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Fadiga em Combate – Por Heitor Freire de Abreu –Cap Cav
FADIGA EM COMBATE SEUS HOMENS ESTÃO PREPARADOS PARA COMBATER CONTINUAMENTE? Por Heitor Freire de Abreu – Cap Cav “A guerra é o domínio do esforço físico e do sofrimento. Para um homem não ser dominado por estes aspectos, ele precisa possuir uma certa força física e mental, inata ou adquirida, que o torna indiferente a eles.” Clausewitz, Da Guerra, vol I, capítulo 3.
Introdução O sono é um estado fisiológico, periódico e reversível, caracterizado essencialmente pela suspensão temporária da consciência e acompanhado por uma inibição mais ou menos importante da sensibilidade e lentidão das funções orgânicas, inclusive com o decréscimo da temperatura corporal em cerca de 0,5ºC. Ele é responsável por uma espécie de “recarga” do organismo, preparando-o para um novo período de estado de alerta. Além disso, sabe-se que a perda de qualquer uma das cinco fases do sono, provoca reações diferentes no homem. Se uma pessoa perde a fase relacionada com os sonhos1 ela se torna irritada e excitada. O mesmo acontece quando ela é privada da fase caracterizada por uma baixa freqüência das ondas cerebrais, deixando a pessoa deprimida e letárgica. Quando não proporcionamos ao corpo a necessária “recarga” ou sono, ele começa a externar a falta de repouso através de sinais mais ou menos perceptíveis. A falta de sono, o estresse, a ausência de alimentação ou alimentação incorreta, causa o que chamamos de “Fadiga de Combate”. De todos esses, o sono é o que mais degenera a capacidade do homem de combater. A fadiga durante o combate atinge todos os combatentes, em maior ou menor grau. Manter os homens acordados e atentos, mesmo na iminência de morrer, pode se tornar uma tarefa difícil após os primeiros dias de combate. Atualmente, as doutrinas militares apostam nas chamadas “Operações Continuadas”. Elas são uma evolução dos conflitos mundiais, onde o tempo de combate era excessivamente grande. Visam, sobretudo, o combate rápido e decisivo. Conflitos que durem tanto tempo quanto à 2ª Guerra Mundial (1939-1945), Coréia (1950-1953), Vietnã (1957-1975), Irã x Iraque (1980-1988), são cada vez menos comuns. As guerras tendem a ser resolvidas em pouco tempo. A Guerra contra Saddam Hussein e o atual conflito contra os Talibãs são exemplos que refletem a tendência agressiva e fulminante dos combates atuais. A idéia de transformar as guerras em confrontos rápidos e letais não é nova. Muitas idéias, principalmente de teóricos americanos, russos e alemães, preconizavam esse tipo de confronto. Essas teorias foram sintetizadas no FM 105 – Operations, do Ex EUA, publicados em 1984 – já modificado 1
Conhecida pela sigla em inglês (Rapid Eye Movements), que quer dizer Movimento Rápido dos Olhos.
