maioria desses autores (assim como Giulio CarãoArgan, já citado no capítulo anterior) desenvolveu. além de uma atividade acadêmica, trabalhos em agências estatais voltadas para a preservação de monumentos. Possivelmente, foi essa experiência. mais que seus estudos e pesquisas universitárias, que lhes chamou
a atenção para a diversidade de valores atribuídos a um mesmo bem. enquanto monumento histórico e artístico, e para os problemas decorrentes dessa realidade.
tico, e enquanto referências a uma identidade nacional. Por outro lado, como mos-
tram Chastel e Babelon, a preservação, embora sentida como necessidade por certos indivíduos ou grupos, impressionados com o que consideravam a beleza. a antiguidade, ou o poder de evocação de certos monumentos, se manifestava, até o final do século XVlll, apenas em iniciativas isoladas, formadoras do que chamam
'o sentido do património' Se as categoriasque vão fundamentara constituiçãodos chamadospatrimónios históricos e artísticos começaram, portanto, a ser formuladas e aplicadas a bens, desde o Renascimento,fol a idéia de nação que veio garantir seu estatuto ideológico, e foi o Estado nacional que veio assegurar, através de práticas especí-
ficas, a sua preservação.Pois, como díz Verá Milet,
2.1 0S PRIAÓRD10S DÂ PRESERVAÇÃO DE AONUAENTOS E A AuíoUOAizACÃo DAS NOÇÕES DE HISTÓRIA
[
Dt ARTE
A efetlvação da preservação dos bens culturais só se encontra socialmente definida,
ou seja, só aparececomo fato social, quando o Estado assume a sua prateção e,
Tanto Riegl quanto Chastel e Babelon detectam no sentimento de piedade reli-
através da ordenação jurídica, os institui e delimita oficialmente enquanto bem cultural,
giosa e de devoção às relíquias, característicoda civilizaçãoeuropéia, a origem
regulamentandoo seu uso, a finalidadee o caráter desses bens dentro de leis espe-
do sentimento de apego a bens simbólicos que evocam a idéia de pertencimento
cíficas de propriedade,zoneamento,uso e ocupação do solo. j1988. p. 181
a uma comunidade, ainda que imaginária. São Chastel e Babelon que dizem:
Foi preciso. portanto, que a noção de monumento - no seu sentido moderno -
Em toda sociedade, desde a pré-história, (-.l o sentido do sagrado intervém con-
fosse formulada, enquanto monumento histórico e artístico, para que a noção de
vidando a tratar certos objetos. certos lugares, certos bens materiais, como escapando
pafrlmõnio se convertesse em categoria socialmente definida, regulamentadae
à lei da utilidade imediata. A existência dos lares familiares, a do pa//adfum da cidade,
delimitada, e adquirisse o sentido de herança coletiva especificamentecultural.
provavelmentedeve ser recolocadana origemou na base do problemado património.
Como diz Françoise Choay na introdução já citada ao livro de Riegl, "a invenção
É preciso aproximar seu destino do de certos objetos comuns. armas e jóias. e mesmo
do monumento histórico é solidária com a dos conceitos de arte e de história'
edifícios. que. por diversas razões. escaparam da obsolescência e da destruição fatal para se verem dotados de um prestígio particular, suscitar uma ligação apaixonada, até
Essa noção pressupõe a idéia de distância e a percepção da alteridade de
mesmoumverdadeiro culto.(1980,p. l) Esse estatutoatribuídoa certos bens materiaisimplica,como no caso dos bens religiosos, uma forma de propriedadecoletiva, visando a preserva-los e a garantir sua transmissão através das gerações. Na Idade Média. a aristocracia projetavanos seus castelos e em outras representaçõesde suas linhagens um sentido de símbolosde sua continuidade,e. por essa razão, esses bens se torna-
uma civilização em relação a outras, o que só vai ocorrer no Renascimento, quan-
do, pela primeiravez, uma cultura distante mais de um milênlo no tempo é considerada ancestral da presente. Françoise Choay considera que o advento desse olhar "distanciado e esteta, liberto das paixões medievais', que metamorfoseia as edificações antigas em "objetos de reflexão e de contemplação', se situa por volta da primeira metade do século XV. Até então, só era possível se aproximar da cul-
vam também objeto de preservação.
54
IRiegl, 1984, p. ll).
tura antiga, pagã, ressemantizando-a, retraduzindo-a em termos cristãos. Os pré-
O PATRIAÕNIOEA PROCESSO
Á CONSTRUÇÃODO PATRIAÕNIO: PERSPECTIVAHISTÓRICA
55
ditesantigos que não haviam sido destruídos eram reutilizados,ou tinham seus como de valor artístico. A trajetória das pesquisas dos antiquários pode ser exem-
elemontos aproveitados em outras construções (1992, p. 37).o
plificada na seqüência dos trabalhos de Montfaucon, que, tendo pesquisado as an-
Não foi por acaso que Romã se tornou o berço da sensibilidademoderna.Ali
tiguidades grego-romanas,veio a estudar posteriormente os testemunhos das mo-
se tinha acessoà presençasimultâneade dois tipos de monumentos- os antigos.
narquias francesas.
pagãos, e os cristãos - que remetiam a duas tradições distantes. Sintomaticamente,foi no século XV que ocorreramas primeirasmedidasde presewação,em-
O saber produzido pelos antiquários tinha um caráter eminentementeuniver-
preendidas por papas através de bulas, visando à proteção de edificações antigas
salista, caracterizadopelas viagens e trocas de informações.Na Inglaterra, esse
e cristãs. Também nesse momento ocorreu, no tratamento dos vestígios da Anti-
tipo de atividade, Intensificado como reação ao vandalismo religioso da Reforma.
guidade greco-romana, o cruzamento de três discursos: o da perspectiva histórica.
perdurouaté o início do século XX: eram as sociedadesde antiquáriosque protegiam as antiguidades nacionais. Já na França, essas sociedades entraram em de-
o da perspectiva artística e o da conservação. {
O interessepelas antiguidades,que começouentão a surgir, era objeto de dois tipos de abordagem:a letrada, pelos humanistas,que as consideravamenquanto ilustrações dos textos antigos - estes, os testemunhos confiáveis da Antiguidade -
clínio quando, a partir da Revolução, no final do século XVlll, o Estado assumiu
e passou a centralizar a preservação. Como observa Françoise Choay (ibid.), o amor à arte e ao saber histórico não
e a artística, por parte dos artífices (arquitetos,escultoresetc.l, interessadosnas
foi suficiente para implantar. de forma sistemática e definitiva, a prática da preser-
formas - por eles consideradas testemunhos involuntários e, por esse motivo.
vação. Foi preciso que surgissemameaças concretas de perda dos monumentos.
mais reveladores.A noção de monumentohlsfódco surgiu, pois, com as antigui-
já então valorizados como expressões históricas e artísticas - o vandalismo da
dades, e, segundo Françoise Choay. "a descoberta das antiguidades é também a
da arte como atividade autónoma, desvinculada de sua tradicional vinculação à
o da Revolução Francesa - e uma mística meiga vinculada a um interesse político definido - o culto à nação - para que a preservação dos monumentos
religião cristã" (1992, p. 63).'' A mesma autora assim caracteriza a ativídade dos
se tornasse um tema de interesse público.
Reforma e
antiquários:
2.2 A LEGIÍTAACÃO DO PATRIHÕNIOPELO VALOR DE NACIONALIDADE O primeiro objetivo dos antiquários é, portanto, tornar visível o passado. especialmente o passado silencioso ou não-dito. Mas eles não se limitam a uma soma. A
imagem é posta a sewiço de um método comparativoque lhes permite estabelecer séries tipológicas. às vezes até sequências cronológicas. e realizar assim uma espécie de história natural das produções humanas. jlbid.)
Até o século XVlll, as ações deliberadas,voltadas para a preservaçãode monumentos. eram ocasionais, e, quando ocorriam, eram realizadas pelos segmentos sociais dominantes, basicamente a Igreja e a aristocracia, visando a conservar
seus bens. Para os antiquários, os objetos antigos interessavamprimordialmente A atividade dos antiquários se desenvolveu por toda a Europa, produzindo far-
ta iconografiae inúmeras coleções. O objeto de interesse,porém, era só um: a Antiguidade. A Idade Média era considerada um período intermediário. A partir do
final do século XVI, os antiquáriospassarama se interessartambém por antiguidades de outras civilizações que não apenas a da greco-romana. Foram documen-
tados e recolhidos os vestígios do que se passou a consideraras antiguidades nacionais. O estilo gótico se tornou o símbolo das antiguidades nacionais, sendo-
Ihe atribuído, no entanto, apenas um valor histórico. Já na Grã-Bretanha,devido ao triunfo da Reformae à penetraçãotardia do estilo italiano na arquitetura.esse estilo continuava vivo, mesmo durante o classicismo, e foi reconhecidotambém
como documentos, dotados também de valor artístico. e o interesse na cometae
na guarda era partilhado apenas pelos membros dessas sociedades. Chastel e Babelon j1980, p. 15), que fizeram um estudo da prato-históriada presewação na França. detectaram na segunda metade do século XVlll algumas iniciativas, em Paris. visando a evitar a destruição de edificações pelo motivo de
estarem identificadas à fisionomia da cidade.'' Nesse caso, a defesa de edificações civis públicas - como uma fonte, um arco do triunfo e uma coluna de observações astrológicas
- sugere a formação de um 'pafdmón/o do c/(hdão.
Mas foram ameaças de destruição e perda de monumentosjá considerados de valor histórico e/ou artístico que mobilizaram as sociedades nacionais para o
56
O PATRIAÕNIO [A
PROCESSO
A CONSTRUÇÃO DO PAÍRIAÕNIO: P{RSPECrlVAHISTÓRICA
57
investimento na presewação. Na Inglaterra, o vandalismo reformista. que destruiu
cias, que passam a ser objeto de medidas administrativas e jurídicas: formulação
igrejas e sobretudo imagens, levou as sociedades de antiquários a assumirem essa
de leis, decretos e prescrições, criação de comissões específicas, instituição de práticas de conservação (inventário, classificação, proteção) e, principalmente, definição de um campo de atuação política. Paralelamente.criou-se uma ordem
função.
Na França, no final do Antigo Regime, a monarquia, influenciada pelas idéias
discursiva própria, um corpo de conceitos. Aos critérios tipológicos dos anti-
iluministas.tomou iniciativas no sentido de dar acesso a seus acervos através
quários foi acrescentado um novo: a distinção entre bens móveis e imóveis, em
da criaçãode museus.Com a instauraçãode um novo Estado,em 1789.e a der-
função de exigências distintas de conservação. Para os primeiros foram criados
rubada do poder da aristocracia e da Igreja, a questão assumiu dimensões mais
museus, para os segundos se apresentava o problema complexo de sua reuti-
complexas:em primeiro lugar, havia o problema económicode gerir os bens con-
lização.
fiscados aos nobres e ao clerol em segundo lugar, simbolicamente. essa proteção
era, em princípio, contraditória com os ideais revolucionáriosde instauração de um poder populare de uma nova era, livre da opressãodos antigos dominadores. O prometode inaugurarum novo tempo (inclusive com um calendário e símbolos próprios)justificava, aos olhos da população,a destruiçãodos bens identificados
4
Chastel e Babelon observam: O sentido do património, ou seja, dos bens fundamentais, inalienáveis, se estende pela primeira vez na França às obras de arte, ora em função dos valores tradicionais que se vinculam a esses bens e que os explicam. ora em nome desse sentimento novo de um elo comum, de uma riqueza moral de toda a nação. Provavelmente essa dupla
com aqueles dois grupos sociais.
raiz nunca deixou de existir. jlbid.l
Os atou de vandalismo, que se intensificaramapós a prisão do rel em Varennes, repugnavam aos eruditos e contrariavam os ideais iluministas de acumulação e difusão do saber. Por esse motivo. desde 1789. o governo revolucionário
tentou regulamentara proteção dos bens confiscados,justificando essa preocu-
A noção de património se inseriu, portanto, no prometomais amplo de construção de uma identidade nacional, e passou a servir ao processo de consolidação dos Estados-nações modernos. Nesse sentido, vinha cumprir inúmeras funções simbólicas:
pação pelo interesse desses bens para a instrução pública. Esses bens, que, para a Comissãode Artes, criada em 1793,': "a história consulta. as artes estudam,o filósofo observa, nossos olhos se comprazemem fixar' japud Chastel e Babelon, 1980, p. 18), passaram a ter também um valor como docu-
1. reforçara noção de cidadania,na medida em que são identificados,no espaço público, bens que não são de exclusiva posse privada, mas propriedadede todos os cidadãos, a serem utilizados em nome do interesse público. Nesse caso.
o Estado atua como guardião e gestor desses bensl
mentos da nação, e se converteram em objeto de interesse não apenas cultural como também político. Chastel e Babelon (1980. p. 18) observam que 'não se defi-
2. ao partir da identificação,nos limites do Estado nacional,de bons represen-
ne apenas um domínio original. identifica-se um poder de cultural a noção moderna
tativos da nação - demarcando-aassim no tempo e no espaço- a noção de pafd-
de patrimóniocomeça a aparecer através da preocupaçãomoral e pedagógica'.
mõnio contribui para objetivar, tornar visível e real, essa entidade ideal que é a
A idéia de possecoletiva como parte do exercícioda cidadania inspiroua utilização do termo pafdmõn/o para designar o conjunto de bens de valor cultural que
passarama ser propriedadeda nação, ou seja, do conjuntode todos os cidadãos.
nação, simbolizadatambém por obras criadas expressamentecom essa finalidade (bandeiras,hinos, calendário,alegorias e mesmo obras de artistas plásticos, como David).'' A necessidade de proteger esse património comum reforça a coesão
nacionall
A construção do que chamamos património histórico e artístico nacional partiu, por-
tanto, de uma motivação prática - o novo estatuto de propriedade dos bens confis-
3. os bens patrimoniais,caracterizados desde o início por sua heterogenei-
cados - e de uma motivação ideológica - a necessidade de ressemantizar esses
dade," funcionam como documentos, como provas maferla/s das versões oficiais
bens. A idéia de um patrimónioda nação, ou "de todos'. conforme o texto legal,
da história nacional,'5que constrói o mito de origem da nação e uma versão da
homogeneiza simbolicamente esses bens heterogêneos e de diferentes procedên-
ocupação do território, visando a legitimar o poder atual;
58
O PATRIÁÕNIO
[A
PROCESSO
& CGNSTRUCÂO DO PATRIAÕNIO: P[RSP[CTIVA HISTÓRICA
59
como princípio a idéia mestra de Mérimée, de "descobrir o país através de sua
4. a conservação desses bens - onerosa, complexa e freqüentemente contrária
paisagem histórica" (Chastel e Babelon, 1980, p. 21).
a outros interesses, públicos e privados - é justificada por seu alcance peda-
Os conceitos estabelecidos pela Revolução Francesa continuaram vigentes no
gógico, a serviço da instrução dos cidadãos.
século XIX, mas adquiriram novas significações em função de novos fatores: a
Durante o período revolucionário, o valor nacional dos bens se sobrepunha a
RevoluçãoIndustrial,que gerou uma ruptura no modo de produzir e de viver arte-
todos os outros valores, sendo seguido pelo seu valor de conhecimentohistórico.
sanal, e o romantismo,que, inclusive em decorrência dessa ruptura, privilegiava
pelo seu valor económicoe finalmentepelo seu valor artístico.
os valores da sensibilidade e o lugar do sujeito na percepção do mundo.
A preservação como atividade sistemática só se tornou possível, portanto. No período romântico. o distanciamento em relação às obras do passado, que
porque ao interesse cultural se acrescentaramum interessepolítico e uma justifi-
se manifestoupela primeira vez no Renascimento.assumiu, dovido à Revolução
cativa ideológica.Aparentementeessa foi uma fórmula bem sucedida, e que será \
repetida em outros momentosrevolucionários(como na Rússia, em 1917, e tam-
#
bém. mais recentemente.em Cuba, após a revolução liderada por Fidel Castro)
Industrial, uma segunda mediação. mais drástica: o passado longínquo não era mais recuperadoenquantocânone, fonte de conhecimentoe de modelos,como no Renascimentosera um passado irremediavelmente perdido, e só através da memó-
como meio de conciliar os interesses da cultura - a preservaçãode bens por seu
ria afetiva, da sensibilidade estética, era possível, de algum modo, revivê-lo. Pode-
valor históricoe artístico- com os interessespolíticosvoltadospara uma mudança
se dizer que o sentimentopredominantonão era mais o de reverência.e sim o
social.
de nostalgia. Considerava-se que os monumentos legados por esse passado esta-
Entretanto, como a história desde então tem demonstrado,a administração dos
vam fadados à deterioração, ao desaparecimento e à morte. Esse era o ciclo irre-
conflitos entre interesses imediatos e os interesses específicos da preservação
mediável da natureza e também das coisas e dos homens. As ruínas, assim como
não é fácil: prova disso são, ainda no século XVlll, as denúnciasde Quatréme
outros sinais do tempo jas pátinas, o musgo, a vegetação selvagem que toma
de Quincy em suas Leffres à M/randn (1989), que condenavama pilhagem feita
conta das edificaçõesabandonadas),seriam um documentodessa realidade,
pelas tropas napoleónicasna ltália em nome de um interessepedagógico- a for-
prova de sua autenticidade,daí sua importância no imaginário romântico.
mação dos artistas francesesl no século XIX, a polêmica entre John Ruskin e Viollet-
Por outro lado, o interesse dos historiadorespelas antiguidadesentrou em ex-
le-Duc quanto à forma e ao sentido da preservação dos monumentosl e. no século
tinção. Ocupados com a história política e das instituições, visando a construir
XX, a discussãoem torno da transformaçãodo patrimónioem objeto de consumo
a história nacional, os historiadores se voltaram para os textos. para os docu-
cultural.
mentos escritos. As obras antigas passaram a ser objeto de uma apreciaçãoemi-
A institucionalização definitiva da atividade de preservação pelo Estado, na
nentementeestética, embora não desprovida de interesse cognitivo. A viagem con-
França, só veio a ocorrer efetivamente a partir de 1830, quando o historiador Gui-
tinuavaa ser o meio privilegiadopara o acesso a esses bens, mas agora tratava-
zot propôs a criação do cargo de Inspetor dos Monumentos Históricos. O escritor
se de "viagens pitorescas' e não propriamentecientíficas.'o Nesse momento. as no-
Prosper Mérimée, ao assumir o posto em 1832, percorreu toda a França, reali-
ções de históriae de arte ficaram mais distantes uma da outra, assim como ficou
zando um notável trabalho de Inventário não só de bens, como de atitudes da po-
mais evidente a diferença entre valores do conhecimentoe valores da sensibili-
pulação em relação ao património. E percebeu que, apesar dos bons propósitos dos convencionaisrevolucionários,apenas uns poucos intelectuais se sensibili-
dade. Consolidou-sea noção do monumento histórico e a relação entre os valores
zavam com o valor cultural dos monumentos. A população, ou lhes era indiferente,
O monumento históricofoi integradoao cultoà arte que se desenvolveu no
que Ihe são atribuídos foi redimensionada em decorrência das novas circunstâncias.
ou se apegava a alguns bens por outros motivos, por exemplo, seu valor religioso.
período romântico, sem perder, no entanto, sua conotação de testemunho do tempo
enquanto local de culto ou de peregrinação. Essa situação era particularmente
passado. Enquantodocumento histórico. passou a ser primordialmentevinculado
grave nas províncias, devido à atividade centralizadora do Estado. A estrutura ins-
e utilizado pelo Estado - com o reforço dos historiadoros, que, então, se voltavam
titucional montada nesse período vai perdurar até meados do século XX, tendo
para a história política - na afirmação da nacionalidade.
60
O PATRIAÕNIO[A
PROCESSO
Í
A CONSTRUÇÃODO PATRIAÕNIO: PlIRSPllCTIVA HISTÓRICA
61
]
Eivada de um matiz puritano, a teoria do crítico de arte inglês John Ruskin
Lúcia Lippi de Oliveira observa que, no século XIX, "a ligação do nacionalismo com o romantismofez a nação ser concebida como uma entidade emotiva, símbolo
via na arquitetura um meio de conservar o passado. não só em suas produções
da singularidade,à qual todos os homensdeveriam se integrar"(1986, p. 44). O nacionalismocultural devia sobretudo a Herder sua fundamentação.Foram predo-
materiaise modos de vida, como também em suas virtudes morais ('a maior glória de uma edificaçãonão está em suas pedras, ou no ouro que possa conter. Sua
minantementeos artistas, poetas e pensadores que, nos países germânicos e
l
glória está em sua idade.' [1956, p. 1901).Ético, mais que estético,o valor do mo-
também na Inglaterra,exploraram essa imagem emotiva da nação. O sentimento
numento histórico para Ruskin é o valor de piedade. Tudo que é manifestação do
nacional se desenvolveu com ênfase nos aspectos culturais típicos, diferencia-
esforço humano deve ser objeto de reverência, daí seu intuito de presewar não
dores de cada nação. Já na França, predominava o nacionalismo político. desen-
apenas os monumentos excepcionais, como também o mundo doméstico e o do
volvido em torno da idéia de civilização, sobretudo por historiadores e homens
trabalho.Na Inglaterra,pode-sedizer que o valor de nacionalidadefoi eclipsado
de letras.
l
J
pelo valor de humanidade.e, nesse sentido, a preservaçãotambém foi pensada
No século XIX se consolidaram dois modelos de política de preservação:o
em escala mais ampla:Já em 1854, Ruskin propunhaa criação de uma organiza-
modeloanglo-saxõnico, com o apoio de associaçõescivis, voltado para o culto
ção européiade proteçãodos monumentoshistóricos.'' Para Ruskin (1956, p. 201).
ao passado e paraa valoração ético-estética dosmonumentos, e o modelofran-
os vestígios do passado tinham valor de relíquiasl valiam, portanto. em si mesmos,
cês, estatal e centralizador,que se desenvolveuem torno da noção de património,
enquanto objetos "sagrados", insubstituíveis, e, nesse sentido, eram intocáveis:
de forma planificada e regulamentada, visando ao atendimento de interesses polí-
"Não temos direito algum de toca-los. Eles não são nossos. Eles pertencem em
ticos do Estado. Esse último modelo predominouentre os países europeus,e foi
parte aos que os construíram,e em parte a todas as geraçõesda humanidadeque virão depois de nós" -, foram-noslegados por nossos antepassadose, do mesmo
exportado.na primeira metadedo século XX, para países da AméricaLatina, como o Brasil e a Argentina,e, após a Segunda Guerra Mundial, para as ex-colónias
modo, são um patrimóniotambém das gerações futuras. Logo, qualquer restau-
francesas.
ração seria uma violação e uma impostura,pois faria o monumentoparecer diferente do que na realidadeé, ou seja, uma criação humana sujeita ao fluxo do tem-
A conservaçãodos monumentos, na França, assumiu um caráter eminentemente museológico:irremediavelmenteligados ao passado,esses bens não teriam mais lugar no fluxo da vida presente. O ideal de modernização e de progresso
difundido pela ideologia estatal conferia à preservação um compromissocom o saber, um sentido de atividade racionalmentedirigida para interesses presentes.
po ("tão impossívelquanto ressuscitarum morto é restauraro que quer que tenha sido grandiosoou belo em arquitetura.' [Ruskin, 1956, p. 1991).A arquitetura.nos textos de Ruskin, é associada à vida da natureza e dos homens. Já Viollet-le-Duc,engenheirode formação e mais voltado para uma concepção
O prometourbanístico de Haussmann ilustra bem essa situação. Já nos países anglo-
formal da arquitetura, partia da noção de monumento ideal, que não é necessa-
saxões predominou,entre os principaisagentes da preservação,o culto ao passa-
riamente a do prometooriginal, mas a mais adequada para cada caso, a ser
do e a valorização de seus vestígios enquanto relíquias, em decorrência do senti-
buscada pelo restaurador em função de critérios técnicos, estilísticos e pragmáticos. Segundo suas próprias palavras, "restaurar um edifício é restabelecê-lo
do mais agudo da ruptura que, na Inglaterra.decorriado confrontocom a dura realidade da Revolução Industrial. Para os ingleses. o presente era representado pela
num estadocompletoque talvez nunca tenha existido" (apud Choay, 1992, p. 1201.
civilização que começava a se desenvolver na América do Norte e que, na obser-
A restauração torna-se assim uma recriação legitimada, ou "restauração inter-
vação crítica de Ruskin, era "um mundo sem uma lembrança nem uma ruína'
pretativa', como o próprio Viollet-le-Duca qualificava, e, sob sua orientação, se
(apud Choay, 1992, p. 107).
voltou para os monumentosgóticos. Ele consideravaque a verdadeiraarquitetura
Duas teorias distintas e conflitantes sobre a conservação de monumentos his-
nacionalfrancesaera a do século XIII. Seus trabalhosforam mais tarde duramente
tóricos foram elaboradas,no século XIX, respectivamente,na França e na Ingla-
criticados.sobretudoa partir dos conceitos expressos na Carta de Veneza, e só
terra: a de John Ruskin e a de Viollet-le-Duc.
muito recentemente têm sido objeto de reavaliação.
62
O PÂTRIAõNIO eA PROCESSO
A CONSTRUÇÃO DO PATRIAõNIO: PER5PlCTIVA
HISTÓRICA
63
No final do século XIX, com Camillo Boito," a teoria de Viollet-le-Ducfoi con-
logia, nas últimas décadas.A criação, após a Segunda Guerra Mundial.de orga-
acrescentado, adventício, ortopédico do trabalho refeito deve ser ostensivamente
nismos internacionaisespecificamentevoltados para a cultura e a incorporação. pela ONU, da figura de direitos culturais, e, pela Unesco,da figura de Património
marcado, e não deve, de maneira alguma, passar por original' (Choay. 1992. p.
Cultural da Humanidadejunta, nas mesmas expressões, as noções difusas de
testada no campo específico da restauração. Boatoconsiderava que 'o caráter
127). Desse modo. Boatoresolveu, pelo menos de um ponto de vista contemporâneo,
humanidadee de uma cultura universal, e a noção cada vez mais precisade uma cidadania fundada em direitos diversificados, para legitimar a atividade de pre-
a contradição entre restaurar e conservar.
Para Françoise Choay, a doutrina de Viollet-le-Duc visava a restituir ao monu-
servação.
mento o seu valor de documento íntegro, objeto de conhecimento, em detrimento
2.3 A TEORIA DOS VALORES Dt ALO"S R]EGL
de seu valor enquanto monumento, sujeito às marcas do tempo. Diz, a propósito.
essa autora: "reconstituindo um tipo. ele (o restaurador) fornece um instrumento
Para Riegl j1984, p. 38), todo monumento tem, necessariamente,uma dimensão
didático. que restitui ao objeto restaurado um valor histórico, mas não sua histo-
históricae uma dimensãoestética, pois ele parte do pressupostode que todo mo-
ricidade' jibid., p. 121-122).Essa intervençãorompiacom a correntedo tempo.
numentoda arte é. simultaneamente.um monumentohistórico, na medida em que
Os monumentos-documentoseram selecionados entre as obras notáveis e trata-
representa um estágio determinado na evolução das artes plásticas, de que não
dos como modelos que era preciso ressaltar, daí a teoria da pise-en-va/eur: para
é possível, sfrlcfo senso, encontrar um equivalente. Por outro lado. todo monu-
valorizar o essencial - o monumento excepcional - tudo que fosse perturbador ou
mento histórico é também um monumento artístico, pois mesmo um manuscrito tão
acessório à sua percepção (entendida aqui como visibilidadel devia ser eliminado.
mínimo como uma folha rasgada trazendo uma nota breve e sem importância, com-
O tecido urbano era rompido em nome da funcionalidade, da higiene e da segu-
porta. além do seu valor histórico, que concerne à evolução da fabricação do pa-
rança pelos urbanistas, e em nome de uma estética pelos arquitetos. Esses últi-
pel, da escritura, dos meios materiais utilizados para escrever etc., toda uma série
mos, ao buscarem uma suposta autenticidade estética. atingiam em cheio a auten-
de elementos estéticos: a configuração do folheto, a forma dos caracteres e a
ticidade histórica.
maneira
de arruma-los.19
A dissociaçãoentre valores do conhecimentoe valores da sensibilidade foi
A noção de valor histórico é. porém, mais extensa, na medida em que "chama-
percebida e explicitada por Alois Riegl. no início do século XX. Riegl procurou ana-
mos de históricotudo que foi, e hoje não é mais" (Riegl, 1984, p. 37). Nesse sen-
lisar a questão dos monumentos históricos não do ponto de vista do Estado, ou
tido, tudo que ficou do passadocomo testemunhopode pretenderum valor histó-
enquanto representações da nacionalidade, mas a partir das diferentes percepções
rico. O monumento artístico deve ser compreendido como um monumento da his-
que o contato com os monumentos suscita nos indivíduos. A análise de sua teoria
tória da arte, e seu valor, considerado desse ponto de vista, é menos artístico que
dos valores atribuídos aos monumentos históricos, que é apresentada no pequeno
histórico.Por esse motivo, Riegl considera que, a rigor, não cabe mais falar em
mas denso livro O cu/fo moderno dos monumentos, publicado na Austria, em 1903,
monumentoshistóricos e artísticos, mas apenas em monumentos históricos.
comece indicações ricas e surpreendentemente atuais para se refletir sobre a ques-
No Renascimento,as noções de histórico e de artístico estavam imbricadas
tão da presewação em suas múltiplas versões. sobretudo se se tem em vista não
e se fundamentavam em um modo de conhecer e de avaliar a Antiguidade. Pela
a produçãodo património - até hojesob o controlehomogeneizador do Estado-
primeira vez se estabeleceu um sentido de relação entre temporalidades distantes,
mas a complexa e diversificada recepção dos bens culturais pelos diferentes es-
adquirindo o passado um valor de contemporaneidade. Entretanto. diz Riegl, "esse
tratos sociais.
ponto de vista permanece normativo, diretivo (logo antigo-medievall, mas não his-
Esse ângulo do problema se apresenta. atualmente, inclusive, sem escapa-
tórico no sentido moderno,pois não reconheceainda nenhumaevolução'(idem,
tória, aos agentes da preservação, à medida que a legitimação da proteção de
p. 531." O homemdo Renascimento identificavanos grandesvultosda Antigui-
bens culturais pelo Estado via nacionalismo vem declinando, junto com essa ideo-
dade clássica os seus legítimos ascendentes.
64
O PATRIAÕNIOEA PROCESSO
A CONSTRUÇÃO DO PÀTRIAõNIO:
PERSPECTIVA HISTÓRICA
65
O mesmo sentido normativo era conferido. no Renascimento, ao valor artístico.
hislódcos no sentido tradicional, pois remetem simplesmente "à representação do
seava no princípio de que existiria um cânone artístico ideal. objetivo e universal-
tempo transcorridadesdo sua criação, que se trai a nossos olhos pelas marcas de sua idade' (ibid., p. 45). Em suma, referem-se ao tempo, ao ciclo de criação
mente válido, identificado nas produções da Antiguidade. Essa idéia. que vai cicli-
e morte, como experiência intuitiva porém difusa, comum a todos os homens. Essa
que. nesse período, era predominante. A noção da arte, no Renascimento, se ba-
camente retornar na história dos estilos artísticos, só vai ser definitivamente supe-
percepção dos monumentos. que já se manifestava na obra de Ruskin, seria.
rada. segundo Riegl, no início do século XX.
segundo Riegl. um desdobramentoda perspectiva histórica. Diz Riegl: "0 valor
Na concepção moderna de história, a idéia de desenvolvimento, de evolução.
histórico, indissociavelmente ligado ao fato individual, devia se transformar progres-
leva à superação da noção de cânone e à afirmação do valor específico de cada
sivamente em valor de desenvolvimento' (ibid., p. 56). Embora calcado na sensibi-
período,em função do ponto de vista contemporâneoa cada momento histórico.:'
lidade romântica,o valor de ancianidade só vai se difundir no século XX. Riegl
O lugar. o tempo e o sujeito da avaliação são, assim. relativizados.Esse fenó-
consideraque, em relaçãoao culto dos monumentos,"se o séculoXIX foi o do valor
meno vai culminar. no século XX, com a emergência da consciência historio-
histórica,o XX parece ser o do valor de ancianidado,' pois "é sobretudoa clara
gráfica. Novos campos do saber, como a antropologia, já nascem sob o signo do relativismo.
percepção.em toda sua pureza. do ciclo necessário da criação e da destruição,
As implicações desse relativismo. ou seja. da percepção de que a atribuição
que agrada ao homem do século XX' (ibid., p. 56). Essa profecia foi plenamente concretizada tanto na evolução das ciências
de valor varia conforme o ponto de vista que se adote, vão se refletir de forma
históricas, com a crítica à história factual, o surgimento da história das mentali-
decisiva nas políticas de preservação, impasse que Riegl conseguiu antever em
dades e do conceito de longa duração, a ampliaçãoda noção de documentoe o
1903. Há uma progressiva ampliação do que é considerado de valor histórico,22
desenvolvimento da historiografia, quantonas políticasde preservação, com a
até que se chegue ao Interesse atual por "todas as realizações, por menores que
ampliaçãodo conceito de património.
sejam, de todos os povos, quaisquer que sejam as diferenças que as separem de
A difusão do valor de ancianidadeteve também conseqüênclasimportantesno
nósl um interessepela história da humanidadeem geral, aparecendocada um de
trato dos monumentosrelativamenteà sua feição material, ou seja, sobre as ativi-
seus membros como parte integrante de nós mesmos' (ibid., p. 51).
dades diretamentevoltadas para sua consewação e restauração.Se, para o valor
A reflexão de Riegl é surpreendentemente inovadora por chamar a atenção
histórico, o monumento importa enquanto documento de reforências externas a ele.
para a importânciade se levar em conta, na formulaçãoe, sobretudo, na prática
sendo fundamentalpara sua leitura que seja mantido íntegro - o que justifica a
de uma política de preservação, aqueles valores não explicitados, do nível da
restauração e mesmo eventuais recriações -, para o valor de ancianidade, qual-
percepção mais imediata, intuitiva. menos culta, que são atribuídos aos bens culturais: o va/or de ancianfdade e o va/or de novidade.
quer intewenção estranha ao desgaste natural é inaceitável. Essa concepção, que
O valor de ancianidadederiva do valor histórico mas se distingue dele: "Por oposição ao valor de ancianidade, que aprecia o passado em si, o valor histórico tendia a isolar um momento do desenvolvimentohistórico e a no-lo apresentar de
um modotão precisoque ele parecepertencerao presente'(ibid.,p. 85).
inspirou a Carta de Veneza. elaborada em 1964, se contrapõe aos princípios da
Carta de Atenas, de 1933, fruto das idéias funcionalistas dos Ciam (Congressos
Internacionaisde ArquiteturaModerna). Se o conflito entre valor histórico e valor de ancianidadefoi agudo no século XIX - o que ficou patente na polêmica entre Viollet-le-Duce Ruskin-, Riegl acre-
Riegl se dá conta de que. para nós. modernos, o interesse suscitado por
ditava (e antevia)que, no século XX, essa tensão seria atenuada por uma resul-
determinadasobras advém menos de seu poder de rememoração de fatos ou
tante da evoluçãotecnológica:o advento das técnicas audiovisuaisde reprodução,
personagens notáveis, e mais por indicarem, sobretudo através de seu estado
especialmente da fotografia. Numa antecipação do potencial dessas técnicas, que
material. o caráter de antigas. evocadoras de um tempo passado. Nesse sentido.
Walter Benjamin,décadas mais tarde, explorou em outro sentido, Riegl percebeu
constituiriam monumentos, pois têm valor de rememoração. mas não monumentos
que, ao possibilitaremalcançar um equivalentequase perfeito qos documentosori-
66
O PATRIAõNIO EA PROCESSO
A CONSTRUÇÃO DO PÀTRIAÕNIO:
PERSPECTIVA HISTÓRICA
67
finais, viabilizando assim o atendimento do interesse do historiador, essas téc-
exploração turística. A utilização dos monumentos não é só um Imperativo eco-
nicas permitem um tratamento dos monumentosconformeas exigências do valor
nómico, como também é essencial à sua percepção, mesmo quando prevalece o
de ancianidade.
valor de ancianidade. Riegl considera que "uma parte essencial desse jogo anima-
Entretanto,na segunda metade do século XX, um novo imperativo passou a
do das forças da natureza,cuja percepçãodeterminao valor de ancianidade,seria
se apresentar para as políticas de património, com repercussões sobre os critérios
Irremediavelmenteperdida se os homens cessassem de utilizar o monumento' (ibid.,
de conservação e de restauração: a adequação a um consumo cultural de massa.
p. 91). Apenas ruínas ou sítios arqueológicos se prestam à apreciação unicamente
Essa ampliaçãodo consumo de bens culturais tornou mais evidentes as expec-
por seu valor de ancianidade.Por esse motivo Riegl considerava,em 1903, que os conflitos entre esses valores seriam facilmente contornados.
tativas estéticas, por parte desse público, quanto ao que Riegl denominou "valor de novidade', que ele considerava o valor por excelência das massas. pois "aos
Entretanto,consideroque Riegl não viu - ou ainda não podia ver - os proble-
olhos da multidão, apenas o que é novo e intacto é belo' (ibid., p. 1 ). Propostas como a de Viollet-le-Duc seriam expressões do apelo ao valor de novidade como
mas que a mercantilizaçãodos bens culturais acrescentariaa esse quadro. A conversão de obras de arte em mercadorias,o desenvolvimentodo mercadode anti-
apoio ao valor histórico do bem. Do mesmo modo, o interesse de párocos em res-
guidades e a valorizaçãodo solo. edificado e aed/#candl sobretudo nas grandes
taurar ou reformar suas paróquias, assim como o de prefeitos em modernizar as cidades antigas, evidencia uma conjugação do valor de novidade com o valor de uso. Na mesma linha, a preocupação hoje, dos agentes culturais com a mediação-
cidades, tornaram evidente a importância, hoje, de se considerar o valor de troca
na dinâmica dos valores atribuídos aos bens culturais.
Além disso, se considerarmosas exigênciasatuais do turismo de massa
animação cultural, recursos audiovisuais etc. - se insere no objetivo de adequar
jquestão que, obviamente,não se apresentava para Riegl), veremos que os con-
a apresentação dos monumentos ao acesso de um maior número de receptores.
flitos entre valor do uso aparaexploração económica), valor de novidade (para
Por outro lado, não é apenas a mercantilizaçãoda vida cultural nem a difusão de valores da modernização que vai influir, neste século, nas políticas de preservação. O surgimento de novos Estados-nações, sobretudo a partir da Segunda Guerra Mundial, no Terceiro Mundo, e, postoriormente. a luta de grupos étnicos
atender a uma sensibilidade menos culta na apreciação dos monumentos) e valor
de ancianidadese tornaram mais agudos. O próprio uso turístico, assim como a poluição, constituem hoje fatores destrutivos não naturais, portanto, não decorrentes da ação normal do tempo, e, nesse sentido, contrariamtambém os imperativos do valor de ancianidade.23
discriminadosnos Estados nacionais por seus direitos como cidadãos. levaram a mudanças na composição dos patrimónios históricos e artísticos nacionais.
Por outro lado, hoje é ainda mais atual que no início do século a preocupação de Riegl com a mobilização social como fator necessário para a preservação.
O conflito entre valor histórico e valor de ancianidade se dá basicamente em um meio restrito - o das camadas cultas, e, sobretudo, entre agentes diretamente ligados às práticas preservacionístas: arquitetos, historiadores, restauradores, mu-
seólogos etc., em função do trato do bem em sua feição material. Já o conflito entre o valor de ancianidade- que implica uma quase intocabilidadedo bem e a sacralização de tudo que é antigo - e o valor de novidade, envolve setores mais amplos da sociedade e termina por atingir de modo mais extenso outras esferas
das políticas públicas e
a própria noção de desenvolvimento.
mentos segundo a perspectiva da presewação. São poucos os monumentos que estariam totalmente fora de uso atualmente, entendendo-se também como uso a
O PATRIAÕNIO[A
acaso que ele não aborda a questão do valor nacional, nem utiliza, em momento algum,o tormo pafrfmónfo - mas sim pela via do saber. Diz ele: "Será necessárioganhar para a causa do valor histórico camadas sociais bem mais extensas, antes que a grandemassaestejamadurapara o culto do valor de ancianidade"(ibid., p. 99). Uma postura humanista, inspirada nos ideais iluministas, é também a de Giulio
Carlo Argan, que reflete sobre a finalidade social da preservaçãodos monumentos de um ponto de vista psicopedagógico:
Em seu texto, Riegl considera também a questão do valor de uso dos monu-
68
Essa mobilização. para Riegl, não passa pela persuasão ideológica - e não é por
PROCESSO
A presença de obras de arte é sempre caracterizadorade um contexto cuja historicidade manifesta. Uma vez que é o contexto que determina as idéias de espaço e tempo, estabelecendouma relação positiva entre indivíduo e ambiente, descaracterizar
A CONSTRUÇÃODO PATRIAÕNIO: PERSPECTIVAHISTÓRICA
69
o ambiente destituindo-o de suas presenças artísticas tradicionais é uma maneira de favorecer as neuroses coletivas, que se exprimem, mais tarde, em ates de rejeição à civilização histórica, que vão desde o pequeno vandalismo e o banditismo organizado até os fenómenos macroscópicos de violência e de terrorismo - e todos sabem que este é o preço a ser pago pelo não desejado triunfo da sociedade de consumo. jem
Unesco, 1970,p. 87)
só serviria para atender aos interesses mercantis dos antiquários. na medida em que transformaesses objetos em antfguldades.Para Chastel e Babelon(1980. p. 27).
o valor etnográficonão é compatívelcom a noção de património: O objeto visual despojado assume um valor de signo comovente, indicador de uma existência laboriosa, revelador humanos a fazenda, a oficina e a loja de antigamente
Essetipo de reflexão, assim como a de Riegl,prescindedo nacionalismopara
tornam-se agora o que haviam sido. para as gerações anteriores a igreja. o sítio arqueo-
legitimar a presewação dos bens culturais. Retomando a dimensão formadora dos
lógico, o castelo. Todo o equipamento antigo das residências passa assim, para a feli-
valores culturaisno contexto de uma cultura humanística,Riegl e Argan de algum modo se identificamcom a noção rusklnianade humanidade,e de uma demanda
cidadedos antiquários.para o setor da curiosidade.Em que medida,no entanto,esse equipamento entra no património? Pela tipicidade. que se opõe à unicidade da obra de
social fundada em valores éticos e estéticos para Justificar a preservação de bens
arte. respondem os especialistas. Definição que demanda uma nova abordagem, ainda não suficientemente definida. O objeto e o meio formam um conjunto ligado do ponta
culturais. Também transcendendo a idéia de nacionalidade, mas numa perspectiva
de vista etnológico. Retiradosdo uso e da função, eles se dissociam.Reconhecere
política, essa demanda tem sido traduzida, nas últimas décadas, na noção de di-
presewar não têm mais o mesmo sentido nem as mesmas consequênciasde antes.
reitos culturais. Partidáriosconfessos da sacralização do património. Chastel e Babelon são
2.4 A MPUA[ÃO DA NOÇÃO DE PATRIAÕNIO
profundamentecéticos em relação aos novos pafrímõn/os, e também quanto à extensãodessa noção aos países do Terceiro Mundo de tradição cultural distinta
E A L[GITIMCÂO VIA DIREITOS CULTURAIS
No século XX. ficou evidente o avanço do valor de ancianidade, que Riegl já preconizara
em 1903, e que se manifesta pela ampliação da noção de património.
Começam a ser introduzidas nos patrimónios as produções dos esquec/dos pela história factual, mas que passaram a ser o objeto principal de interesse da história das mentalidades: os operários, os camponeses, os imigrantes, as minorias étni-
cas etc. Aos bens referentesa esses grupos se acrescentamos produtos da era industrial e os remanescentes do mundo rural. A partir de 1945, os nacionalismos que emergem nas ex-colónias, sobretudo as francesas, nos continentes africano e asiático, começam também a se apropriar da noção européia de património. Se é difícil compatibilizar a valoração desses tipos de bens com as exigências tradicionais do património, em termos de valor histórico e de valor artístico. foram a etnografia e a antropologia que, inicialmento, legitimaram sua inclusão nesse
universo semântico, reforçando disciplinarmente seu valor cultural. Entretanto. essa ampliação da noção de património, que leva à suporposição das noções de bem pafdmonh/ e bem cu/fura/, e que tem. como já foi observado. uma importante conotação política, é objeto de crítica contundente por parte de alguns ideólogos do património, como Chastel e Babelon. Para esses autores. o "sentido do patri-
mónio' é indissociávelda idéia de culto, de sagrado,que só os grandesmonumentos podem provocar. A conversão de objetos comuns em .bens patrimoniais
da cristã-ocidental. Valores como monumentalidade, singularidade e excepciona-
lidade são consideradospor eles como fundamentaispara despertaro senado do pafrfmõnio.Mas, ao criticarema aplicação de critérios etnográficos2'para a seleção de bens patrimoniais,e ao defenderemo sentido do sagrado como "o único possívelem uma época de agnosticismo',esses autores deixam de levar em conta a inevitável dimensão política da questão, reforçando, por outro lado. sua di-
mensãoideológica. A crítica de Chastel e Babelon está fundada em certos princípios da prática de preservação superados pelas transformações sociais recentes. Em primeiro lugar, a idéia de que presemação é sinónimo de guarda de bens excepcionais,
para seremobjetos de contemplaçãoe fonte de conhecimento,é. hoje, considerada uma posturamuseológicaanacrónica.elitista, tanto de um ponto de vista puramente mercadológico quanto de um ponto de vista político. A idéia de democratização
do patrimónioimplica,qualquerque seja a perspectiva.o fato de que o Estado não deve ser o único atar social a se envolver na preservaçãodo patrimóniocultural de uma sociedade. Do mesmo modo, a ideologia do nacionalismoque, durante dois séculos, sustentou as políticas estatais de património. vem sendo subs-
tituída pela noção de direitosculturaiscomo nova forma de legitimaressas políticas. Os direitos humanosfuncionam atualmente.em vários países de democracia não-consolidada, caso do Brasil. como vetores de uma luta política pela democra-
70
O PÁÍRIAÕNIO
[A
PROCESSO
i consíKucÃo
DO PATRiAõNIO: PERSPECTIVAHISTÓRICA
71
tização que se desenvolveà margem e acima dos Estados nacionais. Essa luta
sal dos Direitos do Homem,da ONU, em 1948 (art. 22). A formulaçãodessa de-
se expressa não apenas pela ação da sociedade sobre os organismos estatais,
manda como direito só se tornou possível depois que a instrução e a educação
por uma descentralização administrativae pela consolidaçãode mecanismosde
lesta entendidacomo Bf/duna,como formação) passaram a ser consideradasbens
representaçãopolítica, como também pela organizaçãode associaçõescivis independentes, voltadas para questões específicas (meio ambiente, liberdades civis
etc.) (cf. Campilongo.1988).
necessáriosa todos e não apenas interessede alguns.:5 Na verdade, foram certas condições específicas do segundo pós-guerra que levaram à formulação dos direitos culturais enquanto direitos humanos. Por exemplo,
A noção de cidadania envolve, atualmente, uma gama diversificada de direitos:
direitos políticos (de primeira geração, fundados no valor da liberdade)l direitos económicos,sociais e culturais (de segunda geração,fundados no valor da igualdade)l e direitosde solidariedade(de terceira geração,fundadosno valor da fraternidade).
1.
a extinção do colonialismo e o surgimento de Estados independentesem
áreas de colonização européia, que precisavam reconstruir uma cultura próprias 2.
o aumento do consumo de bens culturais, em decorrência do maior
acesso à educação formal e do desenvolvimento dos meios de reprodução técnicas
A diversificaçãodos direitos humanos correspondeuma crescente particulari-
3.
a antropologizaçãodo conceito de cultura, que passou a abranger a
zação dos sujeitos a que se referem esses direitos. O homem, ou o cidadão, en-
atividade humana em geral. e as manifestações de qualquer grupo humano, o que
quanto identidadepolítica. não é mais especificadoapenas por sua nacionalidade
levou à consciência da necessidade de defender as culturas prfmiffvas, ou de
ou classe social. Define-se também a partir de categorias como sexo. etnia, religião, cultura etc. De um certo ponto de vista, os componentesdo meio ambiente
mfnorlas,ameaçadaspor culturas mais poderosas.
(fauna,flora, biosfera etc.) assumemtambém o sfafus de sujeitos, na medida em
gire/fos cu/furalsem termos de demandas definidas. A percepçãoda cultura - e
que passam a ser objeto de proteção específica. Esse fato confirma a evidência
seria o caso de perguntar, que cultura? - como bem indispensável a todos os
de que os direitos humanos são históricos e demonstra que sua formulação acom-
homens não se exprime. nas sociedades modernas, estratificadas e com campos
panha as transformaçõessociais.
O fato, porém. é que, até hoje, poucos têm conseguidotraduzir a expressão
Diz NorbertoBobbio (1992, p. 25) que o problemaatual dos direitos humanos
autónomos, com a mesma contundência que a luta pelos meios materiais de sobrevivência. Por esse motivo, talvez, as tentativas de formulaçõesno sentido
não é o de seu fundamentoe sim o de suas garantias.No caso dos direitos eco-
de explicitar esses direitos provocam o efeito de utopias válidas mas inexeqilíveis,
nómicos,sociais e culturais, esse aspecto é mais complexo,pois não basta seu
o que ocorre sobretudoem sociedadescomo a brasileira,marcadapor tremendas
reconhecimento jurídico nem o estabelecimento de um regime democrático, que
desigualdadeseconómicase sociais. Além disso, é preciso lembrar que o con-
respeite as liberdades individuais: é preciso que a estrutura da sociedade possi-
ceito de cidadania no Brasil está historicamentoatrelado a uma concessãodo
bilite a todos os cidadãos o acesso a esses direitos. Portanto, a real conquista
Estado, formalizado no que o cientista político Wanderley Guilherme dos Santos
desses direitos depende de um empenho do Estado e de uma mobilização da opi-
j1987, p. 68) denominou"cidadaniaregulada', "cujas raízes encontram-se,não em
nião pública - o que, na maior parte dos países, sobretudo os menos desen-
um código de valores políticos,mas em um sistema de estratificaçãoocupacional.
volvidos,está longe de ser alcançado.
definido por norma legal' (1987, p. 68). Faltaria, portanto, na cultura política bra-
Por outro lado, é inegável que a menção a esses direitos em diferentes discur-
sileira, um solo fértil para que se possa concretizar uma prática política na base
sos - declaraçõesinternacionais.constituiçõesnacionais,leis, imprensaetc. - con-
de uma noção que pressupõea crença em um conceito de cidadania universal.
tribui para lhes conferir visibilidadee para convertê-losem objeto de interesse político
Para Alain Touralne,uma das dificuldadespara a implantaçãoda democracia
A expressão dre/fos cu/furafs surgiu pela primeira vez na Constituição soviéti-
na AméricaLatina é que ela tem como pressuposto"uma consciênciapropriamente
ca de 1918, mas só foi reconhecida,em nível internacional,na DeclaraçãoUniver-
72
O PATRIAÕNIO[A
PROCESSO
política de cidadania, de pertencimento a uma coletividade política' (1988, p. 442).
 coNsTRUÇÃo DO PATRIAÕNIO: PERSPECTIVA HISTÓRICA
73
A luta pelos direitos humanos na América Latina só pode ser compreendida se vinculada à resistência ao autoritarismo que, nos anos 70, predominava no continente. Tratava-se de uma conjuntura diferente da européia, onde ocorria um esgotamento dos modelos de Estado: o do socialismo soviético e o do bem-estar
social. Dizem, a respeito, Calderón e Janlin:
sociedade brasileira há necessidades muito mais prementes a serem atendidas (e também, muito provavelmente.que esse tipo de discurso 'não dá voto"). Aos olhos da maior parte dos políticos brasileiros, esse não é um campo propício ao exercício e à afirmação do poderáe essa postura fica evidente na ausência do tema em programasde partidose plataformasde eleição. Por outro lado, vem se
Os direitos humanas surgem junto a uma revalorização da democracia como construção,e não como algo dado e preexistente.Todos aqueles valores que eram óbvios,e que confirmavam algo assim como um conjuntomínimo de normas éticas que se davam por aceitas e além das quais se dirigiam as lutas políticas e sociais, tiveram que tornar a ser reconstruídos,recolocadose revalorizadosa partir da experiência de sua violação sistemática pelos governos dffaforíais.j1987, p. 80)
No caso dos direitos culturais a questão é mais complexa, sobretudo nos países que se originaram das colónias européias o foram marcados pela escravidão. Esses países herdaram uma noção de cultura duplamente restrita: nãa apenas em termos de classes sociais - na medida em que não se reconhecia. do mesmo modo que nas metrópoles, o caráter de cultura às produções e práticas dos estratos populares - como também em termos geográficos, pois, mesmo após a independência, a verdade/ra cultura era aquela importada das metrópoles européias.
A noção de direitos culturais é, portanto, nesses países, carente de sentido para a maior parte da população, do mesmo modo que a noção de cultura. E se. como observa Eunice R. Durham, nos países sem uma tradição democrática consolidada "são os movimentos sociais que operam a transformação de necessi-
o que pode ser visto "como um amplo processo de revisãoe redefinição do espaçoda cidadania'(1984,p. 29), no caso dos dades e carências em direitos',
direitos culturais, pelo menos no Brasil, essas necessidadese carências em grande parte ainda dependem, para serem formuladas enquanto direitos culturais, da
observando recentementeum crescente Interesse de governos de estados e muni-
cípios em marcar sua atuação com iniciativas na área da cultura. A questão se torna mais complexa quando consideramos que, também no meio intelectual, a difusão da ideologia do relativismo cultural torna problemática qual-
quer concepção universalistade cultura ou de direitos culturais, o que significaria legitimaruma cultura em detrimentode outras. Essa problemáticadefine também as relações entre países nos organismos internacionais.A propósito, o cientista político Paulo Sérgio Pinheiro observou, sobre a Conferência Mundial dos Direitos
do Homem,realizadaem Viena, em julho de 1993, que "foi o embateentre os países que reconhecema universalidadedos direitos humanos e aqueles que pretendem afirmar a especificidade cultural de cada sociedade' IJorna/ do Brasa/,
15.7.93.p. lll. Resumindo, se a emergência da noção de património histórico e artístico nacional se deu no âmbito da formação das Estados-naçõese da ideologia do nacionalismo,sua versão atual, enquanto património cultural, indica sua inserção em um contextomais amplo - o dos organismos Internacionais- e em contextos mais restritos- o das comunidadeslocais. Nesse sentido. nas duas últimas décadas essa noção foi ressemantizada,extrapolou o seu domínio tradicional, o dos Estados nacionais,e passoua envolver outros atores que não apenas burocratas e intelectuais. As modificações na conceituação e no gerenciamento do património
enquanto objeto de políticas públicas indicam sua progressiva apropriaçãocomo
mediação dos agentes estatais.
tema político por parte da sociedade.o que trouxe conflitos a uma práticatradicioA expressão d/re/fos cu/fura/s foi incluída na Constituição brasileira de 1988
kart. 215), mas, até hoje. a não ser em casos excepcionais,essa temática não
foi incorporada às políticas públicas na forma de propostas de trabalho. Nesse sentido, os direitos culturais no Brasil não passam de dre/fos cacos, meras declarações de boas intenções. Tema cada vez mais presente nas agendas políticas nacionais e internacionais, a questão da cultura encontra, no Brasil, fortes resistências por parte da classe política, que costuma considerar (nem sempre de forma explícita) que na
74
O PÁTRIÁONIO[A
PROCESSO
nalmente exercidapelo Estado, com o concurso de intelectuaisde perfil definida
e à margemdas pressõessociais. Nos próximos capítulos, vou analisar a prática de preservaçãodo património cultural desenvolvidano Brasil, procurando, primeiro, situa-la numa trajetóriâ que tem início no final dos anos 30. para, em seguida,me deter nas mudançasinstitucionais que ocorrem a partir dos anos 70, com a entrada em cena de novos atores,
a adoção de uma concepçãoampla e abrangente de cultura, á ensaio de novas formas de proteçãoe, sobretudo,uma proposta de democratizaçãoda política de
A CONSTRUÇÃO DO PATRIAÕNIO: PERSPECTIVA HISTÓRICA
75
patrimónioem nível federal. O objetivo dessa análise é esboçar as questões e
10
'0 artista deixou de ser um artífice entre os artífices, pronto para executar encomendas
os conflitos que emergem dessa nova orientação,no sentido de apreender refe-
de sapatos, armários ou pinturas, conforme o caso. Era agora um mestre dotado de auto-
rências para uma reflexão tanto crítica quanto prospectiva.
nomia, não podendo alcançar fama e glória sem explorar as mistérios da natureza e sondar
as leis secretasdo universo."IGombrlch, 1993. p. 218) 11
NOTAS
Esses autores citam um documento de 1750, onde se diz que "/a desfrucf/onfofa/e de /'hófe/
de Solssons va nous dépayserdana nutre propre ville' \p. l q. A própria separação entre espaço e tempo é uma característica da modernidade. Diz. a
12
A Comissão de Monumentos havia sido criada em 1790
respeito, Anthony Giddens: "Nas sociedades pré-modemas, espaço e tempo coincidem amplamente,na medida em que as dimensões espaciais da vida social são, para a maioria
13
da população,e para quase todos os efeitos, dominadaspela 'presença'- por atividades localizadas.O advento da modernidade arranca crescentementeo espaço do tempo
No Brasil, pintores como Pedra Américo e Vítor Meireles se voltaram, em sua atividade artística, para a exaltação da nacionalidade.