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diversas vezes – que sintetizou a chamada “Doutrina Ar-terra dos EUA”. Isso só foi possível com o advento da guerra tridimensional e a chegada de novos equipamentos que possibilitam o combate continuado. Com isso, novas doutrinas e técnicas estão sendo implementadas no sentido de manter uma tropa em combate durante as vinte e quatro horas do dia. Em 1954, a então União Soviética2 já estudava o assunto. O resultado dessa análise preconizava os seguintes imperativos doutrinários para as forças armadas russas: # ataques com grande velocidade e continuados, mediante ao emprego de dois escalões na força atacante, sempre apoiados por elementos blindados a fim de manter a velocidade inicial; # ênfase na velocidade e no poder de choque em detrimento do fogo e da manobra; # velocidade de progressão de 60 a 100 quilômetros por dia, em situação nuclear; e de 30 a 50 quilômetros por dia em um quadro convencional; # deslocamentos diurnos e noturnos na mesma velocidade; # utilização em larga escala de equipamentos de visão noturna3 e # desbordamentos de pontos fortes e grande penetração em profundidade no dispositivo inimigo. Tal quadro, proposto em 1954, é a tônica das doutrinas atuais, notadamente as ocidentais. Elas apontam para guerras de curta duração, mas de intensidade nunca vistas, pois não há a previsão da interrupção dos combates até a vitória final. Paradas por causa do inverno, má visibilidade ou outras causas, tornar-se-ão improváveis no campo de batalha moderno. Os equipamentos, as vestimentas, o apoio logístico intenso e os armamentos sofisticados tornam desnecessárias as “paradas” de outrora. Sono versus Desempenho O novo manual de Operações C 100-5 do Exército Brasileiro, editado em 1997 - francamente inspirado na doutrina de batalha ar-terra dos EUA - quando trata dos conceitos operacionais e guerra de movimento, preconiza que o combate continuado deve ser perseguido pelo Exército Brasileiro. Isso demonstra a preocupação do EB em enfrentar situações de contingências de forma rápida e decisiva, seguindo a tendência atual. Mas para que esse objetivo seja alcançado, é necessário que o soldado seja capaz de manter sua capacidade operacional; ou seja, mesmo com sono ele deve ser capaz de executar as tarefas que dele são esperadas. Isso não é fácil. Segundo Kellet4, durante a Guerra da Coréia verificou-se que uma companhia do 27º Batalhão de Infantaria dos EUA, apesar de ter homens em bom estado físico, experimentados e o ataque que 2
Estudo realizado pela URSS em 1954 que visava preparar a nova doutrina soviética contra uma possível agressão por parte da OTAN. Privilegiava, para isso, as imensas formações de blindados. Nota do autor (NA) 3 A URSS, naquela época, já desenvolvia projetos diversos sobre aparelhos optrônicos. Tinha como vantagem o baixo preço, mas a precariedade da tecnologia empregada e a baixa qualidade logo perderam para os equipamentos ocidentais.NA
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estavam realizando ser curto, após decorridas três horas de ataque, o maior problema para os oficiais e sargentos não era coordenar o ataque, mas sim manter os homens acordados, face a fadiga dos soldados. Verifica-se ainda, fruto da análise de Kellet, quando estuda as atuações das Forças Especiais de Israel, dos EUA e do Reino Unido, que há uma tendência das tropas especiais em adormecer em ação. Isso se deve ao fato delas tornarem-se excitadas nas vésperas de um assalto e não conseguirem dormir. Após se infiltrarem, nota-se que estas podem tender a ter sono rapidamente, mesmo estando em uma área de alto risco. A Experiência de Israel e da Argentina Mas, se um exército possui armamento, equipamento e material diverso apropriados para ações continuadas, não deve esquecer-se do seu principal meio de combate: o homem. A carga de trabalho, a pressão psicológica e a fadiga conseqüente irão se abater sobre esse “combatente continuado” de forma jamais vista. A Guerra do Yom Kippur é célebre pelos exemplos de combate continuado. A fortificação de Purkan, defronte de Ismaília, resistiu, continuamente e sem dormir, por 68 horas de combate. Numa outra oportunidade, o TC Avigdor, comandante da 7ª Brigada Israelense, travou um dos mais sangrentos combates do Yom Kippur. Nesta oportunidade, o combate continuado foi a tônica. Numa 2ª feira, a sua brigada enfrentara um poderoso ataque da 3ª Divisão Blindada e da 7ª Divisão de Infantaria, ambas sírias, além de elementos da Guarda Republicana do Egito. Ao final daquele dia, suas tropas estavam esgotadas. Havia três dias que combatiam sem parar. Não existia tempo para comer, para dormir ou qualquer outra atividade que não fosse lutar. Ele sabia que mais cedo ou mais tarde, sua linha de defesa iria cair. Além da superioridade em carros, os sírios e egípcios possuíam equipamentos de visão noturna e os israelenses não5. Isso implicava em combates continuados. Na manhã de 3ª feira, verificou que sua tropa estava em situação desesperadora. Nesse momento, seu carro foi atingido e ele foi ferido. Abandonou o carro e subiu em um outro. Era o segundo carro que perdera naqueles dias. Pouco tempo depois recebeu um chamado da Força Tigre, solicitando autorização para retrair e remuniciar, pois se encontravam quase sem munição. Não havia tempo para isso. Avigdor não autorizou (quando, mais tarde os reforços chegaram, encontram, incrédulos, os homens da Força Tigre combatendo atrás dos carros, com fuzis e granadas de mão). Disse que só poderia retrair quando cada carro tivesse somente um tiro.
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KELLET, Anthony. Motivação para o Combate. Rio de Janeiro: Bibliex, 1987. HERZOG, Chaim. A Guerra do Yom Kippur. Rio de Janeiro: Bibliex, 1977.
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Após uma análise rápida, decidiu que a única saída seria um contra-ataque de desorganização, a fim de atrasar as forças sírias e egípcias. A confusão era tamanha que a distância entre os carros contendores estava entre 50 a 27 metros! A capacidade mental e física das guarnições israelenses era mínima. Apoio ao combate e logístico não existiam mais. Chegavam a quatro noites de luta, ininterruptas. O cansaço era tanto que quando Avigdor falava com o seu oficial de operações, este adormeceu no rádio. Foi neste momento que o TC Yossi, comandando o que restara da Brigada Barak (11 carros), penetrou na defesa de Avigdor e proporcionou-lhe algum reforço. A 7ª Brigada encontrava-se com apenas sete carros dos cem iniciais. Neste momento, observadores israelenses verificaram que os sírios estavam recuando. Tiveram que deter o ataque, pois as perdas estavam sendo inaceitáveis para as forças atacantes. O que sobrou da 7ª Brigada mais as tropas da Brigada Barak, indo contra qualquer lógica, deflagraram um pequeno contra-ataque contra as forças sírias que se retiravam. Destruíram ainda, carros e transportes inimigos. Ao atingir um fosso anticarro, pararam o contra-ataque. A 7ª Brigada atingira o limite das possibilidades física e mental dos seus homens e mecânicas dos carros. O recente conflito pela posse das Ilhas Malvinas/ Falklands, também é bastante elucidativo nesta área. O trecho a seguir, nos dá uma idéia de como a fadiga pode gerar perda de poder de combate: “3) Situación de personal. Al 14 Jun la Guarnición, de 955 efectivos (46 Jefes y Oficiales, 166 Suboficiales y 746 Soldados), tiene 7 muertos y 70 heridos. Además de éstas, el RI 5 (+) presenta bajas no producidas en combate, sino resultentes del paulatino y progresivo debilitamiento físico del personal. Este debilitamiento es producido por las inclemencias del tiempo, los esfúerzos en los desplazamientos que impone el terreno sumamente escabroso, y especialmente, por la carencia, en período prolongado, de hidratos de carbono en la alimentación diaria(...). Por lo enunciado anteriormente, a la fecha considerada, el personal presenta uma sensible disminución en su capacidad combateiva.”6 (grifos do autor). Verifica-se que apesar do RI 5 Argentino possuir 92% da sua tropa viva e sem ferimentos, ela já havia perdido boa parte do seu poder de combate face a fadiga. Pesquisas sobre o Sono e a Fadiga Modernamente, fruto das pesquisas realizadas pelos diversos centros mundiais que atuam no sono, verifica-se que a privação do sono pode ter conseqüências diferentes em cada indivíduo. Uma
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Informe Oficial del Ejército Argentino, Conflicto Malvinas, 1983, pg 122 ( Situación de la Guarnición Militar Malvinas al 141030Jun82).