14
fomentando relações entre outros 'ausentes'. localmente distantesde qualquer situação dada
As instruções do inventário de 15 de dezembro de 1790 recomendavam 'a conservação dos
manuscritos, mapas. selos, livros, impressos. monumentosda Antiguidade e da Idade
ou interação facea face.'(1991,p. 27)
Média, estátuas, quadros e outros objetos relativos às belas-artes, às artes mecânicas e
2
Etimologicamente.a palavra monumento vem do latim monumenfum,o que traz à memória.
à história natural, aos costumese usos dos povos tanto antigos como modernos,
A palavra alemã Denkma/ é composta pelo verbo denken jpensarl e pelo substantivo Ma/
provenientes do mobiliário das casas eclesiásticas e que integram os bens nacionais'
(coisa). 15
Eric Hobsbawmobsewa: 'não nos devemos deixar enganar por um paradoxo curioso,
Nos últimos anos, vem se assistindo a um novo interesse por monumentos intencionais. Na última década, foram construídos. nos Estados Unidos, o Muro do Víetnã e o Museu
embora compreensível:as nações modernas. com toda essa parafernália, geralmente afir-
do Holocausto. Na França do governo Mitterand. esse foi um dos objetivos dos Gramas 7}auaux.No Brasil,foram idealizados monumentos em memóriade Tancredo Neves. Ulisses
do construído, ou seja, serem comunidades humanas 'naturais' o bastante para não neces-
mam o oposto do novo, ou seja, estarem enraizadas na mais remota Antiguidade, e o oposto
sitarem de definiçõesque não a defesa dos própriosinteresses' j1984. p. 22-231.
Guímarãese Luís Carlos Prestes, entre outros.
Embora qualificassemmuitas vezes como 'pitorescas' essas viagens, certos viajantes como Debret, produziramdocumentaçãode inconteste valor científico.
Tanto a cultura quanto a economia produzidas pela prática preservacíonista são resultado
de uma dialética entre o conservar e o destruir.' garantes.1989. p. 16)
17
anos no Museu Austríaco de Artes Decorativas.Foí nomeado, em 1902. presidenteda Comissão Austríaca de Monumentos Históricos, e encarregado de elaborar uma nova legis-
lação para a conservaçãode monumentos.
Essa idéia será concretizada por William Morris. que. em 1877.'fundou a Society for the Protection of Ancient Buildings.
Historiador da arte austríaco com formação em direita e filosofia. Trabalhou durante vários 18
Segundo Françoise Choay (1992, p. 126-128), o Italiano Camillo Boião(1 853-19141foi, assim como Alois Riegl. um precursor. Sua ampla formação (engenheira, arquiteto, historiador da
Professor honorário do Collége de Francel francês, autor de várias obras sobre história da
arte) Ihe permitiu aliar o conhecimento de dois mundos que eram então considerados inconciliáveis: o da aRe e o da modernidade tecnológica
arte, dirigiu o Inventário Geral dos Monumentos Históricos. iniciado em 1964.
Das doutrinas de Ruskin e de Viollet-le Duc. Boatoaproveitou o melhor para elaborar uma
Inspetor Geral dos Arquivos de França; francês, antigo conservador do Museu de História da França e antigo consewador-chefe da Seção Antiga dos Arquivos Nacionais. Autor de
síntese, tenda sido o inspirador das orientações para restauração de monumentos na ltália. De Ruskin e Morris reteve a noção de autenticidade, enquanto respeito pelas marcas da
temposde Viollet-le-Ducreteve o senso prático de que a restauraçãose justifica porque
várias obras sobre história e monumentos da França.
o interesse atual da conservação deve prevalecer sobre o respeito absoluto pelo passado.
Historiadoradas teorias e das formas urbanas e arquitetõnícaslfrancesa,professorada
Universidade de ParasVlll
Ao defender a explicitação das partes restauradas(através de materiais ou cores diferentes. legendas indicadoras etc.). Boito pode ser considerado o responsável pela instauração da
9
Na atividade de colonização empreendida pelos europeus em outros continentes no início
restauração como disciplina.
da Idade Moderna. esses procedimentos foram frequentemente utilizados também com a
Para essa visão abrangente de monumento deve ter contribuído sua experiência, durante
finalidade específica de afirmar sua dominação sobre os povos nativos, como ocorreu na
dez anos. como diretor do departamentode têxteis do Museu Austríacode Artes Deco-
atual cidade do México e em Cuzco, no Peru.
rativas.
76
O PATRIAÕNIOeA PROCESSO
A CONSTOU(ÂO DO PATRIAÕNIO: PERSPECTIVAHISTÓRICA
77
a Essa problemática já vinha sendo abordada na Fiança, desde o final do século XVI, por ocasião da Querelle des Anciens et des Modemes. ' 21
O eurocentrismo começou a ser questionado pelos europeus no contacto com os testemunhos das antigas civilizações ameríndias, asiáticas e africanas a O romantismo incorporou a Idade Média. como tema e como motivo, a seu repertório estético.
"
Cf. l.:Express,ed. esp. Pafrimoüe -/e désasfre(1988).
24
A noção de bem cultural não se confunde,ou não deveria confundir-se,com a de bem
PARTE
patrimonial: os objetas de coleção, os testemunhos etnológicos são ou podem ser bens culturais dignos de atençãol não são por isso. no entanto. senão metaforicamente, elementos
do património. na medida em que este é sempre definido por um valor diferente do conhecimento científico. Do que resulta o fato curioso de que inúmeros países do Terceiro Mundo foram levadosa designar monumentos. conjuntos e sítios que pudessem constituir um 'património'. O conjunto das tradições e dos costumes, verdadeira espinha dorsal dessas sociedades. não implicava uma ordem de símbolos monumentais comparável à das reg ões ocidenta!is:fot preciso. portanto, improvisar uma ordem. E uma questão de dignidade Mas o artifício salta aos olhos.' (Chastel, Babelon, 1980, p. 29)
z
Partindode uma distinçãofeita pelo padre dominicanoLebresentre bens 'compressíveis
(de quese podeprescindira e 'íncompressíveis'(indispensáveis à sobrevivências, Antonio Cândida observa que falar em direitos culturais significa considerar 'bens incompressiveis nao apenas os que asseguram a sobrevivência física em níveis decentes, mas os que garantem a integridade espiritual' (1989, p. lll).
78 O PAÍRIAÕNIO eA PROCESSO
PATRIAONIO NO BRASIL
CAPITULO 3
h \hS\ HEROICÁ
Nem me falta na vida honesto estudo,
comlongaexperiência misturado (-.). Luís de Camões, Os /usiâdas Desde quando é de boa ética matar gente velha porque estorva
o caminho? LúcioCosta, Parecer anexado ao processo de fombamenfo da igreja Bom Jesus dos Martírios, em Recite, Pernambuco.
No Brasil, a temática do património - expressa como preocupação com a sal-
vação dos i/estígiosdo passadoda Nação, e, mais especificamente,com a proteção de monumentos e objetos de valor histórico e artístico - começa a ser considerada politicamente relevante, implicando o envolvimento do Estado, a partir da década de 1920. Já estavam então em funcionamento os grandes museus nacio-
nais, mas não se dispunha de meios para proteger os bens que não integravam essas coleções, sobretudo os bens imóveis. A partir de denúncias de intelectuais sobre o abandono das cidades históricas e sobre a dilapidação do que seria um "tesouro' da Nação, perda irreparável para as gerações futuras, pela qual as elites e o Estado seriam chamados a responder, inclusive perante as nações civilizadas,
o tema passou a ser objeto de debates nas Instituições culturais. no Congresso Nacional, nos governos estaduais e na imprensa. Segundo Rodrigo Meio Franco de Andrade, essa "foi uma idéia longamente ama-
durecida em nosso meio' (Andrade, 1987, p. 50). Mas foram alguns intelectuais
modernistasque elaboraram,a partir de suas concepçõessobre arte. história. tradição e nação, essa idéia na forma do conceito de património que se tornou hegemónico no Brasil e que foi aditado pelo Estado, através do Sphan. Pois foram esses intelectuais que assumiram, a partir de 1936, a implantação de um serviço destinado a proteger obras de arte e de história no país.
r Nessa tarefa, exerceram, ao mesmo tempo, a função de intelectuais e de ho-
Na verdade, mesmo em suas primeiras manifestações, não se tratava de um
mens públicos. e marcaram sua presença no serviço iniciado em 1936 - mais.
movimento homogêneo. Em termos gerais, o modernismo, nas segunda e terceira
talvez, que em qualquer outra instituição ostatal de que tenham participado naquele
décadas do século XX, se propunha como uma revolução artísticas mas, sob o
lema da crítica ao passadismoe à linguagem acadêmica,esse movimentoteve
período - de forma tão profunda e duradoura que, até homo,para alguns, o Sphan dos anos 30-40, o Sphan "de doutor Rodrigo', é o verdadeiro Sphan, tendo se tor-
diversas orientações estéticas e também ideológicas.
+
nado praticamente sinónimo de pafrlmõnio.
Nos anos 20. era baixa a incidência de envolvimento direto dos modernistas
Neste capítulo, tenho dois objetivos em mente: primeiro, fazer uma releitura
na atividade política. Era o Partido Democrático (PDI, de orientação liberal, que
desse Sphan, mítico para alguns, ultrapassadopara outros, visando a situar essa
reunia, nessa década e na seguinte, o número mais expressivo de artistas e inte-
instituição e a problemática que a justificou, no momento histórico de sua criação
lectuais simpatizantes do movimento modornista: Paulo Prado (autor de Refrafo
e consolidação.Procurarei rastrear a emergência da questão do património no Brasil, os diferentes pontos de vista sob os quais foi considerada, antes e depois
k
de sua criação.e. sobretudo,apreenderos meiosa que recorreramos agentes
do Brasi0, Paulo Duarte, Prudente de Morais Neto, Rubem Borba de Morais, Sér-
gio Milliet. Sérgio Buarque de Holanda e Mário de Andrade.
Os conservadores se concentravam no grupo católico liderado por Jackson
envolvidos para tornar socialmentevisível essa questão, através de uma política
de Figueiredo que editava a revista .4 Ordem. A ele se juntou Alceu Amoroso
pública - embora os funcionários do Sphan preferissem designar sua atividade
Lima, que se converteu,após a morte de Jacksonde Figueiredo,em líder do grupo. Outro grupos conservadores,que surgiram a partir do modernismo mas
como simplesmente "o serviço', ou 'a repartição'. O segundo objetivo se articula
com o primeiro:reunir elementospara, no capítuloseguinte,situar e analisar a
cujos membros se voltaram posteriormentepara uma militância política. foram o
'+
crítica a esse modelo - que se mantove praticamente inalterado durante quarenta
Verde-amarelo (Menotti del Picchla. Cassiano Ricardo, Cândido Mota Filho e
anos - produzidanos anos 70 e 80, situandoesse segundomomentotanto na
Plínio Salgados e
trajetória específica dessa atividade quanto no contexto mais amplo da complexa
Esses grupos eram anta-revolucionários,temiam a anarquia e as ideologias de
relação entre atividade intelectual e ação política no Brasil.
esquerda,defendiam a ordem e a restauração dos valores espirituais,como as
o Anta, liderado por Plínio Salgado, futuro chefe integralista.
virtudes cristãs e o culto à pátria. Embora independentes, tinham várias afinidades, {
3.1 0
e foi frequente que as mesmas personagenstransitassem entre eles.
CONTEXTO CUUUPAI
Na Semana de 22. o modernismo se apresentou como antiburguês. mas
A criação do Serviço do Património Histórico e Artístico Nacional, em 1936.
recebeu, desde o início. o apoio de vultos expressivos da aristocracia do café,
deve ser analisada à luz de dois fatos que marcaram a vida cultural e política do
como Paulo Prado.: A antropofagia, de Oswald de Andrade e de Raul Bopp - que
Brasil na primeira metade do século XX: o movimento modernista e a instauração
teve na pintura de Tarsila do Amaral sua expressão crítica mais radical -, defen-
do Estado Novo, em 1937, corolário da Revolução de 30. A análise do modo como
deu a valorização do primitivo e recorreu à paródia e à sátira.
os agentes do Sphan - recrutados, como já mencionei,entre os adeptos do moder-
Em 1926, um grupo de escritores nordestinos liderados por Gllberto Freire
nismo - lidaram com esse duplo compromisso - com um movimento cultural reno-
produziu o Manifesto Regionalista,que chamava a atenção para os valores da
vador e com um governo autoritário - é fundamental para se compreender a feição
cultura popular local e para os problemas da região. Em Minas Gerais, gmpos locais
específica que o Sphan assumiu enquanto órgão do Estado na área da cultura.
reunidos em torno de revistas (4 Revista, Verde) não assumiram o mesmo tom A compreensão do contexto cultural' em que, pela primeira vez no Brasil, se
localista do grupo nordestino.
formula explicitamente a temática de um património histórico e artístico nacional.
implica
a sua relação com o surgimento e o
desenvolvimento
O maior nome do modernismo foi, sem dúvida, Mário de Andrade que, a rigor,
do movimento
não se enquadrava em nenhum desses grupos, embora tenha, em algum momento,
cultural mais importante na primeira metade do século XX - o modernismo.
82
O PÂTRIAON IO [A
PROCESSO
se declarado "antropofagista'. Inicialmente ligado ao grupo paulista, Mário de
\
83
Andradeserviu de elo entre vários intelectuaismodernistasde todo o país através
no Brasil, conhecida como Casa Modernista, na Vila Mariana. em São Paulo. em
de seus contatos pessoais, viagens e correspondência.De formação católica,
1928. teve que recorrer a um subterfúgio para ter seu prometoaprovado: após apre-
professor do Conservatório de Música de São Paulo, poeta, romancista, contista,
sentar um desenho de acordo com o código de fachadas da prefeitura, alegou pos-
cronista, etnógrafo, Mário de Andrade assumiu, em meados da década de 1930, no governo de Armando Sales de Oliveira, do Partido Democrático, a direção do
Departamento de Cultura da Prefeiturade São Paulo.
t
teriormente falta de recursos para concluir a obra, deixando. como fora sua inten-
ção, a fachada retilíneae nua. Posteriormente,o apoio de representantesproeminentes da aristocraciacafeeira criou um ambiente favorável a que se formasse
Em termos de expressão estética. nos anos 20 predominaram,na literatura e
uma clientela para esse tipo de arquitetura. Mas, nessa década, a reação ao ecle-
nas artes. uma linguagem não-realista e a incorporação de recursos expressivos
tismo vinha do movimento neocolonial. de Ricardo Severo e José Marçano(filho).
das vanguardas européias. A questão da identidade nacional era também um tema
Esses movimentosda década de 1920 - tanto na esfera política quanto na
comum a praticamente todos os grupos modernistas, que se expressavam, em
intelectual - tinham em comum a crítica aos modelos políticos e culturais da Velha
suas manifestações mais elaboradas - a antropofagia e a prosa e a poesia de Mário
de Andrade- através de uma visão crítica do Brasil europeizadoe da valorização dos traços primitivosde nossa cultura, até então tidos como sinais de atraso. Mas nem Macunaiha nem Cobra /Vorafo podem ser entendidos propriamente coma símbolos da nacionalidade.A respeito, diz Mário de Andrade em um dos prefácios
inéditos a A4acuna/ha:"só não quero é que tomem Macunaímae outros personagens como símbolos. E certo que não tive a intenção de sintetizaro brasileiro em Macunaímanem o estrangeirono gigante Piamã" (Andrade[org.]. 1978, p. 23). Ao caracterizarcomo "rapsódia"sua narrativa, e ao dizer no mesmo prefácio que 'ainda não é tempo de afirmar coisa alguma', Mário de Andrade fugia das sínteses simplistas c conclusivas. Para ele. o conhecimentodo Brasil se fazia na literatura. via criação, e na ciência, via observação e pesquisa. A elaboração
de uma versão sintética da /denf/jade nac/ona/era algo a ser realizado no futuro, e devia ser precedidapor um trabalhode análise e de conhecimentodas raízes cul-
turais brasileiras. Do mesmo modo que a literatura e as artes plásticas,a arquiteturamoderna foi introduzidano Brasil a partir do contato com a vanguardaeuropéia- no caso,
República. Apesar da heterogeneidade de tendências. provocaram a progressiva erosão da legitimidade do regime e mobilizaram a opinião pública para a idéia de mudança. No campo da cultura sua sedimentação foi mais lenta e apenas a partir
do final dos anos 30. e nos anos 40. alcançouum reconhecimento maisamplo. também em função de apoio oficial. A participação dos intelectuais modernistas na administração pública federal só teve início efetivamente após a Revolução de 30. Já no início do governo. Var-
gas começou a estruturar o aparelho do Estado, criando o Ministério da Educação e Saúde (19301,o Ministériodo Trabalho (1930). o DepartamentoNacional
de Propaganda j1934)e o Departamento Administrativo do ServiçoPúblico- Dasp 11938)
Com a instauração do Estado Novo, a reforma administrativa foi ampliada, e o Estado passou a ser apresentado como o representante legítimo dos interesses
da nação.por sua vez entendidacomo "indivíduocoletivo',e não mais como coleçãode indivíduos,conformea ideologialiberal (Reis,1988,p. 187-2031. Se, por um lado, o Estado Novo suprimiu a representação política e instaurou a cen-
o racionalismo de Le Corbusier - e se insurgia contra o gosto burguês vigente.
sura. por outro. ao assumir a função de organizador da vida social e política. abriu
que procuravaacompanharos padrões estéticosdo ecletismoda École des Beaux-
espaçospara os intelectuais,tanto para os que assumiramclaramentea função
Arts francesa. Esse era o estilo que predominavanas construçõesque invadiam
de ideólogos do regime (Francisco Campos. Azevedo Amaram,Oliveira Viana.
os espaços urbanos.sendo a mais evidente expressão desse período a Avenida
Almir de Andrade etc.), quanto para aqueles que, sem aderirem,e até demons-
Paulista, onde os barões do café construíam suas mansões. Esse era também a
trando reservas quanto ao novo governo, viram no processo de reorganizaçãodo
gosto o#cfa/,presente na Avenida Central (hoje Rio Branco), aberta por Pereira
Estado uma possibilidade de participarem da construção da nação.
Passos,no Rlo de Janeiro, e nos códigosmunicipaisde construção.Por esse motivo, o arquitetorusso Gregori Warchavchik,autor da primeira construçãomoderna
84
O PATRIAÕNIOeA PROCESSO
A relação entre cultura e política era o principal tema da revista do mesmo nome (Cu/fura Po/#fca), veículo da ideologia do Estado Novo no meio Intelectual.
85
A revista era dirigida por Almir de Andrade, em cuja obra as tradições culturais brasileiras eram invocadas para legitimar o regime. Para a mobilização das massas, as instituições oficiais recorreram sobretudo a símbolos expressamente
(Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo, Lourenço Filho) e dos católicos (Alceu Amoroso Lima). Na verdade, foi o líder católico que teve maior influênciajunto ao ministro.
criados para invocar a pátria (a bandeira, os hinos, a efígie de Vargas etc.) e aa
Outro fato importante na área da educação foi a criação dos cursos superiores
incentivo às atividades cívicas. A preocupação de nacionalizar o ensino funda-
de ciências sociais. Em 1933 foi criada em São Paulo a Escola de Sociologia
mental - visando sobretudo à integração, em certos casos à força, das comu-
e Políticasem 1934, a Faculdadede Filosofia, Ciências e Letras da Universidade
nidades de imigrantes europeus no Sul - reduzia os conteúdos culturais a uma
de São Paulol e, em 1935, a Universidade do Distrito Federal.
função instrumental. O objetivo era criar uma cultura nacional homogênea,que
Na literatura e nas artes plásticas ocorreu, na década de 1930, o que João
propiciasse a identificação dos cidadãos com a nação. Pois "o que preponderou
Luis Lafetá (1974)caracterizoucomo a mudançada ênfase de um prometo estético
no autoritarismo brasileiro. no entanto, não foi a busca de raízes mais populares
Idécada de 1920) para um prometoideológico. A produção de uma literatura
e vitais do povo. que caracterizava a preocupaçãode Mário de Andrade, e sim a tentativa de fazer do catolicismo tradicional e do culto aos símbolos e líderes
roalista, de uma arte que voltava ao figurativo e de uma ensaísticaque procurava
da pátria a base mítica do Estado forte que se tratava de construir'(Schwartzman
et al., 1984, p. 801. tério da Justiça (Agência Nacional, Departamentode Imprensa e Propaganda)e do Ministério da Educação e Saúde. Logo após o golpe, esse último ministério foi oferecido, a título estritamente pessoal. a Plínlo Salgado. que, no entanto. o recusou, manifestando-se inclusive publicamente contra a extinção da Ação Inte-
gralista do Brasil. Confirmado Capanema no cargo, foi empreendidauma ampla reforma, sendo criados no MES o Instituto Nacional do Livro, dirigido por Augusto Meyer, o Serviço Nacional de Teatro, dirigido por Thiers Marfins Moreira, o Instituto Nacional de Cinema Educativo e o Serviço de Radiodifusão Educativa, diri-
gidos por Edgar Roquete Pinto, e o Serviço do PatrimónioHistórico e Artístico Nacional. já sob a direção de Rodrigo Meio Franco de AndrHde desde o ano anterior. Funcionavam também no MES o Conselho Nacional de Cultura e o Conselho
música de Heitor Villa-Lobos. Nos anos 30. a arquiteturamoderna. recém-introduzidano Brasil e praticada por arquitetos que tinham ligações pessoais com os modernistas (Lúcio Costa, Oscar Niemeyer,Carlos Leão, Afonso Reidy, os irmãos Marmeloe Milton Roberto, Atílio Correia Lima etc.), recebeu apoio oficial através de Capanema,primeiro com a nomeaçãode Lúcio Costa para a direção da Escola Nacional de Belas Artes, em 1930, graças à influênciade Rodrigo Meio Franco de Andradejunto ao ministro, e, postoriormente,com o episódio da construçãodo novo prédio do MES, que se converteu no monumentoaos novos tempos. Em 1936, num gesto ousado, o ministro preteriu o prometoneomarajoarado arquiteto Arquimedes Memória, vencedor em concurso público, chamando para executar o novo prometouma equipe de jovens arquitetoslideradapor Lúcio Costa, todos adeptosdas idéias de Le Cor-
do Sphan.
Para o prometo ideológico do Estado.
afirmativo que não encontramos na década anterior. Foi a época do romance regionalista, das pinturas de Cândido Portinari e de Emiliano Di Cavalcanti, da
No âmbito do Estado, essa função foi exercida por órgãos da esfera do Minis-
Consultivo
ser científica conferiam à noção de identidade nacional uma positividadee um tom
o rádio e o cinema eram, sem dúvida.
as áreas de atuação mais importantes. tanto que os dois órgãos criados no MES foram disputados pelo Ministério da Justiça. evidenciando-secom isso uma tensão
busier. Desse prometo participaramtambém o pintor Cândido Portinari,o paisagista
Burle Marx e o escultor Bruno Giorgi. Esses gestos, assim como a nomeaçãode Carlos Drummondde Andrade co-
entre sua caracterização,ora com o instrumentode propaganda,ora como recurso
mo chefe de gabinete,e a admissão,nos quadros do MES, de vários intelectuais
pedagógico (cf. Schwartzman et al., 1985, p. 86-891.
vinculados ao modernismo foram, nos anos 30, sinais concretos da relação que
Entretanto,no MES, a área da cultura foi bem menos marcada por conflitos
ideológicosque a área da educação.Foi nesta última que se concentraramas atenções do ministro, tarefa complexa devido ao alto grau de politização da questão educacional no período, com o confronto dos interesses dos escolanovistas
86
O PATRIAONIO[A
PROCESSO
então se estabeleceuentre o governo e aqueles intolectuais. Para a análise da relação entre o modernismo e o património, considero importante destacar dois aspectos: o sentido do ruptura específico desse movimento no Brasil e a presença
de Minas Gerais como tema e dos mineiros como personagens.
b \bS\ yeROICÁ
87
3.2 0
AOVIA[Ní0 AOD[RNiSTA E O
malmente rebuscada. mas acomodada. produtora de imagens distorcidas, de que
PATRIAÕN10
o ufanismode um Afonso Celso seria a caricatura. Ideologicamente. era a temática do nacionalismo- que nos séculos XVlll e XIX se expressousobretudo através
3.2.1 0 sentidode ruptura no modernismo brasileiro A significação do modernismo na vida cultural e também, secundariamente, na vida política do Brasil só pode ser corretamente avaliada na relação desse movi-
mento com o contextocultural a que veio se opor. Caracterizadode início como um movimento exclusivamente artístico, na verdade desde suas primeiras mani-
Estado que Ihe garantia a estabilidade para o exercício de sua produção intelectual. Antonio Candido considera que essa literatura, de tal modo subordinada
festações demonstrouter um alcance bem mais amplo.
a determinações ou interesses externos a seu campo específico, teria perdido seu
Daniel Pécaut observa que "de maneiras diversas sucessivas gerações de
potencialcrítico e, nessesentido, teria sido incapaz de exercer o que, na moderni-
intelectuais brasileiros invocavam a realidade nacional" (1990, p. 6).; Era o envolvimento na questão da identidade nacional que marcava o compromisso social do
dade, seria a sua função social própria: construir, no nível da elaboraçãoestética, uma representaçãocríticado real. No Império, pode-sedizer que Machadode Assim
intelectual, inclusive de escritores e artistas. Nesse sentido, assumiam também
foi a importante exceção que confirma a regra, e, na República, aqueles escritores
a função de atores políticos, e era comum que essa dupla missão unisse na mes-
que, como Euclidesda Cunha e LamaBarrete, elaboraramuma crítica social mais
ma pessoa o poeta o o abolicionista (Castro Alves), o escritor e o jornalista (Euclides da Cunha), o contista sertanejo e o ardente defensor de causas nacionalis-
tas, como na questão do petróleo (Monteiro
Lobato).
contundente, acabaram condenados ao isolamento. O modernismo. para Antonio Candido, surge como movimento de ruptura com
essa tradição que a proclamaçãoda República não alterou. No início do século.
No Brasil, essa dupla inserção social dos intelectuais assumiu características
a literatura brasileira se caracterizava por ser "uma literatura satisfeita, sem an-
específicas, fenómeno que foi analisado por Antonlo Cândida em suas conse-
gústia formal, sem rebelião nem abismos. Sua única mágoa é não parecer de todo
quências tanto para a produção literária quanto para o papel político do intelectual.
européia" ICandido, 1967, p. 133). De um lado, um nacionalismo diluído numa
Ao concentrar sua reflexão sobre a literatura, Antonio Candido se refere. po-
literatura de expressão acadêmical de outro, o esteticismo dos parnasianos e dos
rém, a um universobem mais vasto, pois consideraque, "diferentementedo que
simbolistas.
sucede em outros países, a literatura tem sido aqui, mais do que a filosofia e as
Nesse contexto, não é difícil entender o caráter fundador que os próprios
ciências humanas, o fenómeno central da vida do espírito"(1967. p. 152). Esse fato.
modernistas atribuíam a seu movimento: fundador não apenas de uma nova ex-
aliado ao método de análise que emprega, possibilita que, ao falar de literatura.
pressão artística, afinada com as vanguardas européias e com a modernidade,
Antonio Candido na verdade tenha por objeto o universo da cultura. Resumirei aqui.
como tambémfundador enquantorecusa de um tipo de literaturaque. por se con-
nos traços mais gerais, sua análise da vida cultural brasileira nos séculos XVIII.
fundir com o jornalismo. o discurso político. ou por se submeter às exigências de
XIX e início do XX porque ela é extremamente elucidativa para a compreensão
um formalismo acadêmico. não era, no que consideravam seu verdadeiro sentido,
do significado do modernismo como movimento cultural. e das posições assumidas
literatura. Na verdade. a missão dos modernistas extrapolava o campo restrito da
por seus integrantes enquanto homens públicos.'
literatura e das artes. Tratava-sede, ao buscar definir os limites entre a criação literária e a militância política, repensar a função social da arte.s
Antonio Candido observa que, durante o Período Colonial e o Império, a socie11
do nativismo e do indianismo românticos - que conferia ao escritor sua legitimidade social. Além disso, dada a ausência de um público que, através do consumo de livros, possibilitasseao escritor o sustento material, era o mecenato do
dade que se formou no Brasil era quase totalmentede ilotrados, e que, mesmo
Ao se alinharemà modernidadea partir de sua concepçãoda arte como um
entre as elites, eram muito reduzidos os grupos que tinham acesso a uma cultura
campo autónomo, os modernistas brasileiros não romperam apenas com uma tra-
erudita. Nesse ambiente, o escritor não encontrava condiçõesfavoráveis para assu-
dição estéticasromperamcom toda uma tradição cultural profundamenteenraizada não só entre produtorese consumidoresde literatura e de arte. como em toda a
mir um papel social definido enquanto escritor. Da dinâmica do escritor com esse público resultou uma literatura feita mais para ser ouvida que lida, enfática e for-
88
O PATRIAÕNIO[A
PROCESSO
sociedade.
89
r' A dialética da particularidade e da universalidade da criação artística é assim Como se explica, porém, a retomada e mesmo o profundo envolvimento dos modernistas com a temática do nacionalismo, e seu engajamento na vida política e em instituições estatais? Não significaria essa atitude, após um primeiro momento de entusiasta adesão ao futurismo, ao dadaísmo e ao surrealismo europeus a retomada do mesmo padrão que a princípio haviam repudiado? Eduardo Jardim de Moraes considera que não. que esse movimento é resultante da reflexão crítica
elaborada pelos modernistas no campo estrito da arte, indicando-lhes o que será um aspecto de sua missão social: a construção de uma tradição brasileira autêntica.
O movimento que os escritores modernistas fizeram na direção da tradição e que é analisadopor EduardoJardimde Moraes- foi feitotambémno campo da arquitetura individualmentepor Lúcio Costa, a partir de 1928, ao passar da ade-
são ao estilo neocolonial para a arquitetura moderna
do modernismo sobre si mesmo e de sua inserção enquanto movimento artístico
tanto no contextobrasileiro quanto no 'concerto das nações'. Vale a pena acom-
O estilo neocolonial representou a primeira roação, a partir da segunda década
do século, à incorporaçãoacrítica dos estilos históricos europeus pelo ecletismo
panhar seu raciocínio.'
Para Eduardo Jardim de Moraes, o interesse dos modernistaspela questão da Z)ras//idadedecorreu de uma elaboração no próprio campo da criação artística, que teria ocorrido por volta de 1924, e que implicou a introdução do conceito de tradição como elemento estruturante de uma produção artística que se queria ao mesmo tempo universal e particular - no caso, nacional. Ou seja, que se queria
singular. artística no sentido moderno.
no Brasil. e ao desconhecimento e mesmo desvalorização da tradição construtiva vinda da colónia. Seus seguidores procuraram produzir uma arquitetura que, inspirada nessas raízes, terminou por se converter em uma cópia Guioefeito era evocar
o passado. Embora tenha aderido. de volta de longo período na Europa, ao estilo neocolonial, Lúcio Costa procurou, porém, fazer uma análise mais profunda dos prin-
cípios da arquitetura colonial brasileira. Diz, a respeito, Yves Bruand:
Esse autor considera que foi no contato com as vanguardas européias que os
modernistasperceberam que a modernizaçãoda expressão artística, entendida como rompimento radical com o passado. só tinha sentido em países onde havia
Desde o início suas pesquisas divergiram de seus colegas. preocupados pHncipalmente em copiar as formas e os motivos decorativos do passado. A preocupação com as soluções funcionais e com os volumes claramente definidos, característicosde suas
uma tradição nacional internalizada. Em países de formação mais recente, como o
primeiras obras, era um retomo consciente aas valores permanentes que havia descoberto
Brasil, cuja tradição ainda estava por construir. a adesão imediata ao novo desca-
na arquiteturaluso-brasileirados séculos XVll e XVlll, da qual, em contrapartida,rejeitava
racterizada a produção artística no que ela teria de particular - o seu caráter na-
o que era pura decoração. Suas preocupações profundas, longe de se oporem ao espírito
cional -. perdendo assim também o seu valor universal,enquanto arte. Diz Eduardo
racionalista. aproximavam-no dele. O que o chocava instintivamente no movimento moder-
Jardim de Moraes:
no era o seu caráter absolutista.intransigentee o aparente desprezode seus teóricos por tudo que dizia respeito ao passado. Preocupavam-no o radicalismo desses e o poder
E Gamose o ingressona ordem mundial,portantona vida moderna,ao exigir da
demolidor que confusamente neles sentia existir, a ponto de impedir seu aprofundamento
produção cultural feita no Brasil uma contribuição própria. nacional, exigisse ao mesmo
no problema- problema.que, acima de tudo, parecia-lheestar muito distanciadoda
tempo que esta explicitasse na sua visão do passado relações de cumplicidade que
realidadebrasileira.(1 991, p. 72)
viessem definir para a caso brasileiro uma forma específica de modernidade.' j1988.
Lúcio Costa fez, portanto, um movimento inverso ao dos modernistas do início
P. 231)
Além disso, havia um fato que caracterizavaa tradição brasileira em relação
às descot)ermas que os vanguardistaseuropeusfaziam entãodas culturasprimitivas e da cultura africana: se para esses artistas se tratava de realidadesdistantes no tempo e/ou no espaço, no Brasil essas manifestaçõesestavam vivas no presente. embora fossem negadas ou mitificadas pela cultura europeizada do-
minante. O indianismo romântico exemplifica bem essa situação.
dos anos 1920. para chegar ao mesmo ponto: integrar modernidade e tradição, a partir de uma reflexão sobre a especificidade de seu campo profissional (no caso,
a arquitetura) e de sua relação com a realidade brasileira Vimos, portanto, que tanto de um ponto de vista diacrónico (Antonio Cândida)
quanto sincrõnico IEduardo Jardim do Moraes), tanto em decorrênciada relação dos modernistas com uma tradição cultural a que se queriam opor, quanto de seu
91
90
O PÂTRIAõNIO [A PROCESSO
r desejo de se integraromao "concerto das nações" civilizadas,a necessidade de
nacional. Ao analisar a valorização do barroco - até então considerado um estilo
reelaborar o passado e de construir uma tradição brasileira a partir de uma postura
rebuscadoe rudo - pelos modernistas, diz Mansa Veloso Motta Santos:
autónoma, crítica e liberta de uma "visão patriótico-sentimental"(Cândida, 1967, p. 94) se impunha como parte integrante do prometomaior do modernismo.
Nesse sentido, não é difícil entender o que vários autores apontam como uma
peculiaridadedo modernismo brasileiro: o fato de serem os mesmos intelectuais que se voltaram,simultaneamente, para a criaçãode uma nova linguagemestéticano sentido de ruptura com o passado - e para a construção de uma tradição - no sen-
Nesse momento, no que se refere à construção da nação, o barroco é emblemático, é percebido como a primeira manifestação cultural tipicamente brasileira, possuidor, portanto, da aura da origemda cultura brasileira, ou seja, da nação. Daí o valor totêmico que se constrói, sendo identificado. sistematicamente, como representaçãode 'autên-
tico", de "estilo puro'. (1992, p. 261
E possível que a convivência com os remanescentes da arte barroca tenha
contribuídopara gerar em Minas um regionalismoque Lúcia Lippi de Oliveira ca-
tido de buscar a continuidade.
A temáticado patrimóniosurge, portanto, no Brasil, assentadaem dois pressu-
racterizoucomo"um regionalismo que não se revestiude um provincianismo es-
postos do modernismo, enquanto expressão da modernidade: o caráter ao mesmo
treito ou de um localismopitoresco"(1980, p. 15). Havia entre os mineirosum sen-
tempo universal e particular das autênticas expressõesartísticas e a autonomia
tido de constituírem uma elite intelectual e com a vocação do espírito público. Pre-
relativada esfera cultural em relação às outras esferas da vida social. A atuação
dominavam nolos valores como o rigor, a sobriedade, a honestidade intelectual
dos modernistas no Sphan vai mostrar como eles puseram em prática, num campo
e moral, e sobretudo o senso do dever. Tudo isso matizado pelo humour. em Car-
cultural e político específico, e sob um regime autoritário, esses pressupostos.
los Drummond de Andrade, e pela habilidade política, em Capanema. Nesse senti-
do, Rodrigo Meio Franco de Andradetalvoz fosse o mais mineiro entre os minei-
3.2.2 0s modernistas e #linas Gerais
ros, e era considerado por todos o líder natural do grupo. Em todos eles, um senti-
Dada a importância de Minas Gerais e dos mineiros na criação do Sphan, interessa caracterizara posição desse grupo e o papel de Minas tanto no movi-
l
mento modernistaquanto na vida política brasileiranas décadasde 1920 e 1930.
em pólo catalisador e irradiador de idéias. Foi numa viagem a Minas, em 1916. que Alceu AmorosoLamae o então jovem RodrigoMeio Francode Andrade descobriram o barroco e perceberam a necessidade de proteger os monumentos histó-
ricos. Foi numa viagem a Diamantina,nos anos 20, que o arquiteto Lúcio Costa, então adepto do estilo neocolonial,teve despertadasua admiraçãopela arquitetura colonial brasiloira.Foi também em viagens a Minas, uma delas em 1924, acomlf
mente a líderes como Getúlio, ou à política partidária. Na vida pública, em várias ocasiões. deram demonstração dessa independência - como no pedido de demis-
são de Carlos Drummondde Andradeda chefia de gabinetede Capanema,por não Para os modernistas Minas se constituiu. desde a segunda década do século,
11
do de independência que se expressava em sua resistência a aderir incondicional-
desejar comparecer a uma conferência de Alceu Amoroso Lima no MES, de cujas idéias então discordava, ou ao não hesitar em publicar poemas de cunho socialista enquanto ocupava cargo de confiança em um governo que perseguia os "comunistas'l e nas inúmeros manifestações - inclusive pedidos de demissão nunca acei-
tos - de RodrlgoM. F. de Andradeem protestocontraatitudes,mesmode presidentes da Ropública' que, no seu entender, desautorizavamo Sphan ou seu diretor.
panhandoo poeta Blaise Cendrars,que Mário de Andradeentrou em contato com
Essapostura,ao que tudo indica, não era vista com reservas- e talvezaté
a arte colonial brasileira e com os jovens inquietosda Rua Bahia (Carlos Drum-
o fosse com admiração r pelo mineiro Gustavo Capanema. Tendo aderido à Revo-
mond de Andrade, Pedro Nava, Emíllo Moura etc.), com os quais manteve contato
lução de 30 movido por interesses da política regional, Capanema,ao conhecer
pessoale correspondênciaa partir de então. O fato é que não só mineiros,como
Getúlio, logo após a Revolução, se mostrou reticente quanto à figura do líder gaú-
cariocas, paulistas e outros passaram a identificar em Minas o berço de uma civili-
cho e duvidoso quanto à sua capacidade de conduzir as mudanças que julgava
zação brasileira,tornando-se a proteção dos monumentoshistóricos e artísticos mi-
fundamentais. Sua lealdade política a Vargas não o impediria, portanto. de ter uma
neiros - e, por conseqilência, do resto do país - parte da construção da tradição
postura independentee mesmo crítica em relação a certos aspectosda ideologia
92
O PATRIAONIO [A
PROCESSO
93
r do Estado Novo, no que, como voremos adiante, não encontrou obstáculo por parte
tituição do cargo de diretor da Escola Nacional de Belas Artes, publicou em O
de Getúlio. A posiçãode Capanemagarantiu ao MES uma funçãomuito além de mero ins-
Jorna/ o artigo intitulado"Uma escola viva de Belas Artes', em que fundamentava suas posiçõesfazendo uma análise inovadora da arquiteturacolonial brasileira.
trumento de consolidação do regime. Possibilitou. inclusive, a manutenção no MES
de um espaçode atuaçãopara os modernistas(comquem se identificavaem vários
Os modernistas não eram. no entanto, os únicos intelectuais a se interessarem
aspectos)a salvo de pressões políticas.Sobre essa relação,dizem os autores
pelo destinoe pela proteçãoda arte colonial brasileira como manifestaçãode uma autêntica tradição nacional. Já em 1914, Ricardo Severo, engenheiro português
de Tempos de Capanemal Era sem dúvida no envolvimento dos modernistas com o folclore, as artes. e particularmentecom a poesia e as artes plásticas, que residia o ponto de cantata entre
filiado ao movimento neocolonial, proferia a conferência 'A arte tradicional no Bra-
sil'. Lideradospor Ricardo Severo, em São Paulo, e por José Mariano (filho), no
eles e o ministério. Para o ministro, importavam os valores estéticos e a proximidade
Rio de Janeiro, esses intelectuais visitavam as cidades históricas e produziam
com a cultural para os intelectuais, o Ministério da Educação abria a possibilidade de
documentaçãoa respeito
um espaço para o desenvolvimento de seu trabalho. a partir do qual supunham que poderiaser contrabandeado, por assim dizer, o conteúdo revolucionáriomais amplo que
acreditavamque suas obras poderiam trazer. (Schwartzmanet al., 1984, p. 81)
Seu primeirogesto de clara adesão ao ideáriomodernistano MES foi em relação à arquitetura, ao apoia-la e, ao mesmo tempo, utiliza-la para a criação de sím-
As primeirasrespostasdo poder público a essas demandasdo meio intelectual partiram dos governos de estados com significativos acervos de monumentos históricose artísticos. Na década de 1920 foram criadas InspetoriasEstaduais de MonumentosHistóricos em Minas Gerais (1926), na Bahia (1927) e em Pernam-
buco (1928).
bolos de uma n(va era. Além de serem os construtoresdesses símbolos- de que o novo prédio do MES era o melhor exemplo- foi no Sphan que os arquitetos modernistas atuaram enquanto integrantes da estrutura institucional montada pelo Estado Novo, sob a direção do advogado, jornalista e contestaRodrigo Meio Franco de Andrade, de quem Capanema disse em entrevista: 'ora um dos homens mais
ligados a mim' (Xavier & Fisherg, 1968, p. 32).
No nívelfederal. foi no âmbito dos museus nacionaisque surgiramas primeiras iniciativas nesse sentido. No início dos anos 20, o professor Alberto Childe. conservador de Antiguidades Clássicas do Museu Nacional, foi encarregado pelo en
tão presidenteda SociedadeBrasileira de Belas Artes e Diretor do Museu Nacional, professor Bruno Lobo. de elaborar um anteproleto de lei para a defesa do patri-
mónio histórico e artístico nacional. que foi considerado inviável porque atrelava a proteção à desapropriação.
3.3 A CRIAÇÃO DO SPHAN
O primeiro órgão federal de proteção ao património surgiu no Museu Histórico 3.3.1 Ás ini(ia+ivaí
Nacional, por iniciativa de seu diretor, Gustavo Barroso. que. nos anos 30, parti-
precursoras
Desde a segunda década do século XX,s intelectuais que depois vieram a se integrar ao modernismo publicavam artigos alertando para a ameaça de perda irreparável dos monumentos de arte colonial. Em 1916, Alceu Amoroso Lama pu-
blicou na Revlsla do Bus// o artigo "Pelo passado nacional', em que relata a profunda impressão que Ihe deixara a viagem que fizera a Minas com Rodrigo M.
cipou do movimento integralista, quando se destacou por suas posições anta-semitas. Barroso era o principal concorrente na disputa com os modernistas da gestão federal do património. Em 1934, foi criada a Inspetoria dos Monumentos Nacionais. norteada por uma perspectiva tradicionalista e patriótica. Essa instituiçãoteve atuação restrita. e foi desativada em 1937, em conseqüência
da criação do Sphan.
F. de Andrade. Em 1920, na mesma revista, Mário de Andrade, que estivera em
A primeira iniciativa do governo federal relativamente à proteção do património
Minas em 1919, publicou textos sobre o mesmo assunto. Posteríomente. ,4 Re-
foi a elevação de Ouro Preto à categoria de monumento nacional, pelo decreto
vela, periódico mineiro dirigido por Cardos Drummond de Andrade e Marfins de
Re22.928,de 12 de julhode 1933
Almelda, também abriu espaço para a questão. O arquiteto Lúcio Costa, ao res-
ponder aos ataques que José Marçano(filho) Ihe dirigiu para justificar sua des-
94
O PATRIAÕNIO[A PROCESSO
Também no Congresso Nacional, desde o início dos anos 20 vinham sendo apresentados projetos com o objetivo de criar mecanismos para a proteção legal
b.\bS\
HERÓICA
95
do património.Em 1923, o deputado pernambucanoLuís Cedro,em 1924, o poeta mineiro Augusto de Lama,e, em 1930, o deputado baiano José Vanderlei de Araújo
intelectual de frezenfas facetas, apoiado em sua experiência no Departamento de
Pinho apresentaramao Congresso propostas nesse sentido, mas nenhuma foi apro-
Cultura da Prefeiturade São Paulo, elaborasse um anteprojetosobre o assunto.
vada. Esses projetos.assim como o anteprojetodo jurista mineiro Jair Lins, elabo-
t.
território nacional, o ministro resolveu recorrer a Mário de Andrade, para que o
O prometode criação de um órgão especificamente voltado para a preservação
radoem 1925,e em que RodrigoM. F. de Andradese baseoupara elaboraro
do patrimóniohistórico e artístico nacional, apresentadoem uma primeira versão
decreto-lei Ra25, de 30.11.1937, esbarravam nas prerrogativas do direito de pro-
no anteprojetode Máriode Andrade" e formuladode forma definitivano decreto-
priedade, asseguradas pela Constituição e pela legislação em vigor.
lei Re25, de autoria basicamente de Rodrigo M. F. de Andrade, apresentava algu-
Em 1934, quando Gustavo Capanema substituiu Francisco Campos no MES, já havia, por parte de setores da elite intelectual e política, não só interesse pela temática da tradição e da proteção de monumentos históricos e artísticos, como uma demanda pela participação do Estado na questão. A partir do Estado Novo. com a instalação, mais que de um novo governo. de uma nova ordem política, eco-
nómica e social, o ideário do património passou a ser integrado ao prometode
mas peculiaridadesem relação às experiências européias já em curso. Em primeiro lugar, à diferença de outros países, onde as iniciativas voltadas para a preservação de bens culturais contemplavam apenas tipos de bens isoladamente(monumentos, museus, arte popular etc.), no Brasil os dois textos citados se caracterizavam por tratarem o tema de forma abrangente e articulada e por proporem uma
única instituição para proteger todo o universo dos bens culturais. Em segundo lugar, se em outros países os agentes da preservação costumavam ser recrutados
construção da nação pelo Estado.
entre intelectuais identificados com uma concepção passadista e consewadora de
Várias foram as circunstâncias. portanto. que levaram à escolha dos modernis-
cultura,no Brasilos intelectuais que se enganaram no prometo do património eram
tas para assumirem esse projeto no governo de Vargas. Decisiva, como já men-
exatamenteaqueles que. como Mário de Andrade e Lúcio Costa. assumiam em
cionei. foi a ascensão ao MES de Gustavo Capanema, personagem politicamente
suas respectivas áreas profissionais posturas claramente inovadoras.''
forte no governo getulista e identificado intelectual e afetivamente com vários escritores e artistas modernistas. Em segundo lugar, conforme observa Lauro Cavalcanti(1993, p. 18), teria con-
tribuído para legitimar essa escolha, em detrimento de outras correntes mais obviamente identificadas com a defesa da tradição (o neocolonial), ou de uma
instituição já em funcionamento no Museu Histórico Nacional, a nítida superioridade qualitativa, em termos de produção intelectual e de prestígio, dos modernistas. Essa escolha já fora definida no episódio da construção do novo prédio
O Sphan começou a funcionar experimentalmente em 1936. já sob a direção
de RodrigoM. F. de Andrade.Coma lei Ra378,de 13 dejaneirode 1937,o Sphan passou a integrar oficialmente a estrutura do MES e foi criado o conselho consultivo.
O Sphan se estruturou em duas divisões técnicas: a Divisão de Estudos e Tombamento (DET), a que estavam vinculadas a Seção de Arte. a Seção de His-
tória e também o Arquivo Central e a Divisão de Conservação
e Restauração
IDCR). A instituição era representada regionalmente em distritos e tinha sob sua
do MES, em 1936.
responsabilidadeos museus regionais, que foram sendo criados a partir de 1938. Além dos formuladores Mário de Andrade e Rodrigo M. F. de Andrade (o se-
3.3.2 A insti+ucianalizaçõo da pro+eção do património A entrada do Estado na questão se efetivou em 1936, quando o ministro Capa-
nema se mobilizou para as iniciativas, já em curso desde os anos 20. visando à proteçãodos monumentose obras de arte nacionais.Sua idéia inicial era fazer "o levantamentodas obras de pintura. antigas e modernas.de valor excepcional, existentesem poder de particulares,na cidade do Rio de Janeiro" (Dphan, 1969, p. 41). Percebendoque o assunto requeria uma atuação abrangente.que compreendesse também as edificações e outras obras de arte, e alcançasse todo o
96
O PATRIAõNIO [A
PROCESSO
gundo. também, dirigente do órgão de 1936 a 1967), participaram do Sphan nesse período, entre outros: Lúcio Costa, a principal autoridade técnica. chefe da Divisão de Estudos e Tombamentos IDET) entre 1937 e 1972, e membro do Conselho Consultivo por um curto períodos Carlos Drummond de Andrade, organizador do arquivo e chefe da Seção de Histórias Afonso Arinos de Meio Franco e Prudente de Morais Neto. consultores jurídicost e Manuel Bandeira, colaborador em várias publicações. os três membros do Conselho Consultivosos arquitetos Paulo Tedim
b \hS\ HERÓICA
97
Barreto. José de Sousa Reis, Alcides da Rocha Miranda, Edgard Jacinto, Renato
afastamento do governo getulista, mas também como distância dos interesses da
Soeirol o artista plástico Luís Jardim. Nos distritos regionais,Aírton Carvalho (l: DR - N/NE), Godofredo Filho (2' DR - Bahia e Sergipe), Sílvio de Vasconcelos
sociedade, sobretudo das classes populares. Nas análises da política do Sphan feitas a partir dos anos 70, tornou-se mesmo lugar comum': atribuir-seo que se
(3a DR - Minas), LuasSaia (4a DR - Sul), que sucedeua Mário de Andrade nessa
passou a considerar o caráter elitista do trabalho desenvolvido pela instituição ao
função. Os restauradores eram Édson Mota. João José Rescala e Jair Afonso
fato (pelo menosem parte) de o anteprojetode Mário de Andradeter sido preterido
Ináciol e a autoridade em arte sacra, dom Clemente da Salva Negra. Foi colabo-
em favor do decreto-leiRe25, de 30.11.37, mais restritivo na concepçãode patri-
radora. desde os primeiros momentos,dona Judith Mastins,também pesquisadora
mónio, mais adequado, porém, às circunstâncias do momento. Embora considere
e chefe do arquivo, após a aposentadoria de Carlos Drummond de Andrade. Inte-
que o modo como essa discussão tem sido conduzida remete antes a um ponto
lectuais do Rio de Janeiro, como Alceu Amoroso Lamae Afonso Arinos de Meio
de vista contemporâneosobre política cultural do que aos reais conflitos da década
Franco, e de outros estados, como Gilberto Freire. Sérgio Buarque de Holanda, Joa-
de 1930, ela Interessa aqui. na medida em que ajuda a explicitar concepções dis-
quim Cardoso, Artur César Ferreira Reis e Augusto Meyer, mesmo sem serem
tintas quanto aos objetivos de uma atuação voltada para o património cultural na-
funcionários regulares da repartição, mantinham cantatas com Rodrigo M. F. de
quele período e a posição dos diferentes atores envolvidos. Considero que, efetiva-
Andrade e participavamde algum modo das atividadedo Sphan. Nos estudos e
mente. as diferenças entre os dois textos indicam interpretações diversas - mas que
pesquisas, o Sphan contava com a colaboração de especialistas estrangeiros, como Germain Bazin, Hannah Levy e Robert Smith. e divulgava em suas publi-
os fatos demonstram como não conflitantes naquele momento - do que esses ati-
cações trabalhos de autores nacionais e estrangeiros, muitos feitos sob encomen-
tido, a atitude de Mário de Andrade no episódio indica que ele mesmo reconhecia
da para atenderàs necessidadesdo serviço.Raramentemencionada,mas igual-
o acertopolítico,naquelemomento,do apoio ao prometo em andamento no Con-
mente fundamental,foi a colaboração de agentes locais, mobilizados nas várias
gresso Nacional - ainda que pudesse não corresponder plenamente ao seu ideal
regiões do Brasil, para auxiliar nos trabalhos de levantamentoe identificaçãode bens e documentos.Formados pelos funcionáriosdo Sphan e pela prática do tra-
de serviço de património.
balho, muitos desses agentes vieram a tornar-se mestresem obras. restaurações,
volveu uma concepção de património extremamente avançada para seu tempo,
documentaçãoetc.
que em alguns pontos antecipa, inclusive, os preceitos da Carta de Veneza. de
A atividade desenvolvida por esse grupo de intelectuaisno Sphan gozou de
res consideravamas necessidades de uma política da preservação. E, nesse sen-
Sem dúvida, no seu anteprojeto Mário de Andrade j1981, p. 39-54) desen-
1964. Ao reunir num mesmo conceito - arte - manifestações eruditas e populares.
surpreendenteautonomia dentro do MES. Desde o início, a área do património
Mário de Andrade afirma o caráter ao mesmo tempo particular/nacionale universal
ficou à margemdo propósito de exortaçãocívica que caracterizavaa atuação do ministériona área educacional.A cultura produzida pelo Sphan sequer era articu-
da arte autêntica, ou seja, a que merece proteção.
lada com os conteúdosdos projetos educacionaisou com os instrumentosde per-
anteprojeto do "património artístico nacional" (PAN). Ao apresentar, com detalhes
suasão ideológicado Estado Novosesses conteúdoseram mais compatíveiscom a vertente ufanista do modernismo.Durante o Estado Novo, o Sphan funcionou
e exemplos,o que entende por arte em geral e nas oito categoriasque discrimina,
efetivamentecomo um espaço privilegiado,dentro do Estado, para a concretização
valores que Ihe são atribuídos.
de um prometomodernista.
E a noção de arte. portanto, o conceito unificador da idéia de património no
Mário de Andrade se detém no aspecto conceitual da questão do património e dos
A definição de arte no anteprojeto ("arte é uma palavra geral, que neste seu sentido geral significa a habilidade com que o engenho humano se utiliza da ciên-
3.3.3 0 an+epraUe+o de bário de Andradee Q decreto-leirt 25
cia, das coisas e dos fatos') se aproxima da concepção antropológica de cultura.':
A autonomia de que gozava o Sphan dentro do MES e do governo. e que.
E uma análise do texto do anteprojetoem seu conjunto deixa claro que a ênfase
durante muito tempo. foi considerada sinal do poder de seu diretor e do respeito
na noção de arte não significa uma posição esteticista. A preocupação em expli-
que inspirava, a partir da década de 1970 passou a ser interpretada não só coma
citar o que entende por cada uma das oito categorias de arte (arte arqueológica;
98
O PATRIAÕNIO [A
PROCESSO
b. \bS\
HeRófC,â
99
arte ameríndia; arte popular; arte histórica; arte erudita nacional; arte erudita estrangeira; artes aplicadas nacionais; artes aplicadas estrangeiras), e como elas se agrupariam nos quatro Livros do Tombo e nos museus correspondentes, indica em Mário uma visão abrangente e avançada para sua época em relação as noções de arte e de história vigentes, inclusive nos serviços de proteção já existentes na Europa. Ao falar especificamente de "arte histórica", Mário de Andrade não se distancia da noção de história predominante no início do século, a história factual, centrada nos eventos políticos referentes aos grupos que detinham o poder. Interessa preservar como obras de arte histórica aquelas que, independentemente de seu valor artístico, constituem documentos para a história política ("criadas para um determinado fim que se tornou histórico"; "se passaram nelas fatos significativos da nossa histórian; 'kiveram nelas figuras ilustres da nacionalidaden [.. I "que devem ser conservadas tais como estão ou recompostas na sua imagem 'histórica'"). Também se enquadram nessa categoria obras relevantes para a história da arte ("exemplares típicos das diversas escolas e estilos arquitetônicos que se refletiram no Brasil") e documentos nacionais ou estrangeiros referentes ao Brasil. O recuo cronológico mínimo para que obras de arte pudessem ser incluídas no patrimônio seria de até a data de 1900, ou de cinqüenta anos para trás. Se é possível, portanto, perceber no anteprojeto um propósito explícito de reelaborar a noção de arte, o mesmo, aparentemente, não ocorre em relação a de história. Entretanto, ao mencionar o caso de objetos que aliam a seu valor histórico um real valor artístico, Mário considera que o valor histórico deverá prevalecer, e que o objeto "será tombado pelo valor históricon (1981, p. 96). Em várias ocasiões, porém, Mário de Andrade demonstra acreditar que, como dizia Riegl, é pelo valor histórico dos bens, por seu valor enquanto testemunho da existência dos antepassados, que se atrairão as massas para os monumentos dimensão que teria que ser levada em conta nas atividades de divulgação cultural. Essa posição fica clara quando se analisa a concepção de Mário de Andrade sobre os museus, por ele definidos como agências educativas. Mário Chagas, que estudou a óptica museológica de Mário de Andrade, observa que, para Mário, os museus deveriam "beneficiar o estético, mas sobretudo o históricow(1991, p. 111). E, entre os quatro museus nacionais preconizados por Mário, correspondentes ao quatro Livros do Tombo, o destaque, no anteprojeto, é dado aos modernos museus técnicos, na época ainda pouco conhecidos no Brasil. Seriam museus eminentemente pedagógicos, em que a técnica é apresentada a serviço do conhecimento
dos ciclos econômicos do Brasil, portanto com base em uma visão histórica. Constituiriam um contraponto aos museus históricos tradicionais, na medida em que fugiriam a apresentação celebrativa de grandes vultos e feitos, e seus temas seriam: "café, algodão, açúcar, laranja, extração do ouro, do ferro, da carnaúba, da borracha, o boi e suas indústrias, a lã, o avião, a locomotiva, a imprensa e t ~ . ~ (ibid.). Esse projeto foi, em parte, realizado pelo Sphan através da criação dos museus regionais, ainda em sua primeira década de funcionamento, a partir de uma proposta de Lúcio Costa visando a preservar os bens móveis colhidos na região das Missões.14 Mais avançada para a época era, no entanto, a concepção de Mário sobre os museus municipais. Se os museus nacionais deveriam ser organizados a partir de ordenamentos disciplinares, como apoio e ilustração dos Livros do Tombo, Mário preconizava e incentivava a criação de museus locais, em nível municipal, com base em critérios distintos. Enquanto os museus nacionais e os das grandes cidades tenderiam a especialização, os museus municipais seriam ecléticos, seus acervos heterogêneos, e os critérios de seleção das peças ditados pelo valor que apresentam para a comunidade local, que participaria ativamente da coleta de bens. O referente seria a identidade local tal como os habitantes a concebem. Como observa Mário Chagas, "a narrativa museológica, nesse caso, deveria surgir do diálogo com a população interessada na constituição do museun (1991, p. 109). Essas observações vêm confirmar o fato já bastante comentado de que a preocupação em valorizar o popular é, sem dúvida, um traço marcante na obra de Mário, tanto cultural quanto institucional. Ou seja, o popular enquanto objeto e o povo enquanto alvo. No texto do anteprojeto nota-se, inclusive, um cuidado em não privilegiar, do ponto de vista da atribuição de valor, as formas de expressão cultas. Em princípio, todas as obras de arte, tanto as eruditas, das Belas-Artes, quanto as populares, arqueológicas, ameríndias e aplicadas, poderiam ser inscritas nos Livros do Tombo. No entanto, se as obras de arte eruditas são referidas a partir dos instrumentos que as consagram como de "mérito nacional" (prêmios em concursos, menção em livros de história da arte, inclusão em acervo museológico, avaliação pelo Conselho Consultivo do Span), as obras de arte arqueológica, ameríndia e popular são fartamente exemplificadas no texto - provavelmente porque não ocorreria, na época, considerá-las com a mesma naturalidade como bens patrimoniais. Nesse caso, são disciplinas como a arqueologia e a etnografia que vão legitimar sua inclusão nos Livros do Tombo.