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delas é que quanto mais tempo o homem fica sem dormir, mais sua atividade metabólica é reduzida. Ou seja, as transformações químicas e físico-químicas do organismo começam a ser prejudicadas. Outro aspecto que dificulta uma sistematização de ações a realizar a fim de diminuir os efeitos da fadiga em tropas em combate, é que segundo estudos realizados pelos EUA, os indivíduos respondem de forma diferente a um mesmo período de tempo de privação do sono. Contudo, sabe-se que o fator moral é uma variável importante quando se trata de minimizar os efeitos maléficos da fadiga em combate. Avanços rápidos, objetivos conquistados conforme o planejado, confiança nos chefes e certeza da vitória, podem minimizar tais efeitos, na medida em que excitam positivamente a tropa e a coloca num estado de ânimo que supera o cansaço físico. O Exército Britânico realizou, em 1976, uma experiência interessante sobre o efeito da falta de sono em combate. A primeira parte chamou-se Antecipada nº 1. Suas conclusões demonstram que soldados que dormiam três horas por noite, permaneciam eficientes por nove dias ou mais; os que dormiam uma hora e meia por noite, eram eficientes por apenas cinco dias. Os soldados que nada dormiam, perdiam sua eficiência em parcos três dias. Na segunda experiência, chamada Antecipada nº 2 (nessa oportunidade não houve intervalo de sono), os homens deixaram de ser considerados como força eficiente após 68 horas sem dormir. Ao contrário do que se pensa, a perda da eficiência física foi mínima. O que os tornou pouco eficiente foi o comportamento inapropriado e irracional. Verificou-se, neste exercício, que todos os indivíduos que participaram da experiência, relataram alucinações visuais depois de 72 a 96 horas sem dormir. Vale ressaltar que tais alucinações foram mais intensas quando os indivíduos estavam sós ou isolados socialmente. Disso, resultou que o Dr. Belenky do Instituto do Exército Walter Reed, concluiu que apoio social e estímulo sensorial são importantes na manutenção do comportamento normal dos indivíduos cansados e estressados.7 A fadiga trás outros efeitos, além de homens adormecendo em combate. Diminuição na aceitação de riscos, moral baixo, questionamento da liderança, planejamentos equivocados e mal feitos, pânico, são alguns. Vejamos um exemplo real de pânico para que possamos ter uma pequena idéia sobre o assunto: “Durante a retirada do 1º Corpo da Birmânia, em 1942, uma patrulha inimiga de inquietação logrou infiltrar-se através do dispositivo de segurança e jogou granadas nas proximidades do quartelgeneral (QG). O pessoal que trabalhava no QG tinha de ficar de pé parte da noite pois o pelotão de birmaneses que dava guarda às instalações havia desertado. Durante a noite, um sargento de artilharia foi acordado por uma pancada forte e repentina. Estonteado de sono, entrou em pânico e correu para o seu chefe e ofegante informou que “A bateria foi tomada. Estão todos mortos; o armamento foi perdido”. E caiu sem sentidos. Na verdade, nada havia acontecido à bateria. “ Kellet, pg 260 7
Citado por Kellet
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Tais atitudes equivocadas podem acontecer com homens experimentados e de competência inquestionável. “Na retirada que se seguiu à Batalha de Cateau (Ago-Set 1914), os exaustos remanescentes de dois batalhões de tropa regular da 4ª Divisão Inglesa encontravam-se perto de Saint Quentin, com moral muito baixo. Os comandantes dos dois batalhões, também muito abatidos, estavam procurando posições defensivas quando o prefeito se aproximou e pediu-lhes para que poupassem a cidade de ser bombardeada. Quando foi informado de que os homens estavam muito cansados para prosseguir a marcha, o prefeito sugeriu que os dois batalhões se rendessem. Os dois coronéis, quase em estado de choque, concordaram, e a tropa ensarilhou as armas e esperou. Entretanto, pouco depois, apareceu um destacamento de cavalaria , também inglês, e seu comandante cancelou a rendição e pôs os remanescentes (alguns estavam relutantes) em marcha. Finalmente a tropa conseguiu se reunir ao grosso do exército. Os dois comandantes foram destituídos. Eram ambos oficiais experientes. Um deles mais tarde incorporou-se à Legião Estrangeira francesa onde serviu durante toda a guerra, perdeu uma perna e recebeu duas condecorações por atos de heroísmo. É muito provável que a decisão deles tenha sido influenciada pela exaustão em que se encontravam.”8 Dos textos acima, verifica-se que a fadiga pode gerar comportamentos inesperados e distantes da realidade. Disso resulta que um comandante, sabendo que a tropa a ele subordinada está sob duras condições de fadiga, deve sempre confirmar as informações emanadas por ela, preferencialmente com ele próprio presente. Uma informação incorreta por motivo de fadiga, pode levar um comandante a tomar decisões extremamente infelizes. É importante saber que tropas fatigadas têm a tendência de exagerar suas deficiências e aumentar as possibilidades do inimigo. A Fadiga e suas conseqüências Fora os problemas logísticos de vulto que irão ocorrer, os problemas de fadiga, baixas psiquiátricas e outros relacionados com o desgaste físico e psicológico aumentarão exponencialmente. As causas da fadiga são muitas: desgaste emocional, baixa ingestão de calorias, esforço físico vigoroso, fuga de uma situação crítica de perigo e a própria privação do sono por longos períodos. As pesquisas sobre o sono remontam desde a década de 20.9 Diversas experiências foram feitas para verificar a reação do ser humano sob condições de pouco sono. Uma das mais famosas, foi a realizada por Nathaniel Kleitman e Bruce Richardson. Ambos viveram 32 dias em uma caverna totalmente escura, em Kentucky. Dentro da caverna, de forma propositada, o ciclo de claridade e escuridão era de 19 horas acordados e 9 horas dormindo, num total de 28 horas por “dia”. Os resultados mostraram que Kleitman manteve-se obediente ao ciclo de 24 horas e Richardson adaptouse ao ciclo de 28 horas. Mais tarde, verificou-se que Richardson era um caso atípico. A norma para a 8
Kellet, pg 261. A falta de Sono e suas conseqüências em Combate. Major Ex EUA Henry L. Thompson. Military Review, 3º Trim 1984. 9
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grande maioria das pessoas é manter o ritmo de 24 h, independente das alterações externas. É o relógio biológico agindo. Fruto de inúmeras experiências, inclusive realizadas no Instituto de Ciências Sociais e do Comportamento do Exército dos EUA e pelo Instituto de Pesquisa Walter Reed, também do Ex EUA, chegou-se às seguintes conclusões sobre privação do sono: # a falta de sono atua como depressivo geral para o cérebro, com mais erros de omissão do que de ação; # a capacidade de decodificar dados é seriamente prejudicada; # a capacidade de raciocínio lógico é debilitada; # a articulação de mensagens (comunicação) é seriamente afetada; # há mudanças significativas de temperamento ( depressão, raiva, euforia); # tornam-se difíceis tarefas que exigem precisão (locação de coordenadas, codificação e decodificação de mensagens cifradas); # as deficiências advindas da privação do sono são cumulativas; ou seja elas tendem a aumentar a cada ciclo de 24 horas que o indivíduo não dorme direito; # os aspectos de tensão, falta de alimentação correta e outros ampliam geometricamente as conseqüências da falta de sono; # há uma tendência a tornar os indivíduos mais lentos; ou seja, as respostas serão mais vagarosas, mesmo as físicas e # o preparo físico tem relativa importância quando se trata da privação do sono, principalmente nas primeiras 72 horas em as operações continuadas. Contudo, em períodos maiores que 72 horas, um bom preparo físico pode ser atenuante no que se refere às conseqüências da falta de sono. O Comandante Precisa Dormir! Outra idéia importante, diz que os chefes são os que sofrem maior degeneração. Sendo assim, são os mais necessitados de sono para evitar que tomem decisões erradas causadas por privação de sono. Embora a formação da maioria dos exércitos preconize a presença quase divina dos chefes, transformando-os em seres invulneráveis ao sono, a fome e a fadiga, isso não é uma verdade. Os chefes, assim como os soldados, sofrem da mesma maneira os problemas biológicos e fisiológicos da fadiga. A tentativa de manter-se acordado por longos períodos, notadamente por parte de oficiais e sargentos, pode ser uma armadilha. Essa crença de invulnerabilidade é fantasiosa. Em parte, deve-se ao fato de que as batalhas antigas eram caracterizadas por curta duração e longos períodos de descanso, possibilitando que o comandante pudesse realmente estar em todas as fases do combate, pois