São, portanto, os Instrumentosdisciplinares,ao lado de outras instâncias re-
património. Mas, já em carta a Rodrigo Meio Franco de Andrade, datada de
conhecidas de atribuição de valor (concursos, publicações, avaliação por especia-
29.7.36, em resposta às objeções da professora Heloísa Alberto Torres, então
listas etc.), todas restritas aos círculos intelectuais,que constituem os canais referidos por Mário para a constituição do património.A participação popular seria
diretora do Museu Nacional. que discordava da configuraçãoque Mário dera aos
limitadaà organizaçãodos museus municipais,cuja leitura só faria pleno sentido
que fiz foi teoria e acho bom como teoria; sustentarei minha tese a qualquer
para os habitanteslocais. Deste modo, o anteprojetode Mário define com clareza jembora essa não fosse uma questão relevantena época) o alcance e os limites
tempo.' E diz sobre o anteprojeto: Dado o anteprojeto ao Capanema, eu bem sabia que tudo não passava de ante-
da participação social na construção dos patrimónios históricos e artísticos. apon-
projeto. Vocês ajudemcom todas as luzes possíveisa organizaçãodefinitüa, façam e
tando as diferenças e as peculiaridadesdos níveis nacional e local e caracteri-
desfaçam à vontade, modifiquem e principalmente acomodem às circunstâncias o que fiz
zando a função social do intelectual como mediadorentre os interessespopulares
e não tomou em conta muitascircunstânciasporque não as conhecia.Não sou turrão nem vaidosode me ver criadorde coisas perfeitas.Assimnão temajamais me magoar
e o Estado. Chama a atenção, mesmo atualmente, sua sensibilidade para a função
e a importânciados museus municipais,que são até hoje, com frequência,objeto de crítica por não se adequaremaos padrões rigorosose modernosde uma "ciên-
por mudanças ou acomodações feitas no meu anteprojeto. IAndrade, 1981. p. 60l
Na verdade, ao atender à solicitação de Capanema, Mário passara a servir a dois senhores. De um lado, se envolvera, com Rodrigo M. F. de Andrade, na cria-
cia" museológica.'s
A preocupaçãomaior de Mário de Andrade não se restringia à conceituação de património, mas também dizia respeito à caracterizaçãoda função social do órgão, o que implicava detalhar atividades que facilitassem a comunicaçãocom o público. Na verdade, para Mário, a atuação do Estado na área da cultura devia ter como finalidade principal a coletivização do saber, daí sua preocupação e mes11
museus nacionais no anteprojeto, ele reconhecia os limites de sua proposta: "0
ção de um serviço federal de património para o governo getulistal de outro, com Paulo Duarte, estava também comprometido com o prometodo Departamento do Património Histórico e Artístico de São Paulo, que, com o Departamento de Cul-
tura, seria o início do Instituto de Cultura de São Paulo. O instituto,se eleito Armando Sales de Oliveira presidente. se estenderia a todo o Brasil.
mo seu envolvimentona questão educacional.Em carta a Paulo Duarte (1977, p.
Por esse motivo, em setembro de 1937, Mário de Andrade solicitou a Paulo
151), Mário disse certa vez que defender o nosso patrimóniohistórico e artístico
Duarte que demorasse "um pouco a coisa'. porque, dizia ele. "de forma nenhuma
'é alfabetização.' Essa era a concepção que norteava a atuação do Departamento
eu desejo sequer íro/sser o Capanema, que admiro no seu esforço e cuja luta feroz
de Cultura, iniciativa considerada então pioneira na área cultural. Mário acreditava
conheço bem' (Duarte. 1977, p. 1541. E agora Paulo Duarte que esclarece a se-
que, divulgando as produções artísticas, tanto as eruditas como as populares.
quência dos acontecimentos:
criando condições de acesso a essas produções, se estaria contribuindo para
De fato, espereiaté outubro para lançaro meu com um discursona Assembléia
despertara populaçãopara o que costumavaficar reservadopara o gozo das eli-
Legislativa. Quando se deu o golpe de Estado, o meu achava-se já em terceira dis-
tes - a fruição estética. Desse modo. se estaria. ao mesmo tempo, democratizando
cussão e o da Câmara permaneciamais ou menos congelado. Tanto que, impossibilitado
a cultura e despertandona população o sentimentode apego às coisas nossas.
de dar andamento no meu pela dissolução da Assembléia Legislativa, e pelo receio do govemador interno Cardoso de Meio Neto em baixar decreto fazendo lei um prometomeu,
Em suma, o texto do anteprojetoé amplo e aborda com detalhes a questão 11
quandojá execradoda ditadura,achamos Mário e eu que era preciso tudo fazer para que
conceitual- que obras, e a partir de que critérios,poderiamser consideradaspatrimónio - detendo-setambém na estrutura e no funcionamentodo órgão, tendo
Getúlio. já ditador, assinasse o decreto-lei correspondente ao prometoparado na Câmara.
sempre em mente os meios de divulgar e coletivizaro património.Tem-se a im-
não se achava em condições de exigir isso do novo regime pois, ao que parece, a sua
pressãode que. com base em sua experiênciano Departamentode Cultura, Mário de Andrade procurou imaginar o que considerava, em 1936, (portanto, quando ain-
da estava entusiasmadocom seu trabalho no DC) o serviço Ideal de proteção do
102
O PÁTRIAõNIO [A
PROCESSO
O Rodrigo Meio Franco estava desesperado no Rio, pois Capanema. apesar de ministro,
posição peHclitava. Lembrei-me então do Alcântara Machado que conservava a sua amizade com Getúlio e a quem eu dava a minha colaboraçãono prometodo novo Código Penal do Brasll. Solicitei-lhe então obtivesse a assinatura daquele referido Decreto-lei. Pou-
cos dias depois, me escrevia Alcântara Machado comunicando que a "nossa lei" saída
]03
sem falta, em princípio de dezembro de 1937, o que realmente aconteceu, não no princípio.
mas mais para o fim daquele mês. (Duarte, 1977, p. 154-1551
para viabilizar a proteção legal era necessário referir-se a coisas ("bens móveis
e imóveis'), o quemarcava a inadequação do instrumento proposto - o tombamento -
Esse longo depoimento evidencia a fragilidade, naquele momento de mudança,
do prometo de políticaculturalmodernistaem face da Instabilidade do quadro político. A posição de Capanema dependia de acertos políticos. Mas o fato é que as
idéias Inspiradaspelo Modernismosobre patrimónioe atuaçãodo Estado em relação à proteçãoeram amplas (e/ou ideologicamenteambíguas)o bastante para inspirar dois projetosvoltados para objetivos políticosdistintos e, naquele momento, até mesmo concorrentes. Esclarecedora nesse sentido foi a posição de Mário de
Andrade e de Paulo Duarte, comprometidos com ambos os projetos. Pode-se supor que o que lhes interessavaera, acima de qualquer interesse político imediato, assegurar a criação de instituições culturais, objetivo que a queda de Armando fales de Oliveira, após a instauração do Estado Novo. inviabilizou em nível estadual.A decisão, tanto de Mário de Andradequanto de Paulo Duarte naquele momento, foi eminentemente pragmática, apesar da situação de Paulo
para proteger manifestaçõesfolclóricas, como lendas, superstições, danças dramá-
ticas etc. O tombamento surgia, assim. como uma fórmula realista de compromisso entre o direito individual à propriedade e a defesa do interesse público pela preservação de valores culturais. Essa solução se tornou possível na medida em que a Constituição de 1934 estabeleceu limites ao direito de propriedade, definindo-lhe o conceito de função social. Por outro lado, em tormos económicos, ao garantir ao proprietário não só o uso como a posse do bem material, o instituto do tombamento dispensava, para a finalidade de preservação, a onerosa e praticamente inviável
figura da desapropriação(cf. Castra, 1991, p. 581 Andrade, 1987, p. 51). Não resta dúvida, porém, de que, apesar de solução considerada bem sucedida do ponto de vista legal, sua legitimação social era uma conquista a ser feita. Essa
legitimação foi alcançada, sobretudo, através da fixação de um padrão ético de
Duarte junto ao governo getullsta."
trabalho o, para isso, Rodrigo M. F. de Andrado lançou mão de vários recursos:
Destituídodo Departamentode Cultura, Mário de Andrade passou a participar ativamente da implantação do Sphan, conforme se pode constatar na correspon-
dência trocada com Rodrigo M. F. de Andrade, tornando-seo assistente técnico da instituiçãoem São Paulo. A aceitaçãodo posto, o entusiasmocom que sempre colaborou com Rodrigo, sem nenhum atrito (o que não ocorreu na sua relação com
Capanema), são indicadoresde que não via contradiçãomaior entreseu anteprojeto e o trabalho desenvolvido pelo Sphan.
o desenvolvimentode um trabalho dentro dos mais rigorosos e modernos critérios científicosl o cuidado na escolha de seus colaboradoresl a Imagem de uma instituição coesa. desvinculada de interesses político-partidários e totalmente voltada
para o "interesse público'l e. sobretudo, a defesa encarniçadado decreto-lei ne 25, de 30.11.37, em batalhas judiciais memoráveis, sendo um marco, nesse sentido, o parecer do Supremo Tribunal Federal, em sessão de 17.6.42, ratificando
o referidodecretoe a autoridade do Sphan,no julgamentoda impugnação ao tom-
Já o decreto-lei Re25, de 30 de novembro de 1937, elaborado por alguém com
bamento do Arco do Teles, no Rio de Janeiro. Esse era, sem dúvida, um jogo que
larga experiência jurídica, como Rodrigo M. F. de Andrade, estava voltado, basica-
exigia habilidade política num sentido amplo. e que se pode dizer que foi bem su-
mente, para garantir ao órgão que surgia os meios legais para sua atuação num
cedido se considerarmosa aura do Sphan e de seu diretor no final dos anos 60.
campo extremamentecomplexo: a questão da propriedade. Era esse. então, o prin-
jcf. Dphan, 1969) e a continuidadedesse prometo durantemais de trinta anos.
cipal entrave à institucionalização da proteção do património histórico e artístico
nacional.Pois. como observa Joaquim Falcão, "antes de 37 os diversos proletos
Na realidade,a análise do trabalho desenvolvidopelo órgão desde sua criação Indica que a oposição entre o anteprojeto de Mário de Andrade e o decreto-lei RP
de proteção ao património artístico são recusados no Congresso Nacional em no-
25, de 30.11.37,é, na verdade,um falso problema,se considerado do pontode
me do direito de propriedade" (1982a, p. 25). A preocupação, nesse caso. não era
vista dos objetlvos mais imediatos do Sphan, quando de sua criação, e do quadro
com o aspecto conceitual ou com o organizacional,que já teriam sido equacionados no anteprojeto, mas com recursos operacionais que fossem não só legais como também reconhecidos como legítimos. A conceituação de património, propo-
sitalmentedeixada em aberto, tinha. porém, um limite em relação ao anteprojeto:
104
O PATRIAÕNIO[A
PROCESSO
político e ideológico naquele momento. Não interessa aqui, inclusive, entrar na discussão quanto à marca classisfa do órgão (cf. Miceli. 1987), até porque, como
já ficou evidente, a orientaçãodo Sphan no processo do atribuiçãode valores se inseria!na tradição européia de constituição dos patrimónios nacionais a partir das
105
r 4.3 AS ALTERNAnVASDO ([
sinais de restrição das atividades de pesquisa e de divulgação, que, sob a ale-
AO) IPHAN
gação de falta de recursos. foram praticamenteabandonadas(ver Anexo 111). Por outro lado, os adversário do Sphan não eram mais apenas vigários obtusos ou
4.3.10s caminhosda descentralização eü
prefeitos modernosos,mas. principalmente,a poderosa especulação imobiliária.
busca de novos sentidos-para a preservação
Esses fatos, agravados pela crónica falta de recursos financeiros e humanos,s le-
varam o órgão a se concentrarna questão mais premente- porém parcial em termos de preservação- dos tombamentose das obras.
€ l l
embora fosse considerado o legítimo sucessor do fundador do Sphan, não gozou,
Profundamente vinculado, quando de sua criação, ao movimento cultural mais
como ele, do mesmo prestígio, não teve o mesmo trânsito junto a autoridades e
importanteno Brasil na primeira metade do século XX, o Sphan dos anos 60 era
personalidades nem foi ungido com a mesma aura. Quando o Sphan ficou privado
uma ilha à parte das grandes questões culturais e políticas. Pode-se dizer que
da figura carismática de Rodrigo M. F. de Andrade, evidenciou-se o caráter fraco
a maior força da instituiçãonos anos 60 residia no caráter mítico do trabalho que
da autonomia do órgão, na medida em que dependia de líderes para conduzi-lo
realizarae na figura de seu diretor.
e torna-lo visível. tanto no interior da burocracia quanto junto à sociedade. Não
Esse desgaste ficou evidente na contundente campanha movida pelo jorna-
foi por acaso. aliás. que o ressurgimento da questão do património como tema de
lista Franklinde Oliveira. de novembrode 1966 ao final de 1967, no jornal O
interesse político nos anos 70 esteve associado a outra figura carismática: Aloísio
G/obo. denunciando a degradação do património, com o título de "Morte da me-
Magalhães.
mória nacional' (Oliveira. 1991). Seus artigos receberamo apoio de parlamentares, governadores, prefeitos, intelectuais, e de inúmeras instituições da socie-
dade civil. O jornalista apontava como responsáveispelo abandono de mo-
11
Coma aposentadoria, em 1967,de RodrigoM. F. de Andrade,assumiua direção do órgão, por indicação do próprio Rodrigo, o arquiteto Renato Soeiro. que.
numentos,peças e documentos,já sujeitos ao inevitável desgaste do tempo, a especulaçãoimobiliária. a ganância dos antiquários. a indiferença e a ignorância generalizadas. tudo isso agravado pela carência de recursos financeiros nas
instituições culturais encarregadas de preservar o património histórico e artístico nacional. Poupava, no entanto. o Sphan e a figura de Rodrigo M. F. de
Nas décadasde 1950 e 1960 Ocorreramgrandes mudançasno modelode desenvolvimentobrasileiro, responsáveis pelos impasses com que a política de presewaçãodo Sphan foi confrontada, levando a instituição, e outros setores da administração pública que passaram a se interessar pela questão. a recorrer a novas alternativas de atuação. Nesse período, a ideologia do desenvolvimentisrtk) atrelou o nacionalismo aos valores da modernização. Foi a época áurea da indus-
trialização, da urbanizaçãoe da interiorização, estimuladas pela construção de Brasília. As conseqüências para a preservação desse modelo de desenvolvi-
Andrade.
mento repercutiramnão apenas no nível simbólico - na medida em que essa O que estava implícito nessa e em outras manifestaçõesde crítica e de denúncia era que, se os trinta anos de atuação do Sphan, além do fato concreto de preservar e restaurar um número respeitável de bens de valor histórico e artístico. haviam logrado fixar um rigor ético no trato do bem cultural. a instituição estaria falhando no objetivo mais amplo de mobilizar governo e sociedade para a causa da presewação. mobilização essa considerada, no final dos anos 60, indispensável inclusive para o sucesso na conservação material dos monumentos. Pois. como já fol observado. a partir dos anos 70, a relação entre cul-
tura e política passou a ser equacionadade forma diferente da que fora formulada desde os anos 20 e 30.
140
O PATRIAÕNIO[A
PROCESSO
ideologia se contrapunha à continuidade e à tradição - como nos níveis económico e social - devido ao intenso processo de migração para as capitais e a valorização do solo urbano, desarticulando processos espontâneos de preservação do património, tanto o edificado como o paisagístico. Na prática do Sphan. surgiram ten-
sões agudas, especialmentena preservaçãodas cidades históricase dos centros históricos das grandes cidades. A proteção dos conjuntos e do entorno dos monumentos tombados passou a exigir um novo dimensionamento. Como observa Verá Milet (19881,o caráter marcadamente cultural da atuação do Sphan nas suas três primeiras décadas revelava-se inadequado ao novo modelo de desenvolvimento.
b \&S\ AODeRNÀ
141
Y' Foi à Unescoque o Sphan recorreu,a partir de 1965, para reformulare reforçar sua atuação, visando a compatibilizar os interesses da preservação ao modelo
+
E
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l H:i[ l li t'
dos bens culturais de valor nacional, e assumissem.sob a orientaçãotécnica do
de desenvolvimentoentão vigente no Brasil. Nesse sentido. a imagem do Sphan
então Dphan,a proteçãodos bens de valor regional. Para atender a esse objetivo, estados e municípios deveriam criar, quando fosse o caso, instituições e
como protagonistade batalhas memoráveisem defesa do interesse público rela-
legislaçãopróprias.
tivamente ao património, contra proprietários e setores insensíveis da Igreja e do
A participaçãode outros setores do governo federal e estadual na política de
poder público, foi substituída, em consonância com as diretrizes da Unesco, pela
preservação foi concretizada com a criação, em 1973, por solicitação do ministro
figura do negociador, que procura sensibilizar e persuadir os interlocutores, e con-
da Educação e Cultura, e com a participação dos Ministérios do Planejamento.
ciliar interessesl ou melhor, que procura demonstrar que os interesses da preser-
do Interior (através da Sudene), e da Indústria e Comércio jatravés da Embratur).
vação e os do desenvolvimento não são conflitantes mas, pelo contrário, são com-
do Programa Integrado de Reconstrução das Cidades Históricas, que passou a
patíveis.
funcionar com recursos da Seplan. Voltado inicialmente para o atendimento de
O objetivo era demonstrar a relação entre valor cultural e valor económico.
nove estadosdo Norte e Nordeste,em 1977 o programafoi estondidoao Sudeste.
e não apenas procurar convencer autoridadese sociedadedo interesse público
O PCH, como ficou conhecido, tinha como objetivo criar infra-estruturaadequada
de preservar valores culturais, como ocorrera nas décadas anteriores. Essa arti-
ao desenvolvimentoe suporte de atividades turísticas e ao uso de bens culturais
culaçãofoi feita em duas direções: seja considerandoos bens culturais enquanto
como fonte de renda para regiões carentes do Nordeste, revitalizando monumentos
mercadorias de potencial turístico, seja buscando nesses bens os indicadores
em degradação.A criação do PCH veio suprir basicamente a falta de recursos
culturais para um desenvolvimento apropriado.
financeiros e administrativosdo lphan. continuando a cargo dessa instituição a
A primeira alternativa. explicitada nas Normas de Quite (1967) e, no Brasil.
reforência conceitual e técnica. Propiciou, por outro lado, a criação, durante as
nas reuniões de governadores que produziram o Compromisso de Brasi7fa(1970)
décadasde 1970 e 1980,de órgãoslocais de patrimónioe elaboraçãode legisla-
e o Comprou/sso de Sa/fiador (1971), levou à criação, junto à Seplan, do Pro-
ções estaduais de proteção, abrindo os caminhos efetivos para a descentralização.
grama Integrado de Reconstruçãodas Cidades Históricas.em 1973. A segunda
No entanto, as críticas dirigidas ao lphan não se limitavama suas carências +
11
alternativa foi explorada pelo Centro Nacional de Referência Cultural, criado em
operacionais. Também em termos conceituais, a ênfase dada aos monumentos da
1975. Essas iniciativaspartiam do pressupostode que a estrutura e a experiência
cultura do colonizadortornava problemática,nos anos 70, uma identificaçãosocial
de trabalho do lphan. mesmo com a colaboração da Unesco, era insuficiente para
mais abrangente com o património. Para setores modernos e nacionalistas do gover-
atender às novas necessidades da preservação.
no, era necessário não só modernizar a administração dos bens tombados, como
Os encontros de governadores realizados em 1970 e 1971 foram sugestão do
também atualizar a própria composição do património, considerada limitada a uma
ministro da Educaçãoe Cultura, Jarbas Passarinho,a quem Renato Soeiro, que
vertente formadora da nacionalidade, a luso-brasileira, a determinados períodos
com ele tinha relações pessoais (ambos eram paraensesl, fora solicitar apoio às
históricos,e elitista na seleçãoe no trato dos bens culturais,praticamenteexcluindo
atividades do Sphan. O ministro considerava que a responsabilidade pela preser-
as manifestaçõesculturais mais recentes, a partir da segunda metade do século
vação do património nacional devia ser partilhada com os governos estaduais, que
XIX, e também a cultura popular. Essa atualização era a proposta do CNRC.
poderiam, inclusive, se beneficiar dessa atividade.
4.4 0
CENTRO NACIONAL
Ot REFERÊNCIA CULTURAL
Um dos princípiosdessa nova orientaçãoda política de preservaçãoera a descentralização. Já no artigo 23 do decreto-lei Re 25. de 30.11.37, havia menção
A diferença do PCH, a idéia da criação do CNRC não surgiu no interior da
à colaboração dos estados na proteção do património neles localizados. Nos do-
burocracia estatal, nem se propôs, no primeiro momento, como alternativa crítica
cumentos Compromisso de Brasília e Compromisso de Salvador se ncomendaua
ao lphan. Segundo depoimento de Aloísio Magalhães, foi fruto das conversas de
que estados e municípios exercessem uma atuação supletiva à federal na proteção
um pequeno grupo que se reunia em Brasília, de que participavam o empresário
]42
O PATRIAÕNIOEA PROCESSO
143
R
e então ministro da Indústria e Comércio Severo Gomes, o embaixador Vladlmir
Ministério das Relações Exteriores, a Caixa Económica Federal e a Fundação
Murtinho, ontão Secretário de Educação e Cultura do DF. além do próprio Aloísio. designer e artista plástico de renome. Ao grupo inicial se juntaram posteriormente
Universidadede Brasília. A esses órgãos juntaram-se, em 1978, por ocasião da assinaturado termo aditivo ao convênioanterior, o Banco do Brasil e o Conselho
o matemático Fausto Alvim Junior, a documentarlstae então diretora do Prodasen,
Nacional de DesenvolvimentoCientífico e Tecnológico. Representantesdos con-
Cordélia Robalinho Cavalcanti e a socióloga Bárbara Freitag, todos professores
venentes compunham o grupo de trabalho. que se reunia periodicamente para
da Universidade de Brasília.' A formulação da indagação que conduzia as discus-
acompanharas atividadesdesenvolvidaspelo centro. Desde sua criação, o CNRC
sões trazia a marca de seu tempo. "Por que não se reconhece o produto brasi-
foi dirigido por Aloísio Magalhãos.
leira? Por que ele não tem fisionomia própria?' Tratava-se de uma nova maneira
O perfil dos agentes recrutados por Aloísio distinguia-os dos tradicionais fun-
de equacionar a velha questão da identidade nacional, vinculando a questão cul-
cionáriosdo lphan, arquitetosem sua maioria. Integrarama equipe do CNRC pes-
tural à questão do desenvolvimento.
soas com formação na área de ciências físico-matemáticas, com especialização
O interesse que movia esse grupo era, em princípio,bastantepróximodas
em informática e em educaçãol técnicos om biblioteconomia e documentaçãol cien-
preocupações dos modernistas de 22 - atualizar a reflexão sobre a realidade
tistas sociais, críticos literários etc. A diversidade na formação acadêmica e o inte-
brasileira e buscar formulações adequadas para a compreensão da cultura no contexto brasileiro contemporâneo.
resse pessoal por mais de uma área de saber eram requisitosconsideradosfavoráveis a uma compatibilidadecom a proposta do CNRC. Na realidade,a especiali-
Inicialmente, o objetivo era criar um banco de dados sobre a cultura brasileira.
zação era considerada um risco para a produção do conhecimento que se dese-
um centro de documentaçãoque utilizasse as formas modernas de referenciamento
java alcançar. Os projetos desenvolvidosno CNRC punham entre parêntesesmodelos de interpretaçãojá prontos, inclusive os quadros conceituaisdas diferentes
e possibilitasse a identificação e o acesso aos produtos culturais brasileiros. Na concepção de Vladimir Murtinho e de Severo Gomes. tratava-se de um trabalho
disciplinas, e procuravam, através de uma perspectiva interdisciplinar, apreender
etnográfico, de dimensão estritamente cultural. No Relatório Técnico Ra 1, de
a dinâmica específica de cada processo cultural estudado, formulando, a pos-
2.7.1975, o objetivo do CNRC era definido como o 'traçado de um sistema refe-
ferforl,tipologiase modelos.
rencial básico para a descrição e análise da dinâmica cultural brasileira'.
Como o Sphan de Rodrigo,o CNRC gozava de autonomia de atuação, com
Essa concepção foi sendo reelaborada e ampliada, na medida em que se pro-
uma vantagem: não estando subordinado a nenhum órgão da administração públi-
punha atribuir ao CNRC uma finalidade mais ambiciosa. Tratava-se não de eleger
ca - pois era fruto de um convênio entre entidades diversas - gozava de uma
símbolos da nação nem de conhecer e divulgar as tradições brasileiras, e sim de
agilidade administrativa que possibilitou se tornasse um espaço de experimen-
buscar indicadores para a elaboração de um modelo de desenvolvimento apro-
tação. E se, por um lado, essa autonomia, e até certo ponto, descompromisso.
priado às necessidades nacionais. Desse modo, deslocava-se o centro de interes-
levou a uma dispersãonos trabalhos, que na maior parte foram interrompidos,ou
se para a questão atual do desenvolvimento e articulava-se a cultura às áreas
ficaram inconclusos,por outro, foi nesse espaço que se elaboraram os conceitos
politicamentemais fortes do governo. Para isso, era necessáriorecorrer a instrumentos alternativos de política patrimonial, tanto conceitual quanto administrativamente.
O CNRC começou a funcionar em junho de 1975, nas dependênciasda antiga
Reitoriada UnB, devido a um convêniofirmado entre o Governo do Distrito Federal, através da Secretaria de Educação e Cultura, e o Ministério do Indústria e Comércio, através da Secretaria de Tecnologia Industrial. No ano seguinte foi firmado novo convênio, a que aderiram a Secretaria de Planejamento da Presidência da República, o Ministério da Educação e Cultura, o Ministério do Interior, o
144
O PATRIAÕNIO[A
PROCESSO
que, no Início da década de 1980, fundamentaram a política da Secretaria da Cul-
tura do MEC e que foram incorporadosà Constituição Federal de 1988.
As diferentesorientaçõesde trabalhoeram orquestradaspor Aloísio,que optou pelo desenvolvimentode projetos mais ou menos complexos,em áreas temáticas e em locais diversos, de modo a alcançar um nível de amostragemda realidade cultural brasileira.Em termos operacionais,era norma buscar parceria com outras instituições e investigar formas diversificadas de devo/raçãodos resultados dos trabalhos. O processo de elaboração de projetos era informal, pois tanto po-
145
l
Y' de experiências. seja em termos de elaboração de uma problemática. Além dos doam ser formulados no próprio CNRC como encaminhados por agentes externos.
dois projetos já mencionados- sobre a cerâmica de Amara de Tracunhaém e
culturais
l lj
O guichê do CNRC atraía pesquisadores independentes e com proletos
sobre a tecelagemno Triângulo Mineiro - foram desenvolvidostrabalhosvoltados
pouco ortodoxos. Foi o caso dos projetos do Museu ao Ar Livre, de Orleans, SCi
para o artesanato indígena no Centro-Oeste e- para a utilização de pneus na fabri-
da produção de banana-passa, na região fluminensel do uso da marca estampada
cação de lixeiras no Nordeste. entre outros.
em folha-de-flandres, em Juiz de Foral da fabricação de lixeiras com pneus usados. no Nordestel da construção de modelos matemáticos para a classificação
A abordagemdo artesanatopode ser tomadacomo um exemplotípico do modo de trabalhar do CNRC, no sentido de tentar lançar um olhar novo sobre os pro-
de técnicas do trançado indígena; da impressão em computador dos padrões-
cessos culturais. Fol a parir da comparação entre as diversas manifestações
repassos.utilizados na tecelagem em teares de quatro pedais, no Triângulo Mi-
culturais pesquisadasque se elaborou uma tipologia, distinguindo fazeres codi-
neiro etc. A seleção também não obedecia a critérios rígidos. pois o que interessa-
ficados (como a tecelageml dos que dão margem à criatividade Individual(como
va era o seu potencial - nem sempre percebido pelos autores do prometo,como
a cerâmicajt fazeres tradicionais (como a cerâmica e a tecelagem) do artesanato
ocorreu,por exemplo,como do Museude Orleans- parao conhecimento de as-
de transformaçãoe reciclagem(como as lixeiras. que são um subprodutoda ativi-
pectos pouco estudados da realidade brasileira, e em termos de perspectiva de
dade industrial, e como. freqtlentementenos dias de hoje, o brinquedo popular).
ações inovadoras.
Em todos os casos se procurava entender os processos de transformação e/ou
Em um primeiro momento, o trabalho do CNRC deu ênfase a experiências de
de resistênciadessas atividades.sempre tentando se aproximaro máximo possí-
referenciamento. recorrendo com freqilência à colaboração de especialistas nacio-
vel do ponto de vista dos produtorese dos consumidores,de modo a apreender.
nais e estrangeiros. divulgadas em relatórios técnicos. Nessa fase inicial, o CNRC
sem preconceitos,essas trajetórias, e a fundamentar uma visão prospectiva.
era dividido em quatro áreas, de inspiração nitidamente acadêmica: Ciências
A abordagem do CNRCse propunhacomocríticaà visão romântica. que pre-
Humanas. Ciências Exatas, Documentação, Artes e Literatura. Ao lado de projetos
dominava entre os folcloristas, ou aos objetivos pragmáticos e assistencialistas
de âmbito restrito - a exposição de carrancas do rio São Franciscol a documen-
dos programasde incentivo ao artesanato. Considerandoas manifestaçõespesquisadas como "um momento da trajetória, e não uma coisa estática', Aloísio
tação do processo de trabalho do ceramista Amaro de Tracunhaém, PEI a exposi-
ção volante sobre dom Pedro ll e seu temposa documentaçãoe análise da atividade de tecelagem no Triângulo Mineiro; a análise e classificação experimental dos acervos dos museus brasileiros - foram desenvolvidos outros, mais com-
l
Magalhães afirmava que "a política paternalista de dizer que o artesanato deve
permanecercomo tal é uma política errada' e "culturalmenteimpositiva', pois "o caminho,a meu ver, não é esseso caminho é identificar isso, ver o nível de complexidadeem que está. qual é o desenho do próximopasso e dar o estímulopara que ele dê esse passo' (1985, p. 172). Qualquer intewenção deveria ser prece-
plexos -, o fhesaurus e os levantamentos socioculturais no pólo cloro-químico de Maceió e no complexo industrial-portuário de Suape. no Recife. Em um segundo momento, e já com base na elaboração de uma experiência
dida, portanto. do conhecimento da especificidade daquele saber-fazer, em sua (
de trabalho, o CNRC se estruturou em quatro programas: mapeamentodo arte-
trajetória e em sua inserção no contexto atual. Consequentemente.as formas de
sanato brasileiro, levantamentos socioculturais. história da ciência e da tecnologia
ação deveriamser necessariamentediferenciadas.adequadasa cada caso e momento, e envolvendo a participação da comunidade que produz e consome aqueles
no Brasil. e levantamento de documentação sobre o Brasil (ver Anexo IV). Nesse
bens, o que descartava,por princípio. o recurso a face/fas para lidar com a ques-
momento, a questão dos resultados do trabalho realizado não se resumia apenas
tão do artesanato.
à busca de novas formas de referenciamento e de divulgação, mas envolvia também a responsabilidade social da pesquisa e a consideração dos interesses dos
grupos pesquisados. Foi no âmbito do primeiro programa - Mapeamenfo do adesanafo brasa/eira-
que se obtiveramos resultadosmais significativos.seja em termos de diversidade
146
O PATRIAÕNIO[A
'{
A noção de aurenf/c/Jade,tão frequente nas discussões sobre artesanato. passoua ser questionada,pois considerava-seque decorria de uma visão dogmática e externa ao processo.A rigor. nessa perspectivaa própria noção de a/tesanafo. e a distinção entre aNesanalo e fecho/agia pafrfmonla/. ou entre aNesanafo
147 PROCESSO
l
Y' V
e requeria/ndúsfrfaficava,assim,relativizada e. do pontode vista de uma com-
projetos,que na época foram consideradosos hborafórfos por excelênciade com-
preensão do processo cultural, não era o aspecto mais importante. O objetivo.
provaçãodas "teses' do CNRC, ficaram parados ou foram (em um caso, dramati-
nesse caso. passava a ser o de conhecer, referenciar e compreender essas maná
camente) interrompidos e não chegaram a contribuir efetivamente para credenciar
festações. visando a presemar sua memória e a fornecer elementos para o apoio
o CNRC (e, posteriormente,a Fundação Nacional pró-Memória)para reivindicar
a seu desenvolvimento.
espaço e lugar na elaboração e implementação de projetos de desenvolvimento-
Essa orientação de trabalho, de inspiração nitidamente antropológica (o que não era, no entanto, explicitado na condução das pesquisas, que buscavam ins-
documentaçãosobre os contextos culturais pesquisados.'
pirar-se, esponfanefsficamenfe, apenas no contato com a rea//dada), foi exposta
No programaHlsfóda da c/énc/a e da fecho/ogfano Brasa/,o prometoque ficou
no documento Bases para um fraga/ho sol)re o adesanafo t)rabi/e/ro hde, produ-
mais conhecidofoi o do Museu ao Ar Livre, em Orleans,Santa Catarina, em zona
zido em 1979 em resposta a uma solicitação do Programa Nacional de Desenvolvi-
de imigração italiana. Idealizado na linha dos ecomuseus. além da exposição das
mento do Artesanato (PNDAI. do Ministério do Trabalho. Não é de surpreender
peças em um extenso parque. foi feita uma detalhada documentação, por meio de
que essa colaboração tenha se revelado, na prática, inviável.
fotografias.textos e desenhos, além do relato do artesão encarregadoda tarefa,
Os Levanfamenfos sociocu/forais foram os proletosmaisousadosdo CNRC.
H
o que não significa ausência de ganhos, pois foi produzidaextensa e importante
de sua desmontageme remontagem,de modo a presewar não apenas os produtos
em que havia um envolvimentoimediato com empreendimentosem curso e com
mas também a memória do processo de fabricação. Mais caro a Aloísio, no entan-
poderosos interesses, em geral conflitantes com a visão do CNRC. sobre a rela-
to. era, sem dúvida, o Estudo Multidisciplinardo Caju, identificadocomo importante
ção entre cultura e desenvolvimento.
raiz cultural brasileira.de incontáveisusos e marcante presençana vida nacional.
Parao CNRC.o objetivoera a buscade um modelode desenvolvimento apropriado às condições locais e compatível com os diferentes contextos culturais brasileiros. Essa visão, embora tivesse pontos de contato com as concepções então elaboradas na Unesco sobre desenvolvimento, entrava em confronto com a ideo-
logia desenvolvimento;ta que predominavanos anos 70. Por esse motivo. a participação do CNRC nesses projetos exigia, devido a sua complexidadee seu im-
pactonão só sobreas culturas,comotambémsobreas economiase as organizações sociais locais, um forte respaldo político, tanto por parte da direção da CNRC quanto externamente. Ora, não só essa propostaera ainda bastanteimprecisa,como não encontrava
Chegaram a colaborar nesse prometoespecialistas das mais diversas áreas de co-
nhecimento,inclusive Gilberto Freire, mas, em termos de ações, resultou apenas no tombamentoda fábrica de vinho de caju Tito Sirva, em João Pessoa.
Os Z.evanfamenfos de documentaçãosopre o Brasa/produziraminúmerosresultados a curto prazo, e foram precedidos da Análise e Classificação Experimental dos Acervos dos Museus Brasileiros, trabalho executado em 1977 para subsidiar a missão de um perito da Unesco chamado ao Brasil pelo lphan para prestar consultoriatécnica a museólogos.A intenção do CNRC era evitar que se impusessem aos museus brasileiros modelos externos, adequados a outras reali-
dades, e possibilitar que o trabalho do perito partisse do conhecimentoproposto
eco junto a setores da sociedade que. naquele momento, pudessem se fazer ouvir.
pelos museus no Brasil. segundo o ponto de vista de seus organizadores.Nesse
Além disso, a verdade é que outros proletos do CNRC. menos polêmicos, de alcance mais limitado e de cunho mais marcadamentecultural - como o estudo mul-
programa foram ainda realizadas experiências em indexação de documentos.
tidisciplinar do caju e a reutilização de pneus para a fabricação de lixeiras receberam maior apoio e atenção por parte de Aloísio Magalhães. que, prova-
velmente, via neles maior potencial para ilustrar suas idéias sobre a cultura brasileira.
como a elaboração de catálogos relativos à cinegrafia sobre a construção de Brasília e aos filmes produzidos pelo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP).
durante o Estado Novo. Já a indexação e microfilmagemda documentaçãoem depósito no Museu do índio tinha um objetivo que transcendia o mero registro: subsidiar o processo de demarcação das terras indígenas. A divulgação de obras
Esse, certamente, foi um dos principais motivos por que foi justamente nessa linha de pesquisa que se alcançaram resultados mais limitados, tanto em termos
sobre o Brasil existentes no exterior, ou não accessíveis ao público, foi outra preocupação desse programa, como a análise e publicação do Alara ermo-h/stórfco
dos objetivos a que se visava quanto da elaboração de uma experiência. Esses
148
O PATRIAÕNIOeA PROCESSO
149
l
Y' de Curt Nimuendaju e do \AntaA expedição científica de G. 1. LangsdorK ao Brasil
íí02í-íazpu. A esses proletos se acrescentaraminiciativas rápidas e oportunas de Aloísio, como a compra, em um leilão em Londres,de cinco lotes de documentos originariamente integrantes dos Autos da Devassa e a devolução a Congonhas
do Campo de um conjunto de ex-votos dos séculos XVlll, XIX e XX.
l
A análise dos 27 projetos discriminadosno quadro sinótico produzido pelo
E (:.
CNRC em 1979 (Anexo IV) evidencia a diversidade de interesses e o potencial de trabalhoque aquelapequenainstituiçãoalcançouem quatro anos de atividadeinteresses que se ampliaram na década seguinte com a introdução das questões
das etnias e da interação da educação com a cultura. '(
a modernizara noção de cultura brasileira,sem abrir mão, no entanto.de uma visão calcada no nacional-popular.Esse intuito de modernização- que não cheestava evidente na formulação dos objetivos do centro e nos métodos a que recor-
ria para alcança-los.
testemunho de épocas pretéritas ou como expressões artísticas individuais IMagaIhães, 1985, p. 63). Progressivamente,foi sendo formulada a idéia de bem cu/fura/.
que surgiu como alternativa atualizadae mais abrangenteà noção de património histórico. Joaquím Falcão sintotizou. com felicidade, a relação que, na visão de Aloísio Magalhães, existia entre as duas noções: "património histórico passou a
Dentre os bens culturais, o CNRC se voltou prioritariamentepara aqueles até então excluídosdas representaçõesda cultura brasileira construídaspelos órgãos
oficiais, ou seja. Vasta gama de bens - procedentes sobretudo do fazer popular - que, por estarem inseridos na dinâmica viva do quotidiano. não são considerados como bens culturais nem utilizados na formulação das políticas económica e tecnológica. No entanto, é a
À diferença das instituições já existentes voltadas para o conhecimentoe a
1!
Para Aloísio e os pesquisadores do CNRC, a imagem de cultura brasileira pro-
duzida pelas instituiçõesoficiais era, além de restrita, morta, e tratada como mero
gava a ser uma revisãoradicaldas concepçoesJá formuladasde culturabrasileira-
1.
H
residia seu potencial criativo.
ser a espécie, e bens culturais o gênero' (Magalhães, 1985, p. 18).
Pode-sedizer que. em um primeiro momento,o ideáriodo CNRC se propunha
l EÉ
dinâmica e em sua pluralidade. Acreditava-se que era nessas características que
partir deles que se afere o potencial, se reconhece a vocação e se descobremos valores
proteçãoda cultura brasileira, o CNRC não se propunhaa coletar bens, e sim a
mais autênticos de uma nacionalidade. (Magalhães, 1985, p. 52-53)
produzir referências - com o recurso às ciências sociais, à documentaçãoe à
A valorização das raízes populares na construção da identidade nacional não
informática - que pudessem ser utilizadas no planejamento económico e social.
constituía o dado novo da abordagem do CNRC. Como já foi observado no capítulo
A intenção clara era de revitalizar a cultura brasileira, inserindo-a no circuito do
anterior, em 30, os modernistas, inclusive os do Sphan, já procuravam chamar
tema que. no discurso governamental,tomava o lugar da "segurança nacional",
a atenção para o valor histórico e artístico das manifestaçõespopulares,inclusive
embora estivesse articulado com essa preocupação: o desenvolvimento. Não se
dos lazeres e saberes, como propunha Mário de Andrade em seu anteprojeto.O
tratava mais. entretanto.de uma visão otimista do desenvolvimento,como a for-
novo na proposta do CNRC era a perspectiva a partir da qual se valorizavam essas
muladana era JK e no períododo Brasil Grande.centradana industrialização e
manifestaçõos, que não eram apreciadas via folclore ou etnografia. Tratava-se de
nos grandesprojetos; essa visão começaraa ficar desacreditadacom a crise pós-
revelar um interesse até então não percebido:sua capacidadede gerar valor eco-
mf/abre.Havia, portanto, espaço para um novo discurso,que desse um novo sen-
nómico e de apresentar alternativas apropriadas ao desenvolvimentobrasileiro.
tido ao desenvolvimentoeconómico.
Era introduzida.assim, uma mediaçãopoliticamenterelevante entre a cultura po-
O problema que serviu de ponto de partida à criação do CNRC - a falta de um
pular e o interessonacional.
caMfer nacfona/no produto brasileiro- remetia, como ocorrera nos anos 20 com
Foram objeto preferencialdo trabalho do CNRC "o trato da matéria-prima,as
os modernistasem relação à produção cultural brasileira,à questão da tradição.
formas de tecnologiapré-industrial,as formas do fazer popular,a invençãode ob-
Em 1975, o grupo inicial do CNRC consideravaque o que faltava para conferir
jetos utilitários"(Magalhães,1985, p. 113). As análises desses objetos eram orien-
caüfer ao produto e à nação brasileirosera uma tradição que estivesse não ape-
tadas no sentido de demonstrar a adequação das soluções tradicionais ou das
nas cristalizada, internalizada, mas, sobretudo, viva. que fosse apreendida em sua
adaptações criativas do povo às condições do contexto brasileiro.
150
O PATRIAÕNIO
[A PROCESSO T51
l
Yj A noção de cultura popular foi ampliada de modo a abranger tanto as manifes-
do Brasil - país novo e pobre -, ele consideravaque a maior riqueza de que se
tações populares tradicionais quanto suas intersecçõescom o mundo industrial
dispõe não é material,é cultural. Essa cultura autêntica, viva. é que seria o nosso
e urbano. Ficava de fora, apenas, a cultura de massa.
legado para a civilização ocidental, nosso "artigo de exportação'.
A valorização da cultura brasileira, e em particular da cultura popular, atuaria
No artigo "Bens culturais: instrumento libra um desenvolvimentoharmonioso'.
B R
como vac/na contra as poderosas influências externas que descaracterizavam a
Aloísio Magalhães sintetizou sua visão sobre o papel da cultura no planejamento
nação. Como em 30, considerava-seque pairava no ar uma ameaça à sobrevivência da cultura brasileira, agora não tanto sobre os monumentos históricos
económico.tendo como eixo a questão da identidade nacional: "Resultam ainda
que, tombados, estariam, em princípio. protegidos, e sim sobre a cultura viva das
deixam de ser importantes como instrumentos para a formulação de nossa política
1;
k
frágeis os indicadores de nossa identidade cultural. Mas, apesar de frágeis, não
camadas populares, pouco conhecida e passível de ser esmagada pelo progresso
de desenvolvimento."(1985, p. 40). Essa política, para Aloísio, atuaria em dois
e pelas Influências exógenas.
níveis:
Ao CNRC não interessava, portanto, atuar sobre bens que fossem meros sig-
Considerandoo desenvolvimentocomo a busca de uma síntese harmoniosa
nos do passador para proteger esses bens já existiam instituições e museus sufi-
produzida pelos componentes diversificados e mesmo paradoxais de nossa cultura, é
cientes. Seu interesse se voltava para as manifestações culturais vivas, inseridas
de supor que a ação político-económica se processe em dois planos: em nível macro,
em práticassociais contemporâneas.Não era por acaso que Imagensvitalistas
das infra-estruturasde apoio. chamaríamosde metadesenvolvimento; em nível micro.
povoavam os discursos de Aloísio Magalhães.
de identificação de necessidadesligadas a comportamentos e hábitos, usos e costumes
Não só o conceito de cultura, mas também o modo como o CNRC a abordou 1.
da comunidade,chamaríamosde paradesenvolvimento.(Magalhães.1985. p. 421
já foram identificados com uma perspectiva antropológica. Considerava-se que as
Se. no nível macro, se importavam modelos e estruturas, muitas vezes inade-
manifestaçõesculturais deviam ser compreendidas em sua trajetória própria e em
quados aos contextos locais, era no nível micro, com o recurso aos indicadores
sua relação com o contexto cultural onde são produzidas e por onde circulam. Desse modo, o CNRC queria marcar sua diferença relativamenteàs apreciações
culturais. que se poderiam co/ng/r as desigualdades e descaracterizações. Ficava
tradicionais, via folclore. Posteriormente,vai-se cunhar a expressão "património
Implícitoque o equilíbrioentre esses dois níveis não é espontâneo,mas depende de decisão política.
cultural não-consagrado' para explicitar que se tratava de manifestações até então
Esse texto foi elaborado, em sua primeira versão, para ser encaminhado ao
não reconhecidas pelo património oficial e nem compreendidas. em sua especifi-
então todo-poderosochefe da Casa Civil, general Golberi do Couto e Silva, e.
cidade,pelascamadascultas.
não por acaso.discutiatambémas duas alternativaspossíveispara a conti-
Para o CNRC, o objetivo de sua proposta era instrumentalizar a área da cul-
nuidade do CNRC, que buscava uma forma estável de institucionalização: ou
tura para participar na elaboração dos projetos de desenvolvimento. Nos anos 70.
sua incorporação ao lphan, ou sua transformação em uma secretaria especial,
essa participação significava alcançar um assento junto aos organismos estatais
que atuaria junto à presidência da República, com alcance sobre todas as áreas
de planejamento,na medida em que o Estadoera, então,o protagonistados gran-
da administração pública federal. A segunda alternativa. mais adequada aos
des investimentos e o principal financiador dos empreendimentos privados. Nesse
objetivos do CNRC, era, porém, a mais complexa e politicamentemais instável.
sentido, os primeiros interlocutores do CNRC eram as autoridades dos órgãos estatais, embora houvesse a preocupação de buscar legitimação para seus trabalhos junto ao meio intelectual e, sobretudo, junto à área acadêmica, tanto nacional como internacional.
Após um período de indecisão, Aloísio preferiu a primeira, mais segura, e que oferecia maiores garantias de continuidade - o que de fato se confirmou. pois
foi o primeiropassoparaa criaçãoda Secretariada Culturado MEC,em 1981, quando. pela primeira vez, se reuniu em um só órgão, no Brasil, a gestão da
Um dos pontos de partida para a reflexão de Aloísio Magalhães era a distinção
política cultural federal.
entre países velhos e novos, e ricos e pobres (Magalhães. 1985, p. 85). No caso
152
O PATRIAON 10 EA PROCESSO
& \&S\ AOO[RNÁ
153
l
r 4.5 A UNIFICAÇÃODA POLÍTICA FEDERAL DE
bens, segundo Aloísio. se apresentavamcomo "mortos', em oposição à relação
plEstpvÂ[Ão: Â Fusão lpuAU/PCH/CNRC
dinâmica das manifestações populares com seus produtores e usuários. Por outro
Em 1979, com o apoio do ministro Eduardo Portela e do general Golberi do
l lj
k C
Couto e Silva, Aloísio Magalhães foi nomeado diretor do lphan, e ocorreu a fusão
camadas cultas explicitar o valor propriamente cultural das produções populares.
lpharúPCH/CNRC.Reuniam-se assim. numa só instituição. os recursos e o know-
tradicionalmentevaloradas a partir de uma percepção olitista, via folcloro. O pro-
how gerencial do PCH, o prestígio e
a competência técnica do lphan e a visão
metodo CNRC se propunhaa criar uma via de mão dupla entre dois universosque
modernae renovadora do CNRC. Foi criada uma nova estrutura: um órgão nor-
se achavam apartados tanto no domínio do conhecimento acadêmico quanto no da
mativo - a Secretaria do Património Histórico e Artístico Nacional (Sphan) e um
administraçãopública.
órgão executivo - a Fundação Nacional pró-Memória (FNpM).
11
l
Para Aloísio. a fusão vinha revitalizar o lphan e operacionalizaro CNRC, solução que se justificava na linha da continuidadepregada por ele. Esse era o conteúdo da exposição de motivos encaminhada ao MEC, em setembro de 1979, propondo a criação da Fundação Nacional pró-Memória como órgão executivo da
1 1$ 1.
lado, estava implícitono texto acima que cabia aos setores mais esclarecidosdas
O texto citado de Aloísio é bastante elucidativo quanto à elaboraçãofeita polo CNRC da dicotomiacultura erudita/culturapopular. Essa dicotomia,como veremos adiante, havia sido ratificada também no nível institucional, e aí rosidia uma diferença significativa entre a proposta de Mário de Andrade - exposta no sou
anteprojeto e realizadano Departamento de Culturada Municipalidade de São
Secretaria do Património Histórico e Artístico Nacional, que viria substituir o lphan.
Paulo, nos anos 30 - e a prática desenvolvidapelo Sphan com base no decreto-
E foi com esse discurso que Aloísio Magalhãesconseguiuamplo apoio no Con-
lei Rg25, de 30.11.37. Não foi por acaso, aliás. que o CNRC buscou no anteprojeto
gresso Nacional para aprovar. em regime de urgência e em um momento bastante desfavorável à criação de novas fundações, a Fundação Nacional pró-Memória, em novembro de 1979.
de Mário de Andrade um apoio a sua proposta. Entretanto, Mário de Andrade, embora se voltasso para criar vias de acesso entre a cultura erudita e a cultura popu-
lar, mantinhaclara distinção entre as duas - o que não ocorreu no CNRC. Como já foi dito no capítulo anterior. se os técnicos do Sphan eram sensíveis
Em termos conceituais, a idéia era de que o CNRC desenvolvia uma atuação complementare crítica em relação ao lphan, que privilegiava os bens de pedra e ca/. Tratava-se, nas palavras de Aloísio Magalhães.de suprir uma /acuda do lphan:
ao valor cultural das manifestaçõespopulares, na seleção de bens para tombamento havia dificuldadeem valorar esses bens com base nos critérios adotados
para as expressões da culturaerudita,sobretudose esses bens los da cultura A aproximação que o CNRC deu ao conceito de bem cultural atinge uma área de
que o Patrimónionão estavacuidando.Ou seja:o bem culturalmóvel,as atividades do povo. as atividades artesanais. os hábitos culturais da humanidade. O Património
popular) se achavam inseridos na dinâmica de uso das comunidades locais. É significativo. a respeito. o parecer de Luís de Castro Farias, membro do Conselho
atuava de cima para baixo, e. de certo modo, com uma concepçãoelitista. A igreja
Consultivo, e então diretor do Museu Nacional, que, em 1958, assim justificava
e o prédio monumental são bens culturais, mas de um nível muito alto. São o resultado
sua opinião contrária ao tombamento do Santuário do Bom Jesus da Lapa, na
mais apurado da cultura. O CNRC procurava trabalhar de baixo para cima. Pela própria
Bahia,solicitadopelo párocolocal:
razão de ser uma atividade popular não tem consciência de seu valor. Quem faz uma
No Santuário de Bom Jesus da Lapa pratica-se um culto de cunho popular. A religiosidadeda massa humana que ali acorre em época de romaria se exprime de
igrejasabe o valor do que faz. Mas quemtrabalhacom couro, por exemplo nem sempre. Desse contraponto, pode surgir uma hipótese - a de que o CNRC começava
acordo com padrõeséticos próprios;a sua sensibilidadepossui também um sistema
a tocar nas coisas vivas, enquanto o lphan se preocupava principalmentecom as coisas
de valores algo diferente do nosso. Para que esse santuário possa continuarfiel a essa
mortas. Pelo contrário. é através das coisas vivas que se deve verificar que as do
tradição. é preciso que Ihe não restrinjam a liberdade de ampliação. renovaçãoe mesmo
passadonão devem ser tombadascomo mortas. (1985, p. 217)
inovaçãoem consonânciacom as exigências daquelas formas peculiares de com-
Como a vinculação - utilitária e simbólica - dos bens tombados pelo lphan
portamento.Comprovado o desfiguramento paisagístico do local e o desaparecimento
com a vida social e económica das comunidades não era levada em conta. esses
de todos os bens de valor histórico e artístico (segundo os critérios da Dphan) que ali existiram, não vemos como se poderia conciliar futuramente os interesses do Dphan
154
O PATRIAÕNIO[A
PROCESSO
h \&\\
AOB[RNÁ
T55
t
T e os das autoridades eclesiásticas responsáveis pela grave tarefa de manter e ampliar o culto na forma peculiar de que se reveste naquela área. l26a reunião CC
21.8.581
Ou seja, considerava-se, no final da décadade 1950,que as expressõesda
l lj
IK
cultura popular deviam ser apreciadasdentro de uma outra ordem de valores que
A partir dos anos 80, a preservação das manifestaçõesculturais dos diferentes
contextos culturais brasileiros assumiu uma nítida conotação política, na medida em que, à idéia de diversidade, se sobrepunha a de desigualdade.Ao propor a introdução de bens do "património cultural não-consagrado' no património histórico
e artístico nacional (basicamente, bens das etnias afro-brasileiras e vinculados
não a que presidia à prática de preservaçãoexercida pelo Sphan, adequadaaos bens móveis e imóveis de excepcional valor histórico e artístico.
à cultura popular). e a participação da sociedade na construção e gestão desse
Manifestaçõescomo o artesanato, ritos e folguedos, os saberes e fazeres do
lizava então a sociedade brasileira pela reconquista da cidadania. Na gestão de
povo eram, até os anos 70, objeto de interesse primordialmentede folcloristas e
Aloísio Magalhães no lphan. uma primeira expressão dessa participação foi a in-
etnógrafos,sendo os mais conhecidos Luís da Câmara Cascudo, no Rio Grande do Norte. RossiniTavares de Lima. em São Pauta,e Renatode Almeida e Edison
trodução da prática de consultar as populações dos centros históricos, o que ocor-
Carneiro,no Rio de Janeiro. Em 1958, foi criada, no MEC. a Campanhade Defesa
Em termos teóricos, o CNRC não lidava com os conceitos de arte e de histó-
do Folclore Brasileiro,integrada, nos anos 70, ao Departamentode AssuntosCul-
ria, sobre que se fundamentava a ação do lphan, mas com categorias apresentadas
turais (DAC), e, posteriormente,à Funarte. Em 1977, foi criado, no Ministério do
como novas, no sentido de reelaboradas,como a de bem cultural, de memória.
Trabalho o Programa Nacional de Desenvolvimentodo Artesanato (PNDA), visan-
de continuidade etc.
do a explorar o artesanato como possível fonte de renda para mão-de-obranão qualificada. A Artíndia, por exemplo, vinculada à Funai. tem por objetivo comercia-
lizar objetos produzidospelos índios. Institucionalmente,portanto, o trato de bens produzidos em contextos culturais de origem afro-brasileira, indígena e popular ficava a cargo de outros setores dentro do MEC, e de outros órgãos da administração pública federal. Integravam,porém, o patrimóniohistórico e artístico nacional nas coleções etnográficas dos museus nacionais.
património, a política da FNpM visava a se inserir na luta mais ampla que mobi-
reu nos semináriosde Ouro Preto, Diamantina,Cachoeira,São Luís etc.
Em contrapontoà idéia de coletar para guardar, para preservar, Aloísio Ma galhães propunha a noção de "dinamização da memória nacional': Quando se fala em memória num sentido figurado, quando se empresta a idéia de memória a um fato qualquer, em geral há uma tendência a se tomar isso como 'juntar ou "guardar alguma coisa, "reter'. E isso me parece insatisfatóríoleu prefiro o conceito biológico de memória: guardar. reter, para em seguida mobilizar e devolver. (1 985, p. 67)
O CNRC se propunha, entre outros objetivos, a reelaborar essa dicotomia
Para Aloísio, a atividade de proteção não podia esgotar-se nela mesma. Era
jerudito/popular) e a conferir um status de património histórico e artístico nacional
necessário pâ-la a serviço da sociedade, o que considerava ser também respon-
à produção dos contextos populares e das etnias indígena e abro-brasileira.Na
sabilidade dos organismos culturais.
mesma linha. o prometodo CNRC (que foi assumido pela FNpM) queria dar um novo sentido à política de presewação.Não se tratava mais de apenas presewar
imutabilidade. como os procedimentos de proteção levam a entender - Aloísio
materialmente monumentos e sítios em que se reconheciam valores históricos e
Magalhães articulava passado, presente e futuro, tendo sempre em vista elaborar
artísticos que justificavam o investimento em sua conservação pela sua mera
a ação projetiva.o"Porque uma cultura é feita de elementos compostos do passado
presençae visibilidade. Essa era consideradauma postura elitista, para benefício
que são vistos pelos homens transitórios do presente e que desenham o caminhar
apenas das camadas cultas. Nos anos 70, a tarefa de preservação passou a assu-
Na noção de tempo cultural, entendido como continuidade' - mas não como
projetivo.'(1985,p. 71).
mir novas funções para além da escora estritamente cultural. Como já vimos, pro-
curava-se revelar nos bens culturais sua dimensão de produtoresde valor eco-
A concepção ampla de cultura, a visão totalizadora e articulada da ação cul-
nómico, seja diretamente,como matéria-primapara a atividadeturística, seja indi-
tural conforme o modelo das duas vertentes,'' idéias expressas em imagens como
retamente, como referências para a busca de soluções adequadas ao processo
de desenvolvimentobrasileiro.
156
O PATRIAÕNIO[A
PROCESSO
a do disco e a da bateia, habilitavam Aloísio a abarcar todo o universo cultural do MEC.
157
l
T autor, esse lema "sugere uma estratégia política que requer uma capacidadede
4.6 UM PROPOSTADE D[AOCRATIZACÃO DA POLÍTICA
auto-organização da sociedade'(1990,p. 290).Era nesseespaço- entreo lema CULTURAL: Â CRIAÇÃO DA SECRETARIA DA CULTURA DO A[C
e seu pressuposto- que pretendiam atuar os agentes do CNRC e. a partir de 1979,
Na gestão do processo de reordenamentoinstitucional da área cultural do
os da FNpM. Em que medida as estratégias adotadas levaram efetivamente à de-
MEC, Aloísio Magalhães, visando a administrar inevitáveis conflitos entre inte-
mocratização da política de presewação é uma das indagações que motivam este
resses de áreas até então autónomas, recorreu a um processo pouco usual no
trabalho.
serviço público: a realização de seminários reunindo técnicos de todas as instituições envolvidas. Em 1979, esse foi o objetivo do seminário realizado na Escola
Superior de Administração Fazendária (Esaf), em Brasília, com funcionários do lphan, do PCH e do CNRC. O mesmo procedimentofoi utilizado em 1981. quando
da criação da Secretaria da Cultura do MEC (SECA, com o objetivo de elaborar o documento que foi denominado D/refrlzes para operam/ona//zação da po//rica
i
cultural do MEC.
O fato é que esse novo discurso se revelou compatívelnão só com o momento de abertura democrática dos últimos governos militares, como foi também encampado pela Nova República. Os artigos 215 e 216 da Constituição de 1988 trazem nitidamente sua marca. Após a morte súbita de Aloísio Magalhães, em junho de 1982. na Europa, onde fora participar de reunião da Unesco, em Veneza, assumiu a SEC seu conterrâneo,
Marcos Vinícios Vilaça, que se propôs dar continuidade à orientação de seu A proposta de democratização da política cultural contida nesse documento foi
antecessor.
introduzida pelos agentes institucionais que elaboravam e conduziam os proletos [
l
no CNRC e, posteriormente. na FNpM. Esses agentes - em geral atraídos pela possibilidade de desenvolverem trabalhos voltados para os interesses de grupos
até então não atendidos pelas políticasculturais - se propunhamatuar como
Em 1985, o presidenteeleito Tancredo Neves criou o Ministério da Cultura. que substituiua SEC, e foi assumido por José Aparecido de Oliveira durante apenas dois meses, antes de passar a responder pelo Governo do Distrito Federal.
mediadores entre o Estado e as comunidades ainda não organizadas, na cena da
Para substituí-lo foi nomeado o mineiro Aluísio Pimenta, a quem sucedeu, em
política cultural estatal.
1986, o economista Celso Furtados em setembro de 1988, José Aparecido ocupou novamente o ministério.
t
A diferença da fase heróica do Sphan, nesse documento não se propunha atingir a sociedade através de uma campanha de educação popular, no sentido
No MinC, procurou-se estimular a participação da sociedade mediante três
de esclareceras massas sobre os valores histórico e artístico dos bens culturais.
procedimentos: a criação de assessorias especiais - do negro, do indígena, da
Para aqueles novos agentes institucionais,no final dos anos 70 e início dos 80.
mulher, dos deficientes físicos, da terceira idade etc. -, a realização de seminários.
as ações da política cultural do governo federal deviam se voltar prioritariamente
que reuniram intelectuais e artistas, visando à elaboração de uma proposta de po-
não só para o atendimento das necessidades culturais, como também levar em
lítica cultural, e a implantação da Lei Sarney, de incentivos fiscais.
consideração as necessidades económicas e políticas dos grupos sociais até então excluídos - simbólica e materialmente - dos benefícios dessa política. Mais que isso: era preciso que essas comunidades passassem a participar do processo de construção e de gerenciamento da produção cultural brasileira, inclusive do património cultural. É pela via da participação social
- e não mais pela da seleção
rigorosa de bens de valor excepcional - que se vai buscar legitimar a política de
preservação dos anos80. Esse recurso não caracterizava uma mudança apenas no âmbito da política cultural. Como observa Pécaut, o lema, no quadro da abertura política iniciada no
As propostas dos seminários praticamente ratificaram o texto das l)/ref/{zes. As assessorias foram. enfim, extintas, permanecendoapenas a do negro que.
apósa Constituição de 1988,se transformou na Fundação Palmares. A Lei Sarney foi revogada no início do governo Collor e, posteriormente, substituída pela Lei Rouanet. Extinto em março de 1990, após cinco anos apenas de funcionamento, o Ministério da Cultura da Nova República, primeira tentativa no Brasil de criação de um
ministério independente para cuidar exclusivamente da cultura. está a requerer uma análise específica.
governo Geisel, era "reativar a sociedade civil'. Entretanto, segundo o mesmo
158
O PATRIÁõNIO
[Á
PROCESSO
159
T 4.7 0 ALCANCE E OS llAITES DA POLÍTICA FEDERAL Dt
PRES[RVA[ÃO NOS ANOS 70-80:
lembrar que a chamada fase de aóenura, iniciada em 1974, com o governo Geisel,
UA BA]AN[0
teve implicaçõesperceptíveisno âmbito desse ministério. Duranteas gestões dos
A mera exposição da trajetória da política de preservação federal, nas décadas de 1970 e 1980. evidencia uma nítida mudança em relação ao modelo vigente até
11
então. O esforço de reformulação feito pelo lphan no final dos anos 60 e início
dos 70. através do recurso à consultoria internacional e ao envolvimento dos governos estaduais. não foi suficiente para recuperar o prestígio e o relativo poder de que a instituição gozara durante a gestão de Rodrigo M. F. de Andrade. O
ministros Ney Braga. Euro Brandão (governo Geisel), mas sobretudo durante a gestão Portela, o MEC se converteu em um espaço privilegiado para a criação
de uma imagemde abertura.Após a fase de reestruturação institucionale de elaboração da primeira política global para a área da cultura depois do golpe de 1964,
na gestão Portela o MEC se propôs explicitamente privilegiar as demandasdos grupos populares. Comparando os textos e documentos produzidos nesse período
surgimento de alternativas à margem do MEC veio mesmo confirmar o desgaste
com o lá mencionado Po/#/ca nac/ona/ de cu/fura, Sérgio Miceli observa que estes
da proposta do lphan e a necessidade de uma reorganização institucional.
últimos 'lidam com pares conceituais idênticos, mas com sinais trocados' (1984,
Conceitualmente, essa reelaboração já vinha sendo tentada, desde a gestão
p- 1071.E nesse período que Aloísio Magalhães inicia sua ascensão na política
cultural do MEC.
de Jarbas Passarinho no MEC, quando, segundo informação de Gabriel Cohn (1984, p. 88), foi elaborada,em 1973, a primeirapropostaglobal de política cultural do governo militar, com o pouco conhecido documento Direfrizes para uma po/ilfca nacional de cultura. Mas o documento que foi efetivamente divulgado e adotado como orientação
O tom novo e modernoque é atribuídoao discursode Aloísio Magalhãesdecorre não exatamentedos temas propostos.mas do modo como os elabora e do significadoque lhes confere,tendo em vista um prometo para a nação. Pela primeira vez, desde 1964, a expressão"segurançanacional" está totalmenteausente de
oficial foi o Po//fica naciona/ de cu/fura, elaborado em 1975, durante a gestão do
um discurso oficial cujo tema é a cultura. Por outro lado. a relação entre cultura
ministro Ney Braga, por membros do MEC e do Conselho Federal de Cultura, sob a orientação de Afonso Arinos de Meio Franco. Nesse texto, já estavam presentes
e desenvolvimento assume,em seus pronunciamentos.contornosmais específicos, exemplificadacom situaçõesconcretas,como o caso de Triunfo (cf. Maga-
temas que foram posteriormente desenvolvidospor Aloísio Magalhães.
Ihães, 1985, p. 42-441,e traduzidaem uma propostade atuação nova. ainda que genenca.
+
A expressão "segurança nacional" está praticamente ausente do texto, a não
ser por uma rápida menção (MEC, 1975, p. 30). É a temática da relação entre
Além disso. Aloísio evita habilmentequalquer menção. ou mesmo alusão, à
cultura e desenvolvimentoque recebe maior destaque, na afirmação da impor-
idéia de sincretismo.A reflexão que desenvolve sobre o processo cultural brasi-
tânciada culturana vida económica e social('0 desenvolvimento não é um fato
leiro, sempre a partir de pares de opostos (países novos/velhose pobres/ricosl
de natureza puramente económica. Ao contrário, possui uma dimensão cultural
bens vivos e bens mortos etc.), é mais sofisticada,na medida em que não se re-
que. não respeitada, compromete o conjunto' [ibid.]). A noção de identidade cultu-
solve numa mera síntese ou superação das oposições, mas mantém sempre a
ral é referida a partir de uma perspectivapluralista. pluralismo esse que se ex-
relaçãoe a tensão entre os dois pólos. Como articulaçõesdesses elementos,Aloí-
pressa na diversidade regional. Essas diferenças, amalgamadas entre si e às
sio recorre às noções de processo ou dinâmica cu/fura/e de tempo cu/fura/,no-
influênciasexternas,se fundiriamno 'sincretismo'característico da "marca"bra-
ções que vai definir. como era seu costume,e até por vezo profissional,recor-
sileira (idem, p. 161. O património cultural brasileiro é caracterizadoa partir da
rendo às imagens extremamente expressivas a que já nos roferimos: a do cristal.
tradicional distinção entre cultura erudita (património histórico, artístico e cientí-
a do estilingue, a do disco e a da bateia.
ficos e cultura popular (artesanato e folclore) (idem, p. 24), propondo-se inclusive
ações distintas para cada uma das duas esferas. Para se entender melhor o surgimento da proposta do CNRC, e sua incorporação à política cultural do MEC no contexto de um governo autoritário, cabe
160
Foi com base nas idéias de óem cu/fura/. de dfvers/dadocu/fura/, de conlf-
nu/dado, e na afirmação do potencialproletivodo trabalhona áreaculturalque
O PATRIAÕNIO
ÉA PROCESSO
Aloísio Magalhães e o grupo do CNRC formularam uma proposta de política cultural que tinha como ambiçãofornecer subsídiospara a solução dos problemas
}61
do desenvolvimento no Brasil. Sua elaboração,no entanto,passavaao largo de
Nesse sentido, o discurso de Aloísio se distinguia do discurso então produzido
tensões e conflitos concretos que se manifestavam no âmbito do processo cultural
pela Seac, sob a direção de Márcio Tavares d'Amaral - que, em 1981, foi inte-
e, certamentede forma mais aguda e evidente,nos campos económicoe social
grada à Secretariada Cultura, e passou, portanto, à direção de Aloísio. Em sua
tensões essas que se impunhamna execuçãode projetoscomo os de Maceió e
fala, a distinçãoentre dominantese dominados- que predominavanos textos da
de Suape.
Seac - é apenas mais uma entre as oposições mencionadas - e certamente não
No seu discurso,Aloísio Magalhãescriticava os sinais da modernizaçãocapi-
a mais enfatizada-, o que terá contribuídopara que seu discursotransitasselivre-
talista que consideravainadequadosem um país subdesenvolvido- transferência acrítica de tecnologias próprias para os países desenvolvidos,acumulaçãode ri-
mente entre grupos sociais das mais diversas orientações políticas e servisse.
quezas sem a correspondentedistribuição,investimentosem proletos faraónicos-
área cultural no governo federal. Por outro lado, é inegável que essas oposições
para defenderum modelode desenvolvimentoendógeno.a busca de soluções
foram construídasde modo a induzir a uma valoração, recebendo sinal positivo
autóctones. Essa postura se alinhava à orientação terceiromundistada Unesco.
o que era qualificado como vivo, o que, por contraste, qualificava negativamente-
então sob a direção do africano Amadou Matar M'Bow.
no sentido de morta, estática e afastada da vida das comunidades - a política de
Segundo essa visão, o que, na perspectiva do desenvolvimentismo.eram sinais de carência - o atraso tecnológico, os bolsões de cultura pré-capitalista,
preservação praticada pelo lphan. E, embora alguns projetos visassem a uma
o apego à tradição - converte-se, pode-se dizer que quase magicamente. em fato-
CNRC, no conjunto prevaleciam aqueles bens a que a atuação do lphan não vinha
res propiciadoresde um desenvolvimentoapropriado.Essa inversãode expec-
atendendo.
tativas é exposta por Aloísio Magalhães em um tom que beira o messianismo:
com sucesso, para alcançar o objetivo a que se propunha: a reestruturação da
reinterpretação dos bens consagrados. conforme os pressupostos de trabalho do
Foi, portanto, o potencial criativo dos bens culturais - primordialmente os da
Restam os países pobres e novos. A esses. e para esses, devemos voltar nossos
culturapopular- e seu valor como "instrumentopara um desenvolvimento har-
olhos e nossa reflexão porque aí talvez se encontre, excelências, uma série de parâ-
monioso' que constituiu o foco de interesse dos trabalhos desenvolvidos pelo
metros e de paradigmas que, nesta altura da vida do Ocidente - pois estamos falando
CNRC.
da Ocidente- adquiremum significadotodo especial.E que talvezesteja unicamente nos segmentos de autenticidade dessas nações, nos frágeis e pequenoselementos que constituem o seu património, como cultura, justamente a probabilidadeda sua salvação diante do mundo, criado pelo homem ocidental, em que tudo são impasses, em que
No entanto, as indefinições do discurso de Aloísio, que em meados dos anos
70, podiam ser encaradascomo estratégia política, foram tornando problemática sua aceitaçãopor parte de setores sociais mais radicais. Em primeiro lugar, esse
nada foi resolvido. em que o dinheiro não compra harmonia, não compra a identificação
discurso revalorizavaa cultura popular a partir de uma visão idealizada, sem iden-
do homem com o meio ambiente, diante de um mundo em que tudo está em xeque,
tificar os sujeitos reais que a produzem e consomem, e seu lugar subalterno na
em que nenhuma das formas de valorização económica, tecnológica e mesmo científica
sociedade brasileira. Em segundo lugar, sua posição, junto ao governo federal,
está verdadeiramente à disposição de todos. (1985, p. 82-83)
de poda-voz dos produtores dessa cultura, tornava-se progressivamente mais pro-
Na verdade, a crítica de Aloísio se dirige antes ao imperialismo que ao modelo
blemática, tanto em função das ações desse governo, que contradiziam a intenção
capitalista implantado no Brasil. Imperialismo económico. do capital internacional.
de abertura, quanto da própria rearticulação da sociedade civil. Esses aspectos
imperialismo cultural, dos padrões europeus e, mais recentemente. dos mass
do discurso de Aloísio e da prática do CNRC provocaram críticas de setores da
media americanos. O verdadeiro Brasil, qual um gigante adormecido. estaria co-
intelectualidadee desconfiança por parte de lideranças dos movimentos populares
berto por um manto estrangeiro:
ainda incipientes.
E como se o Brasil fosse um espaço imenso, muito rico. e um tapete velho, roçado.
um tapete europeucheio de bolor e poeira tentassecobrir e abafar esse espaço. E preciso levantar esse tapete. tentar entender o que se passa por baixo. IMagalhães.
1985,p. 421
162
O PATR IAON 10 EA PROCESSO
Apesar da grande aceitação desse discurso e da receptividade à pessoa de Aloísio, a proposta do CNRC transmitia, sobretudo aos setores acadêmicos - que Aloísio procurava, principalmente em São Paulo, para trocar idéias - uma impres-
h \hS\ AODeRNÁ
163
+
são de imprecisão teórica e de ambigüidade ideológica, o que era agravado por
na cena da política cultural brasileira,no período que vai de 1976 a 1982. Apoiado
$eu lugar de fala, de dentro do Estado. Essa situação ficou mais delicada após
em sua relação pessoal com personalidades influentes no governo federal, e,
1977, quando o presidente Geisel fechou o Congresso e lançou o "pacote de abril".
sobretudo, em seu carisma pessoal e sua habilidade política, Aloísio conseguiu conquistaraliados importantesjunto ao Executivo - como o então todo-poderoso
o que motivou a saída do ministro Severo Gomes do governo. Se as críticas de um intelectual de perfil mais tradicional, como o historiador José Honório Rodri-
gues, não criavam maiores embaraços a Aloísio (Magalhães, 1985, p. 122-127).
K H'
(
1.
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1. {:
ministro Golberi do Couto e Salva- e junto ao Congresso Nacional. Entretanto, fatores como sua identidadede criador je não de intelectual,vinculado à acade-
ficava mais difícil reagir às reservasde intelectuaiscomo CardosGuilhermeMota.
mia), sua desvinculaçãoda política paRidária,sua carreira tardia no serviço públi-
Marilena Chauí, Sérgio Miceli e outros, que se fundamentavam numa reivindicação
co e restritaà área cultural, seu interesse mais afetivo que crítico pela cultura
de maior rigor científico e maior clareza ideológica.''
popular o, sobretudo,o caráter original de seu discurso.que Ihe garantia inegável
Essa ambigilidade se tornou particularmenteIncómoda a partir dos anos 80.
poder de penetraçãojunto aos mais diversos componentosda sociedade- políti-
quando a sociedadese mobilizavapara a reconquistados direitos políticos, e foi
cos, intelectuaise artistas, conservadores. liberais e mesmo pessoas reconheci-
reforçadajunto ao moio acadêmico.como observa Sérgio Miceli, devido "à ausên-
damente de esquerda dalgunsdos quais figuravam entre seus colaboradoresl-
cia de um quadro conceptual de reforência nos documentos veiculados pelo Cen-
certamentecontribuírampara suscitar muitas dúvidas quanto ao uso que estaria
tro" j1984, p. 80). Por outro lado, pode-se argumentarem favor de Aloísio e de
sendo feito de seu prometopelo governo militar. Para Verá Milet (1988), por exem-
seu prometoque. se o mundo acadêmicoé o universo da análise e da crítica - cuja
plo. a atuação modernizadora de Aloísio, na verdade, vinha ao encontro do interes-
independência é, inclusive, garantida pelo princípio da autonomia universitária - Aloí-
se do Estado, então na era pós-mf/abre económico e passando por uma crise de
sio Magalhães, assim como Mário de Andrade e Rodrigo M. F. de Andrade, transi-
legitimidade,no sentido de fornecer um idoário nacionalistanovo e adequadopara
tava no mundo da política,regido pelos princípiosda ação. da estratégia,da nego-
diluir, no nível da ideologia, as contradiçõese os conflitosque, naquele momento, marcavama sociedade brasileira. Verá Milet considera que 'ao nível do ideário
ciação e dos resultados. Esse efeito negativo era contrabalançado- e alguns preferirão dizer: mas-
e da ação na instância cultural, aquele prometorespondeàs necessidadesdo siste-
carado - pela originalidadee extrema eficácia persuasivado discurso de Aloísio.
ma atual no que diz respeito à promoçãode uma cultura nacional em que todos
Seu estilo fugia à impessoalidade e à insipidez da linguagem burocrática, mas não
os cidadãos, independentementede sua posição de classe, se sintam partícipes'
se identificava tampouco com o rigor do texto acadêmico. Como observou José
11988, p. 176).
Laurênio de Meio na introdução a E 7}funfo?. plasticidade e oralidade eram os tra-
O documen\o Diretrizes para operacionalização da política cultural do MEC
ços característicos de sua expressão verbal (assim como a curiosidade, o otimis-
j1981) procurava avançar na resolução da ambigüidade mencionadarecorrendo
mo e a afabilidade eram as características mais marcantes de sua personalidade).
a um outro conceitotambém genérico e não menos ambíguo - o da participação
E apesar da impressão de simplicidade e de espontaneidade que suas falas pro-
comunitária. Nesse texto, reivindica-se a ampliação da imagem de cultura forjada
vocavam, certamente, como artista plástico, Aloísio sabia, melhor que ninguém,
pelos órgãos oficiais, não só pelo reconhecimentodo que se denominava"patri-
como é difícil ficar indiferente à beleza da forma, seja da imagem, seja da palavra.
mónio cultural não-consagrado',como também, e sobretudo, pela participaçãode
E em mais um gesto surpreendente em sua carreira de burocrata. não hesitou em
outros atores no processo de "gerenciamentoda produção e da preservaçãodos
recorrera seus dotes de gravador para argumentar.na última reuniãode que parti-
bens culturais'. Formulou-se,assim, uma proposta de democratizaçãoda política
cipou. na ltália, sobre a pertinência de se inscrever Olinda como Património Cul-
cultural que, durante a década que se seguiu, foi um mote sempre reiterado nós
tural da Humanidade.': Simbolicamente,nesse momento unia as duas faces de
discursos produzidos pelos órgãos culturais públicos e privados, federais, esta-
sua vida de trabalho, a do criador de imagens e a do formulador de projetos.
duais e municipais
Por outro lado, é preciso não esquecer que o discurso foi apenas um dos recursos de que se valeu Aloísio no exercício de seu papel como protagonista
164
O PATRIAONIO [A
PROCESSO
Na vertente da preservação, tradicional e juridicamente de responsabilidade do poder público, e regulamentadaa partir de campos disciplinares específicos
& \&\\ AOBeRNÁ
T65
+
como a história da arte, a estética,
a história, a arqueologia etc., essa proposta
revelaram-seinsuficientes para operacionalizar a relação entre cultura e desen-
de democratização,calcada em um argumento político e em uma concepção antro-
volvimento e assegurar às populações dessas áreas meios para defender seus
pológica de cultura, encontrou. na prática, dificuldades e limites que, obviamente.
interessese sua cultura.
não se apresentavampara a vertente da produção cultural (cinema, teatro, artes plásticas etc.) - para a qual interessava que a atuação do Estado se limitasse a assegurar a liberdade de expressão e a fornecer formas de estímulo à criação, sobretudo através de apoio financeiro.
l
f
riências pontuais que levaram a resultados concretos - como a realização, em 1985, do Encontro Nacional de Serlngueiros da Amazõnia, no campus da Univer-
sidade de Brasília, desdobramento do PrometoSeringueiro, desenvolvido desde
Por outro lado, as diferenças de perspectiva na área da preservação (entre
1982, em Xapuri, Acre, dentro do PrometoInteração da Educação Básica e Con-
os agentes da Sphan e os do CNRC) não eram incontornáveis.A prática dos agen-
textos Culturais Específicos - conduziu a Área de Referência da Dinâmica Cultu-
tes do CNRC e, posteriormente. da FNpM, como, certamente, também a prática
ral da FNpM a assumir explicitamenteuma posição política comprometidacom os
dos agentes da Sphan junto às comunidadesvinha demonstrandoque os valores
grupos sociais marginalizados.Essa posição foi claramente expressa no docu-
culturais atribuídos pelas elites cultas - não só, mas também através dos órgãos
mento Compram;ssocu/fura/ da /Vovó RepúZ)/icajver Anexo V), produzido por
estatais de preservação - aos bens que integravam o património eram freqüente-
iniciativa de funcionários da FNpM - mais especificamente. do grupo oriundo do
mente estranhos, ou mesmo indiferentes, para as populações que conviviam com
CNRC - mas que foi assinado por várias entidades da sociedade civil.
esses bens - pelo menos para grande parte dos habitantesdas cidades históricasC
A consciênciadesses limites. fruto também da reflexão sobre algumas expe-
Esse documentofoi motivado pela vacância, em maio de 1985, do cargo de
seja porqueessas populaçõeslhes atribuíamvalores de outra ordem, seja porque
ministro da Cultura. com a saída de José Aparecido de Oliveira. O objetivo era
consideravam que havia necessidades mais prementes a serem atendidas pelo
garantir a continuidadeda proposta de política cultural exposta nas l)/refrkes,
podor público, por exemplo, na área de infra-estruturaurbana, saúde, educação
para o que se buscou o apoio de parlamentares. de intelectuais e de associações
etc. Na verdade, portanto, as diferenças de perspectiva entre os dois grupos relati-
civis. O texto, tal como o documento de 1981, parte de uma concepção abrangente
vamente à orientação das atividades de preservação decorriam antes de resistên-
de cultura, mas reivindicaa atenção do MinC para aspectos não específicosdo
cias de ambas as partes que de questões de princípio, pois no próprio campo
processo cultural. como "saúde, educação, acesso e uso do solo, trabalho, habi-
tradicionalde atuação da Sphan as teses do CNRC poderiam ser comprovadas.
tação etc.'. e aos "grupos diversificadosem situação de subalternidade'tais como
Mas, para que isso ocorresse, era necessário que os dois grupos desenvolvessem
"indígenas. ciganos, migrantes, mulheres, favelados. garimpeiros. seringueiros.
uma atuação conjunta, o que só aconteceu muito raramente.
bóias-frias etc.' Segundo o documento. esses compromissoseram "considerados
Também a necessidade de articulação do trabalho de preservação com outras
como imprescindíveis ao processo de sua Ido MinC) legitimação junto aos seg-
esferas da administração pública. sobretudo com a de planejamento urbano. já
mentos sociais que deve ouvir e apoiar." Além disso. diz o documento,já numa
vinha sendo constatada desde a gestão de Rodrigo M. F. de Andrade no Sphan.
avaliaçãocrítica das l)Irefdzes, é preciso "que a pluralidade e a diversidadecul-
Mas a ampliação da esfera de atuação de uma política de património se apresen-
tural sejam respeitadas,mas que a diferença não implique em justificativa para
tava como um imperativomais forte para os agentes do CNRC, e depois para os
a desigualdadesocial'.
da FNpM, em função do sentido social que queriam imprimir a seu trabalho - para
No discurso de Aloísio. o objetivo era afirmar a pluralidade e a diversidade
não falar, em alguns casos, de seus compromissospessoais, em decorrênciade
culturais no Brasil, e instrumentalizar a cultura visando a fornecer indicadores
suas vinculaçõespolíticas e/ou profissionais.A esses fatos veio se juntar, no final
para um "desenvolvimentoharmonioso'l já na segunda metade da década de 1980.
dos anos 70 e início dos anos 80, a pressão da mobilização social pela reconuista
o importante era põr o MinC a sewiço da comoção das desigualdades económicas
dos direitos políticos. Era forçoso reconhecerque, na prática de projetos mais
e sociais que caracterizavama sociedade brasileira, numa clara politização da
complexos IMaceió, Suape e, posteriormente, Ouro Preto), as propostas do CNRC
questãocultural.
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O PATRIAÕNIO [A
PROCESSO
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Y l
Se no final dos anos 70. entretanto,AloísioMagalhãesconseguira, com seu
bém ao atendimentodo que hoje se define como os "direitos culturais'. objetivo
discurso e suas articulações políticas, aglutinar os setores culturais recém reu-
que transcende os projetos particulares de construção e de legitimação de uma
nidos na SEC em torno de uma proposta e mobilizar o Executivo e o Congresso
nação. E a defesa desses valores universais que, em princípio,situa os interesses
Nacional para aprovar uma ampla reforma institucional, a iniciativa tomada em meados dos anos 80, em princípio mais legítima, porque apoiada por represen-
da preservaçãoacima e além dos governos e mesmo dos Estados. Essa concep-
tantes da sociedade civil, não encontrou a mesma receptividade. A ampliação da
ção estava presente para os "homens de cultura" que. na Revolução Francesa, criaram as Comissõesde Arte e dos Monumentos,pois consideravamque o valor
esfera de atuação do MinC proposta no documento, a tal ponto que levava a uma
dos bens produzidos pela nobreza e pelo clero transcendia sua identificação com
indiferenciação da área da cultura e
o Antigo Regime. Essa é também, guardadasas devidas diferenças,a inspiração
a uma "intromissão' no domínio de outros
ministérios, causou perplexidade entre os congressistas e mesmo junto a intelec-
tuais comprometidoscom a luta pela redemocratização.Esses temas foram consiX
l
l
». {:
A preservaçãode bens culturais pelo Estado é, portanto, uma prática política
derados estranhos, se não ao universo da cultura, pelo menos ao de uma política
eminentemente seletiva e, nesse sentido, cabe distingui-la da vertente da criação,
cultural. Resolvia-se,assim, uma ambigüidade - no sentido da definição política -
cujo pressupostoé a liberdade. No caso da preservação,é preciso lembrar que
mas produzia-se outra - na medida em que a prática cultural era nivelada a outras
o exercícioda liberdadena seloção dos bens a serem preservadose na produção
práticas sociais.
da justificativapara o seu tombamentodeve assentar em critérios explícitose que
O fato é que, desde o advento da Nova República, e mesmo durante a gestão
encontrem um razoável grau de consenso junto à sociedade. Na fase heróica do
de um intelectual unanimemente respeitado como Celso Furtado, a política cultural
Sphan eram principalmenteo valor artístico do bem, e, secundariamente, seu valor
do MinC sem dúvida passou a perder o que chegara a conquistar nos anos anterio-
de testemunho, que justificavam os tombamentos. A interpretação desses valores
res em termos de espaço no âmbito do governo federal e de visibilidadejunto à
se dava dentro dos limites conceituais e das condições políticas vigentos, e era
sociedade.
legitimada pela autoridade de quem os atribuía. Embora, como procurei apontar
Creio que uma das chaves para se compreenderessa situação, e para se
IH
da noção de Patrlmânio Cultural da Humanidade, implementadapela Unesco.
no capítulo 3, essas interpretações não tonham ficado imutáveis durante trinta
refletir sobre a especificidade da política de preservação nesse período, pode ser
anos, esses valores se mantiveramcomo os pilares da atividade de preservação.
encontradano trecho abaixo, de Gabriel Cohn, comentandoa década de 1970:
E, procurando fugir a uma identificação com o nacionalismo vigente, os intelec-
tuais do Sphan se definiam como defensores de uma "consciência nacional"." Assim, mudanças reais podem ser detectadas ao longo da década. Da subordinação do processo cultural a outros(o autor refere-se à 'segurança nacional', MCLF) passa-
A partir dos anos 70. vários fatores contribuíram,no Brasil e no exterior, para
se para a consideração da sua dimensão social, e chega-se à idéia de que. para fazer
uma mudançasensível nas políticas de preservação.Em primeiro lugar, as disci-
frente à sua dimensão propriamente cultural. cumpre considerar a política cultural naquilo
plinas - sobretudo a história e, consequentemente, a história da arte - que funda-
que na maior parte da década de 70 era inexeqüível:precisamentea sua dimensão
mentavam a seleção dos bens excepcionais que mereciam ser preservados, pas-
política.(1984,p. 96)
saram por uma mudançade orientação,não só em termos de objeto como também
As políticas de preservação do património histórico e artístico têm sido, histó-
de perspectiva. Em segundo lugar, a essa mudança no campo do saber corres-
rica e tradicionalmente, implementadas pelos estados nacionais, visando explicita-
pondeua difusãoda democraciacomo valor em outros campos- sexo, etnia etc. -
mente à construção de uma "identidade nacional". Mobilizam, porém, outros atoros
que não apenas o do exercício da cidadania política. Afirmavam-se os direitos das
que não exclusivamente os agentes do Estado, e outros valores que não apenas
identidades coletivas particulares, sobrepondo-se à idéia, dominante no século
o de nacionalidade. A dimensão universal dos valores culturais que se pretende
XIX e primeira metade do século XX. de uma identidade nacional. Em certos
preservar é uma das justificativas sobre as quais assenta a noção de /nferesse
casos, propunha-senão só a construçãodos patrimóniosdas minorias até então
púl)//co.Invocada para legitimar o ónus da preservaçãode bens, para o Estado
excluídas da representação da nação, como também se reivindicava a participação
e para os interesses particulares dos cidadãos. Esses bens se destinariam tam-
dos múltiplos segmentosda sodedade na gestão do patrimónionacional.Em ter-
168
O PÂTRIÁON
IO [A
PROCESSO
169
Y o processo de descolonização e a criação de novos Estados-nações. sobretudo no continente africano, como também a luta dos negros pelos direitos
danças foram motivadas pela necessidade de modernizar sua gestão, seja pelo
civis nos Estados Unidos, levou a novas equações de poder, que não se resumiam
recurso à consultoria internacional e a instrumentos mais sofisticados de trabalho.
aos parâmetros do modelo marxista, considerado eurocêntrico. A dominação eco-
como a informática,seja pela descentralizaçãoe criação de órgãos locais.
ceira lugar,
nómica se acrescentou a consciência da dominação cultural sobre os povos colonizados. O conceito de civilização - construído sobre a experiência histórica do Ocidente - perdeu o seu caráter universal e foi reinterpretado como Instrumento de dominação da etnia européia branca. O marxismo foi considerado insuficiente para a denúncia dessa realidade, e passou a ser objeto de releituras críticas que se propunham como atualizações, inclusive no sentido de rediscutir o lugar da cul-
tura no jogo po]ítico(cf. Ne]son& Grossbergjed.], 1988). K
l l
No campo político, a questão dos direitos humanos, formulada inicialmente pelos iluministas, foi reelaborada, e o grande desafio nesse sentido passou a ser o de articular o universal e o particular. A própria noção de estado nacional, que predominará no cenário político mundial até meados doste século (cf. Hobsbawm.
Como vimos, no campo específico da política de património, as primeiras mu-
A criação do CNRC partiu de agentes modernos, mas que. ideologicamente, se situavam à margem do modelo de desenvolvimento que predominava na primeira metade dos anos 70, dependente do capital internacional. Eram um repre-
sentante da burguesia industrial nacional (Severo Games), um bacharel pernambucano que reorientara sua trajetória para as artes plásticas e o design (Aloísio
Magalhães),e um diplomata de larga vivência no exterior mas voltado também para os problemas da educação e da cultura nacionais (Vladimir Murtinho). A esse grupo se Juntaramprofessores, a maioria deles recrutada na Universidade de Bra-
sília e nem semprena área de ciências humanas. O que quero dizer é que o trabalho desenvolvidopelo CNRC, em seus primór-
1990), ficou comprimida entre o poder dos conglomerados multinacionais e o das
dios, se caracterizava por considerável independência, tanto da administração
organizaçõespolíticas locais. A via da cultura passou a constituir, nos anos 70
pública quanto dos meios universitários hegemónicas. Essa distância não deixava
e 80, um caminho privilegiado para a elaboração de novas idontidadescolotivas
de ser proposltal: por querer elaborar uma visão nova da cultura brasileira, o grupo
e um instrumento fundamental para os grupos sociais que as constroem, e que,
do CNRC recusava, por princípio, os modelos explicativos já prontos, as teorias
muito freqtlentemente, contestam a legitimidade dos patrimónios históricos e artís-
científicas consagradas. Uma das premissas da metodologia do CNRC era que os
ticos nacionais. Essa nova orientaçãofoi buscar apoio em uma ciência até então
componentes da cultura brasileira que se buscava apreender "se explicitarão de
voltada sobretudo para o estudo das sociedades primitivas: a antropologia. No Brasil, as mudanças no campo da política de preservaçãoadquiriram um
modo espontâneo' (Relatório Técnico Re 1), o que era altamente problemático do
ponto de vista dos parâmetros universitários de um trabalho científico.
sentido político particular, em função do momento histórico que o país atravessava
Apresentado ao prometodo CNRC, o professor David G. Hays, da Universidade
e da trajetória específica dessa política. Aqui não houve propriamente um es-
Estadual de Nova York, em Buffalo, EUA, afirmava, em 1975, que "o Centro Nacio-
gotamento dos valores da modernidade e da civilização industrial. como nos países
nal de Referência Cultural, proposto para Brasília, é único no mundo" (Relatório
desenvolvidosdo Norte, e sim uma profunda crise política. económica e social que.
Técnico Ra2, p. 1). 0 que significa que o CNRC não foi criado apenas à margem
como observa Carlos Alberto Messeder Pereira (1981), resultou na crítica ao poder
da tecnologia, aos projetosde desenvolvimento faraónicos, e às metanarrativas que se propunham de amplo poder explicativo. Segundo esse autor. os anos 70 são marcados pelo "antitecnicismo', poça "politização
do quotidiano" e pelo "antilnte-
lectualismo'. As distinções entre arcaico e moderno, criatividade e técnica. popular e erudito, são redimensionadas e, em alguns casos, diluídas. Manifestações como o tropicalismo, a poesia de mimeógrafo, as associaçõescomunitárias e as organi-
zações não-governamentais,voltadas sobretudo para a questão ecológica, são manifestações, no Brasil, do questionamento geral dos valores da modernidade.
170
O PATRIAÕNIO[A
PROCESSO
da burocracia estatal e da universidades significa, mais ainda, que conceptual e
metodologicamente.o CNRC partia como que de um marco zero, como um ato inauguralsobre terreno virgem, tal como ocorreu. na visão de Lúcio Costa, com a criação de Brasília. Tudo se propunha como novo: o objeto (as referências),a metodologia (partir de projetos-piloto sem um quadro teórico pré-definido), e a instituição(convênio
multiinstitucional).
No prometo do CNRC, pode-sedizer que a tecnologiaera domada,posta a ser-
viço da revitalizaçãoda cultura brasileirae do conhecimentode seus aspectos
h \&S\ AOD[RNÁ
171
r menos estudados e consagrados. Em um momento de crise do modelo económico
exclusivamente às classes política e economicamente mais poderosas. Esse acer-
implantado pelo regime autoritário e de desgaste da ideologia da "segurança
vo. que referia predominantementea cultura luso-brasileira e o colonizador. foi
nacional', não foi difícil, portanto, para Aloísio Magalhãesencontrar no governo
vinculado,no final dos anos 70, ao poder das classesdominantes,não só no
apoio para a continuidadede seu prometo. Esse prometo, contudo, em 1979, já se
passado. como também no presente. Por esse motivo. a atuação do lphan foi criti-
modificará.Novos temas haviam sido incluídos ao lado do interesse inicial pelas
cada pelos agentesdo CNRC e por pesquisado(esexternos,sobretudopor cientistas sociais. como elitista e desvinculadados interessesatuaís da sociedade bra-
técnicas de informação, pelas tecnologias patrimoniais e pelo papel da cultura nos proletos de desenvolvimento: a esses assuntos, técnicos que ingressaram no CNRC
sileira
a partir de 1977 e que haviam desenvolvidotrabalhosjunto a comunidadesca-
O problema é que essa crítica, até bastante procedente, pecava ao não distin-
rentes e/ou à margem da sociedade nacional'' acrescentaram os problemas da
guir os bens que haviam sido tombados - e que, enquanto património, não referiam
adequação da educação básica aos contextos culturais específicos e o do lugar
apenas os grupos dominantes - da leitura e do tratamento que o lphan havia dado
F
das etnias indígena e afro-brasileira na sociedade nacional. Temas que vão levar,
a esses bens, esses sim, frequentementedesvinculados dos valores de outros
K
no final dos anos 70 e início dos 80, a equipe do CNRC a lidar com os grupos
grupos sociais que não as elites intelectualizadas. Nesse sentido, o interesse da
sociais que participavam dos projetos não mais como meros produtores de cultura
preservaçãoaparecia como distante e até mesmo como contrário aos interesses
e objeto de pesquisa, ou apenas como informantes,e sim como atores cuja parti-
das classes populares. O fato é que o compromisso com a coletivização de uma
cipação era fundamental em termos da legitimidade política de sua atuação. Esse
cultura culta, objetivo tão caro a Mário de Andrade. não fora assumido pelo Sphan.
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l f'
era o modelo que justificava um prometoque, oriundo do CNRC, reunia diferentes instituições da SEC: o PrometoInteração da Educação Básica e dos Diferentes ContextosCulturais do País. Em meadosdos anos 80. como já vimos, a questão central não era mais a da relação entre cultura e desenvolvimento.e sim a relação
Além disso, é inegável que essa crítica era também expressão de uma luta
de poderdentroda instituiçãorecém-criada. E. em vez de se resolverno contato e no debate. esse conflito se radicalizou. provocando nos funcionários do lphan, receosos e refratários a mudanças, ressentimentos e, consequentemente. um enri-
entre cultura e cidadania. O início dessa mudança de orientação dos trabalhos do CNRC coincidiu com um momento de intensa reestruturação institucional na área cultural do MEC, em
que Aloísio Magalhãesfoi conquistandocada vez mais espaçoaté se tornar
jecimentoem suas posiçõese em seus mitos. A falta de Aloísio Magalhães, primeiro por estar absorvido pelos seus novos encargos como secretário da Cultura e, depois, devida ao seu falecimento, em
secretário da Cultura, em abril de 1981. Nesse sentido, a fusão com o lphan, que
junho de 1982. só fez intensificaressa situação, a que se acrescentaramoutros
- o princípio
fatores como a duplicação de funções, na Sphan e na FNpM, agravada com a
da autoridade nas decisões, um trabalho fundamentado em critérios rigorosos de
indicação, na segunda metade dos anos 80, de dirigentes distintos para cada insti-
autenticação, uma visão predominantemente estética do património - era tarefa
tuição (Aloísio Magalhães e Marcos Vilaça haviam acumulado a direção da Sphan
complexa.e não chegou a se concretizarpor vários motivos.
e a presidência da FNpM)l a sucessão de dirigentes na Sphan e na FNpM, muitas
mantivera até então os mesmos modelos de atuação dos anos 40
Em primeiro lugar, as duas instituições. apresentadas no discurso de Aloísio Magalhães como complementares, ía/avara a partir de experiências e de objetivos bastante diferentes, conforme já foi obsewado. Apesar disso. a impressão deixada
vezes com mandatos de curta duraçãol a manutenção de uma dupla administração.
no Rio de Janeiroe em Brasília,ficandoo grupo do CNRCafastadodos outros setores da FNpM, sediados no Rios a falta de recursos e. sobretudo, a falta de
pelo Seminário da Escola Superior de AdministraçãoFazendária, de 1979, nos
um programa de trabalho da instituição como um todo e do CNRC em particular,
funcionários das três instituições ali reunidas (lphan, PCH e CNRC) foi de entu-
que não conseguiu articular suas diferentes coordenações em torno de um prometo
siasmo ante a perspectiva de um trabalho conjunto.
comuml o desinteresse das direções da FNpM em divulgar os trabalhos da área
O problema é que a leitura que o CNRC fazia do que denominava património de pedra e ca/ tendia a ser negativa, associando o património tombado pelo lphan
172
O PATRIAÕNIO [A
PROCESSO
de Referência da Dinâmica Cultural, que se mantiveram em um nível quase vege-
tativo, o que só aumentou
o isolamento da área, dentro e fora da instituição.
173
Y O papel de Aloísio Magalhães havia sido fundamental no período final do regi-
me militar- assimcomoo de RodrigoM. F. de Andrade, duranteo EstadoNovo-
Em seminário promovido pelo Idesp (Instituto de Estudos Económicos, Sociais
efeitos e influência transcenderam a fase do regime autoritário. Não creio que a
e Políticos de São Paulo) em setembro de 'r982, Mário Brockmann Machado fez
análise do prometoimplementado sob sua dlreção dê margem a reduzi-lo a um
o seguinte comentário:
maneira, ter servido também para esse fim. h
Já a politização desse prometo, tal como foi conduzida, sobretudo no âmbito
da Cultura do MEC. Foi o período de Aloísío Magalhães. e é de justiça que se destaque
da FNpM (tendência que não ocorreu no grupo de pedra e ca4, desvinculada de
o esforço então realizado de recuperação do conceito mais amplo de patrimónionacional
política de presewação. e sem ser articulada a um prometopolítico da instituição, permaneceu isolada dentro da instituição e do MinC. Essa situação se mantinha
l
em 1988, por ocasião da Assembléia Nacional Constituinte, quando a área de
IH
preservação da Sphan/FNpM encaminhou uma proposta da instituição e funcio-
nários vinculados ao CNRC atuaram vía Senalba.
originalmenteformulado por Mário de Andrade. No entanto. essa experiência inovadora teve curta duração, não sendo possível saber-se se tais tentativas deixarão o nível do discurso e passarão efetivamente a informar, de maneira permanente, a prática do tombamento de bens históricos e artísticos. (1984, p. 13)
Ao se observarretrospectivamente o período que acabei de analisar,fica claro que, emboratenha sido consideradoaté aqui como uma fase de uma trajetória,na reali-
dade a situaçãono final dos anos 80 era bem diferenteda do início dos anos 70.
Este balanço pode ser comprovadocom a leitura de um documentoproduzido (
pela administraçãoda FNpM. no final dos anos 80, conhecido como mf parlamentar. Nesse documento, dirigido aos congressistas com o objetivo de sensibiliza-lospara as necessidades orçamentárias dos órgãos federais de preservação, são arroladas as principais ações desenvolvidas pela FNpM na proteção do património cultural brasileiro e apresentadas as propostas para o exercício seguinte. A análise dessas ações e dessas propostas - essencialmente de preservação e de restauração de monumentos - vem demonstrar que a própria instituição, no final dos anos 80 não
11
E bem verdade que algumas medidas de renovação e areamento desse prometode política cultural foram ensaiadas, neste início da década de 80, no âmbito da Secretaria
uma reflexão crítica quanto aos objetivos e instrumentos específicos de uma
K
blemas específicos, como eram entendidos e operacionalizados.
no sentido de conferir à política cultural desse período uma marca própria. cujos
mero instrumento de legitimação da fase de abertura - ainda que possa, de alguma
P
e divulgação de trabalhose açõesque demonstrassem, na abordagem de pro-
se autocaracterizavade forma muito diferentedo Sphan dos anos 60. O fato é que. na prática, a síntese pretendida por Aloísio Magalhães não che-
gou a se concretizarrealmente. e as inevitáveis diferenças de orientaçãodos técnicos das três instituições fundidas, sobretudo entre os da referéncfa e os de pedra e ca/, não foram superadas em uma proposta de trabalho comum. A proposta do CNRC, apropriada e desenvolvida pela FNpM, encampada pela SEC e. em certa medida. inclusive pela Constituição Federal de 1988, ficou conhecida pratica-
mente apenas enquanto discurso. Conceitos como referência. dfnám/ca cu/fura/. Ind/dadores cu/rurais. confexfos cu/rurais especücos etc., embora tenham se tor-
Na década de 1970, as novas propostas de trabalho na área de preservação e, posteriormente,as reestruturaçõesinstitucionaisem âmbito federal, vieram atender a um interessede atualizaçãono sentido de ampliar o objeto, os instrumentos e as finalidadesde uma política de patrimónioconduzida pelo Estado. Esse movimento resultoude uma mobilizaçãode setores do governo federal em que tiveram parte ativa atores que não estavam plenamenteidentificadoscom a Ideologia do regime militar, mas que tinham um prometopara modernizaro Brasil. Como os intelectuais modernistasmencionados em Tempos de Capanema (1984). esses agentes tentaram contrabandear,através das instituições culturais do MEC, suas próprias concepções de modernidade.
A análise retrospectiva desse momento, em face da realidade do final dos anos 80, leva à conclusão de que, à diferençado Sphan dos anos 60-70, o que ocorreu na segunda metade dos anos 80 relativamenteao prometodo CNRC não foi o desgaste de uma propostaque se rotinizou:foram os efeitos de sua não implementaçãoefetiva. Propostaque, no entanto, não deixou de influenciara prática
de preservaçãojá sedimentadapelo lphan. E, como a linha de trabalhoda área
nado moeda corrente nos programas e projetos culturais produzidos durante a dé-
de Referência da Dinâmica Cultural ficou praticamente estagnada a partir de
cada de 1980, continuavam obscuros, mesmo dentro da FNpM. Faltou elabora-los.
meados da década de 1980, na realidade é através da análise das mudanças que
em termos de seu potencial cognitivo e de sua utilização, através da discussão
ocorreramna prática da Sphan que se poderãoaferir as transformaçõeseventual-
174
O PATRIAÕNIOÉA PROCESSO
175
9
mente provocadasna política federal de preservaçãopelas propostas elaboradas
Como era de seu feitio, Aloísio recorreua duas imagens- a do bodoquee a do cristal-
entre 1975 e 1981. Esse é o objetivo do próximocapítulo, onde será analisado
para ilustrar essa idéia: 'Pode-se mesmo dizer que a previsão ou a antevisão da trajetória de uma cultura é diretamente proporcional à amplitude e profundidade de recuo no tempo.
o aspecto mais central dessa prática: os tombamentos.
do conhecimentoe da consciência do passado histórico. Da mesma maneira como, analogicamente, uma pedra vai mais longe na medida em que a borracha do bodoque é
NOTAS
suficientementeforte e flexível para suportar uma grande tensão. diametralmente oposta ao
objetivo de sua direção. Pode-semesmo afirmar que, no processo de evolução de uma
Sobre a nova dinâmica Estado e sociedade diz Sérglo Costa: "No 'prometo'contemporâneo
cultura, nada existe propriamente de 'novo'. O 'novo' é apenas uma forma transformada do
de sociedade civil é básica a idéia de que esta (como em Gramscil se distingue das esferas
passado enriquecida na continuidade do processo ou novamente revelada,de um repertório
do Estadoe da economia,buscando-seevitar, a um só tempo, o liberalismo,no qual a
latente. Na verdade. os elementos são sempre os mesmosl apenas a visão pode ser
Integração social se concentra no mercado, e o estatismo, onde a sociedade civil aparece
enriquecida por novas incidências de luz nas diversas faces do mesmo cristal.' (Magalhães, 1985, P. 44-45)
subsumida ao Estado (como nos países socialistas).'(1994, p. 40-41) 2
Toda nação fraca e pobre só pode existir, só pode gerar algum movimento cultural, a partir
10
da descoberta de uma identidade nacional. O nacionalismo é o germe, é o fundamento do fortalecimento, do desabrochar de qualquer sociedade.' (em Pereira e Hollanda. 1980. p. 341
l
'Na imagem que me ocorre a vertente patrimoniallembra uma rotação ou um círculo de diâmetro muito amplo e rotação lenta. enquanto a ação cultural, na criação do bem cultural, é um círculo de diâmetro curto e de rotação muito rápida. Ambas essas rotações, ambos
IH
Por exemplo, no caso dos movimentos feministas, ficava difícil, no Brasil, utilizar a categoria
esses círculos trabalham interagindo um com o outro, mas têm os seus tempos e a sua
mu/her para se fazer referência. por exemplo, a problemas comuns a patroas e empregadas
l
domésticas, de tal maneira a construção da identidade de cada um desses lugares socfafs
dinâmica própria e específica.' IMagalhães, 1985, p. 33-1341 11
era afetada por diferenças económicas e culturais. (
Refiro-me aqui não propriamente a textos, mas a debates através da imprensa e a informações, que me foram transmitidas por Paulo Sérvio Pinheiro e Luís Felipe Perret Serpa.
!.
A análise dos debates sobre a questão da cultura na Assembléia Nacional Constituinte foi baseada em documentos obtidos junto ao Prodasen: as atas das reuniões das Subcomissões
sobre reuniões informais de Aloísio com intelectuaispaulistas. 12
e das Comissões Temáticas, as emendas populares e a relação de entidades convocadas
para serem apresentadas durante sua exposição na reunião da Unesco.
para as audiências públicas. 13
Em seu depoimento, Lígia Mastins Costa observou que, em 1952, ano de seu ingresso no
Em 1945, em parecer sobre a cidade histórica de São Jogo del-Rei, Afonso Arinos de Meio Franco, ardente opositor do Estado Novo e colaborador de primeira hora do Sphan, assim
Sphan, a instituição contava com apenas 104 funcionários em todo o Brasil, incluindo-se nesse
Nessa ocasião,Aloísio Magalhães produziu onze litografias retratando a paisagem de Olinda
se referia a esse serviço: "Não acredito que um brasileiro consciente ponha sequer em dúvi-
total agentes administrativos e mestres-de-obras.
da a singular contribuição que o Sphan, em poucos anos de existência. graças aos seus
Em 1976, Bárbara Freitag foi substituída pelo antropólogo Georges Zarur. também da UnB.
Ininterruptos trabalhos especializados, Inclusive suas publicações, vem prestando à nossa
e ingressou no CNRC a professora Clara de Andrade Alvim. vinda da PUC-Rio.
consciência nacional. Inteiramente insuspeito para falar, pois, desde 1937, nunca pactuei
É curiosoque a retomadadessa problemática- a discussãoda relação entre cultura e
com a ditadura e sempre a combati frontalmente, entendo que a criação do Sphan representa
grandeserviço prestado pelo infeliz Estado Novo ao nosso país.
modelos de desenvolvimento adequados às condições locais -, na segunda metade dos anos
80, pelos grupos ecológicose pelas políticas voltadaspara a questão do meio ambiente, tenha tido como um de seus principaiseventos propulsoreso EncontroNacionalde Serin-
14
Refiro-mea Luís Felipe Perret Serpa e José Silva Quintas. com formação em ciências exatas, mas com experiência em educação, e ao antropólogo Olímpio Serra.
gueiros. promovido com base em prometoque já vinha sendo desenvolvido na Área de Refe-
rência da Dinâmica Cultural da FNpM. 'Essa relação de tempo é curiosa porque é preciso entender o bem cultural num tempo multidimensional.A relação entre a interioridade do passado, a vivência do momento e a projeção que se deve introduzir é uma coisa só. É necessário transitar o tempo todo nessas
três faixas, porqueo bem cultural não se mede pelo tempo cronológico.' (Magalhães.
1985,p. 661
176
O PATRIAÕNIO[A
PROCESSO
& \b\\
AaD[RNÁ
177
CAPITULO 5
A PRÁTICA Dll TOA\BAAlINTO:
1970-1990
As expressões 'Livros do Tombo" e "tombamento"provêm do Direito Português, onde a palavra "tombar" significa "inventariar. 'arrolar ou 'inscrever" nos arquivos do Reino, guardados na Torre
do Tombo' Hely Lopes Meirelles, D/re/fo admh/sfraffvo brasa/e/ro.
l E
r (
Se, nos anos 70-80. houve uma evidente ampliaçãoda conceituaçãode património, em termos dos instrumentos de presewação, no entanto, praticamente não.se recorreu,no Brasil. em nível federal, a formas alternativasàs do tradicional instituto do tombamento. Foram realizadas algumas experiências, como o trabalho
de preservaçãodo Morro da Concepção,pela Sphan jcf. Arnaut, 1984), e os inventários tecnológicos, pelo CNRC (cf. Maureau, 1984). Acham-se em curso trabalhos de inventário de bens móveis e de bens imóveis. A preservação dos monumentos arqueológicos e pré-históricos é, hoje. regulada por lei específica. Re3.924, de 26 de julho de 1961. A proteção dos bens culturais móveis, defasada em relação à proteção do património Imobiliário, cabe tradicionalmente aos museus (cf. Costa.
1987). Por iniciativa da museóloga Lígia Martins Costa, especialista em história da arte e crítica, foi elaborado o conceito de bens móveis integrados. particularmente importante para a consewação dos bens de arquitetura religiosa. Os acervos arquivísticos e bibliográficos, assim como o património natural. têm sido obje-
to de estudos visando a levar em conta a especificidade de sua proteção. O fato, porém. é que mesmo os projetos do CNRC acabaram, em vários casos, levando a propostas de tombamento. E embora os técnicos do CNRC, e posteriormente os da Sphan/FNpM, tenham elaborado textos e promovido debates sobre
o assunto,e o artigo216 da Constituição de 1988indiqueexplicitamente a busca
anteriores, agravou-se, a partir dos anãs 70, em consequência da tendência ao
de "outras formas de preservação e acautelamento'. a prática da Sphan em termos
tombamento de conjuntos e a uma preocupação maior com o entorno dos bens
de preservação continuou concentrada nos tombamentos. Por esse motivo. é basi-
tombados. Problemas graves, nesse sentido. ocorreram no tombamento da cidade
camente nos processos de tombamento abertos nesse período que se explicitam
de Antõnio Prado, Rio Grande do Sul. dos conjuntos das avenidas Nazareth e Go-
os critérios que orientaram a proteção a bens imóveis, núcleo do património cultural brasileiro.
vernador José Malcher. em Belém, Para, e do prédio da Light, do Hotel Copacabana Palace. do Parque Lage, e da Praça XV, no Rio de Janeiro, entre outros, todos envolvendo interesses contrariados de proprietários ou de empreiteiros.
5.1
l
IH f b
c. c.
A SIST[AÁTICA DOS PROCESSOS DE TOABM[NTO
No caso dos bens móveis, a situação é diferente. O reconhecimento de seu
Na atividade desenvolvida pelo Sphan desde 1937, o tombamento tem se cons-
valor cultural certamentevaloriza toda essa gama de bens no mercado de anti-
tituído no instrumento de preservação por excelência, a ponto de, conforme ob-
guidades. Nesse sentido, é particularmente frágil a situação dos acenos de bens
serva Sõnia Rabelo de Castro (1991, p. 5), confundir-setombamentocom preser-
sacros das igrejas tombadas, objeto de furtos freqüentes. e que, devido à dificul-
vação. Atualmente, além de instrumentojurídico com implicações económicase
dade de controle do comércio de objetos antigos, dificilmente são recuperados.
sociais, o tombamento tem sido considerado e utilizado, tanto por agentes oficiais
Em função, portanto. da natureza conflitante dos interesses em jogo no caso
quanto por grupos sociais, como o rito, por excelência. de consagração do valor
da proteção aos bens imóveis, e do peso dos monumentos no património histórico
culturalde um bem.
e artístico nacional, os processos de tombamento constituem espaços de expres-
O tombamento tem sido apropriado pela sociedade brasileira de forma dife-
renciada e. nesse sentido. pode ser consideradode forma positiva ou negativa.
são desses confrontos, onde se podem captar as várias vozes envolvidas na questão da preservação e sua influência na condução dos processos.
Ter um bem de sua cultura tombado pode significar, para grupos económica e so-
Nesse sentido. consideraremo instituto do tombamento não tanto no seu as-
cialmente desfavorecidos, benefícios de ordem material e simbólica. além de de-
pecto jurídico ou técnico, mas enquanto a prática mais significativa da política de
monstração de poder político. Os tombamentos de bens representativos da pre-
preservaçãofederal no Brasil. Significativa, não só pelo poder de delimitar um uni-
sença negra no Brasil - o Terreiro da Casa Branca, em Salvador. e a Serra da
verso simbólico específico. como também por intervir no estatuto da propriedade
Barriga. em Alagoas - foram conduzidos por grupos vinculados aos movimentos
e no uso do espaço físico. E significativa,sobretudo. porque constitui um campo
negros como verdadeiraslutas políticas. No caso da Casa Branca, inclusive,tra-
em que se explicitam- e onde se podem apreender- os sentidos da preservação
tava-se de evitar o despejo do terreiro de candomblé do local onde funcionava
para os diferentes atores sociais envolvidos. Interessa-me. portanto, analisar essa
desde meados do século passado. Quanto às cidades históricas, o tombamento,
prática em suas implicaçõesna vida social, ou seja: o uso que dela fazem os
ao assegurar a manutençãode sua feição tradicional, pode significar uma alter-
agentes oficiaisl o modo como dela se apropriam os que a solicitaml as reações
nativa economicamente lucrativa para a população, através do turismo, como vem
daqueles que são afetados por sua aplicação ou pelo não atendimento desse tipo
ocorrendo com Tiradentes. em Minas Gerais. Já em centros históricos degrada-
de solicitação. Nesse último caso, me limitaremàs Jnanifestações incorporadas aos
dos, como era o caso do Pelourinho, sua restauração implicou um remanejamento e eventual saída dos moradores de menor renda.
processos, embora tenha consciência de que são apenas as que ocorreram no período entre o pedido de tombamento
e sua resolução.
Por outro lado, dadas as restrições que o tombamentoimpõe ao bem con-
A escolha dos processos de tombamento em depósito no Arquivo Central do
siderado enquanto mercadoria, e os limites que acarreta ao uso do imóvel, esse
atual Instituto do Património Histórico e Artístico Nacional. no Rio de Janeiro.
instrumento costuma ter consequências consideradas indesejáveis para extratos
como material de pesquisa,foi feita em função dessas razões. Bastante rápidos
das classes média e alta, como proprietários de imóveis em setores urbanos anti-
e sucintosnos primórdiosdo Sphan- até por razõesestratégicas -, a partirda
gos e empresários da construção civil.' Essa situação, já comum nas décadas
década de 1960 esses processos passaram a ser formados segundo uma certa
180
O PATRIAON10 EA PROCESSO
A PRATICA Dt TOABÂ#llINTO: 1970.1990
181
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11 l
11
t C
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Sistemática,constituindo-se em verdadeiros dossiês, a que são anexados não
muitas vezes com implicaçõesjurídicas, económicas e políticas: os critérios de
apenas os documentos oficiais (pedido de tombamento, notificação ao proprietário.
atribuição de valor artístico e de valor histórico, de valor excepcional e de valor
pareceres, atam do Conselho Consultivo, eventuais impugnações e contra-razões
nacionall a questão dos Programas Novos e dos bens identificados com a cultura
etc.l como todo material que diga respeito ao processo (recortes de jornais e revistas, cartas. abaixo-assinados,informaçõesextraídas de livros e folhetos, fotos.
popular e os diferentes grupos étnicosl as noções de conjunto urbano e de cidade
plantas, desenhos etc.). Dado o seu formato - todos os documentos são organizados em ordem cronológica- esses dossiês nos permitem acompanhara his-
maior da especificidade e dos limites do instituto do tombamento, assim como da
tória desse processo de ressemantizaçãode um bem que constitui um processo de tombamento,e entender não só o seu desfechocomo, considerandoo universo dos processos. os critérios que nortearam a prática de preservação no período 70-80.2
históricasa questão do entorno dos bens tombados, além, é claro, da questão legitimidadeda Sphan para decidir, sozinha, sobre a questão. 5.1.1 A origem dos pedidos
Se, nas décadasanteriores à de 1970, a grande maioria das solicitaçõesde tombamentotinha origem na própria instituiçãofederal, a partir desse momentohá
Desse ponto de vista, os processos arquivados são tão importantes para a
um aumento significativo de solicitações externas à Sphan. Entre os 95 processos
pesquisa quanto os processos que resultaram em tombamento. Ficaram excluídos.
arquivados,até 1969, a maior parte foi aberta por iniciativa de representanteda
enquantoobjeto de análise, os processosainda em estudo, uma vez que não se
Sphan. Já entre os 89 processos arquivados, entre 1970 e março de 1990,' apenas
tem uma resolução.em termos de atribuiçãode valor, por parte da instituição,no
onze solicitaçõespartiram da instituiçãofoderal (13%). De acordo com o levanta-
que diz respeito àqueles bens. Mas. graças a um estudo realizado pelo Departa-
mentofeito pelo Departamentode Proteção(Deprot), entre os processosem estu-
mento de Proteção, em 1992, sobre um conjunto de processosem estudo,' e a
do também aumentou consideravelmente, nas duas últimas décadas, o número do
um levantamentoque fiz no arquivo, foi possível extrair também desse conjunto
processosabertos por solicitação externa à instituição. Entre os processos que
alguns dados significativos.
resultaramem tombamento.as solicitações partindo da instituição correspondem
De la de janeiro de 1970 a 14 de março de 1990 foram abertos 481 processos
de tombamento(ver Anexo VI). Desse total. 135 resultaram em tombamento,74
a pouco mais da metade.' Esses dados levam a supor que, sem dúvida, houve um aumento na partici-
foram arquivados,e 272 achavam-seem fase de estudos.' Uma primeiraconclusão
pação da sociedadecivil na política de preservaçãofederal no períodoem questão.
evidente a partir da análise desses dados é quanto à dificuldade da instituição em
Entretanto, quando comparamos o conjunto dos processos que resultaram em tom-
dar andamentoaos processos, que permanecem,às vezes, décadas sem reso-
bamento aos outros dois conjuntos (processosarquivados e processos em estu-
lução. Essa situação foi agravadaa partir de março de 1990, quando ocorreu, no
do), verificamosque o fato de o pedido parir de agente institucionalconstituifator
início do governo Collor, a paralisaçãodas atividades da Sphan em decorrência da reforma administrativa e da dissolução do Conselho Consultivo, reconduzido
favorávelao tombamento,o que pode ser atribuído a duas causas: seja que esse
em maio de 1992.s Não é difícil imaginar as conseqilências dessa morosidade.
dos bens passíveisde tombamento,seja que, por estar ciente e envolvidono pro-
sobretudoquando se trata de pedido de agente externo à instituição.e num mo-
cesso - que, em princípio, é do interesse da instituição - contribui para seu andamento.
mento em que a Sphan/FNpM propunha a participação da comunidade como pedra de toque de sua política de preservação.
agente ostá mais familiarizado com os critérios técnicos que orientam a seleção
Mas é evidenteque o interesse na presewação de bens culturais deixou de ser quase que exclusivo dos funcionários da Sphan, conforme ocorria nas décadas
Na análise dos processos foram levantados os seguintes dados: solicitante,
anteriores. Assembléias legislativas e prefeituras, por iniciativa pessoal de con-
data do pedido, justificativa da solicitação.avaliação técnica e jurídica, resolução
gressistas e prefeitos ou enquanto intermediárias de grupos locais, encaminharam
do pedido. A partir da análise desses dados, foram detectadosos principaispon-
vários pedidos,do mesmo modo que instituiçõesculturais. São. inclusive, inúme-
tos que, nesse período, constituíram objeto de discussão e/ou de reconceltuação,
ros os pedidos de tombamentode prédios históricos por parte dos diretorese/ou
182
O PATRIAONIO
[A PROCESSO
A PRÁTICA Dll TOABÁAeNTO: 1970-1990
183
Y
E /
funcionários das instituições que neles funcionam (Escola de EnfermagemAna
do ideário da preservação,como meio para conseguir, junto ao governo federal.
Neri, no Rio de Janeirol Faculdadede Direito do RecifesHospital São Francisco
recursos para a solução de problemas urbanos locais. sobretudo em função da
de Assim,ObservatórioNacional, Colégio Pedra 11,Fundação Osvaldo Cruz, ABI.
carga simbólica da idéia de património. no sentido do reforço às identidadeslo-
todos na cidade do Rio de Janeirol antiga sede do DepartamentoNacionalde
cais.o Essa apropriação possivelmente foi um-dos efeitos do novo discurso sobre
Obras contra a Seca (Dnocs) em Fortaleza etc.). Entre os particulares,os pedi-
o património, produzido e difundido pela FNpM. .Entretanto, em que medida esses
dos costumam partir ou de proprietários ou de pessoas de algum modo familiari-
pedidos implicavam o envolvimento das comunidades locais, conforme se pro-
zadas com a questão da preservação- arquitetos,artistas, historiadores,intelec-
punha nas D/refrizes,só estudos de caso. com dados fornecidos pelas agências
tuais em geral. São ainda raros, nesse período, os casos de grupos que se mo-
locais, que têm condições de acompanhar as reações dos diferentes setores das
bilizam especificamente para essa finalidade, ou de associações formadas em
populaçõeslocais a esses pedidos de tombamento, poderiam elucidar.
\
b
função de uma demanda patrimonial. O zoom de associações que ocorreu no
Do mesmo modo, apenas esses estudos permitiriam avaliar os resultados da
Brasil a partir da segunda metade da década de 1970 ainda não chegou ao patri-
propostafeita pela FNpM, nesse período,no sentido da democratizaçãoda política de preservação.Na verdade, a estratégia da instituição se concentrou na elabo-
monio.8
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Entretanto,casos como os das igrejas de Santana, no Ceará, e a de Pau do
11
lb
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t c.,f
Alferes, no Rio de Janeiro, e do conjunto de casas na Praça Coronel Pedro Osório, em Pelotas, Rio Grande do Sul, em que a populaçãolocal se mobiliza para pedir o tombamento,sensibilizaramos técnicos da Sphan, que levaram esse fato em consideração na indicação para tombamento. Pedidos como o da Serra da Barriga, em Alagoas,com mais do mil asslnaturaslo do Terreiro da Casa Branca. em Salvador, apoiado por representantes de instituições culturais e acadêmicas. por representantes do movimento negro e por grupos locaisl o da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, em Rondânia, encaminhado ao então lphan por ex-ferroviários
como forma de sustar a venda das peças da ferrovlal e o do Hotel Copacabana Palace, no Rio de Janeiro, apoiado por várias associações de moradores da cida-
de, demonstramuma possibilidadede organizaçãoda sociedadepara esse tipo
ração de um discurso, amplamentedifundido,em que a comunidadeera incluída não apenas como objeto ou população-alvo,mas também como sujeito chamado a participar junto com os agentes institucionais. O lema desse discurso era "a comunidadeé a melhor guardiã de seu património'.'' Na prática dos trabalhos de preservação, porém, tanto nos mecanismos de se-
leção de bens para tombamentoquanto, com mais motivos, nas obras, os procedimentos adotadoscontinuaram os mesmos das décadas anteriores: a avaliação técnica dos pedidos de tombamentosendo feita pelos setores técnicos da Administração Central da Sphan, que. inclusive. até 1988, indicavam os processos para
arquivamentoe o julgamento final feito pelo Conselho Consultivo, que, na quase totalidadedos casos. acompanhavao parecer dos técnicos da Sphan. Pelo que foi possível verificar nos processos, a participação das Delegadas Regionaisda
Sphan/FNpMera restrita aos pareceres.
de moção, mas constituem exceções no conjunto de processos abertos no período.
Da mesma forma, mas em sentido contrário, o pedido de tombamentoda cidade de Antõnio Prado, no Rio Grandedo Sul, pela 10: DR da Sphan, encontrouresistência tenaz da populaçãolocal. que se organizou para impugnaro tombamento. Nesse caso, foi o trabalho de esclarecimento quanto às vantagens do tombamento.
feito pela Sphanjunto aos habitantesda cidade, que conseguiurevertera situação. E preciso, porém, qualificar a natureza da mudança indicada por esses dados.
Na verdade,o interesse que move os pedidos varia. caso a caso. A grande incidência de solicitações encaminhadas por assembléias e prefeituras faz supor que, dadas as características da representação política no Brasil. até meados da déca-
da de 1980,o que ocorreufoi uma apropriaçãopor parte dessesatires políticos
184
O PATRIAONIO [A
PROCESSO
E possível, portanto, qualificar a participação da sociedade nos tombamentos. a partir da análise dos processos: se. por um lado, os pedidos de tombamento
deixaram de ser iniciativa quase que exclusiva da instituição, os mecanismosde decisão continuaramrestritos aos órgãos técnicos da administraçãocentral e, salvo casos excepcionais,não foi possível detectar muitos casos de mobilizaçãode setores da sociedade no sentido de pressionar a Sphan na prática da preservação. Pode-se argumentar que. em se tratando de tombamentos em nível federal, ou
seja, de definir valores nacionais e não locais, a participação popular nos processos decisórios é bem mais complexa: criar mecanismosinstitucionaisem que a sociedadeesteja representadapoderia converter a seleção de bens para integrarem o patrimónionuma decisão mais política que técnica. Entretanto,essa tem
A PRÁTICA DE TOÁBAIK[NTO: 1970-1990
185
Y sido a alternativaconsideradamais eficiente, mesmo por países de tradição cen-
e do Hospital São Francisco de Assim, também no Rio de Janeiro, que foram tom-
tralizadora,como a França, onde, desde 1984, funcionamas ComissõesRegionais
bados. Cabe lembrar o polêmico caso do tombamento da Casa Modernista. em
do Património Histórico, Artístico, Arqueológico e Etnológico (Corephaae) IMesnard.
São Paulo, que abriu um perigoso precedente com a vitória dos proprietários, na
1990,p. 430)l em Portugal,onde, a partir da lei n' 2.032, de ll de junho de 1946.
justiça estadual, quanto ao pagamento de indenização por perdas de danos. Nesse
as câmaras municipais podem promover, junto às entidades competentes, a classifi-
cação de bens existentes em seus concelhos como "valores concelhios' (IPPAR, 1993, p. xx)l na Espanha, em decorrênciada situação das comunidadesautóno-
!.
mas, que gozam de muito mais independênciaem relação ao poder central que os estados brasileiros. o poder local tem participação decisiva na construção do
11 l
património nacional etc.l para não falar em países como a Grã-Bretanha e os Esta-
dos Unidos. onde entidades não-governamentais,como os National Trusts. têm significativa participação nas atividades de preservação, ou do Canadá onde, desde 1951. integram a Comissão dos Lugares e Monumentos Históricos do Canadá
IH P
caso, o tombamentopelo Conselho de Defesa do Património Histórico, Artístico,
Arqueológicoe Turísticodo Estado de São Paulo (Condephaat)foi feito quando os herdeiros de Warchavchick já haviam acertado a venda do imóvel com uma
construtora e, inclusive, recebido um sinal do pagamento. Como o negócio fai desfeito em conseqtlência do tombamento, os herdeiros tiveram que devolver. corrigida e com multa, a quantia recebida. Esse fato provocou discussão e críticas na imprensa às políticas de tombamento, não só nos estados, como também em nível federal - embora. no caso, a população do bairro de Vila Mariana tenha se
mobilizadoe mesmo se organizado para impedir a destruição do imóvel.'l
representantesde todas as provínciase territórios.No Brasil, essa questão conti-
As justificativas produzidas por agentes externos à instituição costumam en-
nua em aberto, e pouco se avançou na sua discussão(d. Falcão, 19841Bosi. 1987).
fatizar o valor histórico do bem, apoiando-se, muitas vezes, em pesquisas de documentos e bibliografia. A aferição do valor artístico do bem - pelo menos dentro
5.1.2]us+ifica+ivas,
de critérios mais rigorosos - não só é menos accessível a esses requerentes
pareceres e impugnações
Nesse período, os pedidos de tombamento vêm, necessariamente,acompanhados pelos argumentos que os fundamentam. Muitas vezes. é possível distinguir o
como não é o valor que predomina nas solicitações de tombamento. As justificativas dos pedidos de tombamento costumam se apoiar na letra do
interesse mais imediato do pedido (impedir uma demolição, desejo de dar deter-
decreto-leiRo25, de 30.11.37,a que nas décadasde 1970 e 1980se incorporaram
minado uso ao Imóvel, como museu, casa de cultura etc.l meio de conseguirverba
outros argumentos,como o potencial turístico do bem, seu valor afetivo para a
para restauraçãol mero desejo de garantir a preservação do bem por seu valor afe-
comunidade, a falta de órgão- local de preservação etc. Os pareceres técnicos
tivo para a comunidade local etc.) da justificativa, que seria a afirmação do valor
avaliam essas justificativas em termos do interesse, do ponto de vista da insti-
cultural do bem enquanto património nacional. Essa justificativa, que consiste basi-
tuição, em preservar aquele bem o, quando é o caso, discutem os termos das
camentena afirmaçãode valor artístico.de valor histórico. da excepcionalidade do
impugnações aos tombamentos.
bem ou de sua importânciaem termos nacionais. costuma ser formulada de um mo-
Nesse período, vinte dos 135 bens tombados o foram compulsoriamento, con-
do que revela, por parte dos requerentes- no caso, refiro-me aos externos à institui-
tra 53 entre os 803 tombamentos efetuados no período anterior.': Praticamente
ção - algum conhecimento do cód©o da Sphan, pois em geral se pode reconhecer
todas as impugnações foram derrotadas no Conselho Consultivo, mantendo-se.
na justificativa dos pedidos a linguagem do discurso oficial.
assim, a mesma conduta da fase hera/ca. O aumento proporcional do número de
Como frequentemente é a ameaça de perda que motiva os pedidos de tom-
bamento- e não uma seleçãofeita na base de um inventárioprévio-, muitas vezes o pedido é feito em um momento quando outros interesses, contrários à preservação do bem, já estão em jogo. Foi o caso, por exemplo. das residências das
tombamentos compulsórios no período após 1970, que, aparentemente, indica
maior resistênciaem relaçãoao tombamentoe a suas conseqüênciassobre a posse e o uso de um bem Imãs que. suponho, decorro, sobretudo. do modo como são conduzidos, nas últimas décadas. os processos de tombamento, dentro de
embaixadas da ltália e da Argentina, e da Casa do Duque de Caxias. ex-Palácio
uma sistemática mais definida), levou à discussão e à elaboração, por parte de
Ducal. no Rio de Janeiro, que foram destruídas, e do Hotel Copacabana Palace
técnicos e assessores jurídicos da Sphan, das questões suscitadas pelas impug-
186
O PATRIÁÕNIO
EA
PROCESSO
A PRATICA DE TOABAAlINTO: 1970-1990
18 7
nações, gerando assim uma jurisprudência sobre as novos problemas que se
modernistas,a semelhança de sua arquitetura com a colonial não era de aparência
apresentaramà atividadeda instituição.
ou de efeito, como ocorria com as construções neocoloniais, e sim de estrutura.
Esses problemas remetem à redefinição de valores - valor histórico, valor artístico,valor excepcional,valor nacional - e de conceitos - como o de centro
derna desenvolvidana Europa, na primeira metade do século, como já foi dito no
histórico e de entorno. A própria competência exclusiva da Sphan de atribuir valor
capítulo 3, não se reproduziu no Brasil da mesma maneira. Aqui, os arquitetos
a bens enquanto patrimóniohistóricoe artístico nacional se tornou também objeto
modernistas,douó/és de funcionários públicos, procuraram estabelecor um sen-
ll
de discussão e de reflexão. Esses temas foram levados às reuniões do Conselho
h'
Consultivo,órgão que foi assumindo,progressivamente, mais atribuições.
b.
[.}
F[.)
que, no estilo eclético. o funcional e o decorativo estavam dissociados,o que fez 5.2.1 As concepções de valor histórico e
11 11:
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c.
de valor artístico
com que considerassemesse estilo, assim como o neocolonial,"não-arquitetura'.
Em relação ao va/or adéfico dos bens patrimoniais,as principais mudanças
Do ponto de vista ideológico,as construçõesem estilo eclético eram consideradas
se deram em dois sentidos: primeiro,através da inclusão no patrimóniode estilos recentes, considerados, até então, pelos critérios da casa, como não-artísticosl
transposições acríticas de influências européias, modlsmo das elites que aqui
segundo,atravésda ampliaçãodo que é consideradoobra de valor artístico.
Brasil, embora fortemente influenciadapelo suíço Le Corbusier. procurara,desde
A atribuição de valor artístico a estilos estéticos e arquitetânicos recentes é um fato característico do processo de constituição dos patrimónios históricos e
o início, afirmar seu caráter de arquitetura nacional,explicitando,de um lado, sua
artísticosnacionais.a partir da década de 1960. Até então, considerava-senecessário observarum recuo históricomínimo para a inclusãode bens nos patrimónios-
monstrando sua vinculação com a tradição construtiva luso-brasileira.'3 Por esses
recuo esse que, em geral, se situava em meados do século XIX.
Ideário, que se prestava à afirmação da nacionalidade tanto na construção de
No caso brasileiro,porém,essa não era a principalrestrição.Já em 1947, o Sphantombara a Igreja de São Francisco,na Pampulha,e em 1948, o prédio do MEC, ambos recém-construídose ambos por seu valor artístico. Por outro lado. a seleção de bens imóveis para tombamento estava subordinada a uma concepção
bastante restritivade valor artístico, em função de uma visão normativa da arqui-
l
nados preceitos estéticos, os da l)oa arqu/fefura. A arquitetura moderna no Brasil
ideológico. Do ponto de vista estético, os arquitetos modernistas consideravam
l #.
tido de continuidadee construir uma tradição brasileira com base em determirompia com a das belas-artes,de origem francesa, em dois sentidos, estético e
5.2 0S PRINCIPAISPROüleAAS
qk-'H
A ruptura com o passado. com a tradição, que caracterizou a arquitetura mo-
tentavam reproduzir o Velho Mundo. Já a arquitetura modernista desenvolvida no
adequação ao clima e às condições económicas e sociais locais. e, de outro, de-
motivos, o Estado pede, nos anos 30, encampar sem maiores dificuldades esse
símbolosdo presente(o prédio do MEC) quanto na preservaçãodos marcos do passado (o trabalho do Sphan). Não foi difícil para os arquitetos do Sphan a inclusãoentre os bens tombados
de construçõesem estilo a/f-nouveau,por seu valor artístico.Nesseestilo, conforme palavrasde Giulio CarãoArgan, "a decoraçãotambém se torna tensão, elas-
tetura, que Lúcio Costa assim sintetizou:
ticidade. expressãosimbólica de uma funcionalidade cujo dinamismoé uma
A boa arquiteturade um determinadoperíodovai sempre bem com a arquitetura
característicado mundo moderno' (1992b, p. 90).
de qualquer período anterior - o que não combina com coisa alguma é a falta de
Ainda na década de 1960, Lúcio Costa propusera o tombamento do prédio onde
arquitetura. (IBPC - Boletim Ra 22, 27.2.921
funcionava.no Centro do Rio de Janeiro, a tradicional loja de artigos masculinos Esse princípio levou a uma leitura da arquitoturabrasileiraque via afinidades estruturaisentre as construçõescoloniais e as modernistas,numa linha de continuidade que remontava à Antiguidade greco-romana. Recursos construtivos colo-
niais, como as construções sobre estacas, as treliças, e o pau-a-pique, eram associadosaos pllotis, aos brlse-solel/se ao concreto armado. Para os arquitetos
188
O PATRIAONIOeA
PROCESSO
A Torre Eiffel, em estilo arf-nouveau.O imóvel ia ser demolidoem função de sua venda pelos proprietários:os comercianteseram locatários,e teriam que deixar o local. O tombamento não foi efetivado devido à argumentação dos advogados dos
proprietários,de que a motivação do pedido era proteger o uso do imóvel, en-
A PRATICA Dt TOABAAENTO: 1970-1990
189
T quanto estabelecimento comercial, e não sua arquitetura. O processo foi arqui-
De um lado, Lígia Martins Costa, então chefe da Seção de Artes da DET, em cujo
vado, o prédio demolido, mas várias peças da edificação foram cedidas ao Sphan."
apoio veio posteriormente Lúcio Costa, já aposentado, considerava que faltava
Em 1970, Lúcio Costa pediu o tombamento de uma casa em estilo a/t-nouveau, do arquiteto Virzi, na Praia do Russel. Rio de Janeiro (Proa. 825-T-70). Esse foi
l q'
b.«
l
Santos, membro do Conselho Consultivo e relator do processo, que defendia o
Paulo Santos. existem pouquíssimos exemplares autênticos no Brasil.
tombamentodo conjunto por seu valor em termos da história da arte brasileira.
Mais complexa, e bem mais difícil, foi a valorização artística do ecletismo.'; Já nos anos 1960, haviam sido tombadas algumasedificações,mas por seu valor
junto, o que se achava em jogo eram perspectivas distintas de valoração, ponto
o valor artístico desse estilo começoua ser aceito pelo Sphan. No processo do conjunto da Avenida Rio Branco, no Rio de Janeiro (Proc. 860-T-72), ficou evidente o confronto entre critérios distintos de valoração dentro
JI.ü çi.,.
e pelas
adulterações sofridas por alguns prédios. De -outro. o arquiteto e professor Paulo
o primeiro exemplar em estilo arf-nouveau tombado pelo Sphan, de que, segundo
histórico." Foi apenas com o tombamento dos prédios da Avenida Rio Branco que
:.)
unidade ao conjunto, quebrada por construções como o edifício Apoio ll
Na verdade, mais que uma discussão sobre estilos ou sobre a noção de con-
a que alude Paulo Santosem sua longa e detalhada resposta ao parecerde Lígia Martins Costa: Compreendo o enfoque de dona Lígia, seja em relação ao conjunto de edifícios. seja em relação aos do Dérbi e Jóquei. Ela apreciou uns e outros a partir dos princípios
dos quadros técnicos do Sphan. O pedido. feito pelo Instituto dos Arqultetos da
que norteiam a Arquitetura e o Urbanismo modernos, em que a unidade de estilo, volume
Brasil (IAB) e pelo Clube de Engenharia. "as duas entidades de classe mais pres-
e forma é consideraçãobásicapara a qualidade da obra. Mas o enfoque, igualmente
tigiosas e mais habilitadasa fazê-lo' lo que dava a esse pedido um peso espe-
moderno, para a apreciação de obras do passado é diferente, repudiando sejam elas
cial), solicitava o tombamentode nove edificações: Palácio Monroe, Tribunal de
julgadaspela consciênciaestética dos nossos dias e sim a partir do pressupostode que cada períododa História da arte tem direito a ter seu próprioestilo e deva ser
Justiça, Biblioteca Nacional, Escola de Belas Artes, Dérbi Clube, Jóquei Clube. Clube Naval, Teatro Municipal e Assembléia Legislativa. Tinha como justificativa
o fato de esseconjuntorepresentar o testemunho da remodelação feita na cidade pelo prefeito Perelra Passos. no início do século. Em termos de valor histórico,
apreciado,em todos os seus aspectos,em função da cultura de que se nutre e das idéias estéticas por que se expressa. (p. 141
Paulo Santos se alinhava. poRanto. aos que reconheciam a relatividade dos
a antiga Avenida Central seria para a Primeira República o que a Praça XV fora
juízos de valor, contra qualquer princípio canónico no ato de valoração que discri-
para o Império. A motivação do pedido surgiu da ameaça de demolição dos pré-
minasse estilos na história da arquitetura
dios do Jóquei e do Dérbi, que dariam lugar a um arranha-céu.
tas. Desse ponto de vista, o valor histórico do conjunto enquanto único testemunho
- como faziam os arquitetos modernis-
Avenida Central tinha, conforme observação de J. Needel1 (1993), função "meta-
de alto porte da Be//e Evoque na capital da Repúblicaadquiria maior importância em termos da indicaçãopara tombamento.Paulo Santos consideravao ecletismo
fórica'. Sua concepção não visava apenas a resolver um problema urbanístico.
como estilo estética e arquitetonicamente válido, na medida em que se propunha
mas também a marcar a presença do progresso e da civilização, banindo os vestí-
a analisa-loà luz do momento histórico em que emergiu. Via nesse estilo um do-
gios do período colonial, "símbolos de uma cultura que os cariocas europeizados
cumento da evolução da arquitetura e a expressão de seu tempo, final do século
queriam esquecer' (Needel1,1993, p. 71). As fachadas dos prédios haviam sido
XIX e início do XX - tempo de confronto entre a sociedade pré-industrial.carre-
submetidas a um júri, que as avaliou dentro dos critérios do ecletismo francês.
gada de tradições. e a sociedade industrial nascente, que buscava novas formas
Para o autor já citado. "a Avenida Central tornou palpável a fantasia de Civilização
de expressão estética. formas essas que só surgiram. no Brasil. a partir dos anos
compartilhada pelos cariocas de elite da Belle-Époque' (idem, p. 68).
20. com a arquitetura modernista de Warchavchicke do próprio Lúcio Costa.
A importância desse conjunto não era somente histórica. A arquitetura da
A análise feita pela Divisão de Estudos e Tombamentos (DET) do pedido em questão - que, considerando que as edificações não constituíam um conjunto, as avaliou individualmente, propondo o tombamento apenas do Teatro Municipal e da
Escola de Belas Artes - abriu uma divergênciainusitada na história do Sphan.
190
O PATRIAONIO [A
PROCESSO
Foi em nome da "boa arquitetura" que Lúcio Costa se insurgiu veementemente
em seu parecer. Não consideravao ecletismo um período da história da arte e sim "um hiato nessa história". Ao defender sua posição. que coincidia com a de Lígia Marfins Costa, Lúcio Costa fez as seguintes ponderações:
A PRÁTICADE TOABAA[NTO: 1970-1990
}91
Se o lphan tomou a iniciativa de tombar as três 'casinhas' referidas - ruas da
Sem dúvida, a linguagem da arquitetura eclética soa-nos quase sempre estranha.
Glória, da Quitanda e Mayrink Veiga,'' foi simplesmente porque tais 'casinhas'. Inclusive
num primeiro momento. Um exame mais detido conduz-nos, no entanto, à identificação
a do Virzi, corresponderam, na sua época. à linha de evolução - ou revolução - arqui-
de traços de outras culturas que são comuns à nossa. As propostas clássicas desse
tetõnica verdadeira, ao passo que as imponentes construções a que o Relator alude
período. por exemplo. têm, com maior razão, elementos que nos são familiares. IProc.
são produtos marginais a essa linha evolutiva autêntica, e manifestações da falsa arqui-
970-T-78. Faculdade de Direito do Recife, PEI
tetura pejorativamentetachada. pela crítica intemacional autoHzada,como "beaux-ans".
Trata-se,pois, de uma distinção fundamental.
No final da década de 1970, a percepção qlie as instâncias técnicas do lphan tinham do valor artístico dos monumentosjá era conduzida com base em uma con-
Essa seria, segundo Lúcio Costa, a justificativa de a antiga administraçãodo
cepção não-canónicada história da arte, disciplina que Giulio Carlo Argan con-
Sphanter excluído de sua alçada o ecletismo:o fato de considera-lofora da "linha
sidera "a única ciência possível da arte" (1992a, p. 16). Para Argan, a crítica de
legítima da evolução arquitetõnica'. Essa postura justificava inclusive a proposta
arte se realiza na medida em que contextualiza e historiciza os fenómenos. É esse
de demolições.como a formulada pelo próprio Lúcio Costa em relação à "alman-
procedimento que,a seu ver, qualificaos juízosde valor.
jarra de concreto,coroada por uma cúpula, situada entre o cais e a esplanadado
Se, nas décadas anteriores, a consideração do valor artístico de um bem era
Castelo, pertencenteao Ministério da Agriculturae que já nasceu bastarda para
o critério prioritário, recorrendo-se ao valor histórico como única justificativa. ba-
a Exposição de 1922' (Proc. 982-T-781.Lúcio Costa classificou esse prédio de
sicamente, para o tombamento daqueles bens que se enquadravam na letra do
"vilão arquitetõnico' e ele foi efetlvamente destruído. O mesmo destino teve o Pa-
decreto-lei na 25, de 30.11.37, mas que eram desprovidos de qualidade estética,
lácio Monroe, incluído no processo da Avenida Rio Branco, e cuja demolição foi ob-
ou haviam sofrido adulterações. a partir dos anos 70 a perspectiva histórica, am-
jeto de protestos na Imprensa.Ao final desse processo foram tombados quatro
pliada. levou, inclusive, a uma reconceltuação dos valores artísticos. Os chafa-
prédios - Teatro Municipal, Escola Nacional de Belas Artes, Biblioteca Nacional
rizes do período colonial, por exemplo, foram tombados. nos anos 30-40, por seu
e Caixa de Amortização - todos, curiosamente. inscritos apenas no Livro de Belas
valor artístico. enquanto peças excepcionais em termos do trabalho artesanal exe-
Artes
cutado em pedra. Nos anos 80, chafarizes do século XIX, tombados também por
Na análise dessa polêmica, é preciso deixar claro o que está implícito, ou seja, que o problema não era uma mera oposição história x cânone, pois assim não se estaria elucidando a posição dos dois arquitetos envolvidos.Ambos partiam de uma leitura da história da arquitetura.O que os distinguia,como procurei demonstrar.era uma postura diferente na consideração da tradição e na construção da continuidade histórica dos estilos arquitetõnicos. Anos mais tarde. e com maior distanciamento.a arquiteta Dará Alcântara,da
DET, sintetizoua questão:
sou valor artístico. são considerados, juntamente com aquedutos e caixas-d'água.
parte do "mobiliário urbano que testemunha o processo evolutivo das cidades' (Dou Alcântara. Proa. 1.132-T-84. Chafariz da Praça Mahatma Gandhi, Rio de Janeiro). e se inserem na série histórica referente ao abastecimento de água nos centros urbanos. No século XIX, esse tipo de bem, produzido em série. era mais ornamental que utilitário, e reproduzia símbolos do passado. Já as fábricas cons-
truídas nesse período muitas vezes eram concebidas plasticamentede forma a disfarçar sua finalidade - como é o caso da Fábrica Santa Amélia, em São Luís. Maranhão (Proc. 1.144-T-88), cuja fachada em alvenaria, à feição de uma resi-
Nossa sensibilidade, hoje em dia, inclina-se com mais facilidade para as construções
dência, escondia sua estrutura em ferro. A mesma característica,o fnchadlsmo.
do período colonial e da primeirametade do século XIX. não só pelo fato de serem
foi apontada no prédio da Light, Rio de Janeiro. A dissociação entre forma e fun-
o que de mais antigo possuímos, cama património arquitetõnico.como também porque
ção, contrária aos cânones modernistas. era. no entanto, uma característica da-
a adequação da plástica à técnica construtiva com que eram concebidas encontra eco
quele período histórico, e refletia as contradições sociais e culturais da época.
na maneira de considerarmos a arquitetura contemporaneamente. (Prac. 976-T-78.
Prédioda Cia.Docasde Santos.RJI
Dentro de uma visão histórica mais ampla, portanto. certos traços estilísticos como o ornamento autónomo, a dissimulação de materiais. e a alusão a estilos
E, em outro parecer, a mesma arquiteta considerou a importância do ecletismo
pretéritos, que caracterizam o ecletismo, deixaram de ser interpretados como
especificamente no contexto brasileiro:
192
negativos.
O PATRIAONIO [Á PROCESSO
A PRATICA Dt TOABAAlINTO: 1970-1990
193
No caso específico de bens que referem classes de objetos antes excluídas
série de acontecimentossempre dramáticos e breves' (Proa. 1.146-T-85. Prédio
do universo da estética, como as obras da tecnologia industrial - pontes, merca-
da Light, RJ).
dos, fábricas, caixas-d'água, faróis. estações ferroviárias etc. -, essa nova leitura possibilita inclusive a atribuição de valor estético a esses tipos de bem, que. de
Nos anos 80, as concepçõesmais recentes da nova historiografiacomeçaram a ser incorporadasà prática de tombamentosda Sphan, mas eram reiteradamente
acordo com o recorte romântico, eram excluídos do fazer artístico, eminentemente
contestadas nas impugnações. Foi dentro desça perspectiva que passaram a ser
artesanal. Em meados da década de 1980, Dera Alcântara, referindo-se ao tomba-
mento do chafariz da Praça Mahatma Gandhi, no Rio de Janeiro, usa o termo
lidos e valorizados alguns testemunhos da ocupação do território brasileiro, da evoluçãodas cidades, dos diferentes grupos étnicos, da história da ciência e da
:estética industrial".
tecnologiano Brasil. Tratava-se,como diz o arquitetoLuís FernandoN. Franco,
A atribuição de valor histórico, que reproduzia, na seleção de bens, os crité-
da Sphan, de ler os "desertos' deixados pela história factual. Entretanto,se essa
rios excludentesda história factual, centrada no evento político e nos feitos das
mudança de perspectiva veio possibilitar a Inclusãode novostiposde bensno
classes dirigentes, é também ampliada de modo a abranger bens que, mesmo não
patrimóniocultural brasileiro,falta ainda muito para cobrir as lacunas, mesmo em
podendo ser identificados com "fatos memoráveis da história do Brasil' e não se
relação à história dos "grandes eventos', deixadas pela orientação anterior.
destacando por seu valor artístico excepcional, tornam-se passíveis de tomba-
Além disso, fatores como a modéstiadas edificações,a falta de documentação
mento federal. Lembro que só recentementehistoriadores começaram a fazer parte
escrita e a dificuldade de fiscalização constituem entraves para o tombamento de
dos quadros da área de proteção, produzindo paraceres especificamente sobre o
certos bens historicamentesignificativosdentro dessa nova perspectiva.Foi o que
valor histórico dos bens propostos para tombamento.
ocorreu com a Casa de Plácido de Castro, em Xapuri, Acre, com as ruínas da
Exemplo típico dessa mudança é a evolução do processo 953-T-77, da Escola
Vila Porto Acre, em Rio Branco,Acre, com os marcos da ocupaçãoda Amazõnia.
de Enfermagem Ana Neri, no Rio de Janeiro. Instituição pioneira da enfermagem
e com a casa da Sudeco Velha, em Nova Xavantina, Mato Grosso, marco da ocu-
no Brasil - justificativa apresentada no pedido - teve o tombamento federal recu-
pação do Centro-Oeste, todos pedidos de tombamento encaminhados por entidades
sado em 1978por falta.de valor arquitetõnico (trata-sede construçãoem estilo
locais e todos arquivados.
neocolonial), recomendando-seo tombamento estadual. Ante a insistência dos
O dilema entre a ênfase na visibilidade do bem, consideradoenquanto edi-
solicitantes, em 1984 o Diretor da 6a DR recomendouque os historiadores da
ficação excepcional, propiciadora de uma experiência estética e de uma leitura
Divisão de Tombamento e Conservação (DTCF' fizessem estudos visando a uma
de estilos arquitetõnicos, ou palco de eventos notáveis, e a consideração do valor
possível inscrição do bem no Livro Histórico. tendo sido a escola tombada em fun-
do monumento enquanto documento, enquanto referência a significações históricas
ção de seu papel na história da ciência no Brasil. Também no caso do tombamento
às vezes fluidas, sem precisão cronológica(como a noção de ambiente) ou em
do Forte de Santa Bárbara, Santa Catarina, o arquiteto Antõnio Pedra Alcântara
função da carga afetiva que pressupõemas noções de identidadeou de qualidade
chamou a atenção para uma mudança nos critérios de avaliação que ocorreu entre
de vida, constitui um problema levantado nesse período - problema que, como
1975 (quando se considerouque o bem não tinha valor artísticoou históricosufi-
vem sendo apontado, assumiu uma dimensão não apenas conceptualcomo também
cientes)
e 1982, data de sua inscrição no Livro Histórico.
política.
Nessa linha. e discutindo a concepção de valor histórico que predominará até então na Sphan, Doía Alcântara observou que "nem sempre são os fatos fora do
5.2.2 Â$ toncepÇaes de valor excepcional e de valor nacional
comum ou as contribuições de caráter erudito que imprimem o cunho histórico ou
A noção de excepcionalidade é tributária das idéias de genialidade e de
o valor arquitetõnico necessários ao tombamento de um local ou de um edifício'
originalidade atribuídas pelo movimento romântico ao ato de criação, que põem em
IProc. 1.113-T-84. Casa Presser, Nova Hamburgo, Rio Grande do Sul). A mesma
destaque o sujeito da criação ou o herói. ator de fato memorável.Como o de-
arquiteta considerava também que "fatos memoráveis não podem ser apenas a
creto-leinQ25, de 30.11.37,mencionaexplicitamente a expressão"valor excep-
194
O PATRIAONIOeA PROCESSO
A PRÁTICA Dil TOÁBA#leNTO: 1970-1990
195
cional', e como se trata de avaliaçãoeminentementesubjetiva, não é difícil com-
de naciona/Idade,vem sendo reelaboradanas últimas décadas.Lúcia Líppi de Oli-
preenderpor que essa noçãose tornou, duranteas últimasdécadas,foco de dis-
veira resume essas dúvidas quanto à pertinência.hoje, de se invocar a idéia de
cussão nas impugnações aos tombamentos.E, na medida em que a tendência é de
nação para legitimar ações de qualquer natureza:
preservarconjuntos, garantir a ambiência pela definição do entorno e proteger bens
que são representativos de determi.ladoestilo ou época, torna-sedifícil para o proprietáriode um imóvelaceitaro tombamentode um bem que, a seus olhos,se asse-
Se todos os meios, princípios e objetivos da cultura moderna - que tanto almejamos e queremos redistribuir para todos - são internaçíonalístas,cosmopolitas, não estarão
melha a tantos outros. Num esforço de esclarecerousa nova visão, diz Dou Alcân-
os defensoresda nação fora do tempo? Se a nação religou os homens na modernidade. o que os religará agora? Qual é o sentido da construção de uma ideologia nacional nos
tara, falando do conjunto arquitetõnicoda Avenida Nazaré, em Belém. Para:
tempos atuais? Em nome de que valores, princípios, interesses os intelectuaisse lançariam em um esforço de construção simbólica de âmbito nacional?
O fato de que numa primeira etapa do património,apenas os monumentosenfáticas no seu valor individual tenham sido atendidos, não deve levar à conclusão de que outros, por si só menos significativos, se considerados em conjunto, não passem a ser de excepcional valor. (-.) Esse valor relaciona-secom a leitura que nos proporcionam, através da qual podemos situar os estilos europeus entre nós. em nossa versão brasileira. pelos
Por outro lado, poderão as "comunidades"de base, de vizinhos, os usuárlosdo metro, os leitores de um jornal, os telespectadores se sentirem unidos, agregados? Pode
o indivíduo moderno hoje, solto das amarras do pertencimento à nação, viver uma totalidade que dê sentido ao esforço cotidiano de viver? A aquisição de bens materiais por si só será capaz de garantir um sentido de identidade pessoal e coletiva? O retorno
reflexos encontrados numa arquitetura menor.(Proc. 1 .027-T-80)
da religiosidade,da espiritualidade, do misticismo parece ser um indício de que os seres
São, pois. as noções de representatividade, de exemplaridade,e não a noção mais corrente de fora do comum, que são invocadas pela instituição para justificar
vários tombamentos nas duas últimas décadas.
humanosnão permanecemmuito tempo presos numa jaula de ferro. 11990,p. 661
Essas perplexidades reporcutiram, sem dúvida, numa política pública fundada sobre o valor simbólico da nacionalidade e conduzida por uma instituição estatal
Para o arquiteto Luís Fernando N. Franco, o caráter de permanência e de vitalidado de um bem, no sentido de provocar continuadamentenovas leituras, é traço de sua excepcionalidade:
que gozava de alto grau de autonomiaem relação aos movimentosda sociedade. Na medida em que os próprios atores dessa política passam a põr em dúvida não
só a força política e simbólica da idéia de nação como também seu papel de úni-
Excepcional é todo material cuja forma revela um grau de elaboração e complexidade que o torna intrinsecamente portador dos dados da cultura que o produziu. A possibilidade
de novas leituras e de transcrição dessa forma segundo uma expressão diversa de sua materialidadeé já um gesto virtual de preservação: é o gesto com que a cultura, nossa e atual, incorpora o material e o apropria a um uso culturalmente contemporâneo. O
cos porta-vozes dos grupos sociais na construção do património nacional, torna-
se imperioso buscar novos caminhos. Em termos práticos, ocorrem também novas dificuldades na atribuição de valor nacional a bens, na medida em que passam a se tornar viáveis tombamentos
tombamento,ao tornar real esse gesto, garante,com a preservaçãofísica do objeto,
estaduais e municipais. Embora essas esforas de tombamonto possam se sobre-
a possibilidade de leituras futuras, inclusive as que contradigam a excepcionalidade
por, o tombamentofederal, até há não muito tempo o único possível, continua
atualmente afirmada: é o risco com que. ao corrê-lo, a objeto denota sua própria vita-
sendo considerado o de maior prestígio, e o que assogura efetivamente a proteção
lidade. IProc. 1.116-T-84. Museu Paranaense. Curitiba. PRI
do bem. Foi o que ocorreu em Cananéia, São Paulo, onde os habitantes da cidade,
Dessa perspectiva, a excepcionalidadede um bem decorre menos de seus
liderados por um jornalista local, não queriam aceitar o tombamento exclusiva-
atributos estéticos que de sua capacidade de mobilizar reações - ainda que nega-
mente estadual que fora recomendado pelo Sphan, que arquivou o processo. Tom-
tivas - o que justificaria sua proteção. Porém, com a tendência atual de considerar
bada em 1969 pelo Condephaat, a cidade teve imóveis restaurados por esse ór-
que qualquer objeto pode, em princípio, ser Integrado ao património, essa noção
gão, trabalho que, embora executado sob critérios de restauro rigorosos, não foi
perdeu muito de sua fôrça para legitimar um tombamento.
bem aceito pela população.Nessecaso ficou claro, inclusive,o conflito entre os
Assim como a noção de excepcionalidade,a noção de valor nacional, fundada
na idéia de nação, assim como as práticas voltadas para suscitar um senflmenfo
196
O PATRIAONIO [A
PROCESSO
critérios técnicos do órgão de preservação e a percepção que a população tinha
da anf©uldade de seusmonumentos. Do mesmomodo,o valor nacionalda casa-
A PRÁTICA DE TOABÁAENTO: 1970$#90
197
Y grande da Fazenda Ladeira de Taepe em Surubim, Pernambuco, foi enfaticamente
esses bens realmente enquanto conjuntos, a partir da relação entre o meio geo-
defendido pelo solicitante, apesar do parecer contrário de Aírton Carvalho, diretor
gráfico, natural, e os grupos humanos que ocuparam aquele solo e nele deixaram
da delegadalocal da Sphan.
vestígios. E uma idéia que já estava implícita no decreto-lei Re25, de 30.11.37.
O fato é que, com a criação de órgãos estaduais e municipais de preservação,
que previa a reunião dos três valores em um só livro (arqueológico, etnográfico
extingue-se o papel supletivo que a Sphan antes exercia, tornando-se, por outro
e paisagístico), e também no anteprojeto de Mário de Andrade, quando se referia
lado, a cada dia mais importante discutir o que a instituiçãoentende atualmente
às "artes arqueológicase ameríndias'. Nessa perspectiva, a história das cidades não se resume mais à história de sua arquitetura, mas abrange todas as adap-
como bem de valor nacional.
tações feitas pelo trabalho humano sobre o ambiente. de modo a adequa-lo a seu
5.2.3 0s con«idos de centro história e de entorna
prometo. Do mesmo modo, os bens naturais não seriam mais consideradosapenas por seu valor paisagístico, também em consonância com o que já propunha o pará-
Os tombamentos de núcleos históricos nos primeiros tempos do Sphan foram
realizadostendo em vista antes o número expressivode bens excepcionaisque neles se concentravamque propriamenteo conjunto enquanto objeto de interesse
llb.E
da proteção. Mas. em texto publicado em 1970. Rodrigo M. F. de Andrade dizia que "justifica-sea conservaçãode um sítio urbano quando este constitui criação
Ç.]
notável e representativada vida e da organização social de um povo, em determinada fase de sua evolução" (1987, p. 81). Foi dentro desse espírito que foram tom-
bados os centros históricosde Laguna, Natividade,São Franciscodo Sul, Pirenópolis e Antânio Prado, entre outros. Pirenópolis,por exemplo, foi tombada por
constituir"cidade representativa de certa forma urbana,certo modode ser nacional' (Francisco lglésias, relator do processo no Conselho Consultivo).
grafo 2a do artigo la do decreto-lei Ra25, de 30.11.37 ("que importe conservar e
protegerpela feição notável com que tenham sido dotados pela naturezaou agenciados pela indústria humana'). Na verdade, essa linha de interpretação é muito recente na instituição. e suas conseqtlêncías práticas. em termos de mudanças na valoração de bens e nas condutas visando à proteção - que deixam assim de ser tarefa exclusiva de arquitetos -
ainda não podem ser avaliadas. Quanto ao entorno dos monumentos tombados, na legislação brasileira a definição é feita caso a caso. ao contrário da França, onde o perímetro é fixado por lei em 500 metros. Como a própria noção de entorno evoluiu da idéia inicial de preservar a visibilidade do bem para a de garantir a manutenção de uma ambiên-
Em parecer sobre o Centro Histórico de Laguna, Luas Fernando Franco chama
cia, a definição desse entorno tornou-se uma questão bem mais complexa. Tam-
a atenção para o fato de que esse tombamento não é indicado pela excepcio-
bém nesse caso, a abordagem exclusivamente arquitetõnica é hoje insuficiente,
nalidadedos monumentose sim por
sendo imprescindível o recurso a outros especialistas.
1...)tratar-se de documento precioso da história urbana do país, menos como sede de
A compreensão do que seja o entorno de um bem tombado tem se constituído
acontecimentos notáveis - embora estes também tenham sido ali assinalados - do que
em mais um ponto de atrito nos processos de tombamento. Protestos ocorreram
pela escolha criteriosa do sítio, pelo papel que o povoado pôde desempenhar,em virtude
em Belém. Para, onde a Sphan admitiu, em resposta à impugnação do tombamento
de sua localização, no processo de expansão das fronteiras meridionais e. sobretudo.
do prédio Re482 da Avenida Nazareth, que "o prédio em questão. tal corno ocorreu
pela forma urbana assumida com precipitação espacial dos dois processos precedentes.
Foi essa nova visão da história que motivou a proposta desse mesmo arquiteto
com sete outros nas proximidadesdo conjunto preservadoà Avenida Governador José Malcher, foi tombado a fim de que se colabore na manutenção da ambiência
para transcrição dos centros históricos inscritos nos livros Histórico e de Belas
do conjuntoda Av. Nazareth'(Dou Alcântara.Proc.1 .027-T-80).Mesmonão sen-
Artes para o Livro Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico. Essa proposta, apre-
do o caso - pois o pedido se justificou pela importânciada própria edificação - na
sentada na Informação nQ 135/86, implicava uma leitura mais abrangente desses
impugnaçãoapresentadapela Braslightao tombamentodo prédio da Light, na Rua
bens, em consonância com as idéias da Ecole des Annales. que analisa os fatos
Marechal Floriano, RJ. alegava-se que "o tombamento de um prédio para proteção
históricos a partir de uma postura multidisciplinar, para que concorrem a história.
visual de outro, esse sim com as qualidades necessárias à sua integração no
a geografia, a
património histórico e artístico nacional, é Ilegítimo'
198
arqueologia,
a geologia, a antropologia etc. Essa leitura entende O PATR IAON IO [A PROCESSO
A PRÁTICADe TOABAA[NTO:1970-1990
199
FI
O fato é que é evidente que essa nova orientação, centrada no conceito de
através de seus órgãos especializados e de seus técnicos, ajuizar da significação
ambiência, implica, mais ainda que a anterior, a colaboração dos moradores para
e do valor da coisa tombadas tal Juízo é da sua exclusiva alçada e competência'
ser implementada.
IProc. 853-T-72. Casa R. Mayrink Veiga, 9. Rio de Janeiro, RJ). A qualificaçãodo poder de julgamento da Sphan como discricionárioimplica,
5.2.4Sobrea legitimidade do processo de atribuição de valor nas +ombamen+os
portanto, certa dose de arbítrio. Essa realidade.é muitas vezes interpretadacomo "falta de critérios' ou como subjetividadedos juízos de valor emitidos pelo órgão.
A condução do processo de avaliação de bens para tombamento que, nas dé-
Portanto, um dos cuidados da instituição - presente nas contra-razões às impug-
cadas anteriores, era fechado, e com base em uma autoridade reconhecida dentro
nações de tombamento - é de, ao mesmo tempo, apresentar as justificativas técni-
e fora da instituição.passou,a partirdos anos 70, a encontraralgumasdificul-
cas que levam (ou não) a cada tombamento, interpretandoas disposiçõesgené-
dades, e a ser objeto de discussão tanto internamente, entre grupos de opiniões
ricas do texto legal, e defender a autoridade de sua decisão quanto à avaliação
distintas,'9 quanto nas impugnações, que questionam inclusive a autoridade exclu-
de bens para tombamento.
siva do Sphan para emitir juízos sobre o valor cultural dos bens.
Até os anos 70, essa responsabilidadeera exercida pelos agentes do Sphan
Embora explícita na lei 378. de 13.1.37, a competência do Sphan nesse sen-
sem maiorescontestaçõosou discordâncias,dentro e fora da instituição.
tido só foi realmente legitimada juridicamente com o memorável julgado sobre o
Como já foi obsewado, era sobre o valor artístico que, nas primeiras décadas
Arco do Teres. em 1943, quando o STF ratificou a constitucionalidadedo decreto-
do Sphan, incidiam prioritariamente as inscrições e a noção de excepcionalidade.
lei Ra 25, de 30.11.37. Entretanto, no período que estou analisando, algumas im-
A atribuiçãode valor artístico requer um julgamento especializado,que considera
pugnações contestaram essa competência, discutindo inclusive o caráter do tom-
o bem sobretudo em seus aspectos formais - no sentido do uso dos materiais,
bamento enquanto ato administrativo.
do apuro da execução e de seu optado de consewação. Reformas ou restaurações
Para os juristas do Sphan, o tombamento constitui um tipo de ato adminis-
que descaracterizassem o programa original eram impedimentos para a atribuição
trativo discricionário e não vinculado,:' pois a legislação brasileira determina que
de valor artístico. Nesse sentido, a ênfase na atribuição de valor artístico res-
cabe ao Estado, através da instituição competente, avaliar os bens a serem tom-
guardava as prerrogativas dos agentes do Sphan.
bados pela instância federal. O exercício dessa competênciafoi regulamentado
O valor histórico era, naquele período, claramenteconsideradocomo um valor
pelo decreto-lei RQ25, de 30.11.37. A legislação brasileira, à diferença de vários
"de segunda classe', e atribuído com base na interpretaçãoliteral do decreto-lei
países, não estabelece critérios objetivos - como datação ou classes de bens -
Rg 25, de 30.11.37 (ver Anexo 11). Foi possivelmente
e sim competências,que devem ser exercidas levando-seem conta determinados
desse valor que não houve no Sphan preocupação em recrutar historiadores nem
valores. Sõnia Rabelo de Castra (1991, p. 90) considera. inclusive. que mesmo
em desenvolver critérios próprios e mais elaborados de avaliação do valor histó-
os valoresdiscriminados no decreto-lelRa25, de 30.11.37- histórico,artístico,
rico dos bens que se propunham para tombamento.
arqueológico, etnográfico, paisagístico e bibliográfico - devem ser entendidos como menções de caráter meramente exemplificativo, pois a própria noção de va-
lor cultural varia de uma época para outra. Cabe à instituição competentedeterminar o preciso conteúdo dos preceitos genéricos do decreto-lei Ra25, de 30.11.37, desde que seja obsewada coerência no julgamento de casos similares conside-
rados na mesma ocasião.
Esses critérios de atribuição de valor adotados pela instituição, apoiados na autoridade de quem os formulava, começaram a ser questionados na década de 1970, sendo um marco nesse sentido o processo da Avenida Rio Branco, no Rio de Janeiro (Proc. 860-T-72). Ao defender o tombamento de monumentos em estilo
eclético, ao roconhecero valor próprio de cada estilo de época, e ao afirmar o inconteste valor histórico dos monumentos, o arquiteto Paulo Santos, relator do
Fol, pois, apoiadoem argumentaçãojurídica. que Lúcio Costa afirmoucategoricamente que "cabe por lei ao Instituto do Património Histórico e Artístico Nacional,
200
devido ao caráter sup/effvo
O PATRIAÕNIO
[A PROCESSO
processo no Conselho Consultivo, entrou em confronto com a autoridade de Lúcio
Costae coma tradiçãoda casa.
A PRÁTICA Dll TOABAAeNTO: 1970-1990
201
A crítica à hierarquia de valores até então adorada terminou por provocar vá-
interaçãocom a cultura das classes cultas (e também com a cultura de massa).
rias consequênciasna prática de tombamentos.Em primeiro lugar, a adição de
Nesse caso. para o agente institucional. o problema.como obsewa Dina Lerner.
um ponto de vista que relativiza os juízos de valor propicia o deslocamento da
"é a ignorância da nossa ideologia branca' (Sphan, Revfsfa do Pafrfmõn/o 22.
questão de uma instância exclusivamente técnica para uma instância política.
1987, p. 75). Fica evidente que o processo de atribuição de valor não pode ser
Nesso caso, o recurso à autoridade de quem julga torna-se insuficiente, e outros
reduzido a uma questão técnica. As discussões levantadas por esses (ainda pou-
pontos de vista. de outros atores, passam a ser levados em conta. Além dos argu-
cos) processos explicitam o caráter ideológico da construção dos patrimónios.
mentos técnicos, é preciso recorrer também à capacidade de argumentação e à
Exemplarnesse sentido foi o processo de tombamento do Terreiro da Casa
habilidade política. Foi o que ocorreu em alguns processos de tombamento, como
Branca,em Salvador, Bahia, o mais antigo terreiro de candomblédo Brasil, Guio
o do Terreiro da Casa Branca, o da Serra da Barriga, o da cidade de Antõnio Pra-
pedidode tombamentoteve origem na FNpM, através do ProgramaEtnias e Socie-
do, o do Hotel Copacabana Palace, entro outros.
lb.h
dade Nacional.Nas discussõesque constam do processo.fica claro o conflito
Mas foram sobretudo imperativos de ordem prática que levaram, nesse perío-
entre os técnicos da Sphan- que se apoiavamnos critérios de valoraçãojá con-
do. os técnicos da Sphan a refletir e a discutir em seus pareceres a legitimidade
solidados e, sobretudo, na defesa da especificidadedo instituto do tombamento
do processo de atribuição de valor adotado pela instituição. Essa questão foi le-
a bens que interessamanter imutáveis- e os antropólogosda Área de Referência
IH l dlk
vantada tanto nas impugnações como em decorrência da apresentação de pro-
da DinâmicaCulturalda FNpM,e do ConselhoConsultivo,que enfatizavama im-
lq::i
postas de tombamento de "programas inteiramente novos, cujo universo (em ter-
portância simbólica e política desse tombamento.2' Por esse motivo, o que impor-
mos nacionais) nos é inteiramente desconhecido' (Proc. 1.064-T-82), conforme
tava não era apenas o reconhecimento,por parte da cultura oficial, de um bem
observou a arquitota Dou Alcântara, então responsável pela Seção de Tomba-
significativo para a cultura afro-brasilolra enquanto manifestação etnográfica, e
mentos da DTC. Foi a própria Dou que esclaroceu, em outro parecer, a natureza
sim sua inclusão,com a inscrição no Livro do Tombo Histórico,entre os bens
do problema:
referidos à história .nacional.::
c'n
Sempre que nos é proposta a presewação de um bem tradicional em nossa prática
A apreciação e a inscrição de bens do que se veio a denominar "patrlmânio
institucional de tombamento - igreja, teatro etc. - não há dificuldade maior, porque já
cultural não-consagrado'eram, até os anos 70, nos raríssimoscasos que se apre-
possuímoso necessário quadro de exemplos para referencia-lo. Se. ao contrário. a pro-
sentavam para tombamento, tradicionalmente feitas por seu valor etnográfico.
posta refere-se a um objeto não tradicional - caixa-d'água. vila operária etc. - temos necessidade de organizar um mínimo quadro de referência para opinar com menor margem de erro. (Proc. 1.072-T-82j
Entretanto,na medida em que a perspectivaetnográficae a noção de folclore passaram por um processode revisão crítica (d. Cavalcantie Vilhena, 1990 e Carvalho, 1991), esse valor passoua ser identificadocom a ótica das classes dominan-
Tratava-se de bens que não se prestavam a uma leitura estritamente estética. A inclusão de novos programas na prática de tombamentos da Sphan teve, portanto, algumas consequências não só no quadro de referências conceituais até então utilizado, como também na sistemática de valoração. Tornou-se indispensável a participação de outros especialistas que não apenas os arquitetos. Afinal. o sal)er que a Sphan deve agora produzir para fundamentar suas decisões em termos de tombamentos é diferenciado, e exige o equacionamento de inúmeros problemas. A questão demonstrou ser bem mais complexa quando se trata de avaliar bens produzidos e voltados para os grupos sociais populares. vinculados a outras tradi-
ções culturais que não a luso-brasileira,mas que atualmente estão em constante
202
O PárRFAÕNIO eA PROCESSO
tes, e sua utilização como justificativa para tombamento tornou-se ideologicamente
problemática.Por outro lado, o tratamento que essas produçõesrecebiam,consideradas manifestaçõesexóticas ou típicas de contextos culturais "atrasados', dificultava sua avaliação a partir de outras escalas de valores. A complexidadeda questãoque se apresentava,agora de modo diferente,para os técnicos da Sphan, pode ser avaliada na discussão do processo de tombamento
do Presépio do Pipiripau, Minas Gerais. proposto para o Livro de Belas Artes. Nesse processo,o arquiteto da Sphan Luís FernandoFranco questionanão só os novos critérios de valoração propostos. supostamente mais democráticos.como o próprio /usar de ía/a dos agentes institucionais.
A PRÁTICA Dll TOABAA[NTO:1970-1990
203
No seu parecer, Luís Fernando Franco tece considerações sobre o processo
de avaliaçãodas produçõesculturaismarginalizadas por parte da culturadominante. O arquitetofaz uma crítica à situação em que, em nome de uma postura democrática e "politicamente carreta', a defesa, por parte de agentes institucionais. de um relativismo absoluto na atribuição de juízos de valor leva a equívocos con-
O arquitetoobsewaque. ao se partirdo pressuposto ingênuode que a objetivldade nos juízos de valor "pressupõe a possibilidade de uma perfeita aderência
do sujeitoao objetoobservado',se propõeuma concepçãode imparcialidade há muito criticada pela epistemologia.Essa pseudo-objetividadeencontra reforço numa "aspiração democrática do gosto, fundamentalmentehostil à noção de obraprima e de monumento.' Ora. a abolição de qualquer escala de valores. em nome
llH Clü
É difícil entender,por exemplo, por que a Caixa-d'Águade Pelotas, RS, cujo caráter pioneiroé referido por documentos,está inscrita apenas no LBA, enquanto o Resewatório de Mocó, Amazonas, mais recente, tem dupla incrição(LH/LBA)l por
ceituais e também ideológicos.
llü.u IÜh
do je da) Sphan.O tipo de inscriçãocondicionanão só a leitura do bem como também o modo como será consewado.
do repúdio a uma leitura dominantee da inserçãoda obra em seu contexto, na verdade significa a abolição dos conflitos inerentes à produção cultural. Esse processo de nivelamento- que desconhece o fato de que a cultura é justamente uma escala de valores permanentemente retificada - seria próprio da indústria cultural. portanto contrário aos interesses da preservação. Ao se querer, dessa maneira, corrigir desigualdades na constituição do património nacional, termina-se por mas-
que o Açude do Cedro,CE. que, além de obra notávelde arquitetura.foi a 'primeira rede de canais de irrigaçãolevada a efeito no Brasll', não está inscritotambém no LHI por que o Porto de Manaus. testemunho inconteste do ciclo da borracha, foi inscrito apenas no LBA e no Laep, enquanto o Teatro Amazonas, de inegável valor artístico, havia sido'inscrito apenas no LH. Já no caso do Plano Piloto de Brasília, obra contemporâneaque. ao contrário de outras menos recentes, como o prédio do
MEC e o ParqueGuinle, ambos no Rio de Janeiro, foi inscrito unicamenteno LH, essa inscrição fez parte de uma estratégia a que recorreu Lúcio Costa para proteger sua obra, já tombada pela Unesco, das descaracterizaçõesque a ameaçavam. Foi
a forma encontradapara contornar objeções que eram feitas por arquitetos locais do ponto de vista estético e urbanístico, movidas possivelmente também pelo interesse em liberar a área para investimentos
imobiliários.24
carar os conflitos inevitáveis nessa prática quando exercida numa sociedade de 5.3
classes.
A
ATUACÃO DO CONSELHOCONSULnVO
O arquiteto conclui que a falta de um estudo abrangente sobre o universo dos
A análise das atas do Conselho Consultivo. no período que vai de 1970 a mar-
presépios não permitia estabelecer, com segurança, nesse caso. um juízo de valor
ço de 1990. indica os efeitos das mudanças institucionais sobre esse conselho
artístico. Por esse motivo, o arquiteto propõe a inscrição do Presépio do Pipiripau
e sobre a Sphan. A primeira
exclusivamente por seu valor etnográfico.23
a saída de Rodrigo Meio Franco de Andrade como conselheiro - função que assu-
Nos dois casos mencionados,fica claro como motivaçõesde ordem política
e ideológicase cruzam.nesseperíodo,comas exigências e os limitesda esfera estritamente valorativa, que se estrutura no âmbito das definições disciplinares correspondentes aos Livros do Tombo.
reunião
de 1970, realizada a 21 de janeiro, marca
mira ao se aposentar, em 1968, em substituição a Miran Latif
- em decorrência
de seu falecimento. É substituído por Prudente de Morais Neto, que já prestava assessoria jurídica ao Sphan. No início da década, foram levados ao Conselho casos que evidenciavam as
Nesses processos. os técnicos da Sphan se viram confrontados com a questão
dificuldades da instituição em face da especulação imobiliária, principalmente na
que constituíao principalinteressedo 'grupoda referência" - a proteçãodo "patri-
cidade do Rio de Janeiro. Foi o caso do prometoda construtora Veplan para a Gá-
mónio não-consagrado' - tendo, porém, que a equacionar no campo específico da
vea, denominado Chácara da Gáveal do pedido de tombamento das residências
prática preservacionista: o da seleção de bens com base na atribuição de deter-
das embaixadas da ltália e da Argentinas do ParqueLage (reiteraçãode tomba-
minados valores culturais, visando à sua proteção legal.
mento) etc. Foram tombados nesse período os morros do Rio de Janeiro (sete
Outro problema - aparentemente formal. mas com as implicações conceituais
e práticas que já foram apontadas no capítulo 3 - é o do critério nas inscrições nos Livros do Tombo, que sempre foi deixado em segundo plano pelos técnicos
204
O PATRIAONIO [A PROCESSO
morros individualmente),:5o Horto Florestal e o Parque do Flamengo, visando a proteger o património natural como moldura da cidade e a qualidade de vida de seus habitantes. Foram assuntos reiteradamente discutidos nas reuniões do Con-
A PRATICA Dt TOABA#lENTO: 1970-1990
205
velho a questão do entorno dos bens tombados, dos centros históricos, e da saída
gem de votos(três votos a favor, um voto contra. duas abstençõese um pedido
de obras de arte para o exterior.
de adiamento).
selho e definiu sua missão corno a de "dirigir e revitalizar o lphan'. E, embora
O problemada definiçãoda funçãodos dois órgãosrecém-criados - Sphan e FNpM - também foi levado ao Conselho a 'propósito da elaboração do regimento
afirmasseque "quantoao pensamentooriginal do lphan nada há a inovarou in-
da Sphan. A apresentaçãode duas propostas separadas, segundo o secretário
ventar', observou que "a expressão concreta dos bens culturais brasileiros são
Ãngelo Osvaldo, expressava "as indagações e os conflitos conceituais que já es-
de pequena dimensão. Seu concerto, não claramente explicitado, encontrou na
tavam latentes desde a criação da FNpM', mantendo-se a divisão entre o "patri-
Em 1979, na 86a reunião, Aloísio Magalhãesassumiu a presidênciado Con-
Inteligênciade Rodrigo Meio Franco de Andradea ênfase no domínio da pedra e
mónio arquitetõnico' (Sphan)
e o "património
antropológico" (FNpM), apresentan-
cal e na luta da conscientizaçãodas elites culturais brasileiras'.Afirmou seu obje-
do-se a Sphan como herdeira de Rodrigo e a FNpM como herdeira de Aloísio. A
tivo de atuar de forma planejada, equacionandoos problemaspara captar recur-
questão foi retomada na 128a reunião em termos de uma crise institucional, em
sos, e anunciouo prometo de reestruturaçãodo órgão.
consequência da duplicidade de comando. Como solução, o Ministro da Cultura
Em 1983 0 antropólogo Gilberto Velho passou a integrar o Conselho Consultivo.
Fora precedido pelo especialistaem desenvolvimentoregional Roberto Cavalcanti de Albuquerque (em 1982) e pelo empresário José Mindlin (em 19791. A configuração
do colegiada começava a se modificar.:' Por sugestão do presidente Marcos Vilaça,
terminou por optar pela unificação do comando das duas Instituições. A partir de 1988, também os processos indicados para arquivamento começaram a ser encaminhados ao Conselho Consultivo que, a partir de então. passou a participar de todas as decisões relativas aos tombamentos.
o Conselho começou a se reunir também fora do Rio de Janeiro, visando a propiciar
5.4 0BSÉPVACÕtS FINAIS
maior envolvimentocom a comunidade,de desejável efeito didático. Na década de 1980, começaram a chegar ao Conselho pedidos de tombamento
Como espero tenha ficado evidente, os problemas que, nas décadas de 1970
dentro da idéia dos 'novos programas': bens representativosda etnia afro-brasi-
e 1980. se apresentavamàs áreas técnicas e às instânciasdecisórias da Sphan
leira (Terreiroda Casa Branca, BA e Serra da Barriga, ALjl das diferentes corren-
estavam bastante distantes das questões que então ocupavam os funcionários
tes de imigração(Casa Presser,RSI Casa do Professore Escola Rural,e Cemi-
ligados ao CNRC, inclusive na medida em que esse grupo contestavaos critérios
tério Protestante,SC, testemunhosda imigraçãoalemãoCasarãodo Chá. SP, tes-
de valoração da Sphan. Mas, ao simplesmente repudiarem os critérios estabele-
temunho da imigração Japonesascidade de Antõnio Prado. RS, testemunho da imi-
cidos lo que lhes era facilitado pelo tipo de trabalho que desenvolviam)e ao se
gração italiana)l marcos da história da ciência e da tecnologia no Brasil (Casa
limitarem ao que seria uma atuação correffva, os técnicos do CNRC terminaram
de Saúde Carlos Chagas e Estação Ferroviáriade Lassance,MGI Escola de En-
por se furtar a enfrentaruma dimensãosem escapatóriada atividadede preser-
fermagem Ana Neri, Fundação Osvaldo Cruz e Hospital São Franciscode Assim.
vação: a definição de critérios para a seleção de bens a integrar o património his-
RJI inúmeros exemplares da arquitetura em ferro. como pontes, mercados. caixas-
tórico e artístico nacional - critérios tanto técnicos como políticos.:'
d'água, açudes etc.l novos exemplares de arquitetura civil, como curtume. fábricas
J
No entanto, o fato é que vários projetos do CNRC foram parar nas instâncias
e conjuntos habitacionaispopularesl e até fazeres, objeto da propostade tomba-
técnicasda Sphan, em muitos casos a contragostodos técnicos mais antigos da
mento da Fábricade Vinho de Caju Tito Salva,Paraíba).
casa, que consideravam os bens propostos para tombamento desprovidos de ex-
Esses pedidos de tombamento provocaram discussões sobre o instituto do
cepcional valor histórico ou artístico, ou incompatíveis com as exigências do insti-
tombamento. suas finalidades e seus limites. Na 108a reunião, realizada em Salva-
tuto do tombamento.Mas hoje é inegável que esse movimentopropiciou,em nível
dor em 31 de maio de 1984, o pedidode tombamentodo Terreiro da Casa Branca
conceptual,pelo menos, algum grau de Integração entre as duas orientações.O
foi objeto de acaloradodebate e foi inusitadamenteaprovadopor uma estreita mar-
afluxo de novos programas,entre eles várias propostas oriundas da Área de
206
O PATRIAÕNIOEA PROCESSO
A PRÁTICA Dll TOABAA[NTO:1970-1990
207
Referênciada Dinâmica Cultural da FNpM. contribuiu,sem dúvida. para provocar
desses grupos estivesse voltado para outras frentes de atuação política. como
uma reflexãoteórica, metodológicae operacionalextremamentesalutar, mas que,
ocorreu na Constituinte.
na medida em que ficou restrita aos processos de tombamento, não contribuiu para
Em suma, se, nesse período, o patrimóniose abriu para novos tipos de bens.
informara prática institucional.
a Sphan ainda não sabia exatamentecomo fazer para protegeresses bens.
Fazondo um balanço dos tombamentosfeitos nas décadas de 1970 e 1980, observa-se que. sobrotudo nos anos 80, aumentaram consideravelmente as inscrições no Livro Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico (46 inscrições, a partir
A análise dos processos de tombamento abertos nas décadas de 1970 e 1980
nos leva a caracterizar esse poríodocomo um momentode coexistência e, em certos momentos. de confronto, entre orientações distintas, o que se expressou
de 1970). As inscriçõesno Livro Históricol94, entre 1970 e 1990)foram um pouco
muito mais no nível das práticas que do discurso. Por outro lado, se considerar-
mais numerosas que as Inscrições no Livro de Belas Artes (86, no mesmo perío-
mos essa situação em termos de longo prazo, podemos supor que, na verdade,
do), mas a diferença não é expressiva.
se trate de um período de transição. Na medida em que se reconstruamséries
Quanto aos tipos de bens que foram objeto de tombamento, decresceu signifi-
históricas,se proponhamleituras mais abrangentes,que não se limitem aos con-
cativamente o número de bens de arquitetura religiosa e militar, aumentando o nú-
ceitos tradicionais de história e de arte, e sobretudo se abram espaços para a par-
mero de conjuntos. Mas o fato mais característico desse período é a diversificação
ticipação de outros atores, que poderão propor outras leituras e dar suporte às
dos bens de arquitetura civil, e o tombamento de bens /nusflados,como o da Fábri-
atividades de proteção, os efeitos dessa fase poderão redundar numa efetiva am-
ca de Vinho de Caju Tito Silva, já mencionado,propostopelo programa de Tec-
pliação da eficácia simbólica do património e numa maior representatividadedos
nologias Patrimoniais da Área de Referência da Dinâmica Cultural da FNpM, cuja
bens tombados relativamente à pluralidade cultural brasileira.
finalidade não era propriamente a proteção do imóvel e do equipamento, mas dessos enquanto suporte de um "fazer intimamenterelacionadocom as caracte-
NOTAS
rísticas regionais do processo cultural brasileiro'.:' O tombamentode bens natu-
O arquitetoCarlosLemos,do Condephaat. de São Pauta,observouque, no casodas
rais é ainda esporádico. mesmo porque, no período. foi intensificada a atuação de
fazendas paulistas antigas há, pelo contrário, interesse dos proprietários no tombamento. o que as valoriza no mercado imobiliário.
outros órgãos públicos voltados especificamentepara a proteção do meio ambiente, que passou a contar também com inúmerasONGs. Entretanto,a análise
Sobre a sistemática dos processos de tombamento, ver Castra, 1991, p. 55-67 e, de forma mais resumida,Meirelles.1991, p. 481-483.
dos processos de tombamentoabertos nesse período (ver Anexo VI) revela um dado curioso: se a difusão da ecologia sem dúvida mobilizou a sociedade brasileira para a necessidade da presewação, por outro lado o encaminhamentoà Sphan de cerca de trinta pedidos de tombamentode bens naturais indica que a figura do tombamentoainda é vista por nossa sociedadecomo o instrumentode
preservaçãopor excelência. l
A proteçãopelo tombamentode bens de outros contextosque não o da cultura luso-brasileira continua raras e a de bens que estão inseridos numa dinâmica de uso popa/ar - como foi o caso do Terreiro da Casa Branca, da Casa Presser, RS
e do Conjunto Habitacional Avenida Modelo, RJ - é considerada problemática pelos critérios em vigor. Outro fato a se observar é que não ocorreram tombamentosde bens referentesàs etnias indígenas,o que leva a supor que o interesse
208
O PATRIAÕNIO[A
PROCESSO
3
Deprol/IBPC. Processos de tombamento: uma proposta de ação. Dezembro 1992 jmimeol.
Os dados mencionadosforam colhidos no Arquivo Central do IBPC, em pesquisa
concluída emjulhode 1993. De maio de 1992 - quando ocorreu a reconduçãodo Conselho Consultivo - a maio de 1995 ocorreram mais sete tombamentos: Sobrado do Padre Taborda e casario fronteiro e ao redor dele e da Igreja Matriz de Santo Antõnio jltaverava, MG); Conjunto arquitetõnico,urbanístico e paisagístico da cidade de Cuiabá IMT)l Palácio Tiradentes Iria de Janeiro, RJ); Conjunto arquítetõnicoe paisagístico de Corumbá IMS)l Parque Nacional da Serra da Capivara (São Raimundo Nonato, PI), Parque Zoológico
do Museu Emílio Goeldi IBelém, PAj. Cine-Teatro Central e as pinturas a ele integra-
das(Juizde Fora.MG).
A PRÁTICA Dt TOABAA[NTO: 1970-1990
209
'Y 6
Nesse total, além dos 74 processosarquivadosque foram abertos a partir de
Em entrevista. Lúcio Costa definiu o 'ecletismo arquitetõnico':'Cada obra seguia um estilo característico do seu gênero, um estilo histórico, digamos assim. Uma casa não obedecia
1.1.1970, incluem-se mais quinze processos abertos antes dessa data, mas que foram arquivados durante as décadas de 1970 e 1980 desses números não são exatos,
às mesmas linhas de um prédio comercial. Havia um receituário a ser seguido. As igrejas eram românicas. góticas ou barrocasl os bancas se pareciam com palácios italianosl os
pois em alguns processos não foi possível definir a data do arquivamento).
edifícios públicos imitavam o estilo Luís XV ou LuasXVI e por aí ía. passando. naturalmente.
Em 12 dos 135 pedidosque resultaramem tombamento,não foi possível identificar
pelo estilo colonial português,pelo normando etc.'(Fo/ha de São Pau/o,Caderno Mais,
a origemda solicitação.seja porqueos processosnão se encontravamno Arquivo
15.8.93, P. 6).
Central do IBPC, seja porque neles não foi possível localizar essa informação.
Cf. capítulo 3, nota 28 Já na França, em 1980 - o Ano do Patrimõnia - foram identificadas cerca de seis
17
Lúcio Costa refere-se aos processos 855-T-70 (Rua da Glória), 853-T-72 (Rua
mil associaçõesem todos os domíniosdo patrimónioILéniaud, 1992, p. 104).
Mayrink Verga) e 854-T-72 crua da Quitanda). todos pedidos encaminhados por ele.
Cabe observar que, entre os pedidos de tombamento encaminhados por prefeituras
10
e assembléias legislativas, dezoito foram arquivados, e apenas nove resultaram em
A partir de 1979, a Divisão de Estudos e Tombamentos (DET) e a Divisão de
tombamento.
Conservação e Restauração IDCR) foram fundidas na Divisão de Tombamento e
Conservação(DTC). A antropóloga Eunice Durham considera que 'a idéia de 'comunidade' é um mito da nossa transformação política. Todo conceito de comunidade está preso à noção de igualdade, de convivência etc. Pensar na comunidade urbana é muito complicado, se não totalmente falso. E não há nada de que se fale mais no país ultimamente
'9
P. 69-79)
a '0 ato discrlcianário é a proleção, na prática, da faculdade discricionária ou poder
do que em comunidade.E a coisa que menos existe e sobre a qual mais se fala' 11
jem Arantes[org.],1984,p. 55).
discricionário,possibilidadede agir ou não, de operar ou não dentro de uma área perfeitamente circunscritapelo direita.
A Casa Modernistafoi tombadaem 14 de agosto de 1986 pela Sphan,juntamente
Opondo-se ao ato vinculado, que é a manifestação obrigatória da administração
com duas outras casas de Warchavchik,a partir de propostaencaminhadapela 9:
desde que o beneficiário do ato tenha preenchido os requisitos fixados pela lei, o
DR
ato discricionáriomovimenta-senum campo muito mais livre, visto ser a manifesta-
Devo esses números à pesquisadora do IBPC, Mana Alice Siaines de Castra. Aas
ção unilateral da vontade da administração que, fundamentada em regra objetiva de direito. que a legitima e Ihe assinala o fim livremente. se concretize desvinculada
vinte tombamentos compulsórios relativos a processos abertos a partir de 1970 acrescen-
de qualquer lei que Ihe date previamente a oportunidade ou conveniênciade conduta. sendo por esse motivo mesmo insuscetívelde revisão judiciária nesse campo' (França.
tam-se mais três, relativos a processos abertos no período anterior. 13
Sobre o lugar dos arquitetos modernistas no seu campo profissional específico, diz Louro Cavalcanti: 'A vitória dos 'modernos' no prédio do MES. na conquista da primazia de criação de um órgão de Património e na afirmação de um discurso ético elegendo
a habitação popular como objeto privilegiadode atuação jver Cavalcanti,1987), torna-os 'dominantes' no campo arquitetõnico, havendo logradotecer argumentos em todos os planos
de um debate colocado,ao qual passama recolocarem outros termos e constituirnovos enunciadospara esse mesmo campo-' (1991, p. 75) 14
Cf. mesa-redonda sobre tombamento ISphan. Revfsfa do Pafdmõnfo, na 22, 1987
O mesmo argumento foi utilizado na França em 1988. a propósito da proteção ao imóvel onde funciona o tradicional restauranteFauquet's, na medida em que o objetivo era preservar
1978,P.465-466) 21
Os técnicosda Sphanponderavamque o uso da área do terreiro impediao cumprimento das exigências do tombamento, na medida em que o ritual religioso podia
determinaralteraçõesno espaçofísico do local, como corte de árvoresetc. Se permitidoesse uso de um bem tombadopela Sphan,ficaria difícil impediroutros tipos de alterações.como modificaçõesem fachadas. em volumetriaetc., enfraquecendose assim o instituto do tombamento. O mesmo tipo de problema foi objeto de discussão no caso do tombamento do conjunto habitacional Avenida Modelo, Rio de Janeiro, tombado em 1985. Nos dois casos, como no do Santuário do Bom Jesus da Lapa. Bahia. em 1958
justiça considerou essa inscrição incompatível com a lei de 1913, que se refere a "bens
jver capítulo 41alegava-seque o tipo de uso desses bens pelas classes populares era incompatívelcom o tombamento,e que não seria correto impor a essas classes valores
móveis e imóveis' japud Léniaud, 1992, p. 119-120).
culturais que lhes eram estranhos.
não o imóvel, sem maior valor arquitetõnico, e sim a marca. Em 1990, uma decisão da
210
O PATRIAÕNIO[A
PROCESSO
A PRATICA DE TOABAAlINTO: 1970-1990
211
T Já os antropólogos,favoráveisa esse tipo de tombamento,consideravamque o
CONCLUSÃO
mais importante.no caso, era a significaçãosimbólicae política desse ato, que por si só justificava o risco de eventuais irregularidades"técnicas'. Para esses antropólogos, a posição dos técnicos do grupo de pedra e ca/ apenas confirmava o caráter elitista da compreensão que tinham do tombamento e da própria atividade de preservação exercida
lt
pelo Estado. a
Arqueológico. Etnográfico e Paisagístico (ng 931. a
il-.
Embora concorde com a crítica do arquiteto aos pressupostos que fundamentaram o pedido
Tombam templos. Tombam prédios. Não falta tombar mais nada
de tombamentodo presépio,considero que, nessecaso, não seria difícil recorrera outros
q+'-,.
1:
O Terreiro da Casa Branca foi inscrito em 14.8.86 no Livro Histórico(na 504) e no Livro
Fujamos,fujamos Antes que a noite seja tombada.
argumentospara inscrevê-lo no Livro de Belas Artes. 24
8
IHh
Devo estes esclarecimentos aos arquitetos Antânio Pedro Alcântara e Ferrando Madeira.
QuadHnhacomposta por Manuel Bandeirano final de uma Em 1938, os 'morros do Rio de Janeiro' já haviam sido inscritos, genericamenteusem
longa reunião do Conselho Consultivo. citada de memória
especificações),nos Livros Histórico e de Belas Artes. Como se verificou ao longo dos anos,
por Afonso Arinos na 12# reunião, em 13.1.1987.
esse tipo de Inscrição não provocouos efeitos de proteção desejados.
8
A partir de maio de 1992. quando o Conselho Consultivofoi reconduzido,passaram a integrálo representantes do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB), do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente jlbamal e do lcomos. O número de membros nomeados, enquanto personalidades,
aumentou de dez para treze. 27
O objetivo deste trabalho foi acompanhar a trajetória da política federal de
Uma das raras ocasiões em que ocorreu esse debate foi a propósito do tombamento do Terreiro da Cata Branca.
presewação do património histórico e artístico nacional, com vistas a apreender
de que modo essa política pública foi implementada no Brasil. O principal inte-
ZB Disse a respeito o relator do processo no Conselho Consultivo. José Mindlin: 'Trata-se de
inovaçãoem matéria de tombamento,pais visa à preservaçãode um processo industrial, e não de um monumento histórico ou artístico.
resse da pesquisafoi investigarcomo se deu, na conduçãodessa política no país. a relação entre o Estado e a sociedade civil, tomando como referência três aspectos: a representação de património construída através da seleção e da valoração
de bens culturaisl os instrumentosutilizados para sua proteçãol os agentes que
se envolveram com essa prática. Procurei inicialmente analisar, de um ponto de vista sociológico, as noções de património
e de preservação, partindo do pressuposto de que a prática de proteção
aos bens culturais constitui, nas sociedades modernas do Ocidente, um fato social (capítulo 1)1 em seguida, procurei acompanhar o modo como essas noções foram historicamente construídas no contexto da modernidade ocidental (capítulo 2).
Na consideraçãoda prática de preservação como fato social (capítulo 1), tomei como base três pontos: a construção de uma ordem jurídica próprias a utiliza-
ção do patrimóniocomo forma de comunicação sociall a instituição da proteção como objeto de uma política pública. Embora esses três pontos sejam comuns à
práticade preservaçãoem qualquerpaís onde ela tenha sido incorporadaàs obri212
O PATRIAÕNIO[A PROCESSO
gações do Estado, os subsídios para a análise foram buscados na legislaçãoe nos procedimentos que foram adotados no contexto brasileiro. A perspectiva com-
parativa. aliás, percorreu todo o trabalho e revelou-se recurso extremamenteútil
para a apreensãoda especificidadedo caso brasileiro.
tico como questão politicamenterelevante, merecedorade intervenção por parte do Estado.
No Brasil, essa questão emergiu no bojo do movimento modernista(capítulo 3). e foram intelectuais vinculados a esse movimento cultural que implementaram,
A reconstituição das condições de emergência de um "sentido do património"
na administraçãofederal, uma política pública que tinha como objetivoa proteção
jcapítulo 2) remeteu ao contexto da modernidade,ou seja, a práticas orientadas
do patrimóniohistórico e artístico nacional. Com o advento de um governo auto-
por valores leigos. à autonomização das diferentes esferas da vida social, e à
ritário (EstadoNovo). esses atoros se viram confrontadoscom o problemade con-
constituição dos Estados-nações. legitimada sobre noções como cidadania e inte-
ciliar sua posição de intelectuais comprometidos com valores da cultura e com
resse público. Além de atuar como mediador entre os interessesindividuais- de
uma ética do saber, com a de políticos, cujo imperativo é agir visando a alcançar
que a propriedade privada é a expressão mais evidente - e o interesse da coletivi-
resultados.A análise do programa e da prática política desenvolvidapor esses
dade, o Estado simboliza a nação e trata de promoverseus valores e objetivos.
intelectuaisno Sphan levou à conclusão de que sua atuação na burocraciado go-
bb..l
A instituição da idéia de património está, portanto, na confluência desses dois pro-
verno getulista foi bem sucedida,sobretudo se lovarmos em conta o prestígio de
l&E
cessos: o de demandas da sociedade e o da iniciativa do Estado.
que a instituição (Sphan) e seu diretor (Rodrigo Meio Franco de Andrade) gozavam
'+'h.. [
1} w-l.
]
n
Como ocorre com outras políticas públicas, também nesse caso a ação do Es-
tado, no sentido de proteger bens culturais.é tanto mais centralizadorae autónoma quanto mais limitados sejam os mecanismosde que a sociedadedispõe para se fazer representarpoliticamente,e tanto mais seletiva quanto mais identificadoeste-
tanto entre os governantesquanto no meio intolectual,junto à opiniãopúblicae até no exterior. Outro indicador de seu sucesso foi a inusitada continuidadedo modelode atuaçãoimplantadono Sphan nos anos 30 e 40, que perduroupor mais
de três décadas.
ja o Estado com interesses (económicos.políticos,simbólicosetc.) de grupos es-
Por outro lado, era natural que esses intelectuais participassem de um governo
pecíficos. Ou seja, as políticas públicas de preservação e as representações do
autoritário com alguma dose de ambigtlidade, em vista do inevitável compromisso
patrimóniocultural nacional construídas pelos agentes dessas políticas reprodu-
com o regime político vigente. E o que denominei "autonomia para a instituição'
zem as contradiçõese os conflitos que se manifestamno contextomaior das relaçõesentre Estado e sociedade.
Indicavasou relativoisolamentono aparelho estatal e na sua relação com a sociedade. Essa situação, no entanto, só foi ser objeto de crítica nos anos 70 (capítulo
Mas, em decorrênciade vários fatores - o lugar que essa política estatal ocu-
4), quando o modelo consolidado no então lphan se revelou inadequado para en-
pa na administração pública, as estratégias desenvolvidas pelos atores que a con-
frentar os novos impasses que surgiam para a preservação. Nesse momento de
duzem e o grau de participaçãoda sociedadena sua implementação- o campo dessa política adquire. em cada país e a cada momento,contornos específicos.
crise de legitimidadedo regime militar, abriu-se espaço no governo foderal para
Em termos gerais, essas políticas se desenvolveramconforme dois grandes mo-
sobre o património. Na burocracia estatal. o surgimento de atores com um novo
delos: o modelo francês, em que o poder de iniciativa se concentra no Estado,
perfil, liderados por uma figura também carismática que foi Aloísio Magalhães.
e o modelo anglo-saxão. em que a sociedade civil se organiza para participar
levou a uma ressemantizaçãodas noções de património e de proteção, à intro-
dessa tarefa.
dução de conceitos novos. como referência e bem cu/fura/, e à busca de métodos
Na segunda parte. abordei a trajetória da política federal de preservaçãodo património no Brasil. E, embora a pesquisa tenha se concentrado nas décadas de
1970 e 1980, quando foi formulada uma proposta de democratizaçãoda política cultural do MEC, foi necessário remontar ao início do século XX. momento em que se começou a considerar, no Brasil, a proteção a bens de valor histórico e artís-
214
O PATRIAõNIO [A PROCESSO
uma reformulaçãoda política cultural e para a elaboração de um novo ideário
modernosde atuação. Aos recortes clássicos da história e da arte preferiu-sea noção mais abrangente de memó/fa. Um dos principais objetivos desses novos atores era vincular a questão da cultura às áreas politicamentefortes do governo. como a do planejamentoeconómico. Enfatizava-seo potencial dos bens culturais -
noção considerada mais abrangente que a de património, identificada à cultura
CO NCLUSÃO
215
T luso-brasileirae aos valores da classe dominante- como geradoresde valor eco-
A prática efetiva de proteção a bens de valor histórico e artístico nacional con-
nómico e como indicadores para a elaboração de modelos de desenvolvimento
tinuou, porém, a ser exercida no âmbito da Secretaria do Património Histórico e
adequadosà realidade brasileira. Retomava-se,também, no contexto da política
Artístico Nacional (Sphan), primordialmente por meio de tombamentos, e ainda com
cultural, a temática do Imperialismoe da dominaçãocultural dos países desenvol-
predominância dos critérios formulados pelos intelectuais modernistas, sobretudo
vidos: mais que nos anos 30 e 40, o apelo a idéias nacionalistasfoi explorado
os arquitetos. nos anos anteriores. A análise dessa dupla orientação da política
no discurso de Aloísio Magalhães.
federal de presewação durante as décadas de 1970 e 1980 - a linha da pedra e
A reação a essas propostas foi, naquele momento, diferenciada. Junto aos go-
ca/ e a linha da referéncü - demonstrou que, embora as relações entre os dois
vernos militares da fase de abertura, elas oncontraram amplo apoio e recepti-
grupos fosse freqtlentemente marcada pelo antagonismo, as idéias desenvolvidas
vidade, levando a uma reestruturação da área cultural dentro do MEC. Junto à opi-
no CNRC, e as propostas encaminhadas por esse setor para tombamento de bens.
nião pública, foram, em geral, identificadas a uma nova visão, mais atualizada,
contribuíram para provocar um proveitoso processo de discussão dos critérios de
dos problemas culturais no Brasil. Entretanto, junto ao meio intelectual e, sobre-
valoraçãoaté então acentossem maiores discussões,porque pautadospela auto-
tudo, junto à comunidadeacadêmica,então bem mais organizadae independente
ridade de Rodrigo Meio Franco de Andrade e, sobretudo, de Lúcio Costa.
que na primeira metade do século, a posição ambígua dos agentes institucionais,
A pesquisa nos processos de tombamento (capítulo 5) veio demonstrar que.
que se apresentavamcomo mediadoresentre os grupos identificadoscom a cul-
na realidade, essa revisão de critérios e de normas de atuação Já vinha ocorrendo
tura popular e o Estado, era vista com desconfiança, embora raramente tenha sido
dentro do próprio lphan, desde o início da década de 1970 (conforme ficou evi-
objetode críticasmais contundentes.O que se censuravana atuaçãodo Centro
dente na polêmica sobre o tombamento de prédios da Avenida Rio Branco), em
Nacionalde ReferênciaCultural (CNRC),criado em 1975 e, posteriormente,incor-
decorrência de mudanças nos campos disciplinares relacionados com a preser-
porado à FundaçãoNacional pró-Memória,era, além de uma imprecisão concei-
vação. Os novos problemas que se apresentavam' à proteção de monumentos.
tual. uma indefinição ideológica, na medida em que se postulava o reconhecimento
sobretudo nos centros urbanos, em franco processo de remodelação, também
da diversidade cultural brasileira mas não se explicitavam as desigualdades e as
exerciam pressão sobre os funcionários do lphan, apontando para a necessidade
relações de dominação.
de mudanças.
A proposta de democratização da política cultural do MEC, formulada no docu-
Sintetizando os resultados da pesquisa, ficou claro que, durante essas duas
men\o Diretrizes para operacionalizaçãoda política cultural da MEC, de q98q,
décadas. ocorreram mudanças significativas na representação de nação cons-
visava a. de algum modo, incorporar uma revisão crítica do modelo de atuação
truída via património histórico e artístico nacional no Brasil. Foram incluídas pro-
inicial do CNRC, que entendia a mudança como modernizaçãodo conceito de
duções referentes às diferentes etnias, aos grupos de imigrantes e às zonas de
património e dos instrumentos de preservação. Nesse documento, elaborou-se
ocupação recente do território nacionall exemplares da cultura popular e do mundo
uma visão mais politizadada questãodo patrimõniolna verdade,desde o final dos
industriall passaram a ser considerados estilos artísticos que, antes, eram excluí-
anos 70, membrosdo grupo da "referência"procuravamrelacionar a questão do
dos em função de uma visão canónica de arquitetura. Entretanto, essa imagem oó-
patrimónioà luta pela cidadania.
/effva da nacionalidade ainda está longe de ser representativa da pluralidade
Entretanto,em conseqtlênciade inúmeros fatores, sobretudo de dificuldades internas à área da política foderal de património, essas idéias se disseminaram
cultural brasileira. Os instrumentos de proteção continuaram praticamente os mesmos: o tomba-
apenas no nível do discurso oficial. não chegando a transformar substancialmente
mento para bens imóveis e os museus para a guarda dos acervos de bens móveis.
a prática de preservação. Mas foram incorporadas à Constituição Federal de 1988,
A pesquisade outrasformasde proteção,apesarde ser reconhecida como im-
nos artigos 215 e 216.
prescindível,ainda está por ser feita.
216
O PATRIAÕNIO[A
PROCESSO
CONCLUSÃO
217
T Também a relação entre a instituição estatal e a sociedade pouco mudou. Se
houve um aumento significativo na participaçãode agentes externos nos pedidos
um reforço ideológicode um nacionalismodo Estado, ou que seu objetivo tenha
de tombamento, as instâncias decisórias continuaram restritas ao Conselho Con-
sido apenas o de legitimarprojetos de governos autoritários,o fato é que a idéia
sultivo - cuja composiçãosomente em 1992 passou por uma mudança visando
de fomentar um sentimento de nacionalidade está na base da noção de património.
a aumentarsua representatividade- e ao corpo técnico da administraçãocentral
Retomemos, agora, à questão proposta no início deste trabalho: teria a política
da Sphan, que produz os pareceres técnicos com as indicações para tombamento
de preservaçãodesenvolvidapelo Estadobrasileirodesdeos anos 30 se limitado.
(ou não). Como na grande maioria dos casos, o ConselhoConsultivo se limitou a ratificar essas indicações,e como as delegadas regionaisdo órgão tinham uma
na sua trajetória.a funcionarcomo um recurso para legitimaçãodas ações seletivas desenvolvidas pelos diferentes governos tendo em vista os interesses dos
participação limitada à produção de pareceres, pode-se caracterizaro processo
grupos dominantes?Ou teria essa política conseguidoalcançar, em suas realiza-
de seleção e valoração de bens para integrarem o património cultural brasileiro,
aditado durante as décadas de 1970 e 1980, como altamente especializado e cen-
ções. um sentido social mais abrangente. indo ao encontro de demandas (ainda que nem sempre explicitadas)da sociedade?E, independentementedas duas al-
tralizador.Entretanto,as circunstânciasque. nos anos 30 e 40, justificavamessas
ternativas, a que se deve o baixo nível de participação da sociedade brasileira
característicasenquanto estratégiasnão mais existiam nos anos 70, e. sobretudo,
em face da questão da preservação? Refiro-me à participação social, em três sen-
a partir de meados dos anos 80.
tidos: no de incorporação,à imagem de nação construídaatravés do património.
O desmantelamento da área da cultura,no início do governoCollor,produziu
da pluralidade cultural brasileirasno de mobilização da sociedade - através da
tabilidade.Reorganizada a partir da reestruturação institucional(extinção da Sphad
imprensa, de sindicatos e outros órgãos de classe, da organizaçãode grupos e associações,ou mesmo por meio de manifestaçõesmais restritas, como cartas.
FNpM e criação do IBPC), da recondução do Conselho Consultivo em maio de 1992.
abaixo-assinadosetc. - relativamente a questões da preseívaçãol no de alteração
e da retomadada prática de tombamentos.essa políticaestatal se vê, atualmente.
nos mecanismos decisórios institucionais, de modo a possibilitar a reprosentação
frente a uma nova realidade e a novos problemas.
de diferentes grupos sociais (seja em termos de categorias profissionais,temas
uma quebra na continuidadede uma política estatal que se caracterizavapela es-
11
política de preservação,iniciada no Estado Novo, tenha se reduzido a ser mais
Nesse meio tempo, a descentralizaçãoiniciada nos anos 70 consolidou-se,
ou causas, contextos culturais etc.) na construção do património histórico e artís-
com a disseminação das secretarias de cultura e de órgãos estaduais e municipais
tico nacional. Essas questões se tornam tanto mais procedentesquando compa-
de preservação. No nível estadual. tem predominado nos órgãos que trabalham
ramos a receptividade da sociedade à questão do património à reação que essa
com património a tendência para a exploração turística do património local, como é patente nos estados do Nordestel no nível municipal, vêm sendo desenvolvidas
mesma sociedadevem tendo, nos últimos anos, à questão do meio ambiente. A análise dos dois momentosmarcantes dessa política pública - o momento
experiências inovadoras. a partir do conceito de cidadania cultural, tendo sido pio-
fundador, nos anos 30-40, e o momento renovador, nos anos 70-80 - indicou que,
neira, nesse sentido. a SecretariaMunicipal de Cultura de São Paulo. durante a
mesmo em períodosautoritários.a política estatal de patrimónionunca se reduziu
gestão da prefeita Luísa Erundina.
a um recurso ideológico do Estado. Em ambos os períodos analisados, o esforço
A instituição federal de preservação do património deixou, portanto, de consti-
dos intelectuais que atuaram como mentores da política federal de preservação
tuir a única alternativapara a proteçãode bens de valor histórico e artístico. No
foi no sentidode criar um campo próprio, com relativa autonomiadentro do gover-
exercíciode sua função, vê-se, inclusive.frente à necessidadede definir com cla-
no, para a implementaçãode um prometopara a cultura brasileira. Nos anos 30.
reza o que entendepor valor nacionalde um bem, na medida em que, hoje, já existem alternativas de proteção em nível estadual e municipal.
esse prometose voltou para a construçãode uma tradição cultural que fosse, ao
Além disso, o declínio dos nacionalismospriva a prática de preservação de seu principal recurso de legitimação. pois, embora não se possa dizer que a
218
O PÂTRIAõNIO EA PROCESSO
mesmo tempo, universal e autenticamentenacionall nos anos 70, o objetivo era ampliar e atualizar a representação da cultura brasileira construída pelas instituições estatais relacionando-acom interesseseconómicose sociais, prometoque
CONCLUSÃO
219
T
'tl
]
g.
se encaminhou,posteriormente,para a vinculaçãoda questãocultural aos direitos
tuição desenvolveuestratégias para resistir a pressões externas e manter as
da cidadania. Essa função que alguns intelectuais brasileiros exerceram, como
decisõesem um nível estritamentetécnico. Instaurou-se,assim. uma forma fe-
únicos mediadoros possíveis entre o Estado e a sociedade - referida como "as
chada e altamente centralizadora na tomada de decisões, que continua a mes-
massas'na fase heróicae como"os diferentescontextosculturais'na fase mo-
ma até hoje, mais de cinqüentaanos depois e em um país bastante diferente.
derna - se justificada em períodos autoritários, ou quando ainda predominava uma
Esperar que os agentes institucionais alcancem, exclusivamenteatravés de
cultura política que identificava Estado, nação e sociedade, não encontra mais
suas decisões, representatividadeem termos nacionais é incompatível com
argumentos nos tempos atuais. Trata-se, hoje, de procurar politizar a política
uma proposta que se queira democrática.
federal de preservação no Brasil, o que não significa reduzi-la a uma prática ideo-
2.
lógica, seja a serviço do Estado ou das classes que o ocupam, seja dos excluídos
mente o único recurso realmente eficaz para a proteção de bens culturais,
até hoje dos benefícios dessa política. Politizar no sentido de ter como objetivo
apesar dos debatesdesenvolvidosnas duas últimas décadassobre sua espe-
que esses bens sejam apropriados simbolicamente pelos diferentes grupos sociais
cificidade e seus limites. A pesquisa de "outras formas de acautelamentoe
que compõem a sociedade brasileira. Ou seja, tira-los da situação de "pesados
preservação', provista na Constituição de 1988, ainda está por ser feita.
e mudos' referida na introdução, e fazê-los circular no espaço público, enquanto referências de identidades coletivas e enquanto conteúdos do imaginário social.
3.
Em segundo lugar, o instituto do tombamento continua sendo pratica-
Em terceiro lugar, a persistirem os critérios tradicionais de valoração,
que dão ênfase aos aspectosformais e à dimensão estética dos bens, dificil-
A elaboração de uma versão crítica da trajetória da política federal de preser-
mente o patrimóniocultural brasileiro poderá adquirir uma significação social
vação no Brasil, que sina como base para projetos futuros, é uma tarefa a ser
mais ampla e referir a diversidade e a dinâmica culturais característicasdo
realizada. A imagem que as instituições envolvidas têm construído de sua própria
contexto brasileiro. Trata-se, portanto, de assumir uma posição crítica não
história se confunde com os mitos cultivados por seus funcionários. Para os mais
apenas em relação ao conjunto dos bens tombados,como também quanto às
antigos, a fase hera/ca (que não por acaso recebeu essa denominação) é a Idade
leituras que têm presidido os tombamentos. A Inclusão de museólogos, histo-
de Ouro do PafrlmõrTfo,cristalizada no culto à figura de Rodrigo M. F. de Andrade.
riadores e cientistas sociais nos quadros técnicos da instituiçãolá constituiu
Já para os funcionários mais recentes, que participaram da experiência do CNRN
um primeiro passo para que se elaborem leituras mais abrangentese social-
e/ou conviveramcom Aloísio Magalhães,vivia-se nos anos 70 uma invejável si-
mente mais significativas. Entretanto, é preciso incorporar efetivamente a par-
tuação de exceção no emperrado universo do serviço público brasileiro, em que
ticipação da sociedadenesse processo, o que significa criar mecanismosque
o trabalho tinha o sabor de um ato inaugural, orientado com habilidade e alegria
assegurem algum nívol de representatividade a essa participação.
pela personalidado ímpar de Aloísio.
Atualmente, já não se espera de uma personagem carismática o prometoque
Essas versões mltificadoras encontram reforço na falta de diálogo, seja inter-
virá sa/var essa política da situação subaltorna em que se acha, tanto dentro do
namente entre os agentes institucionais, seja entre eles e a sociedade. E neces-
Estado como diante de sociedade. Pelo contrário, a análise da experiênciaante-
sário, portanto, elaborar uma reflexão desmitificadora, mas não desiludida, dessa
rior, se considerada à luz do momento atual, indica que o caminho é explorar os
trajetória, que procure avaliar, com um mínimo de objetividade, resultados e carên-
canais de comunicaçãoentre as instituições estatais e a sociedade.
cias, com a finalidade de vislumbrar perspectivas.
Se esse objetivonão diferemuito do que se dizia no discursooficial, desde
A partir da análise realizada, foi possível extrair algumas orientações tendo em vista a elaboração 1.
de novas diretrizes.
1937, e, sobretudo,a partir das D/refrizes,os termos dessa relação se modificaram bastante. O Estado não se apresenta mais como protagonista do desenvolvimento
Em primeiro lugar, dificilmente o universo do património se tornará real-
nacional nem como porta-voz exclusivo dos anseios da nação. Na mesma linha,
mente representativo da diversidade cultural brasileira enquanto persistirem
a noção de cidadaniadeixou de ser entendidacomo uma concessãodo Estado-
os atuais procedimentospara seleção de bens. Desde seus primórdios,a insti-
como ocorreu no período estadonovista- e passou a ser consideradacomo um
220
O PATRIAÕNIO[A
PROCESSO
CO NCLUSÃO
221
T conjunto de direitos a serem conquistados e estendidos a toda a sociedade. Nesse
contexto,a idéiade naçãose tornaindependente da tule/ado Estado,e a socie-
primeira de construir e proteger o património cultural nacional. Ainda que o traba-
dade civil emerge como ator político.
lho já realizado seja significativo, esse processo é contínuo e dinâmico. tanto no
Essa nova conjuntura tem impacto sobre as políticas culturais, que passam
sentido da inclusão de novos bens quanto da leitura dos bens já sob proteção
a buscar legitimação,sobretudo na idéia de direitos culturais. Nessa nova perspectiva, não tem mais sentido que os agentes institucionais se considerem os úni-
legal. O que quero dizer é que, no momento atual, a ênfase deve se voltar para ações, pontuaisou não, que contribuam para introduzir a questão do património
cos porta-vozesdos interessesda sociedadesesta. por sua vez, vê na sua capaci-
no universo das questões de interesse para a sociedade brasileira.
dade de organizar-se e de encaminhar suas demandas - sejam elas na área eco-
nómica, social ou cultural - o caminho para o exercício da cidadania.
}
Não estou propondo que a instituição federal abandone sua responsabilidade
Mais uma vez parece correto buscar em Mário de Andrade inspiração, retomando criticamenteseu ideal de coletivizaçãoda cultura e sua concepçãoampla
sobretudo na área da cultura, como conseqtlência natural do processo de demo-
e dessacralizadade património. Digo criticamente porque a função dos agentes institucionaisque hoje trabalhamnesse campo se propõe como bem diferente do
cratização política, como ocorreu om países de tradição cultural enraizada, como
papel que se atribuíram os intelectuais que atuaram na área federal da política de
a França, ou historicamente construídos sobre valores democráticos, como os
preservação,tanto nos anos 3040, quanto nos anos 70-80. Funcionáriospúblicos
B
Estados Unidos. Aqui, dada a extrema carência de bens materiais e simbólicos
de um Estado democrático mas cuja estrutura se acha em fase de questionamento
entre numerosos setores da população, e dados os processos de marginalização
por parte da sociedade, atualmente a função mais importante desses agentes é
c.
e mesmo exclusão de parcela significativa da sociedade nacional, desenvolver
contribuirpara que o maior número possívelde pessoas possa efetivamenteexer-
uma política cultural democrática é um Imenso desafio para seus mentores. tanto
cer seus direitos culturais. No caso do património, o simples ato de garantir a per-
maior quanto mais distantes estejam das comunidadeslocais. E inevitável. por-
manência,no espaço público - por exemplo, em uma cidade - de bens que cha-
tanto. que esses agentes assumam um papel mais ativo junto à sociedade, caso
mam a atenção por sua beleza. por sua riqueza ou apenas por seu poder de evo-
contrário correm o risco de não alcançarem mais que aqueles poucos setores já
cação.e que foram subtraídosao uso e/ou posse exclusivamente privadospara
tradicionalmente sensibilizados para questões culturais. ou, especificamente, para
poderem se comum/carcom quem queira deles se aproximar. servindo como refe-
o interesse na presewação.
rências de identidadescoletivas e como fonte de prazer estético, contribui para
)
Seria ingênuo. no entanto, supor que, no Brasil, essas transformações surjam,
l
a
No estágio anualda questão do património no Brasil, a atuação do órgão federal de preservação deveria ter um caráter eminentemente didático e exemplar. Didático não apenas quanto a desenvolver ações voltadas para a difusão de um sen-
dar visibilidadeà abstratanoçãode res puó/fca.Mas é evidenteque essa ação fará tanto mais sentido quanto mais amplamente esses bens possam ser /Idos e apreciados,numa apropriaçãoativa, que contribua para o enriquecimentode cada
cidadãoe da coletividadecom um todo.
ffdo do património e do interesse social na preservação jinteresse que, em se tratando do meio ambiente, já se tornou praticamente um consenso), como também
Por outro lado, seria uma imperdoávelingenuidadesupor que a ação volunta-
quanto a se instrumentalizar para recorrer aos canais já existentes - mas muito
rista de agentes estatais possa corrigir desigualdades produzidas em outras es-
pouco utilizados com essa finalidade - para se comunicar com a sociedade (educação formal e informal, instrumentos de referenciamento e informação, meios de comunicação, interface com outras políticas públicas. incentivos etc.). E exemplar no sentido de que as ações específicas de proteção - tombamentos. inventários. registros etc. - não precisam mais ser necessariamente extensivas e abrangentes,
na medida em que já existem órgãos locais para esse fim. mas devem sewir para
O PATRIAÕNIO[A
Além disso, é preciso não esquecerque as políticas culturais, em geral, e as políticas de preservação,em particular.têm um alcance restrito. se comparadascom
outras políticas públicas. Os efeitos mais evidentes das políticas de preservação se manifestam nos ambientesurbanos, na configuraçãodo espaço das cidades, sobretudodas cida-
explorar novas possibilidades na linha da idéia de cidadania cultural.
222
feras da vida social, ou que o exercício dos direitos culturais possa ser assegurado por sua enunciaçãoem textos oficiais ou pelo tombamentode bens materiais.
PROCESSO
CO NCLUSAO
223
T R[FERÉNCIAS BIBHOGRÁl:OCAS
des antigas. é claro. Mas, se considerarmos o espaço físico e o que o homem
nele produz como uma riqueza social, fruto do trabalho coletivo de gerações, parte, portanto, da história da nação, o interesse na preservaçãodeixa de se limitar apenas à proteção de valores culturais restritos, nos limites das concepções tradicionaisde história e de arte. Abre-se,assim, no patrimóniolugar para as produções visualmentemenos imponentes,para os objetos modestos, para saberes e fazeres. E. no nível simbólico, tornam-se possíveis leituras menos limitadoras. Mas, para que essa ampliação (material e simbólica) do património seja possível, não se deve vincular a produção dos bens culturais - que é fruto do trabalho coletivo - à sua posse (em termos de apropriação,seja quanto a pro-
)
11.
) J
priedade e/ou uso, seja quanto a referência a uma Identidadecoletiva) por indivíduos, grupos ou classes sociais. Pois o sentido mais profundo do tombamento federal é justamente o de recuperar essa dimensão social de determinadosbens que, exemplar e concretamente.referem a coletividade nacional. Não uma cole-
)
a
c.
tividade harmónica e artificialmente representada, mas o lugar onde se manifestam
identidades múltiplas, diferenças, desigualdades e conflitos. Dentro dessa visão, a presewação passa do estatuto de exceção para o de norma,e o interesseem destruir passa a ser avaliado a partir de uma perspectiva
ALENCASTRO, Luís Felipe de. Não sabem dizer coisa certa. Rev/sfa Bías#eira de Cféncüs
Socfaü,n. 16, p. 61-65,jul. 1991
mais ampla e socialmente mais democrática.
Considero, porém, que as transformaçõesocorridas nas décadas de 1970 e 1980, se devidamenteincorporadasa propostasatuais para uma políticafederal de
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preservação.certamente contribuirão para uma reelaboraçãodos princípios, dos critérios e dos procedimentos que têm norteado a produção. a proteção e a promo-
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ção do patrimóniocultural no Brasil. E, quem sabe, contribuirãotambém para que
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a prática já consolidada da preservação de bens culturais seja democratizada, no
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O PATRIAÕNIO
[A PROCESSO
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WEBER. Max. Ensaios de socio/orla. 5. ed. Rio de Janeiro: Guanabara,1982. The Iheoy of Socía/ and Ecor70m/cOrgar7lzaflon. Nova York: The Free Press, 1964. WILLIAMS, Raymond. Cu/fure. Glasgow: Fontana. 1981. XAVIER, Alberto; COUTINHO, José Cardos; FISHERG, Luís. Entrevista com o deputado Gustavo Capanema realizada no Congresso Nacional. Brasília. 12 de dezembro de 1968. UnB (mimeo).
ZEVI, Bruno. ,4rch/feitura e sfa/fogra#a. Milho: Tamburini, 1950.
.A 'FcÀ
236
O PAIRIÁÕNIO EA PROCESSO
l
ÂN[XO l CRONOLOGIA
19n
DA POLITICA DE PR[S[RVACÁO NO BRASIL
Mário de Andrade elabora, por encomenda do ministro Gustavo Capanema, anteprojeta
para criação de um serviço federal de proteção ao património. O Serviço do Património Histórico e Artístico Nacional ISphan) começa a funcionar
em caráter provisório.sob a direção de Rodrigo Meio Francode Andrade. IW7
l b
regulamenta o Instituto do tombamento.
IHI
E promulgado o decreto-lei Re3.866, de 29 de novembro de 1941, que dispõe sobre o cancelamento do tombamento pelo presidente da República.
B
196
l
Em 30 de novembro de 1937 é promulgado o decreto-lei Re 25, que cria o Sphan e
O Sphan passa a denominar-se Departamento do Património Histórico e Artístico Nacional (Dphan).
IHI
E promulgada a lei Re3.924, de 26 de setembro de 1961, que dispõe sobre a proteção aos monumentos arqueológicos e pré-históricos.
19m
RodrigoMeio Franco de Andrade se aposenta, entregandoa direção do Sphan a Renato Soeiro.
1970
Realizaçãode reunião de govemadores para tratar da questão do património histórico e artístico nacional e elaboração do documento Compram/sso de Brasilh.
O Dphan se transforma em Instituto do Património Histórico e Artístico Nacional jlphan). 1971
Realização de reunião com govemadores recém-empossados sobre o mesmo tema e elaboração do documento Compromisso de Sa/fiador.
1973
Criação,junto à Seplan, do Programa de Reconstruçãodas Cidades Históricas (PCH)
1974
Início da gestão de Ney Braga no MEC
1975
Elaboração,no MEC, do documento Po/#lca r7aciona/de cu/fura Criação do Centro Nacionalde Referência Cultural (CNRC). Promulgação da lei RQ6.292. de 15 de dezembro de 1975, que torna obrigatória a
homologaçãopelo Ministro da Educação e Cultura de tombamentos e de cancelamentos realizados no âmbito do lphan.
1976
Aprovação do regimento interno do lphan.
As ruínas de São Miguel das Missões são inscritas na lista do PatrimónioCultura da Humanidadeda Unesco.
Renovaçãodo convêniodo CNRC.
Incorporação da CinematecaBrasileiraà FNpM.
O PCH é estendido aos Estados de Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro.
Incorporaçãodo Museu Lacar Segall à FNpM.
Início da gestão de Euro Brandão no MEC.
Incorporaçãodo Sítio SantoAntõnio da Bica Ide propriedadede Burle Marx) à FNpM.
Assinaturado termo aditivo ao convênio do CNRC.
Extinção da SEC e criação do Ministério da Cultura IMinC), que é assumido por José
Início da gestão de Eduardo Portella no MEC.
Aparecidode Oliveira.
Aloísio Magalhãesassume a díreção do lphan.
Criação.no âmbito do MinC, da Secretaria do PatrimónioHistórico e Artístico Nacional
O PCHé integradoao lphan.
ISphan)e da Secretariade Ação Cultural (Seac).
Realizaçãodo Semináriode Ouro Preto, que inauguraa práticade diálogo com as
AngeloOsvaldode Araújo Santosassume a direção da Sphan.
populações dos Centros Históricos tombados.
José Aparecido de Oliveira deixa o MinC para assumir o governo do Distrito Federal
Realizaçãode Seminário na Escola Superior de Administração Fazendária IEsaf), em
Elaboração do documento Comproméso cu/fura/ da A/ova Repúb/lca.
Brasília,reunindofuncionáriosdo lphan, do PCH e do CNRC.
AluísioPimentaassumeo MinC. Criação, no âmbito do MEC, da Secretaria do PatrimónioHistórico e Artístico Nacional Rícardo Claglia assume a presidência da FNpM.
ISphan) e da FundaçãoNacional pró-MemóriaIFNpM).
Realização,em Brasília.de dois seminários no MinC, um com representantesda
Aloísio Magalhães é nomeado secretário da Sphan e Presidente da FNpM.
sociedadecivil e outro interno, de que resulta o documento Po/arcacu/fura/.
Aprovaçãodo estatutoda FNpM. A cidade de Ouro Preto é inscritana lista do PatrimónioCultural da Humanidadeda
O Centro Histórico de Salvador e o Santuário de Bom Jesus de Matosinhos,em Congonhasdo CampoIMG), são inscritos na lista do PatrimónioCultural da Huma-
Unesco.
nidadeda Unesco.
Início da gestão de Rubem Ludwig no MEC.
Início da gestão de Celso Furtado no MinC.
Criação da Secretaria da Cultura (SECAdo MEC. A Sphan e a Secretaria de Assuntos
JoaquimFalcãoassumea presidênciada FNpM
Culturais (Seac) transformam-se em Subsecretarias.
Aprovaçãoda Lei Samey. Elaboração, em seminário da SEC, do documento D/refrlzes para operam/ona/lzação
da política cultural do MEC.
Aprovaçãodos estatutosda Sphane da FNpM.
Aloísio Magalhãesmorre em Veneza.
O Parque Nacionalde lguaçu é inscrito na lista do Património Cultural da Humanidade da Unesco
MarcosVinícios Vílaça assume a SEC. 1987
Início da gestão de Esther de FigueiredoFerraz no MEC.
FNpM
niaa da A cidade de Olínda é Inscrita na lista do PatrimónioCul ural da Humanidade Unesco.
O Plano Piloto de Brasília é Inscritona lista do PatrimónioCultural da Humanidade
da Unesco
Incorporaçãodos museus da Fundação RaymundoOttoni de Castra Maia e do Museu
de Biologia Meio Leitão à FNpM.
240
Osvaldo José de Campos Meio é nomeado secretário da Sphan e presidente da
Promulgaçãoda Constituiçãodo Brasil. em que os artigos 215 e 216 se referem
especificamente à cultura.
O PATRIAÕNIO[A
PROCESSO
ANEXO 1: CRONOLOG]ADA POLí]]CA Dt PRESERVAÇÃONO BRASIL
241
V
IW7
Criaçãoda FundaçãoCulturalPalmares.
Realização.em Fortaleza, do SemináHo Pafdmõnio fmafeHa/:esbaféghs e fo/mas de
profeção,de que resultoua Ca/la cb Foda/eza.
José Aparecidode Oliveira assume o MinC.
O Programa Monumenta é transferido para o Ministério da Cultura.
Augusto Cáries da Silva Teles é nomeadoPresidenteda FNpM.
19W
Portariado Ministro da Cultura cria Comissão e Grupo de Trabalho para elaborar propostade acautelamentodo patrimónioçultural imaterialbrasileiro.
19W
Augusto Cartas da Silva Teres é nomeado Secretário da Sphan.
Criação,no âmbitodo Ministérioda Cultura,da Secretariade Património,Museuse Artes Plásticas,assumida por Octávio Elísio Alves de Brito.
halo Campofioritoé nomeado secretárioda Sphan e presidenteda FNpM.
Carlos Henrique Heck assume a presidência do lphan.
Extinção do MinC e criação da Secretaria da Cultura, diretamente vinculada à
Ediçãodo decreto presidencial ne3.551 , de 4 de agosto de 2000, que institui o registro dos bens culturais de natureza imaterial e cria o Programa Nacional do Património
O Conselho Consultivo da Sphan passa a opinar também quanto ao arquivamento de processos de tombamento.
19©
19W
presidênciada República.
Imaterial.
Extinção da Sphan e da FNpM e criação do Instituto Brasileiro do Património Cultural jIBPC).
O Conselho Consultivodo Património Cultural aprova os registros do Ofício das paneleirasde Goiabeiras (ESI e da arte gráfica Kusiwa,dos índios wajãpi(AM).
Extinçãodo Conselho Consultivoda Sphan. lpojuca Pontes assume a Secretaria da Cultura, vinculada à presidência da República.
GilbertoGil assume Q Ministério da Cultura. Márcio Meira assume a Secretaria de Património, Museus e Artes Plásticas do
Lélia Coelho Frota assume a presidênciado IBPC
Ministérioda Cultura.
l®l
Sérgio Paulo Rouanet assumea Secretariada Cultura.
Mana Elisa Costa assume a presidênciado lphan.
JaymeZettel assumea presidênciado IBPC.
Reestruturaçãodo Ministério da Cultura e extinção da Secretaria de Património.
Sanção da Lei Federal de Incentivo à Cultura (lei RQ8.313, de 23.12.1991).
19U
Museuse Artes Plásticas. Reestruturaçãodo lphan e criação do Departamento de PatrimónioMaterial, do
Recondução do Conselho Consultivo do Património Cultural.
Departamento de Património Imaterial, e do Departamento de Museus e Centros Extinção da Secretaria da Cultura e recriação do Ministério da Cultura, assumido por Antõnio Houaiss.
Culturais.
E aprovada na Unesco a Convenção para a Salvaguardado PatrimónioCultural 19W
Jerõnimo Moscardo assume o Ministério da Cultura.
Imaterial, que o Brasll ratifica em 2006.
Francisco de Meio Franco assume a presidência da IBPC.
AntõnioAugusto Arantes assume a presidênciado lphan.
LuasRoberto Nascimento Salva assume o Ministério da Cultura.
O Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular saí da Funarte e passa a integrar
o lphan.
Glauco Campello assume a presidência do IBPC.
IW4
O IBPCvoltaa se chamarlphan.
A arte kusiwa dos wajãpi(AP) é proclamada pela Unesco obra-prima do Património Oral e Imaterial da Humanidade.
19H
Francisco WeffoR assume o Ministério da Cultura.
E criada, no âmbitodo lphan, a Coordenação-Geralde Pesquisa,Documentaçãoe
19n
Início da estruturação do Programa de revitalização de sítios urbanos através da
242
Referência (Copedoc).
recuperação do patrimóniohistórico Ifuturo Programa Monumental, uma parceriaentre
O samba de roda do Recôncavo Baiana é proclamado obra-prima do Património Oral
o lphane o BancoInteramericano de Desenvolvimento - BID.
e Imaterialda Humanidadepela Unesco.
O PATRIAõNIO [A
PROCESSO
ANEXO 1: CRONOLOGIADA POLÍTICA DE PREsERvAÇÃo NO BRASIL
243
E aprovada na Unesco a Convenção para a Proteção e Promoção da Diversidade das
Expressões Culturais, que o Brasil ratifica em 2007.
ANEXO ll DECRETO-Le\ N- 25, Dt 30 Dt NOV[ABRO DE 1937
Luiz Fernando de Almeida assume a presidência do lphan. cumulativamente com a direção do Programa Monumenta
É criado o Centro Regional para a Salvaguardado PatrimónioCultural Imaterial
ICrespial),com sede em Cuzco, no Peru, do qual o Brasil é um dos membros
Organiza a proteção do património histórico e artístico
fundadores.
nacional.
É criada a Câmara do Património Imaterial, vinculada ao Conselho Consultivo do Património Cultural. 2(XB
O Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil, usando da atribui
O Brasil é um dos países eleitos para compor o primeiro Comitê Intergovemamental
ção que Ihe confere o art. 180 da Constituição,decreta:
do Património Imaterial, órgão criado pela Convenção para a Salvaguarda do Património
Cultural Imaterial, de 2003.
2®7
CAPÍTULO I
O Brasil vara a integrar o Conselho do Património Mundial.
Do património hi!dórico e ar+ís+imnacional
O Brasil passa a integrar o primeiro Comitê Intergovernamental criado pela Convenção
para a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais, de 2005. 20W
O lphan inicia processo de criação do Centro de Formação em Património para a América Latina, Caribe, e Países de Língua Portuguesa e Espanhola da Africa e da Ásia, a ser sediado no Rio de Janeiro.
Art. I'. Constitui o património histórico e artístico nacional o conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interesse público.
quer por sua vinculaçãoa fatos memoráveisda história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico.
Criação do instituto Brasileiro de Museus (lbram).
$ 1'. Os bens a que se refere o presente artigo só serão considerados parte integrante do património histórico o artístico nacional, depois de inscritos separada ou agrupadamente num dos quatro Livros do Tombo. de que trata
o art. 4' destalei $ 2'. Equiparam-se aos bens a que se refere o presente artigo e são também
sujeitos a tombamento os monumentos naturais. bem como os sítios e paisagens que importe conservar e proteger pela feição notável com que tenham sido dotados pelo natureza ou agenciados pelo indústria humana Art. 2o. A presente lei se aplica às coisas pertencentes às pessoas naturais,
bem como às pessoas jurídicas de direito privado e de direito público interno. Art. 3'. Excluem-sedo património histórico e artístico nacional as obras de origem estrangeira:
1) que pertençam às representações diplomáticas ou consulares acreditadas
no palsl
244
O PATRIAõNIO eA PROCESSO
2) que adornem quaisquer veículos pertencentes a empresas estrangeiras. que
Art. 5'. O tombamento dos bens pertencentesà União,aos Estadose aos Municípiosse fará de ofício, por ordem do diretor do Serviço do PatrimónioHistórico e Artístico Nacional, mas deverá ser notificado à entidade a quem pertencer.
façamcarreirano paísl 3) que se incluamentreos bens referidosno art. 10 da Introdução do Código Civil, e que continuam sujeitas à lei pessoal do proprietários
ou sob cuja guarda estiver a coisa tombada, a fim de produzir os necessários efeitos.
4) que pertençam a casas de comércio de objetos históricos ou artísticos; 5) que sejam trazidas para exposições comemorativas, educativas ou comer-
Art. 6'. O tombamento de coisa pertencente à pessoa natural ou à pessoa jurí-
dica de direito privado se fará voluntária ou compulsoriamente
çiaib. Art. 7'. Proceder-se-á ao tombamento voluntário sempre que o proprietário o 61 que sejam importadas por empresas estrangeiras expressamente para adorno dos respectivos estabelecimentos.
pedir e a coisa se revestir dos requisitosnecessáriospara constituirparte integrante do património histórico e artístico nacional, a juízo do Conselho Consultivo
Parágrafo único. As obras mencionadas nas alíneas 4 e 5 terão guia de licen-
do Serviço do Património Histórico e Artístico Nacional, ou sempre que o mesmo
ça para livre trânsito, fornecida pelo Serviço do Património Histórico e Ar-
proprietárioanuir, por escrito, à notificação, que se Ihe fizer, para a inscrição da
tístico Nacional.
coisa em qualquer dos Livros do Tombo. Art. 8'. Proceder-se-áao tombamento compulsório quando o proprietário se CAPÍTULO II
recusar a anuir à inscrição da coisa. Art. 9'. O tombamento compulsório se fará de acordo com o seguinte processo:
Do +ombamen+a
1) o Serviço do Património Histórico e Artístico Nacional, por seu órgão comArt. 4o. O Sewiço do Património Histórico e Artístico Nacional possuirá quatro
petente. notificará o proprietário para anuir ao tombamento, dentro do prazo
Livrosdo Tombo, nos quais serão inscritasas obras a que se refere o art. I' desta
de quinze dias, a contar do recebimento da notificação, ou para, se o quiser
lei, a saber:
impugnar, oferocer dentro do mesmo prazo as razões de sua impugnação.
1) no Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico, as coisas per-
o diretor do Serviço do Património Histórico e Artístico Nacional mandará
popular.e bem assimas mencionadas no $ 2' do citado art. I';
por simples despacho que se proceda à inscrição da coisa no competente
21 no Livro do Tombo Histórico, as coisas de interesse histórico e as obras
de arte histórica;
mesma,dentro de outros quinze dias fatais, ao órgão de que houver emanado a iniciativa do tombamento, a fim de sustenta-la. Em seguida.
estrangeiras
4) no Livro do Tombo das Artes Aplicadas, as obras que se incluírem na cate-
independentemente de custas. será o processo remetido ao Conselho
Consultivo do Serviço do Património Histórico e Artístico Nacional, que
goria das artes aplicadas, nacionais ou estrangeiras.
proferirá decisão a respeito, dentro do prazo de sessenta dias, a contar do
$ 1'. Cada um dos Livros do Tombo poderá ter vários volumes.
seu recebimento.Dessa decisão não caberá recurso.
$ 2'. Os bens que se incluemnas categorias enumeradas nas alíneas1, 2. 3 e 4 do presente artigo serão definidos e especificados no regulamento
Art. 10'. O tombamentodos bens a que se refere o art. 6' desta lei será considerado provisório ou definitivo, conforme esteja o respectivo processo iniciado pe-
que for expedidoparaexecução da presentelei.
246
Livro do Tombo. 3) se a impugnação for oferecida dentro do prazo assinado, far-se-á vista da
3) no Livro do Tombo das Belas Artes. as coisas de arte erudita, nacional ou
l
2) no caso de não haver impugnaçãodentro do prazo assinado. que é fatal.
tencentes às categorias de arte arqueológica, etnográfica, ameríndia e
O PATRIÁÕNIO
[A
PROCESSO
ANEXO11: D[CR[TO-Lt] N' 25, Dt 30 Dt NOVÉABRODt 1937
247
l la notificação ou concluído pela inscrição dos referidos bens no competente Livro
Art. 15. Tentada, a não ser no caso previsto no artigo anterior, a exportação,
para fora do país, da coisa tombada. será esta seqt)estradapela União ou pelo Estado em que se encontrar.
do Tombo. Parágrafo único. Para todos os efeitos, salvo a disposição do art. 13 desta lei,
o tombamento provisório se equiparará ao definitivo.
$ 1'. Apuradaa responsabilidade do proprietário, ser-lhe-áimpostaa multade cinqüenta por cento do valor da coisa, que permanecerá sequestrada em
garantiado pagamento, e até que estese faça.
CAPITULO III
$ 2'. No caso de reincidência,a multa será elevadaao dobro. Dos efeitos
do +ombamen+o
$ 3'. A pessoa que tentar a exportação de coisa tombada, além de incidir na
multa a que se referem os parágrafos anteriores. incorrera nas penas Art. 11. As coisas tombadas, que pertençam à União, aos Estados ou aos Municípios, inalienáveis por natureza, só poderão ser transferidas de uma a outra das
referidas entidades.
cominadas no Código Penal para o crime de contrabando. Art. 16. No caso de extravio ou furto de qualquer objeto tombado. o respectivo proprietário deverá dar conhecimento do fato ao Serviço do Património Histórico
Parágrafo único. Feita a transferência, dela deve o adquirente dar imediato co-
nhecimento ao Serviço do Património Histórico e Artístico Nacional.
cento sobre o valor da coisa.
Art. 12. A alienabilidade das obrashistóricasou artísticastombadas,de propriedade de pessoas naturais ou jurídicas de direito privado, sofrerá as restrições
constantes da presentelei.
Art. 17. As coisas tombadas não poderão, em caso nenhum. ser destruídas, demolidas ou mutiladas. nem, sem prévia autorização especial do Serviço da Património Histórico e Artístico Nacional, ser reparadas. pintadas ou restauradas,
Art. 13. O tombamento definitivo dos bens de propriedade particular será, por iniciativa do órgão competente do Serviço do Património Histórico e Artístico Na cional, transcrito para os devidos efeitos em livro a cargo dos oficiais do registro
de imóveis e averbado ao lado da transcrição do domínio.
sob pena de multa de cinqüenta por cento do dano causado Parágrafo único. Tratando-se de bens pertencentes à União, aos Estados ou aos municípios, a autoridade responsável pela infração do presente artigo
incorrerapessoalmente na multa.
$ 1'. No caso de transferênciade propriedadedos bens de que trata este artigo. deverá o adquirente, dentro do prazo de trinta dias, sob pena de multa
de dez por cento sobre o respectivovalor, fazê-la constar do registro, ainda que se trate de transmissão judicial ou causa mortas. $ 2'. Na hipótese de deslocação de tais bens, deverá o proprietário. dentro do
mesmo prazo e sob pena da mesma multa, inscrevê-los no registro do
lugar para que tiverem sido deslocados.
l
e Artístico Nacional, dentro do prazo de cinco dias, sob pena de multa de dez por
Art. 18. Sem prévia autorização do Serviço do Património Histórico e Artístico Nacional, não se poderá, na vizinhança da coisa tombada, fazer construção que Ihe impeça ou reduza a visibilidade, nem nela colocar anúncios ou cartazes, sob
pena de ser mandadadestruir a obra ou retirar o objeto, impondo-seneste caso
a multade cinqüentapor cento do valor do mesmoobjeto. Art. 19. O proprietáriode coisa tombada.que não dispuserde recursospara
$ 3o. A transferência deve ser comunicada pelo adquirente, e a deslocação
proceder às obras de conservação e reparação que a mesma requerer. levará ao conhecimento do Serviço do Património Histórico e Artístico Nacional a necessi-
pelo proprietário, ao Serviço do Património Histórico e Artístico Nacional,
dade das mencionadas obras. sob pena de multa correspondente ao dobro da im-
dentro do mesmo prazo e sob a mesma pena.
portância em que for avaliado o dano sofrido pela mesma coisa.
Art. 14. A coisa tombada não poderá sair do país, senão por curto prazo, sem transferência de domínio e para fim de intercâmbio cultural, a Juízo do Conselho
Consultivo do Serviço do Património Histórico e Artístico Nacional.
248
O PATRIAõNIO [A
$ 1'. Recebida a comunicação, e consideradas necessárias as obras,o diretor do Serviço do Património Histórico e Artístico Nacional mandará executálas, a expensas da/União, devendo as mesmas serem iniciadas dentro do
PROCESSO
ANEXO 11: DECRETO-L€1N' 25, De 30 DE NOVEIKBRODÉ 1937
249
prazo de seis meses, ou providenciará para que seja feita a desapropriação
da coisa. $ 2'. A falta de qualquer das providências previstas no parágrafo anterior, poderá o proprietário requerer que seja cancelado o tombamento da coisa.
ri dos titulares do direito de preferência não tiver adquirido a coisa no prazo
de trintadias. $ 3'. O direito de preferência não inibe o proprietário de gravar livremente a
coisa tombada. de penhor, anticrese oú hipoteca.
$ 3'. Uma vez que verifique haver urgência na realização de obras e conser-
$ 4'. Nenhuma venda judicial de bens tombados se poderá realizar sem que,
vação ou reparação em qualquer coisa tombada, poderá o Serviço do
previamente, os titulares do direito de preferência sejam disso notificados
PatrimónioHistórico e Artístico Nacional tomar a iniciativa de projetá-las
judicialmonte, não podendo os editais de praça ser oxpedidos. sob pena
e executa-las. a expensas da União, independentementeda comunicação a que alude este artigo, por parte do proprietário.
de nulidade, antes de feita a notificação. $ 5'. Aos titulares do direito de preferência assistirá o direito de remissão, se
Art. 20. As coisas tombadas ficam sujeitas à vigilância permanente do Serviço
dela não lançarem mão, até a assinatura do auto de arrematação ou até
do Património Histórico e Artístico Nacional, que poderá inspecioná-lassempre
a sentençade adjudicação, as pessoasque, na forma da lei, tiverema
que for julgado conveniente, não podendo os respectivos proprietários ou responsáveis criar obstáculos à inspeção, sob pena de multa de cem mil réis. elevada
ao dobro em caso de reincidência.
faculdado de remir $ 6'. O direito de remissãopor parte da União. bem como do Estado e do município em que os bens se encontrarem, poderá ser exercido, dentro de cin-
Art. 21. Os atentadoscometidoscontraos bens de que tratao art. I' desta lei são equiparados aos cometidos contra o património nacional.
co dias a partirda assinaturado auto de arrematação ou da sentençade adjudicação, não se podendo extrair a carta, enquanto não se esgotar este
prazo, salvo se o arrematanteou o adjudicanto for qualquer dos titulares do direito de preferência.
CAPÍTULO IV
CAPÍTULO V
Da direito de preferência Art. 22. Em face da alienação onerosa de bens tombados, pertencentes a
Disposições gerais
pessoas naturais ou a pessoas jurídicas de direito privado, a União, os Estados
e os municípios terão, nesta ordem. o direito de preferência. $ 1'. Tal alienaçãonão será permitida.sem que previamente sejamos bens oferecidos. pelo mesmo preço, à União, bem como ao Estado e ao município em que se encontrarem. O proprietário deverá notificar os titulares do direito de preferência a usá-lo, dentro de trinta dias, sob pena de perdê-lo.
$ 2. É nula alienação realizada com violação do disposto no parágrafo anterior. ficando qualquer dos titulares do direito de preferência habilitado a seqüestrar a coisa e a impor a multa de vinte por cento do seu valor ao transmitente e ao adquirente, que serão por ela solidariamente responsáveis. A
250
Art. 23. O Poder Executivo providenciará a realização de acordos entre a União e os Estados, para melhor coordenação e desenvolvimento das atividades
relativas à proteção do património histórico e artístico nacional e para a uniformização da legislação estadual complementarsobre o mesmo assunto. Art. 24. A União manterá, para a consewação e a exposição do obras históricas e artísticas de sua propriedade, além do Museu Histórico Nacional e do Museu Nacionalde Belas Artes, tantos outros museus nacionaisquantos se tornarem necessários, devendo outrossim providenciar no sentido de favorecer a ins-
tituição de museus estaduais e municipais, com finalidades similares.
nulidadeserá pronunciada.na forma da lei, pelo juiz que conceder o se-
Art. 25. O Serviço do PatrimónioHistórico e Artístico Nacional procurará en-
questro, o qual só será levantadodepois de paga a multa e se qualquer
tendimentoscom as autoridades eclesiásticas, Instituições científicas, históricas
O PATRIAÕNIO EÁ PROCESSO
ANEXO 11: D[CR[TO-L]]
N' 25, Dt 30 De NOVÉ#IBRODe 1937
251
ANEXO l\l
ou artísticas e pessoas naturais e jurídicas. com o objetivo de obter a cooperação PARECER Dt
das mesmas em benefício do património histórico e artístico nacional.
CARLOS DRUAAOND Dt
ANDRADt
Art. 26. Os negociantesde antiguidades,de obras de arte de qualquer natureza, de manuscritos e livros antigos ou raros são obrigados a um registro especial no Serviço do Património Histórico e Artístico Nacional, cumprindo-lhes outrossim apresentar semestralmente ao mesmo relações completas das coisas históricas
e artísticas que possuírem Art. 27. Sempre que os agentes de leilões tiverem de vender objetos de natu-
ünóBI'caio OA ÜoueaGZO
reza idêntica à dos mencionados no artigo anterior, devorão apresentar a respecD.P.B.l.X.
tiva relação ao órgão competente do Serviço do Património Histórico e Artístico
D. 1. e.
80Çlo d.o XIBtÓrlü
Nacional.sob pena de incidirem na multa de cinqtlenta por cento sobre o valor
dos objetos vendidos. Art. 28. Nenhum objeto de natureza idêntica à dos referidos no art. 26 desta lei poderá ser posto à venda pelos comerciantes ou agentes de leilões, sem que
tenha sido previamenteautonticado pelo Serviço do Património Histórico e Artís-
Ao qtn oonBba. nXo ao acha a l8re.ja nabrlz d.e R.8A a4 coDcolçãop an laeboelrq'dg
tico Nacional,ou por peritoem que o mesmose louvar,sob penade multade
;ini;ii.à.a'a
cinqüentapor cento sobre o valor atribuído ao objeto.
oanstltull'
Parágrafo único. A autenticação do mencionado objeto será feita mediante o
pagamentode uma taxa de peritagemde cinco por cento sobre o valor da coisa. se este for inferior ou equivalente a um conto de réis. e de mais
Art. 29. O titular do direito de preferência.goza de privilégioespecialsobre o valor produzido em praça por bens tombados, quanto ao pagamento de multas
aaaorávo3.
ao Idvx'o
3t IP Bata.o a.ó Blo Granel.oâ.o.8ul,
d.e ÚoBaa .blat6='1a
ao Tombo Xlató!'loo.
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aaa'oabai'BO
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Opte.3a118M.aa m.ü'iz ü.a pal'6qula. Deva x'õO.süw.sa o a aüi BÍDlãi. voi'lH.oU.o ao qou lbtoríox' en 8 d.o aateãU'oâo 18601d.o IJaar'rarraupllba.4nbãnlg .Vlaanto üa Fontoxa'1l que all no ao faia batlsadÕ.Fato eazd.ávidaíqpol"tanto, aãÓae reveste oon ttd.ol a aoasovor. do
[email protected]ção .ba.stantopara ao abrlbbulr ao lóoa]. oM.eoe .üosaai'filou9 a' catogol'ía do .laoaucxanbo blsto-
r'ico nacional.
Ba 27.111.19S2
Parágrafo único. SÓ terão prioridade sobre o privilégio a que se refere este
r;.-Í&--'--.Í4..4K.l....L Cardos DI'uaxaaad d.o .hd='aàé
artigo os créditos inscritos no registro competente,antes do tombamento
Chefe da 6.B.
da coisa pelo Serviço do PatrimónioHistóricoe Artístico Nacional. Art. 30. Revogam-se as disposições em contrário.
a
à.f. 7- , Rio de Janeiro, 30 de novembro de 1937. 116' da Independênciae 49' da
República.
4 s:},-
GetúlioVargas Gustavo Capanema
O PATRIAÕNIO [A
PROCESSO
a
â.o
l vlo'ba do a©08tos Jt:18a a 8.R. aXo BB.Juati.flua!' o tanbaaonto.
impostas em virtude de infrações da presente lei.
252
, que
lato
o i'ofa'lÂo tamlplo um &oa'üaatziboda pollpação.do tor
ÜãÍimwã":.Eti:mU::H:W&kg.::"8 B:ig:,'e*a;3aã;-'a8=B:; :.,;?;::;;'.="R'=i;;.=t.'i;
dbooll'a
cinco mil réis por conto de réis ou fração, que exceder.
fato
iii;'iiàiuaão
'C /. «u c'-- -. 4' A /jb--...a''e'+c.'e - ü A c'u,'. ca c.-.l
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,Ê- :a. J. 4'.r Z
b -.
ANEXO IV
O COAPROAISSO
CULTURAL
DA NOVA REPUBLICA
Em razão de sua experiência de trabalho institucional e de ação política junto à sociedade nos âmbitos nacional e local. e sentindo-se legitimados por sua anterior luta - contra todas as dificuldades - em defesa dos segmentos sociais cuja história e produção cultural têm sido sistematicamente obscurecidas ou tomadas objeto de apropriação indébita - trabalhadores em entidades culturais e represen-
tantes de entidades e associações civis consideram oportuno declarar publicamente a sua aspiração de que o recém-instituídoMinistério da Cultura venha a se constituircomo capaz de estar efetivamentea serviço da sociedadebrasileira
e, assim,tomar-seum dos principaisimpulsionadores da mudançaa que se propõe a Nova República. Espera-se, nesse sentido, que em todas as suas áreas de competência o Mi-
nistério da Cultura venha a assumir, entre outras preocupações,determinados compromissos considerados como imprescindíveis ao processo de sua contínua
legitimaçãojunto aos segmentossociais que deve ouvir e apoiar. Somente a adoção desses compromissos e o seu cumprimento serão capazes de tornar esse Ministério exemplar no atendimento ao interesse público que, in-
cluindo os interesses de específicos setores sociais, assim como determinadas reivindicações político-partidárias e, também, os argumentos de personalidades importantes no processo cultural e político do país, não pode restringir-se a seu atendimento exclusivo, sob pena de comprometer sua eficácia para uma atuação
voltada para a totalidade
e a particularidade dos interesses da nação.
São os seguintes os compromissos julgados fundamentais, e aqui explicitados em nível de amplitude a ser particularizada na determinação da política cultural, em diálogo com os segmentos sociais representativos da pluralidade cultural brasileira Que a cultura seja amplamente concebida como um processo decorrente dos diversos modos de agir e de pensar da sociedade brasileira. Assim.
a política cultural não deverá restringir sua atenção somente a determinadas expressões da cultura, mas estender suas preocupaçoes a as-
l pectos fundamentais desse processo, como, por exemplo: saúde, educa-
Brasíiia-Mulher/DF
ção,acessoe uso do solo,trabalho,habitação etc.
Associação Cultural Zumbe/AL
Quea pluralidade e a diversidade culturalsejamrespeitadas, masque
AssociaçãoNacionaldo Índio/BA
a diferença não implique justificativa para a desigualdade social. Nesse sentido os grupos diversificados em situação de subalternidade por vá-
Sociedade Beneficente São Jorre de Engenho Velho da Federação/Salvador-BA
rios fatores culturais - tais como indígenas, negros. ciganos, migrantes.
Associaçãodos Ex-Alunosda UnB/DF
mulheres. favelados. garimpeiros. seringueiros, bóias-frias etc. - devem
Cresça/DF
merecer atenção e apoio especiais para superação desse estado.
Ordemdos Músicos/DF
Que se integre à política cultural o compromisso de se discutirem amplamente os projetos ditos de desenvolvimento.que implicam alterações
Grupo de Teatro- Abibiman/PE Centro Latino-Americanode Altos Estudos/DF
consideráveis nos contextos culturais, de modo a avaliar seus possíveis
benefícios em relação aos custos socioculturais por eles exigidos.
Bloco Carnavalescollê Aiyê - Salvador/BA Grupo Niger-OKAN - Salvador/BA
Que o Ministério da Cultura envide todos os seus esforços para que Brasília, cidade politicamente cassada e culturalmente discriminada, venha
ACAAN - AssociaçãoCultural de Apoio às Artes Negras/RJ
a desenvolver as suas potencialidades e desempenhar os papéis para
Cine-ClubeOlhod'Água/DF
os quais foi concebida. no sentido não só de sediar o poder, mas de res-
Cine-ClubePodaAbertado Gama/DF
ponder pelo crescimento do espírito federativo, que decorre do reconhecimento
de uma sociedade pluricultural e multiétnica.
Cabeças- Centro Brasiliense de Arte e Cultura/DF Cine-Clube Gláuber Rocha/DF
Quea responsabilidade do Ministério da Culturaem contribuir,fundamentalmente, para o processo de democratização do país se concretize
ComissãoOrganizadorado Festival de Música Popular do Gama/DF
em todos os níveis de sua atuação, assim como nas constantes preocu-
Grupo de Teatro do Gama/DF
pações de servir aos interesses e à identidade de nossa sociedade plu-
Biaco CarnavalescoApaches do Tororó- Salvador/BA
ral, e de prestar contas a essa sociedade da política adotada e do traba-
Associação Profissional dos Sociólogos do DF
lho realizado. reorlentando-os segundo as indicações originadas no de-
Administração Regional de Planaitina/DF
ver do diálogo.
Grêmio CamavalescoCacique de Ramos/RJ
Brasília (DFj, 7 de maio de 1985.
TEN- TeatroExperimental do Negro/RJ ComissãoBrasília/DF lpeafra - Instituto de Pesquisas e Estudos Abro-Brasileiros/RJ Centro de Estudos Abro-Brasileiros/DF Funafro - Fundação Abro-Brasileira de Arte, Educação e Cultura Memoda+ Zumbe
União das Nações Unidas Associação Brasileira de Antropologia/DF
Fetadif - Federação de Teatro Amador do Distrito Federal
Comissão Píó-Índio
ABTB-DF- AssociaçãoBrasileira de Teatro de Bonecos
FundaçãoPedrosoHorta/DF
CompanhiaNosso Grupo de Teatro/DF
Frente Nacional Abro-Brasileira
Candango Produções ARísticas/DF
256
O PATRIAONIO [A
PROCESSO
ANEXO IV: O COAPROAISSO CULTURAL DA NOVA RllpÚBLICA
257
ANEXO V PROCESSOS DE TOABAAENTO
ABERTOS
DE 1.1.1970 A 14.3.1990*
Ng Processo
Nomedo Bem
UF
Localidade
Rio de Janeiro
1970
825-T70
Casa à Praia do Russel, 734
RJ
826-}70
ãeafroSãoJogo
CE
827-}70
Forte São José
RJ
Rio de Janeiro
Sobram
828-}70
Casa à Praça do Erário, atual Correio
PB
João Pessoa
829-}70
Acervo do Museu de Arte Contemporânea
SP
São Paulo
830-T-70
Castelo da Baronesa ICasa à Av. Domingos de Almeida)
RS
Pelotas
831-}70
Igreja de N. Srü.da Conceição
PE
ltamaracá
832-T-70
Remanescentes da Fazenda Pombas.
onde nasceu Tiradentes
MG
833-}71
Conjunto arquitetânicoe paisagístico da Praça Getúlio Vergas
RJ
834-}71
Igreja de N. SP. da Conceição
MG
835-T-71
Igreja de Santo Antõnio
PE
B36-T.71
igreja do Bom Jesus dos Martírios
PE
837-}71
Casa à Praça Dr. Jefferson, 13
MG
B38-T-71
Fazendado Pocinho
RJ
839-}71
Igreja Matriz de São José
MG
MO-T-71
Solar da Barão de Vila Flor
RJ
841-}71
Palácio Louro Sodré
FU
Belém
M2-T-71
Caverna do Alambari, Fazenda Sãa Luas
SP
Bananal
M3-T-71
Conjunto arquitetõnicoe paisagístico de Cachoeira
BA
Cachoeira
Ba-T-71
Casada Fazendado Pau Grande
RJ
Vassouras
M5-}71
Imagem de São Francisco de Paula
MG
Ritápolis
1971
Adotou-se a seguinte convenção por tipologia gráfica: negrito
NovaFriburgo CoutoMagalhães Tracunhaém Recife Campanha Vassouras/ Barrado Piraí Serra
São Fidélis
Mariana
tombadositálico - arquivados
redondo em estudos. Foram assinalados em negrito os bens cujo tombamento foi homologado até 2007, conforme listagem fornecidapela Copedoc/lphan,datada de 4 de março de 2008
l
Ng Processo
Nomedo Bem
Casa da Fazenda Rio de São João
M7-}71
UF
Localidade
MG
Bom Jesus do Amparo
Ne Processo
Nomedo Bem
Localidade
871-}73
Faculdadede Direito da UFRJ
RJ
872-T.73
EngenhoMorenos
PE
Igreja da antiga Conventode
Conjunto arquitetõnico e paisagístico de Lençóis
BA
Lençóis
873-T-73
Conjuntoarquitetõnico e paisagísticode Porto Feliz
São Francisco
ES
SP
PortoFeliz
874-}73
Igreja de N. Se. do Pilar
SP
849-}71
Casa no Distritode GatasAltas
MG
Conselheiro Lafaiete
875-}73
Conjuntoarquitetõnicoe urbanístico
850-T71
Igreja Matriz de Sant'Ana jfachadas)
CE
851-}71
Casa à Praça José Feliciano, 9
GO
M8-}71
Igreja Matriz de N. SP. da Conceição
Paudo Alferes/
RJ
Vassouras
853-}72 854-}72 855-}72 856-}72 857-F72
Casa à Rua Mayrink Verga, 9
Casa à Rua da Quítanda,61
RJ
Igreja Matriz de São Sebastião
RJ
Casa Frei RogéHa- Fórum
Riode Janeiro Riode Janeiro
RJ
CaboSantoAgostinho
PE
Recife
Capelade São Pedra
PE
Pajeú
877-}73
Igreja Matriz de Vila Bela e
Porto União
Casa onde nasceu o marechal Artur
da Costae Sirva
Palácio dos Capitães Generais
MT
878-}73
LagoaRodrigo de Freiras
RJ
Rio de Janeiro
879-}73
Casa de Câmara e Cadeia
CE
Aracati
880-T-73
Conjunto arquitetõnicoda Praça da
RJ
Wla Bela
NovaEra
Matriz e Museu de Arte e História
MG
881-T-73
Casa da Fazenda Santa Mânica
RJ
882-}73
Igreja Matiz do Desterroe Igreja do Rosário
MG
883-}73
Mercadode São José
PE
Recife
Niterói
sc
Vitória
RibeirãoPreto
876-T-73
1972 852-T-72
Morenos
das áreas da Bahia de Suape e do
lguatu Pirenópolis
Rio de Janeiro
Taquaíi
Valença Desemboque
858-}72
AntigaEstaçãoFerroviária
PB
Campina Grande
859-T-72
Igreja Matriz de Santo Antõnio
MG
Alvorada de Minas
884-T-73
Museudo Colono
RJ
Petrópolis
860-T-72
Conjunto arquitetõnico da Av. Rio Branco
RJ
Riode Janeiro
B85-T-73
CapelaerigidaporAnhanguera
MG
Uberlândia
886-T-73
TeatroApoio
861-T-72
AntigaFaculdadede Filosofia, Ciências e Letras (Casa à Praça
Terreirode Jesus) 862.T-72
Liceude Artes e Ofícios ICasa à Praça da República)
BA
PE
Casa de João Niderauer Sobrinho
RS
888-}73
ForteJunqueira
MT
Corumbá
889-}73
CemitéHoda IrmandadeN. Sr. Passos
SP
Guaratinguetá
890-T.73
Solar da baronesa de Muriaé
RJ
São Gonçalo
B91-T-73
Conjunto arquitetõnicode Rio de Contas
BA
Conselheiro
892-T-73
Casa da Fazenda Quebra de Canoas
MG
B93-T-73
Casa onde morou o Barão do
Recife
PE
Assembléia Legislativa(antigo edifício da AssembléiaProvincial)
CE
BM-T-72
Casa e capela da Fazenda da Luz
RJ
865-T.72
Casa da Fazenda dos Macacos
MG
863-T-72
(Casa Rua do Apoio, 121)
887-}73
Salvador
Fortaleza
Lafaiete 866-T-72
Igreja do Divino Espírito Santo
PE
Recife
B67-T-72
Coieçãode AbeiardoRadrigues
PE
Recife
868-}72
Pinturas de Benedito Calixto que estão no Palácio Episcopal
SP
Rio Branco crua Westphalen,2791
SantaMana
Campos Rio de Contas
PonteNova Petrópolis
1974
São Cardos
8«.T.74
Sobrado e respectivo terreno em que
em 1845,se hospedou d. Pedra ll
1973 869-T-73
Morros do Rio de Janeiro (7)
RJ
870-T-73
Igreja Matriz de N. Slü. da Concepção
MG
260
RJ
Recife
Rio de Janeiro Prados
O PATRIAÕNIO [A PROCESSO
895-T-74
RS
São Gabriel
BA
Cachoeira
Lavabo em mármore português
IConventode SantoAntõnio do Paraguaçu)
ANEXO V: PROCESSOS DE TOIKBAAENTOABERTOSDE 1.1.1970 A 14.3.1990
261
l
N2 Processo
896-}74
Nomedo Bem
UF
Localidade
BA
Salvador
925-}75
AntigaFaculdade de Medicina da Bahia l(Casa à Praça Terreiro de Jesus)
Ne Processo
Nomedo Bem
Casas à Praça Cel. Pedra Osório, 2
Pelotas
BA
Alcobaça
de Setembro)
RS
Rio Grande
PE
Igreja Matriz de S. Bemardo
927-T-75
Cine-teatro (antigo Teatro 7
897-T-74
Solardos Garcez Conde viveuEuclidesda Cunha)
RJ
São Fidélis
898-T-74
Museus Castra Maia e respectivos acervos
RJ
Rio de Janeiro
928-}75
899-}74
Casaà RuaPresidenteDomiciano. 195
RJ
Niterói
929-}75
Casa-grandedo Engenhode Lajes Casa
Farmácia Brita.9 (Casaà RuaLeaisPiedade, 2)
Salvador
930-T-75
Remanescentes da Fortaleza de
BA
901-T-74
Igreja de N. Slü.do Rosário
MG
Rio Preto
902-T-74
Conjunto de nove imóveis
RJ
Maré Batatais
900-T.74
Santo Antõnio Conjuntoarquitetõnico de Luziânia
GO
Praia Baía da Traição
PB
933-}75
Embaixadada ltálía
SP
904-}74
jlgrejado BomJesus) Casado Engenholtapuá
PB
São Migue do Taipu
905-T-74
Diverys monumentos
MG
TrêsPontas
906-}74
Casa 'Loja MaçónicaConciliação'
PE
907-T.74
Chácarado Hnoco
MG
908-}74
Peças da coieção Octales Marcondes
SP
909-}74
Casa da Fazenda Ponte Alta
SP
Redenção da Serra
1976
910-T-74
Casa da Fazenda da Concepção
SP
Paraibuna
911-T-74
Igreja Matriz
SP
912-}74
Casade Pedra
RJ
Igrejinha
913.T-74
Casa do Sítio Umbuzeíro
CE
Aiuaba
914-}74
AntigaAlfândega(Prédio à Rua Conselheiro Mafra)
São Pauta
Cona
sc
MA
932-}75
14 quadros de Portinari
Caeté
MG
931-T-75
903-}74
Recife
6, 8
RS
926-T-75
9%-T-75 93&T-75
Ribeirão Cataguazes
São Luís Luziânia
Baíada Traição
crua das Laranjeiras,154)
RJ
Riode Janeiro
Embaixadada Argentina IPraia de Botafogo,228)
RJ
Riode Janeiro
936-}75
PaçoMunicipal Sobrado
BA
937-}75
Casa do Padre Belchior
MG
Pitangui
938-T-75
Casado Aleijadinho
MG
Sabará
93$}76
Grutas e lapas do AHzona
MG
940-}76
Casa à Rua Oswaldo Cruz. 782
MA
941-T-76
Casasde três fazendas (Mantiqueira
Inhambepe
RJ
Porciúncula
LagoaSanta Sãa Luas
Machadinha e Matode Pipa)
RJ
942-T-76
Arraial Novo do Bom Jesus
PE
Recife
Florianópolis
U3-}76
Forte N. Srü. da Conceição
sc
Florianópolis
Franca
944-}76
Prédio da Estação da Luz e
Macas
915-}74
Igreja Matriz
SP
916-}74
RJ
PinacotecaEstadual
SP
São Paulo
917.}74
Fazenda da Engenho Novo ForteCoimbrã
MT
Corumbá
945-}76
Igreja de N. SP. da Paz
RJ
Rio de Janeiro
918-}74
Casa do Engenho Camaragibe
PE
SãoLourenço da Mata
946-T-76
Escala Tiradentes
RJ
Rio de Janeiro
947-T.76
Ruínas do Fode em Arraial
São Gonçalo
das Tesouras
GO
948-T-76
Casa da Antigo Fórum
BA
949-}76
IgrejaPositivistado Brasil
RJ
950-}76
Capela de N. Srü.do Rosário da
1975 919-T-75
Reservatóriode água(Laranjeiras)
RJ
Riode Janeiro Riode Janeiro
920-T-75
Capela N. Sls. da Piedade
RJ
921-T-75
Casa"Estaçãodo Brum'
PE
Recife
922-T-75
Igreja do Terço
PE
Recite
923-T-75
Igreja de São José do Ribamar
PE
Recife
924-}75
EscolaJútiaKubiíschek
DF
Brasília
262
O PATRIAõNIO [A
PROCESSO
ErmidaSanta EHgênia
MG
Casa do Museu Prof. ZoroastroArtiaga
GO
Mozarlândia Caetité
Rio de Janeiro Sabará
1977 951-T-77
ANEXO V: PROCESSOS Dt TOÁBAAeNTO ABERTOS Dt 1.1.1970A 14.3.1990
Goiânia
263
Ne Processo
952-}77 953-}77
Nomedo Bem
Casa onde morou o Duque de Cabias
955-T.77
956-T-77
RJ
Rio de Janeiro
Rio de Janeiro
RJ
PHmeiraFábHca de Laticínlos no
Norte do Brasil
RJ
Riode Janeiro
Sabre de honra do Gal. Osório IMarquêsde Herval) Quartelda Polícia Militar
RJ
Rio de Janeiro
ICasa à Praça Heliodoro Balbi)
957-}77
Localidade
Pavilhão de aulas da Escola de EnfermagemAna Neri ICasa à R. Afonso Cavalcanti, 275)
9M.}77
UF
Igrejade N. SP. do Amparo
958-}77
Igrejade São João
959-}77
Cemitério (onde repousam os restos mortais dos heróis
AM
Manaus
PE
Olinda
PE
Olinda
da Retiradada Laguna)
MG
960-}77
Igreja de Santo Antõnio dos índios
BA
961-}77
Estaçãofenoviáda
SP
Aratuipe CachoeiraPaulista
962-}77
Casa que pertenceu ao Visconde RJ
Rio de Janeiro
963.}77
de itamaraty CemitéHod. Francisca
sc
Joinville
964-}77
Área onde se desenvolveu a Batalha 'Monte das Tabocas"(3.8.1645}
PE
Vitóriade Santo Antão
965-F77
AntigoPaço Municipal
PI
966-}77
Marco Jauru
MT
Parnaguá
968-}78
Conjunto arquitetõnico e urbanístico da cidade de lcó
CE
lü
969-T.78
Conjunto arquitetõnico e urbanístico da cidade de Aracati
CE
Aracati
Faculdadede Direito
PE
Recife
Rio de Janeiro
Hospital São Francisco de Assim
RJ
Rio de Janeiro
979-T-78
Grutas Azul e N. Srl. de Aparecida
MT
980-T-78
Gruta do Rei do Mato
MG
981-}78
Igreja de N. SP. dos Remédios
Igreja de N. Srü. da Penha
MG
972-T-78
Solar do Conde de Subaé
BA
Conjunto arquitetõnico, urbanístico e paisagísticoda Ilha de ltaparica
Passos
Bonito
Femando
de Noronha 982-F78
Prédio da antiga Ministério
da Agdcuitura
RJ
Rio de Janeiro
983-T-78
Asilo d. Pedra ll
BA
Salvador
984-}78
Casa dos Carvalhos
BA
Salvador
985-178
VilaLoura ÍCasa à Rua Raul Leite, 68}
BA
Salvador
986-F78
Casas à Rua Gonçalves Leda. 5, 5-A, 5-B, 7 e ll
RJ
Rio de Janeiro
987-}78
Ponte Seca
RS
988-}78
Solar Amado Bahia
BA
Bagé Salvador
Imagemde Santa Teresade Axila, um retábulo e um espelho
RJ
Rio de Janeiro
990-T-78
Ruínasjesuíticasdo Mocambinho ou de Pachoca
MG
Manga
991-}78
Igrejade N. SP. do Uvramento
PE
Recite
992-T-78
Casaà Praça Marquês de Monte Alegre
SP
Santos
993-T-78
Imagemde N. SÉ. da Escada
SP
Barueri
994-}78
AeroportoBartolomeude Gusmão e seu hangar
RJ
995-T.78
MuseuMaHanoProcópio(Prédio)
MG
Riode Janeiro Juiz de Fora
1979
996-}79
971-T-78
973-}78
RJ
Solar da Família Franklin Sampaio Petrópolis
Localidade
Cinemaids
Cáceres
RJ
Nomedo Bem
97&}78
989-T-78
ICasa à Praça Rui garbosa, 55)
970-T-78
977-}78
MonteAlegre
1978
967-}78
NeProcesso
Casa Paroquial, anexa à Igreja Matriz
de Santo Antõnio ICasaà PraçaIndependência, s/na)
PE
Recife
Santa Cruz de
997-T-79
Prédioda antigaCasade Câmara e Cadeia
BA
Cabrália
998-T-79
Igreja Matrizde N. Slü. da Conceição
BA
Santa Cruz de
SantoAmara
Cabrália
BA
ltaparica 999-T-79
Capelado CemitérioPúblico
CE
BA
Mucugê
1000-T-79
Acervo do Palácio dos Bandeirantes
SP
São Paulo
975-}78
Conjuntoarquitetõnico e urbanístico de Mucugê Hotel Colonial
BA
Salvador
1001 -}79
Casade Euclidesda Cunha
976-}78
Prédio da Cia. Docas de Santos
RJ
CE
Camocim
974-}78
264
Rlo de Janeiro
O PATRIAÕNIO [Á
PROCESSO
Pinto Madfns (aviador)
ANEXO V: PROCESSOS Dt TOÁBAA[NTO ABERTOS De 1.1.1970 A 14.3.1990
Quixeramobim
265
Ne Processo
Nomedo Bem
IOO&T-79
Igrejade N. Sls. da Lapa Cine-teatro
1004-}79
Igreja de Sant'Ana
1002-T-79
1005-}79
UF
Localidade
Campos
Macaé
Antigo alojamento da Westem
RJ
1007-}79
Casa à Rua Cónego Bittencoud,47
RJ
1008-T.79
MG
1009-T-79
Estaçãoferroviária ObservatórioNacional
101&F79
Casaonde funcionouo Fórum
MG
1011-}79
Conjuntoarquitetõnico de Conservatória
RJ
1012-T-79
Serra de São José
MG
1013-T-79
Conjuntourbano da Lapa e
1014-}79
Riode Janeiro Angrados Reis
Matozinhos
Valença
Tiradentes
Riode Janeiro
RJ
Lampião(Lapa),relógio alargoda Carioca) e luminárias(R. da Conceição, Senhordos Passos,Alfândega. Ouvidor e Praça XV e adjacências)
Riode Janeiro
RJ
t015-T-80
Duas quadras da Rua da Aurora
PE
1016-}80
Pinça Florfano(Cinelândial Sítio de Santo Antõnio da Alegria ou do Físico
RJ
MA
São Luís
Sede da Fazenda Pinheiro
RJ
Pinheiral
1017-}80
1018}80 1019-}80
Palácioda Justiça
1020-T-80
Teatro Municipal José de Alentar
1021-}80
ICasaà Rua XV de Novembro) Acervo paisagístico de Santa Cruzde Cabrália
1022-}80
1027-T-80
Conjunto arquitetõnico à Av. Nazareth
Fn
Belém
1028-T40
Forte de Óxidos e Fode Serra FU
Óbidos
m.
Belém
da Escama 1029-T.80
Manaus
RJ
Niterói
Santa Cruz de
1030-T-80
autor de Madfn Pleno) 1023-T40
Prolongamento do conjuntoVer-o-Peso
PA
Cabrália
Santanado Livramento
m
Belém
1031-T-80
Colégio Pedra ll
RJ
Rio de Janeiro
1032-T-80
Casa da Fazenda Rio Novo
RJ
Paraíbado Sul
1033-T-80
Igreja de Santo Antõnio
MG
10%-T-80
Pantheondo Mal. Floriano Pelxoto ICemitérioSão Joga Batista)
RJ
Rio de Janeiro
1035-T-80
Figueirada Rua Falto
RJ
Rio de Janeiro
1036-T-80
RS
PortoAlegre
1037-T-80
Prédio dos Correios e Telégrafos IPraçaBarãodo Rio Branco) Instituto OswaldoCruz
RJ
Rio de Janeiro
1038-T-80
Casa-grande da Fazenda Cachoeira
de Taepe
MG
PalacetePinho
PA
Belém
102&T-80
Conjuntoarquitetânicono entorno do MercadoVer.o-Peso
PA
Belém
O PATRIAON10 EA PROCESSO
Ouro Branco
Surubim
Coleção de ex-votos do Santuário do
Bom Jesus do Matosinhos
MG
1040-T-80
Igreja do Senhordo Bonüm
RJ
1041-T-80
Antigaestaçãoferroviária
Congonhasdo Campo ltaboraí
de Guaratinguetá
SP
Guaratinguetá
Campodo Jiquiá
PE
Recife
1043-T-81
Igrejade N. Sle.das Mercês
CE
Arapari
IOM-T-81
EstaçãoferroviáHa
RJ
ltaguaí
1045-T-81
Casaà RuaAlexandreMoura, 23 a 29
RJ
Niterói
1046-T-81
Igreja Matrizde Saquarema
RJ
Saquarema
1047-T-81
Pórtico central e armazénsdo Cais do Porto
RS
PortoAlegre
1048-T-81
Capela de São Jogo
ES
Carapinada Serra
1049-T-81
Morro O Frade e A Freira
ES
ltapemirim
1050-}81
Aldeiados índiosTapirapés
GO
Banana
1042-T-80
1981
Belém
1024-}80
266
Conjuntoarquitetõnicoda Rua biqueira Mendese Largo do Carmo
262 e 266 (antiga residênciado RS
Conjuntoarquitetõnicoe paisagísticodo Largo das Mercêse sua área de entomo
Rio de Janeiro
Casaà Rua RivadáviaCorreia, poetaargentinoJosé Hemandez,
]
Recife
AM
BA
Conjunto arquitetõnico à Belém
1039-}80
1980
Localidade
FU
ltaguaí
Riode Janeiro
RJ
UF
Av. Governador José Malcher
Niterói
Conjuntoarquitetõnicoda Rua da Carioca
encostade Santa Teresa
1026-T-80
Santa Mana
Telegraph tOO&T-79
Nomedo Bem
ANEXOV: PROCESSOS DE TOABAA[NTO ABERTOSDE 1.1.1970 A 14.3.1990
267
Ne Processo
Nomedo Bem
UF
Localidade
Ne Processo
1079-T-83
Quinta das Magnólias(Casa Peru)
1080-T-83
Fazenda do Vauaçu(solar do padre Jogo
Conjunto arquitetânico de Angra dos Reis
RJ
1052-}81
Mercadoda carne e lojas adjacentes
CE
]05$T-81
Forte de Santa Bárbara
sc
FloHanópolis
1081-}83
1054-}81
Fábricade vinho de caju Tito Silva
PB
Jogo Pessoa
1051-T-81
Angrados Reis Aquiraz
1982 1055-T-82
Museu Rondon
Vilhena
RO
105G}82
Instalações de água potável
PR
Curitiba
1057-T-82
Antiga sede do DNOCS
CE
Fortaleza
1058-T-82
Casa à Rua da Aurora. onde nasceu Manuel Bandeira
PE
Fábrica Baniu Santuáriodo MonteSanto
RJ
1061 -}82
Casa em que residiu Canos Oswald
RJ
Rio de Janeiro
1062-}82
Fazenda de Sant'Ana
FU
Ilha de Marajó
1063-}82
Cadeia Velha
CE
Limoeirodo Norte
1059-T-82
1060-T-82
Recife
MonteSanto
1064-T42
Caixas-d'água
RJ
Pelotas
1065-T-82
Casade Plácidode Castra
AC
1066-T.82
Vila de Porto Acre
AC
Xapuri Rio Branco
1067-T-82
Terreiroda CasaBranca
BA
Salvador
1068-T-82
Sistema de bondes de Santa Teresa
RJ
Rio de Janeiro
1069-T-82
Serrada Barriga IQuilombo dos Palmares)
AL
1070-T-82
1071-T-82
PE
Recife
Fn
Belém
1072-T-82
Farol de Mucuripe
1073-T-82
ImprensaOHciale Clube Monte Líbano
CE
Fortaleza
FU
Caixa-d'água
RS
Rio Grande
1075-T42
Palácio das Laranjeiras
RJ
Rio de Janeiro
1983 1076-T-83
Conjunto de 10 imagens missioneiras
RS
1077-T-83
Forte de São Francisco ou do Queijo
PE
1078-T-83
268
Monumentodo Imigrante Açude do Cedro
CE
Quixadá
1083-T-83
Casa onde nasceu Vital Brasii
MG
Campanha
Prédio High Ufe crua Sarro .4ma/o. 2aU
São Luís Gonzaga Olinda
10M-}83
Conjuntohabitacionaloperário
PE
Goiana
Conjunto habitacional "Av. Modelo'
RJ
Riode Janeiro
1086-T-83
Máquina a vapor 'Mana Fumaça'
MG
AntõnioCardos
1087-T-83
Igreja Matriz de Santo Antõnio
MG
ltaverava
1088-}83
Sobrado do padre Taborda e ltaverava
casario fronteiro
MG
1089-F83
Prédioda PrefeituraMunicipal
RS
109&T-83
Caixa de Sacoríos d. Pedra V
RJ
Rio de Janeiro
1091-T-83
Igrejade N. SF. dos Navegantes
FU
São Caetanode
1092-T-83
Igreja Matrizde N. Slü dos Navegantes
O PATRIAÕNIO[A
PROCESSO
Lajeado
Odivelas
109$T.83
RS
São José do Norte
Centro histórico de Salvador jre-ratiãcação)
BA
Salvador
1094-T-83
Estádio Mário Filho(Maracanã}
RJ
Rio de Janeiro
1095-}83
IgrejaMatriz de N. Srü.da Conceição
AL
MarechalDeodoro
de Minase estaçãoferroviária
MG
RibeirãoVermelho
1097-}83
Conjuntoarquítetõnicoe urbanístico da cidadede Paranaguá
PR
1098-T-83
Estradade Ferro Paranaguá-Curitiba
PR
1099-}83 1100-T-83
HospitalJuscelinoKubitscheck de Oliveira(HJKO) Prédio da ABI
RJ
Rio de Janeiro
1101-T-83
Ginásio Pernambucano
PE
Recife
t102-T-83
Pantanal Sul-mato-grossense
MS
1103-F83
Ilha do Bananas(oude Sana'Ana) AcervoferroviáHoda E. F.
GO
Perus-Pirapora
SP
Casaque pertenceuao cel. Malveiras
CE
1096-T-83
1104-F83
1105-T-83
Rio de Janeiro
Caxiasdo Su
1085-}83
Belém
107&T-82
PonteNova
1082-T-83
Conjuntoarquitetõnico dos bairros
da CidadeVelhae Campina
Teresópolis
RS
Canis da Pinça da Convenção,
125,131,153
RJ
Localidade
MG
União
dos Palmares
UF
do Monte-Antigos
Rlo de Janeiro
BA
Nomedo Bem
Trechoda antiga E. F. Oeste
ANEXOV: PROCESSOS DE TOABAÁENTO ABERTOS Dt 1.1.1970 A 14.3.1990
DF
Paranaguá
Brasília
Limoeirodo Norte
269
Nomedo Bem
110G}83
Casarãoonde se hospedou d. Pedral
UF
Localidade
RS
São José do Norte
1107-143
Colégio Estadual Pães de Carvalho
PA
Belém
1108-T.83
Oufefrode Santa Cafarfna(Castelo)
SP
Santos
Hotel do Parque São Clemente
Nova FHburgo Rio de Janeiro
'RJ
Conjunto Residencial ParqueGuinle
RJ
1111-T:M
Vla Opeüria
AL
1112-FM
Embanaçõesa vapor do Rio São Fmncisco
MG
Pirapora
Casa Presser
RS
Nova :Hamburgo
1110-FM
1113-T.@ 1114-T-M
1115-FM
lll&FM
Casa 'H Sofria'
Presépiodo Pipiripau
Santa Mana
RS
MG
Conjunto arquitetõnico, urbanístico e paisagístico da cidade de Natividade
PR
Belo:Horizonte
Natividade
São Paulo CampoLargo
Coleçãode Lasar Segall
1119-}84
Engenho do Mate (Museu do Mate)
PR
Teatro São João
PR
1121-}84
Casa à Rua Santa Cruz(Warchavchik)
SP
1122-T-M
Centro Histórico de Laguna
sc
Casa do Senador Canedo
Curitiba
TO
lll$tM
1123-T.@
Lapa São Paulo Laguna
GO
Boa Vista de Golas
1124-}84
Casarãodo Chá
SP
Mogi das Cruzes
1125-T-M
Túmutado » barão de Guaratiba
RJ
Rio de Janeiro
1126-T-M
Museude Biologia ES
SantaTeresa
Prof. Mello Leitão' 1127-T-M
U
Localidade
113-FM
ConjuntoarquRetânico, urbanístico e paisagístico de São Gonçalo do Rio dasPedras
MG
1135-T.@
Conjuntoarquitetõnicodo DistHto de SantoAntõnioLisboa
sc
Florianópolis
sc sc
Flolianópolis
1136-T-85
CasaRuralda Costeirada Ribeira
1137-T-85
Ponte Hercílio Luz
1138-T-85
Palácio Cruze Souza
Serra
Caixa-d'água IReservatóriode Moca)
AM
Manaus
1128-}84
Forte São Diogo
BA
Salvador
1129-FM 1130-T-84
Coleçõesarqueológicas pe. João Alfredo Rohr Acervodo IHGB
1131 -T34
DF/SC
Florianópolís
Mercado Público
sc sc
Florianópolis
1139.T-85 1140-T-85
Casaà RuaBenfica,251
PE
Recife
1141-}85
Escola Rural e Casa do Professor
IPalácio Rosado)
SP
1120-T44
DêlmlroGouveia
Museu Paranaense jantigo Paço Munidpal)
1117-FM
Nomedo Bem
1985
1984 1109.T-M
NQProcesso
Florianópolis
sc
Tlmbó
Lassance
1142-T-85
Casa de Saúde Carlos Chagas
MG
114&T-85
Antigaestaçãoferroviária
MG
Lassance
llM-T-85
Fábrica Santa Amélia
MA
São Luís
114$T-85
Casarãode madeira RS
AntõnloPrado
114&}85
Prédio da Light
RJ
Rio de Janeiro
1147-T45
Casa à Av. dos Imigrantes, 307
RS
AntõnioPrado
114&T45
Lagoa do Abaeté
BA
114$T-85
Pintura rupestre
BA
Centrale Uibaí
Painel de gravações rupestres
MT
CoronelPonte
BA
Salvador
Iria
1150-T-85 1151-T-85
Gustavo Sampaio, 34)
Áreade Lobato(subúrbio ondepela primeira vez jorrou petróleo no Brasil}
1152-}85
Salvador
Terras de ocupação imemoHal dos grupos üibais remanescentes das grandes nações indígenas do Bmsil
1153-T-85
Casa à Rua Bahia, 1.126 (Warchavchik)
SP
São Paulo
llM-T-85
Casa à Rua ltápolis, 961 (Warchavchik)
SP
São Paulo
1155-T-85
Conjuntoarquitetõnico onde funcionou a Vinícola Luiz Antunes
RS
Caxiasdo Sul
t156-T35
Lagoa da Granja do Comari
RJ
1157-T-85
Grutade N. Srü.da Lapa
MG
1158-T-85
Arquiva dwumental, fotagrá$ca e jomaiíslico(Correio do Povo) da C;a. Ca/das Júnior
RS
Engenho Corredor (rosé Lins do Rego)
PB
Teresópolis Ouro Preto
RJ
Rio de Janeiro
Sítio Santo Antõnio da Bica
RJ
Rio de Janeiro
1159-T-85
1132-T-84
Chafariz da Praça Mahatma Gandh
RJ
Rio de Janeiro
116&T45
Parque memorial da imigração polonesa
PR
CuHtiba
1133-T44
Igreja capela N. Sr-. da Conceição
PE
1161-T.85
Igreja Matriz de Paranguaba
CE
Fortaleza
270
Recife
O PATRIAõNIO eÁ PROCESSO
ANEXOV: PROCESSOS De TOABAA[NTOABERTOSDE 1.1.1970 A 14.3.1990
PortoAlegre Pilar
271
NeProcesso
1162-T-85
1163-}85
Nomedo Bem
Imagem de Santana de Ouro Preto Centro histórico e paisagístico de São Francisco do Sul
UF
Povoadoda
MG
sc
1188-T-86
São Francisco do Sul
Serrado Mar
1165-T-85
Ponte do Imperador
RS
lvoti
1166-T-85
Ponte da Rede Ferroviária Federal
sc
Blumenau
1167-}85
Conjuntoarquitetõnicoe paisagístico da Praçada República
PE
Recite
antigo bairro do Recite e Cais Apoio
PE
Recife
1169-T-85
Sobrado dos Andradas
MG
1170-T-85
Igreja de São Sebastião
BA
1171-T-85
Pintura de Vector Meireles
sc
FloHanópolis
1172-}85
Casaâ Rua Valparaíso,86 Rio de Janeiro Rio de Janeiro
SP/PR
jque teria pertencido ao
mal. Deodoroda Fonsecal
RJ
1174-T-85
FábHcade tecidos São Luiz
SP
ltu
1175-T-85
Conjuntoarquitetânicoà Rua Barão de São Borla e à Rua Soledade
PE
Reclfe
1176-}85
Pinturas do padre Jesuíno do
São Pauloe ltu
MonteCarmelo
SP
1177-T-85
Fábricade papel Bahia
BA
1178-T-85
Anffgaestaçãolerrovfárla
MG
1179-F85
Mercadomunicipal
AM
1180-T-85
Conjunto arquitetõnico, urbanístico e paisagístico de Cuiabá
MT
1181-}85
1182-T-85
1183-T-85 1184-T-85
1185-}85 1186-T-85
1187-}85
272
MG
Gruta do TamboHI
MG
1190-}86
TeatroMunicipal
SP
1191-T-86
Capela de N. Srü. da Boa Morte
MG
Barbacena
1192-}86
Conjunto arquitetõnico e paisagístico do Porto de Manaus
AM
Manaus
1193-T-86
Arapiraca
Estátua equestre de d. Pedra l
Salvador São Jogo Nepomuceno
PB
João Pessoa
1194-F86
PalácioMaçónicodo Lavradio
RJ
Rio de Janeiro
1195-T-86
Casa de Carlos Oswald
RJ
1196-T-86
Segmento da Serrade SãoTomodas Letras
MG
1197-T-86
Casa â AK Sele de Setembro, 200
RJ
1198-T-86
Solar Games Leitão (sede do SP
GáveaGolf e CountryClub
RJ
Rio de Janeiro
1200-T-86
FazendaLordelo IMarquêsdo Paraná)
RJ
Três Rios
1201-T-86
Conjunto arquitetõnico, urbanístico e paisagístico de Penedo
AL
Penedo
1202-T-86
EngenhoCentral (segmentodo Pireneus)
MA
1203-T-86
Serrade Plrenópolis
GO
Pirenópolis
1204-T-86
MG
Além-Paraíba
120&}86
Estaçãoferroviária Casa à Rua N. Srü.da Glória
MG
Mariana
1206-}86
Pavilhão Luiz Nunes
PE
Igreja de N. Srü. do Rosário e São Benedito
GO
Luziânia
SE
Aracaju
1207-T-86
Conjuntoarquitetõnicodo casario do Portode Corumbá
MS
Corumbá
1208-T-86
Fazendado Conde de Pinhal
SP
São Carlos
Placa de ouro jhomenagema Rui Barbosa)
cantiga Casa de Detenção)
PE
sc
Blumenau
1210-}86
Obrado Berço
RJ
MG
Hradentes
1211-T-86
Conjunto arquitetõnica de
N. SF.do Ó 1212-T-86
Brasília
O PATRIAÕNIOEA PROCESSO
Pindaré-Miram
Recife
Casa de Cultura
b
Rio de Janeiro
Jacareí
Antigoprédioda deiegacia do MinistéHo da Fazenda
1209-T-86
DF
Niterói
1199-T-86
Pirenópolis
RJ
Petrópolis São Tomo das Letras
Museude Antropologiado Valedo Paraíba)
GO
Estaçãoferroviária São Jogo del-Rei Hotel CopacabanaPalace
Parque estadual do Cabo Branco
Manaus
Cuiabá
São João da Boa Vista
e da Ponta Seixas
Conjunto arquitetõnico, urbanístico e paisagístico de Pirenópolis
Ponte metálicada Rede FerroviáriaFederal sobre o rio ltajaí-açu
Água Comprida Unaí
Prédio e sede da
FazendaMelancias
Barbacena
1173-T-85
Localidade
1189-T-86
Conjuntoarquitetõnicoe paisagísticodo
RJ
UF
1986
Chapada
1164-T-85
1168-T-85
Nomedo Bem
Localidade
Recife
Rio de Janeiro
PE
Paulista
GO
Formosa
Complexo arqueológico
Lapada Pedra
ANEXO V: PROCESSOS De TOABAAÉNTO ABERTOS DE1.1.1970A 14.3.1990
273
NQProcesso
1213-T-86
1214-}86
Nomedo Bem
Área central da Praça XV e imediações
1216-T-86
Localidade
Riode Janeiro
RJ
CE
lpueiras
Conjuntoarquitetõnico, urbanístico e paisagísticodo DistHto de Ribeirãoda Ilha
sc
Florianópolis
Sítio arqueológicoDuna Grande
N
Niterói
SP
Conjuntoarquitetõnicoe paisagístico do Hotel Quitandinha
RJ
Petrópolis
1219.T-86
PonteMarechalHermes
MG
Pirapora
1220-T-86
Estrada de Ferro Madeira-Mamoré
RO
1221-T-86
Capelade N. SP. da Boa Viagem do Pasmada
1218-T-86
1222-T-86
1223-T46
Processo
Prédiodo ColégioEstadual "Cuboà Ciência'
Nomedo Bem
São Paulo
PE
lgarassu
SP
Campinas
Conjunto arquitetõnico e paisagístico do Santuário do Bom Jesus de Matosinhos
MG
1224-T-86
Casade Câmarae Cadeia
PE
1225-T-86
FazendaCapãoAlto
PR
Castra
RJ
Rio de Janeiro
1236-}87
Acervodo Seípro SewiçoFederal de Processamento de Dados
RJ
Rio de Janeiro
RJ
Rio de Janeiro
1237-T-87
Aceno do antigo BNH -
1238-T-87
Acervo do Museu de Arte e
História'Rosa Mana'
1226-}87
MG
BeloVale
1240-T-87
junto à Fazendada Boa Esperança Vila das Ferradas
BA
ltabuna
1241-T-87
FazendaSãoJosé
SP
ManteitoLobato
ISiüodo PimpauAma lo} 1242-}87
Vila operária em Fernão Velho
AL
1243-T-87
Fazenda Santa Cruz
MA
1244-F87
Casa à Rua 24 de Maio. 22
RJ
1245-T-87
Vivendade Apipucos
PE
1246.T-87
Gruta da LagoaRica
MG
Paracatu
1247-}87
Gruta da Igrejinha
MG
Ouro Preto
1248-T-87
Conjunto arquitetõnico e urbanístico de Antõnio Prado
RS
AntõnioPrado
1249-T-87
1227-}87 1228-T-87
NovaXavantina
Museuao ar livre de Odeans
e seuanHO
sc
Orleans
Sítio arqueológicona FazendaLajes
GO
Niquelândia
Conjuntopaisagístico da Praçados Melros. inclusiveseu coreto
RJ
Cantagalo
Prédiodo Fórum
RJ
Cantagalo
1231-T-87
Prédioda Câmara Municipa
RJ l
Cantagalo
1232-T-87
Fazendado Gavião
RJ
Cantagalo
1233-T-87
Conjuntoarquitetõnicoe paisagísticode Paquetá
RJ
Paquete
1229-T-87
1230-T-87
1234-T-87
274
Gruta Tocada Esperança
Buriti
Rio de Janeiro Recife
PE
Paulista
JardinsAméHca, Europa,Paulista, São Paulo
Igreja da Ordem Terceira do
Carmoe seu acervo MT
Maceió
Igreja Matriz N. SFa.dos Prazeres
e EngenhoMaranguape 1250-T-87
CasaVelhada SUDECOdo CentroOeste
Amcaju
Conjunto arquitetõnico e paisagístico
1251-T-87 SupeHntendência de Desenvolvimento
SE
1239-}87
Paulistano
1987
Localidade
Aceno da Uayd Brasileiro
Piranga
BrejoMadre de Deus
UF
1235-T87
BancoNacionalde Habitação
Aceno histórico e documental do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidadede São Pauta
t217-T-86
Ne
Igreja Matriz de São
Gonçalodos Cacos 1215-T-86
UF
1252-T-87
Vila ferroviáriade Paranapiacaba
1253-T-87
SerraDourada
1254-T-87
Orla marítima do Município do
Rio de Janeiro 1255-T-87
Igrejade São Lourenço
1256-T-87
Aldeiade Arcozelo
1257-T-87 1258-T-87
Igreja N. Slg.dos Remédios Vila da Estrelae Vila InhomiHm
1259-T-87
Reservas paleobotânicas
Santos
SantoAndré Goiás
Rio de Janeiro Goiana
Paudo Alferes lbitlara Magé
Mata
1988
Centra
O PATRIÁONIO [A
PROCESSO
1260-T-88
Acervomóvelda Light
ANEXOV: PROCESSOS Dt TOABAA[NTOABERTOS De 1.].1970 A 14.3.1990
Rio de Janeiro
275
Ne Processo
1261-T48
1262-T48
Nomedo Bem
UF
Localidade
municípiode Paranaguá
PR
Paranaguá
PalaceteArgentina
RS
PortoAlegre
AntigaCadelaPública
CE
12M-}88
Igrejade Santa Eõgênia
GO
Niquelândia
1265-T-88
Casa à Rua Ana Jesuíno, 8
RJ
Vassouras
1266-T-88
Sobradoázima Canalha cantigasede do governocivil e militarda Província)
MA
1267-T-88
Mata de Maranguape
PE
1268T-88
Cine-teatroRlo Branco
SP
1269-T-88
Igreja de N. Srü.de França
GO
lbiapina
Recife Aracaju
Corumbá
Acervode bens móveisque pertenceramà capelade N. SP. da Ajudada Fazenda
1290-T-89
Igreja de N. SP. do Rosário
MG
1291-T-89
Serrade São Domingos
MG
Poçosde Caldas
1292-T-89
Igreja de N. Srg.do Rosário
MG
LagoaSanta
1293-T-89
Igreja de N. SP. dos Remédios
TO
Arraias
1294-F89
Reservaarqueológica Arraias
Igreja Matriz do S. Sacramento Cemitério de escravos
Araxá
1297-}89
1278-T-88
Cine 9 de Abril
RJ
VoltaRedonda
1279.T48
Estúdiosda Rádio Nacional
RJ
Rio de Janeiro
1280-T-88
AntigoPrédiodo Supremo THbunalFederal
RJ
Rio de Janeiro
Campos
MG
1300-}89
Ponte Jogo Luiz Ferreira
PI
1301-T-89
Cavernas da Serra Bodoquena
MG
1302-T-89
Conjunto arquitetõnico e paisagístico de
Rio de Janeiro
Belém
SantaLuzia Carmodo Cachoeira Teresina
Bodoquena
RJ
Arraial do Cabo
do Brasil
RJ
Rio de Janeiro
1304-T-90
QuilomboVão do Moleque
GO
1305-T-90
Plano Piloto
DF
Arraial do Cabo 1990 1303-T-90
Espelho d'água e contorno da
PA
IFazenda da Chamusca)
Paracatu
Presídio do Instituto do
RJ
Pains
1299-T-89
Goiânia
RJ
Prédio do Instituto de Resseguros
Cavalcante Brasília
Casa de Anastácio Alces Braça
('0 Saranhão')
CE
ltapipoca
Conjuntoarquitetõnlcoda Praça Cruz Vermelha
RJ
Rio de Janeiro
Grutade Angicos onde moveu Lampião
276
Salvador
MG
Nortedo Estado
12M-T-88
BA
1298-T-89
Palhaça
1283-T-88
Laranjeiras
Parquee Fonte do Queimado
Tomazina
ltaberaba
1282.T-88
PE
1289-T-89
PE
sc
Baía de Guanabara
Conjunto arquitetõnico e urbanístico de Laranjeiras
IgrejaMatiz ParqueZoobotânico do Museu Paraense EmílioGoeldi
BA
1281-T-88
Riode Janeiro
1288-T-89
1296-T-89
Enseadado Brita
1277-T-88
RJ
São Félix
lguape
Cruzeiro
MG
RJ
Rio de Janeiro
São Francisco do Conde
1273-T-88
Capelade São Sebastião
RJ
BA
1272-T-88
MG
1287-T-89
Conjuntoarquitetõnlco,urbanístico e paisagísticode São Fénix InstitutoNacionalde Educação de Surdos
TO
SP
Conjuntocomplexo hidromineraldo Barreiro
Centraldo Brasil 1286-T-89
Imperial EscolaAgrícola da Bahia
Bairro Jlpovura (Katsura)
GO
Edifício d. Pedra ll e Estação
'Chapada dos Negros'
1271-T-88
1276-T-88
Localidade
1295-T-89
Pombal (Fazenda Ouro Final
1275-T-88
UF
São João del-Rei
MG
Igreja de N. St«.de Aparecida
1285-T-89
Viana
de Goiás
1274.T-88
Nomedo Bem
1989
Conjuntocentro histórico do
1263-T-88
1270.T-88
NQProcesso
SE
Canindé
O PATRIÁONIO eÁ PROCESSO
ANEXOV: PROCESSOS Dt TOABAA[NTOABERTOS De 1.1.1970 A 14.3.1990
277
ANEXO VI PROCESSOS Dt
ABERTOS Dt
Na Processo
TOABAA[NTO
1990 A 2008*
Nome do Bem
1306-T-90
Casarão Malburg
1 307-T-90
Conjunto paisagístico natural e arquitetõnico formado pelas praias do Arpoador,
Diaboe do Inferno, e pelo Forte de Copa-
UF
Localidade
sc l i-,j, RJ
Rio de Janeiro
RJ l
Rio de Janeiro
do centro histórico
PR
Lapa
1310 .T-90
Acervo integrante do Museu Villa-Lobos
RJ
Rio de Janeiro
1311 T-90
Áreas urbanas de Belterra e Fordlândia
PA
Aveiro
1312 T-90
Áreas urbanas de Belterra e Fordlândia
PA
Santarém
1313 .T-90
Igreja N. Sr'. Mãe dos Homens
AL
1314. T-90
RJ
Coqueiro Seco Rio de Janeiro
1315 ,T-90
Casa em Botafogo Pontes de ferro sobre o rio Engano
SP
Indaial
1316 .T-90
Casa da fazenda Taquaral
SP
Campinas Belém
CE
Fortaleza
1319 .T-91
Bosque Rodrigues Alves Dunas Dois aviões Catalina
PA
PA
Belém
1319 .T-91
Dois aviões Catalina
RJ
Rio de Janeiro
1320 .T-92
Palácio Tiradentes
RJ
Rio de Janeiro
1321 .T-92
Instituto de Psiquiatria no campus da Praia Vermelha da UFRJ
RJ
Rio de Janeiro
cabana, atual Museu Histórico do Exército 1308-T-90
Conjunto paisagístico natural formado
pela área da Prainha,Recreio dos Bandeirantes e Grumari 1309-T-90
1317 .T-90 1318 .T-90
Conjunto arquitetõnico e paisagístico
PI
1322-T-92
Parque Nacional da Serra da Capivara
1323-T-92
Sítios Tainhanteçu e Pequiza
MT
1324-T-92
Igreja de N. Sra. de Nazaré
PA
São Raimundo Nonato
Comodoroe Vila Bela da Santíssima Trindade Belém
Adorou-se a seguinte convenção por tipologia gráfica: negrito - tombados itálico arquivado; redondo em estudos. Foram assinalados em negrito os bens cujo tombamento foi homologada
até 2007. conforme listagem fornecida pela Copedoc/lphan. datada de 4 de março de 2008
Ne Processo
1325-T-93
t 326-T-93
327-T-93
1328-T-93 1329-T-93
Nome do Bem
UF
Localidade
Edifício Central da Universidade Federal do Paraná
Curitiba Gurinhatã
Igreja de Sãa Jerõnimo Cine-teatroCentral
Juiz de Fora
Casa da antiga agência do Banco do Brasii
Três Corações
Quilombos Oriximiná
Oriximiná
Ponte ferroviária
Quixeramobim
1355-T-95
Casa da antiga Escola de Veterinária
ChapadaDlamantina
Palmeiras
Corveta {guatemi
Belém
Casa dafazenda Registro Velho
Barbacena
Farol de Salinas
Salinópolis
1360-T-95
Lago do Pedalinho
Salinópolis
1361-T-95
Faixa iitorânea das praias de
t362-T-95
Maçarico e Atalaia Chácara da Floresta
1 363-T-95
Prédio da Escola de Equitação do Exército
Rio de Janeiro
1364-T-95
Casa no Rio Comprido
Rio de Janeiro
1330-T-93
Gruta existente no Serrote dos Morrinhos
Santa Quitéria
1358-T-95
1331-T-93
Casa do Colégio Nossa Senhora das Dores
Mirante da Av. Sete de Setembro. trecho da Ladeira da Barra
1334-T-94 1335-T-94 1336-T-94 1337-T-94
1
Buritizeiro BA
Salvador
PA
Belém
Coleção Abelardo Santos Casa onde morou e morreu Padre Cícero (Museu Padre Cícero)
CE
Juazeirodo Norte
Prédio da Delegada da Receita Federal. antiga Alfândega
SE
Aracaju
Mata da Esperança
Ilhéus
1339-T-94
Mata Atlântica
RJ
Rio de Janeiro
1340-T-94
Terreiro Filhos de Obá
SE
Laranjeiras
1341-T-94
Conjunto arquitetânico e paisagístico MG
Belo Horizonte
1342-T-94
da Pampulha Centrohistórico
MG
Cataguazes
343-T-95
357-T-95
359-T-95
Salinópolis
Rio de Janeiro
Jardim Botânico
1
365-T-96
Conjunto de edificações da Companhia de Saneamento do Amazonas Cosama
1
366-T-96
Reserva arqueológica Sambaqu de Beirada
Saquarema
1367-T-96
Conjunto paisagístico da Serra dos Cristais
Diamantina
1368-T-96
Ruínas de um paiol, quartel e casa
Morrodo PaiInácio,rlo M ambos integrantes do Parque da
1
1333-T-94
Rio de Janeiro
do Exército
Brasília
Prédio da Fundação Educacional Caio Monteiro Fujam
Localidade
1354-T-95
Sede da Associação dos Combatentes do Brasil
1 332-T-93
UF
1353-T-95
1356-T-95
Nova Friburgo
Nome do Bem
Ne Processo
1 369-T-96
1370-T-96
Conjunto arquitetõnico e paisagístico fabril
São José do Campos
Vale do Catimbau Reserva a Casa onde nasceu Antõnlo Conselheiro
PE
Buíque
CE
Quixeramoblm Campinas
do administrador
BA
ltaparica
1371 -T-96
Catedral Metropolitana de Campinas
SP
RJ
Angra dos Reis
1372-T-96
Igreja romana - Capela do Taim
RS
Rio Grande
1345-T-95
Vila junto à Escola Naval Solar Barão de Suassuí
MG
ConselheiroLafaiete
1373-T-96
1346-T-95
Ruínas da cidade de Airão
AM
Novo Airão
Conjunto arquitetõnico e paisagístico do arquipélago de Fernando de Nortenha
PE
1347-T-95
Localidade de Jericoacoara
CE
Jijoca de Jericoacoara
Fernando de Nortenha
1348-T-95
à Conjuntode cia e jardins do Museu do lpiranga,e Parqueda
SãoPaulo
1375-T-96
1 349-T-95
Teatro Municipal
SãoPaulo
1376-T-96
1350-T-95
Conjunto cultural. histórico, artístico e ambienta
1344-T-95
1351-T-95 352-T-95
280
1374-T-96
Conjunto arquitetõnlco e paisagístico formado pelos fortes de Imbuhy e Rio Branco
Niterói
Casa
Nova Friburgo da Vila de
SantoAmara
Forte do Buraco
Grão Mago Recife
Quilombo do Flecha
Mirinza
O PATRIAÕNIO [Á
1377-T-96
PROCESSO
General Câmara
Conjunto paisagístico constituído por formações geomoífológicas em monolito, conhecidos como serrotes
ANEXO Vl: PROCESSOS DeTOABA#leNTO ABERTOS De 1990 A 2004
281
Nome do Bem
Na Processo
UF
Teatro Jogo Caetano
RJ
Rio de Janeiro
1379-T-97
Conjunto arquitetõnico e paisagístico
CE
Sobram
1380-T-97
Acervo remanescente da antiga Igreja de São Sebastião
1381-T-97
Conjunto paisagístico constituído pelo Largo da Carioca e adjacências Acervo do Museu do Trem. no Engenho de Dentro
1378-T-96
1382-T-97
RJ
Rio de Janeiro
RJ
Rio de Janeiro Rio de Janeiro
RJ
t383-T-97
Rio Mucugezinho, situado no Parque Nacional da Chapada Diamantina
BA
Lençóis
1384-T-97
Conjunto paisagístico da Ilha da Trindade
ES
Vitória
1385-T-97
Conjunto paisagístico do Parque Ecológico de Preservação Ambiental e Florestal Ulisses Guimarães
GO
Goiânia
1386-T-97
Conjunto arquitetõnico do Pedregulho conjunto residencial Prefeito Mendes de Moraes
RJ
Rio de Janeiro
1387-T-97
Conjunto paisagístico constituído peia aléla de figueiras-de-pagode
RJ
1388-T-97
Campo de Sant'Ana
RJ
1389-T-97
Conjunto paisagístico
RJ
1390-T-97
Setor histórico do cemitério de Catumbi
RJ
1391-T-97
Marco comemorativo do centenário
Armaçãode Búzios Rio de Janeiro
MG
Juiz de Fora
Coleções do Museu Histórico Nacional Coleções do Museu Nacional de Belas Artes
RJ
Rlo de Janeiro
RJ
Río de Janeiro
1394-T-97
Coleções do Museu Imperial
RJ
Petrópolis
1395-T-97
Coleções do Museu da Inconfidência
MG
Ouro Preto
Coleções do Museu da República
RJ
Rio de Janeiro
1393-T-97
1396-T-97 1397-T-97 1398-T-97
1399-T-97
1400-T-97
282
Conjunto arquitetõnico e paisagístico da cidade de Marechal Deodoro Área conhecida como Jamari dos Pretos, ocupada por comunidade remanescente de quilombo Área conhecida como Mocambo. ocupada por comunidade remanescente de quilombo Áreas conhecidas como Riacho de Sacutiaba e Sacutiaba, ocupadas por comunidade remanescente de quilombo
Marechal Deodoro
BA
Wanderley
1401-T-97
Área conhecida como Castainho, ocupada por comunidade remanescente de quilombo
PE
Garanhuns Canudos
1403-T-97
Vestígios do Arraial de Canudos Morro conhecido como Pedra da Galinha Choca
PE CE
Quixadá
1404-T-97
Prédio do Palácio Anchieta
ES
Vitória
1405-T-97
Dedode Deus
RJ
Guapimirim
1406-T-97
Antigo solar na Praça Tiradentes
RJ
Rio de Janeiro
1407-T-97
Prédio da Estação Júlio Prestes
SP
São p;aDIo
1408-T-97
Local onde funcionou a primeira sinagoga do Brasil: e das Américas, conhecida como.Zur lsrael (Pedra de lsrael)
Fi'E I' Recite
1409-T-98
Área conhecida como, Parto Coriâ, ocupada por comunidãdê rernanescmte de quilambo
MG
1402-T-97
1410-T-98
Área conhecida como, lvaporanduva, ocupada por comunidade remanescente de quilombo,. no, Vale. da Ribeira
1411-T-98
SP
Lemedo Prado
i
Eídorado
Conjunto arquitetâniêo, urbanística e paiêagísttca da cidade delgatu,
iüclusiveruíhas de pedras
BA
Andaraí
Seminário
CE
Grato
1413-F98
Sé catedral
CE
Grato
1414-T:9&
Casa da cadeia pública
CE
Crato
1415-T48
Prédio da estação ferroviária
CE
Crato
141 6-T-98
Conjunto arquÊtetõntco Prédio do: Cinema Paratodos
BA
Palmeiras
RJ
Rio de Janeiro
14t8-T-98
Igreja de Nossa Senhora da Concepção
CE
Parambu
141gT-98
Prédio do Cinema Metro Boavista
RJ
Rio de Janeiro
Área ocupada por comunidade remates cente de qullombo, conhecida como Campinho da Independência Remanescentes da Estrada Real na
RJ l
Parat
Chapada Diamantina
BA
1417-T-98
MA
Turiaçu
1420-T-98
SE
Porto da Folha
t421-T-98
BA
Localidade
Áreas conhecidas como Riacho de Sacutiaba e Sacutiaba, ocupadas por comunidade remanescente de quilombo
1412-T-98'
AL
UF
1400-T-97
Rio de Janeiro Riode Janeiro
de Juiz de Fora 1392-T-97
Nome do Bem
Na Processo
Localidade
Wanderley
O PATRIAÕNIO[A
PROCESSO
ANEXO Vl: PROCESSOSDll TOABAAlINTO ABERTOS Dt 1990 A 2004
283
Ne Processo
1422-T-98
Nome do Bem
Acervo de documentos e objetos de estudo do Imperador Pedra ll acautelados no Museu Nacional e no Museu Imperial
1424-T-98
Agarro do Museu Rodovfárfode Para/puna
1425-T-98
Pergaminhos da Torah - manuscritos lvriim. do acervo do Museu Nacional
da UFRJ 1426-T-98 1427-T-98
Ilha de Campeche Prédio do Cinema Oriente
1428-T-98
Remanescentes do antigo quilombo
doAmbrósio 1429-T-98
1430-T-98
Conjunto de edificações projetadas pelo arquiteto Oscar Niemeyer, incluindo o edifício do Detran
UF
RJ
Rio de Janeiro/ Petrópolis
RJ
RJ
sc RJ MG
SP
Localidade
Riode Janeiro lbiá
1431-T-98
Capela de Nossa Senhora da Canceição
MG
Januária, Paracamb Carrancas
1432-T-98
Terreiro do Axé Opõ Afonjá
BA
Salvador
1433-T-98
Ruínas da ponte dos Dois Arcos
RS
Pelotas
1435-T-98
Estaçãoferroviária Prédio do Cinema Pathé
1436-T-98
Sítio histórico de São Jogo Marcos
1437-T-98
RJ
Níterói
1451-T-99
Conjunto arquitetõnico do Corredor da Vitória
BA
Salvador
1452-T-99
Complexo arqueológico Água Vermelha
SP
Ouroeste
Igreja matriz de Nossa Senhora da Assunção, inclusive a pintura do forro
CE
1454-T-99
Memorial Judaico
RJ
Viçosa do Ceará Vassouras
1455-T-99
Memorial Manoel Cargo
RJ
Vassouras
1456-T-99
Conjunto paisagístico da cachoeira da Fumaça
RJ
Resende
1457-T-99
Estação de hidroaviões
ES
Vitória
1458-T-99
Imagem de São José de Botas
RJ
Rio de Janeiro
1459-T-00
Terreiro do llê Opõ Ajagunã
BA
Laurode Freiras
1460-T-00
Casa grande e tulha da antiga Chácara do Paraíso das Campinas Velhas
SP
Campinas
Terreiro do llê Axé lba Ogum
BA
Salvador
1462-00
Canal artificial entre Macaé e Campos
RJ
Campos, Macaé Quissamã Carapebus
Conjunto arquitetõnico e paisagístico
1450-T-99
453-T-99
1461 -T-00
CampoGrande
do Príncipe
RJ
Rio Claro
1463-T-00
Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos
no bairroda Luz
SãoPaulo
SP
Eldorado
1464-T-00
Terreiro Casa das Minas Jeje
São Luas
1465-T-00
Igreja matriz de Nossa Senhorada
RS
1439-T-98
Sítio paleontológico Liberato Saturnino
SE
Porto Alegre Porto Redondo
1440-T-99
PontePaulo de Frontin, em Verá Cruz Casa da antiga Câmara do Grato,
RJ
Miguel Pereira
1441-T-99
CE
1442-T-99
onde funciona o Museu de Fósseis Asilo Santa lsabel
RJ
Grato Valença
1443-T-99
Parque municipal da Galheta
sc
Florianópolis
Casa na Tijuca
RJ
Riode Janeiro
Conjunto de edificações projetadas pelo arquiteto Oscar Niemeyer para o Centro Tecnológico da Aeronáutica
SP
1446-T-99
Casarão Sampaio
MG
Mário Campos
1447-T-99
Prédio da estação ferroviária
RS
Alegrete
Recinto de exposições agropecuárias
Paulode Lima Correa
Barretes
1467-T-00
Fazenda Montevidéu
Araras
1468-T-00
Conjunto urbano paisagístico voltado para a Praça da Alfândega e conjunto nas
da Praça
da Matriz 1469-T-00
Centrohistórico
1470-T-00
Sistemaviário, área e conjunto arquitetõnico da FazendaMonte Alegre e da Escola Agrícola Getúlio Varias
São José dos
O PATRIAONIO[A PROCESSO
Lima Duarte
Concepção de lbítipocae seu acervo 1466-T-00
Campos
284
Grato
RJ
Conjunto arquitetõnico da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
1445-T-99
Prédio e acervo da Casa de Memória Arnaldo Estêvão de Figueiredo Pavilhão Promotor lsmael Siriel pertencente ao Instituto Pena Vieira Ferreira Neto
Mairinque Rio de Janeiro
SP
1438-T-98
1444-T-99
Localidade
Sítio Caldeirão
São Paulo
MG
UF
1449-T-99
Riode Janeiro Florianópolís
Nome do Bem
1448-T-99
Comendador Levy Gasparian
Conjunto arqueológico e paisagístico do Vale do Peruaçu
1434-T-98
Na Processo
Incorporados à Faculdadede Medicina 1471-T-00
RS SP
PortoAlegro RibeirãoPreto
SP
Ribeirão Preto
BA
Salvador
Terreirodecandomblé llê lyá Omim Axé lyamassé
ANEXO Vl: PROC]]SSOS Dt TOABAA[NTO ABERTOS Dt 1990 A 2004
285
Nomedo Bem
Ne Processo
1472-T-OI
1473-T-OI
Bem móveis les do acervo históricode propriedade da CervejariaBrahma
UF
RJ
Rio de Janeiro
Aracaju
Conjunto arquitetõnico
Rio Tinto
1475-T-OI
Lagoa de Araruama
Araruama, lguaba Grande. São Pedra da Aldeia e Cabo
Fazenda Alto dos Bois
Angelândia
Igreja de Nossa Senhora do Desterro Estátua do Crista Redentor, no morro do Corcovado
Rio de Janeiro RJ
1479-T-OI
Vila Marzagão
MG
1480-T-OI
Edifício da antiga Repartição Central de polícia Terreiro de Alaketo
1478-T-OI
1481-T-OI 1482-T-OI 1483-T-OI 1484-T-OI
1485-T-OI
1499-T-02
lê Axé Oxumaré Centrohistórico
Maruim
Conjunto arquitetânico, urbanístico e paisagístico
Golada
MG
PB
João Pessoa
1502-T-02
Centro histórico e arquitetânico
SP
Santana de Pamaíba
1503-T-02
Igreja de São Sebastíãoem Planaltina Forte São Joaquím do Rio Branco Terreiro de culto aos ancestrais
DF RR
Distrito Federal Boa Vista
Omo llê Agbõula
BA
ltaparica
1506-T-03
Sistemade bondes de Santa Teresa
RJ
Rio de Janeiro
1507-T-03
Acervo do Museu de Imagens do RJ
Rio de Janeiro
1508-T-03
Sítio histórico e
AL
1509-T-03
TeatroCastroAlves
BA
Salvador
1510-T-03
Florestafóssil do Rio Poti
PI
Teresina
1511-T-03
Casa de Vidro. sede do Instituto
São Paulo
1514-T-03
Edifício da Bolsa Oficial do Café
Santos
TeatroOficina
São Paulo
1488-T-02
Museu de Arte Contemporânea
RJ
Niterói
1489-T-02
Conjunto histórico e urbanístico
PB
Areia
1490-T-02
Capela Crista Operário Residência cardlnalícia do Campo Grande
SP
São Paulo
515-T-04 1516-T-04
Cabo Frio
RJ
Valença São Paulo São Paulo
O PATRIÁÕNIOeA PROCESSO
Acervopaleontológico do Museu Paleontológico
da Universidade Regionaldo Cariri
CE
Santana do Cariri
1517-T-04
TerreiroTumbaJunçarada NaçãoAngola
BA
Salvado
1518-T-04
Casa onde residiu o ex-presidente da
151 9-T-04
República,VenceslauBrás GinásioSão José
1520-T-04
Salvador
RJ
SP
GO
Acervo histórico da Discoteca Oneyda Alvarenga, no Centro Cultural São Paulo, da Secretaria Municipal de Cultura
1487-T-02
Museu de Ade de São Paulo Masp: edifício e bens móveis integrados
Centrohistórico
Felixlândia
Rio de Janeiro
1495-T-02
1501-T-02
Pelotas
RJ
SP
Rio de Janeiro
1513-T-03
Casa na Estrada das Canoas
Sítio urbano do bairro do Pacaembu
Salvador
RJ
São Paulo
Salvador
1494-T-02
BA
Centrohistórico
Jundiaí
1493-T-02
Salvador
Lha Bo Bardi
BA
Contexto arquitetõnico, paisagístico e entorno da Fazenda Campos Novos Santa Casa de Misericórdia
Viçosa do Ceará
1512-T-03
SP
BA
Localidade
Acervoarquitetõnico e urbanístico aH(Hco
1504-T-02
Salvador
Igreja matriz de Nosso Senhor dos Passos
Imagem de Nossa Senhora da Piedade atribuída a Antõnio Francisco Lisboa o Aleijadinho
T
UF
1500-T-02
Rio de Janeiro
Terreiro de candomblé do Bate-Folha
286
Terreiro de candomblé
505-T-02
1486-T-OI
1492-T-02
t 498-T-02
Rio de Janeiro
Conjunto de edificações e bens móveis da Paulista de Estrada deFerro
1491-T-02
Conjuntohistóricoe ElevadorLacerda
Canoa de tolda Luzitânia, de propriedade
1474-T-OI
1477-T-OI
J
Nomedo Bem
1497-T-02
1496-T-02
da SociedadeSócio-ambiental do baixo São Francisco
1476-T-OI
Ng Processo
Localidade
f.,/
MG
ltajubá
MG
ubá ca
Sítio históricode caçaà baleia
BA
1521 -T-04
Sede da Fazenda Independência
ES
Mimoso do Sul
1522-T-05
Prédiodo Ministérioda Fazenda
RJ
Rio de Janeiro
1523-T-05
Terreiro Mokambo
Onze NguzoZa Nkisi Dandalunda Ye Tempo
BA
ANEXO Vl: PROCESSOSDE TOABÂÁeNTO ABERTOS DE 1990 A 2a04
287
Ng Processo
1524-T-05 1525-T-05 1526-T-05
Nome do Bem
Edifícios Rui Barbosa e Joaquim Nabuco (USP) Antiga sede da Fazenda Gama Mausoléu lcaro. localizado no Cemitério São João Batista
UF
N2 Processo
Localidade
{
BA
Salvador
1553-T-08
Centro histórico de Porto Nacional
TO
Porto Naciona
T554-T-08
Cidades do Piauí testemunhas da ocupação do interior do Brasil durante o século XVI Conjunto Histórico e Paisagístico de Parnaíba
Rio de Janeiro
Juiz de Fora
1555-T-08
t528-T-05
Igrejade N. S'. da Vitória
Salvador
1556-T-08
1529-T-06
Porongos, no município de Pinheiro Machado
Pinheiro Machado
1530-T-06
Complexo vulcânico de Nova lguaçu Terreirode candomblé Asé Nassó Oká llê Osun
Nova lguaçu
1531-T-06 1532-T-06 1533-T-06 1534-T-06
Cinema Rosário, no bairro de Ramos Terreiro Santo Antõnio dos Pobres lé Ogum Megegê Asé Baru Lepé Imóvel conhecido como Solar Abreu Vieira
1535-T-06
Sagihengo- área sagrada dos Povos Xingu
1536-T-06
Complexo histórico da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil
1540-T-07
Imagem de São Bonifácio, atualmente sob a g'farda do Pároco de Penalva Terrtliro Palácio de Ogum
1541-T-07 1542-T-07 1543-T-07
1544-T-07 1545-T-07
Conjunto arquitetõnlco. urbanístico e paisag.suco
Nova lguaçu Rio de Janeiro Duque de Caxias
e coleção Geyer
Lençóis
Cárceres
Niteról
Edificação sede do GRES Estação Primeira da Mangueira
Rio de Janeiro
1547-T-07
Feira de São Joaqulm
Salvado
1548-T-07
Edificações e núcleos urbanos e rurais relacionados com a imigração em Santa Catarina
1549-T-07
Casa de Chibo Mendes e seu acervo
1550-T-07
junto da Obra do Arquiteto Oscar Niemeyer Edifício Caramuru
288
São Félix
Terreiro de Candomblé do Caia Sítio Charqueador Pelotense
Pelotas
T557-T-08
Conjunto da Estação Ferroviária de Teresina
Teresina
1558-T-08
Centro histórico de Natal
Natal
1559-T-08
Acervos arquitetõnico, artístico e documental da Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia
1560-T-08
Igreja de N. S'. de Lourdes
1561-T-08
Estabelecimentodas Fazendas Nacionais do Piauí: fábrica de manteiga e queijo e estabelecimento rural São Pedra de Alcântara
BA
Salvador
P
Teresina
PI
Campinas do Piauí Floriano
f562-T-08
Conjunto histórico e paisagístico de Piracuruca
P
Piracuruca
1563-T-08
Jardins de Burie Marx no Recite
PE
Recite
1564-T-08
Sítio histórico de Caiboaté
RS
São Gabriel
1565-T-08
Bens culturais da imigração japonesa no Vale do Ribeira
SP
Registro, lguape
1566-T-08
Acervo do Museu de Artes e Ofícios
MG
Belo Horizonte
1567-T-08
Vila Serra do Navio
AP
Serra do Navio
1 568-T-08
Núcleo urbano de Santa Teresa
RS
Santa Teresa
Rio de Janeiro
1546-T-07
1551-T-08
Parnaíba
CampoGrande
Coleção de obras da produção plástica de Walter Smetak, de propriedade do espólio de Walter Smetak Conjunto arquitetõnico Praça do Caminho Niemeyer
9
Localidade
Conjunto urbano e arquitetõníco da Cidade Baixa
Pátio Urina de Creosotageme Conjunto Arquitetõnico da Estação Francisco Bernardino
1527-T-05
UF
1552-T-08
São Paulo Distrito Federal
Nome do Bem
O PATRIAÕNIO [A
PROCESSO
ANEXO Vl: PROCESSOSDe TOIKBAAlINTO ABERTOS Dl1 1990 Â 2004
289
ANEXO Vll DECRETO N-3.551,
Dt 4 Dt AGOSTO Dt 2000
Institui o registro de bens culturais de naturezaimaterial que constituempatrimónio cultural brasileiro,cria o programa nacional do património imaterial e dá outras providências.
O PRESIDENTE DA REPUBLICA, no uso da atribuiçãoque Ihe confereo Artigo 84, incisa IV, e tendo om vista o disposto no Artigo 14 da Lei n' 9.649, de
27 de maio de 1998, Decreta:
Art. I'. Fica instituído o Reglstro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que
constituem património cultural brasileiro.
$ 1'. Esse registrose fará em um dos seguinteslivros: 1 - Livro de Registro dos Saberes, onde serão inscritos conhecimentos e mo-
dos de fazer enraizados no cotidiano das comunidadesl 11- Livro de Registro das Celebrações, onde serão inscritos rituais e festas
que marcam a vivência coletiva do trabalho, da religiosidade,do
entretenimento e de outraspráticasda vida sociall 111- Livro de Registro das Formas de Exprossão, onde serão inscritas manifestaçõos literárias, musicais. plásticas, cênicas e lúdicasl IV - Livro de Regístro dos Lugares, onde serão inscritos mercados, feiras, san-
tuários, praças e demais espaços onde se concentram e reproduzem práticas culturais coletivas $ 2'. A inscrição num dos livros de registro terá sempre como referência a continuidade histórica do bem e sua relevância nacional para a memória
a identidade e a formação da sociedade brasileira. $ 3'. Outros livros de registro poderão ser abertos para a Inscriçãode bens culturais de natureza imaterial que constituam património cultural brasileiro e não se enquadrem nos livros definidos no parágrafo primeiro deste artigo.
Parágrafo único. Caberá ao Conselho Consultivo do Património Cultural deter-
Art. 2'. São partes legítimas para provocar a instauração do processo de
minar a abertura, quando for o caso, de novo Livro de Registro, em
registro:
atendimentoao disposto nos termos do $ 3' do Artigo I' deste decreto.
1 - o Ministro de Estado da Cultural
- instituições vinculadas ao Ministério da Cultural 111 - Secretarias de Estado, de Município e do Distrito Federal;
Art. 6'. Ao Ministério da Cultura cabe assegurar ao bem registrado:
11
1 - documentaçãopor todos os meios técnicos admitidos, cabendo ao lphan manter banco de dados com o material produzido durante a instrução do
IV - sociedades ou associações civis.
processo.
Art. 3'. As propostas para registro, acompanhadas de sua documentação
11- ampla divulgação e promoção.
técnica, serão dirigidas ao Presidente do Instituto do Património Histórico e Artístico Nacional - lphan, que as submeterá ao Conselho Consultivo do Património Cultural.
i
r
Art. 7'.l O lphan fará a reavaliaçãodos bens culturais registrados,pelo menos a cada dez anos, e a encaminhará ao Conselho Consultivo do Património Cultural
para decidir sobre a revalidaçãodo título de Património Cultural do Brasil.
$ 1'. A instrução dos processos de registro será supervisionada pelo lphan.
Parágrafoúnico. Negadaa revalidação,será mantido apenas o registro, como
$ 2'. A instrução constará de descrição pormenorizadado bem a ser regis-
referênciacultural de seu tempo.
trado. acompanhadada documentação correspondente. e deverá mencionar
todos os elementos que Ihe sejam culturalmente relevantes.
Art. 8'. Fica instituído, no âmbito do Ministério da Cultura, o Programa Nacio-
tério da Cultura, pelas unidades do lphan ou por entidade, pública ou pri-
nal do PatrimónioImaterial,visandoà implementaçãode políticaespecíficade inventário, referenciamentoe valorizaçãodesse património.
vada, que detenha conhecimentos específicos sobre a matéria, nos termos
Parágrafo único. O Ministério da Cultura estabelecerá, no prazo de noventa
do regulamento a ser expedido pelo Conselho Consultivo do Património
dias. as bases para o desenvolvimento do Programade que trata este
Cultural.
artigo.
$ 3'. A instruçãodos processospoderá ser feita por outros órgãos do Minis-
$ 4'. Ultimada a instrução, o lphan emitirá parecer acerca da proposta de
Art. 9'. Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.
registro e enviará o processo ao Conselho Consultivo do Património Brasília. 4 de agosto de 20001 179' da Independência e 112' da República
Cultural, para deliberação.
Ferrando Henrique Cardoso
$ 5'. O parecor de que trata o parágrafo anterior será publicado no DIárIo
Francisco Weffort
O#cia/ da União, para eventuais manifestaçõessobre o registro, que deve-
rão ser apresentadas ao Conselho Consultivo do Património Cultural no prazo de até trinta dias, contados da data de publicação do parecer. Art. 4'. O processo de registro, já instruído com as eventuais manifestações
apresentadas, será levado à decisão do Conselho Consultivo do Património Cultural.
SBD/FFLCH/USP
Art, 5'. Em caso de decisão favorável do Conselho Consultivodo Património
Bib. Fiorestan Fernandes
Cultural,o bom será inscrito no livro correspondentee receberá o título de Património Cultural do Brasil.
Proa. /N.USP N.F.
292
O PATRIAÕNIO[A
Tombo:
3509G7
Aquisição: Reposição/
ANEXO Vll: D]]CR]ITO N' 3.551, D]1 4 Dt AGOSTO DÉ 2000
PROCESSO 'f
/ R$
5723684 39,00 26/5/2011
293
ANEXO Vlll BENS REGISTRADOS Dt
2002 A 2008
2002 Ofício das paneleiras de Goiabeiras IES)
Arte kusiwa: pintura corporal e arte gráfica wajãpi(AP) 2004 Círio de Nossa Senhorade Nazaré(PA) Samba de roda do Recôncavo Baiana IBA)
2005 Modo de fazer viola-de-cacho(MT. MS) Ofício das baianas de acarajé IBAI
Jongono Sudeste (RJ,SP,ES) 2006 Cachoeirade lauaretê:lugar sagrado dos povos indígenasdos rios Uaupés e Papuri IAMI
Feirade CaruaruIPE) 2007
Frevo(PEI Tambor de crioula IMA) Matrizes do samba no Rio de Janeiro: partido-alto, samba de terreiro e samba-enredo IRJ)
2008 Modo artesanal de fazer queijo-de-minas, nas regiões do Serro e das serras da Canastra
e do SalitreIMGI Roda de capoeira e ofício dos mestres de capoeira Modo de fazer renda irlandesa, tendo como referência este ofício em Divina Pastora ISE)
ANEXO IX BENSCULTURAIS [ NATURAISDO BRASIL INSCRITOS NA LISTA DO PATRIAÕNIOCULTURALMUNDIAL DA UN[SCO*
Cidade Histórica de Ouro Preto, MG (1980) C Centro Histórico da Cidade de Olinda, PE (1982) C Ruínas de São Miguel das Missões, RS (1984) C Centro Histórico de Salvador, BA (1985) C
Santuário de Bom Jesus do Matosinhos, Congonhas do Campo, MG 11985) c
Parque Nacional do lguaçu, PR (19861 /V
Brasília,DF (1987) C Parque Nacional da Serra da Capivara. PI (1991) C Centro Histórico de São Luas, MA (19971 C Costa do Descobrimento- reservas da Mata Atlântica, BA (1999) A/ Mata Atlântica - reservas do Sudeste, SP e PR (1999) A/ Centro Histórico da cidade de Diamantina, MG (1999) C Parque Nacional Jaú, AM (2000) N
Área de conservaçãodo Pantanal,MT e MS (2000) N Ilhas atlânticas brasileiras:as reservas de Fernando de Noronha e do atol das Rocas, PE e RN (2001) N Áreas protegidas do Cerrado: parques nacionais Chapada dos Veadeiros e Emas. GO (2001) N Centro Histórico da cidade de Golas. GO (2001) C
Até dezembrode 2008. A letra C indica bens culturaisl a letra N indica os naturais