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sabia que haveria um tempo de descanso no futuro. Isso foi passando de geração em geração, como uma tradição e ponto de honra para um bom comandante em qualquer nível. Entretanto, no campo de batalha moderno, sabe-se que embora as guerras sejam de curta duração, os combates serão de longa duração, por dias a fio, sem diferenciação de noite ou dia. Isso obriga uma postura diferente dos comandantes no que se refere ao descanso e às medidas contra a fadiga. Isso significa cercar-se de bons auxiliares e saber delegar decisões a eles. O comandante moderno não poderá estar presente 24 h por dia em todos os lugares, e nem o seu subordinado poderá exigir isso dele. Há ainda muita mitificação a respeito dos grande generais. Será que Napoleão, Montgomery e tantos outros passaram toda a sua vida de campanha sem dormir direito? Os textos abaixo nos mostram a realidade. “ A privação do sono afetava todo mundo, dos mais modestos aos de patente mais elevada, com uma exceção – o General Montgomery. Durante toda a retirada ele insistia em fazer as refeições nas horas certas e nunca deixou de dormir à noite. Por isso, quando chegamos a Dunquerque ele estava tão bem como quando partimos.”10 Relato do Gen Horrocks, do Ex Britânico. O Gen Slim, também do Ex Britânico, se deitava às 22h00 e se alguém o acordasse por qualquer razão que não fosse importante, era chamado a atenção. No seu livro Courage and other Broadcasts, ele diz: “Vi muitos companheiros fraquejarem sob as grandes tensões em campanha por não compreenderem que, se é preciso continuar, deve-se ter tempo para pensar e para descansar, sem interrupções...os generais que estão ocupados o dia inteiro e parte da noite, alvoroçados em dispor pelotões e preparar gráficos de marcha, deixam exaustos não só os subordinados como também eles próprios. De forma que quando surgem as emergências não dispões do necessário vigor que lhes permitiria, se necessário, permanecer vários dias sem descansar ou dormir”.11(grifo do autor) Segundo Freitag-Loringhoven12, Napoleão também dormia com certa disciplina durante suas batalhas: “A vida de Napoleão após uma campanha é um bom exemplo do equilíbrio que um comandante deve imprimir entre as necessidades de sua tropas e as suas necessidades pessoais. Ele, geralmente, dormia muito cedo e estava pronto, na manhã seguinte, para, quando chegavam os relatórios das Unidades de tropas distantes, dar suas ordens finais.”13
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Kellet, pg 261 Kellet, pg 261
FREYTAG-LORINGHOVEN, Hugo von. O Poder da Personalidade na Guerra. Rio de Janeiro: Bibliex, 1986. 13
O Poder da Personalidade na Guerra. Hugo Von Freitag-Loringhoven, pg 53.
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Os Estados-Maiores também são vitimas desse equívoco. Muitos deles tendem a ficar com todos os seus integrantes acordados durante toda a noite, acompanhando o desenrolar dos combates. Esquecem-se de que a sua parte já foi feita durante o planejamento. A partir do início das operações, a responsabilidade e o peso do êxito está pendendo para aquelas tropas que executam. Pouco poderão fazer nesta fase. Durante os diversos Jogos de Guerra - ou simulação do combate - dos quais participei, pude verificar essa tendência errônea em se permanecer acordado praticamente durante todo o tempo. Ficávamos horas a fio – do Cmt ao sargento auxiliar - mesmo sem ter muito o que fazer, acordados ou adormecidos sobre mesas. Sempre questionei tal procedimento, haja vista que em certos momentos, bastaria um oficial de estado-maior e um sargento auxiliar acompanhando o desenrolar do combate e emitindo as ordens rotineiras de coordenação para as subunidades envolvidas. O resultado era o de que quando havia uma situação de crise (conduta) – exigindo a intervenção do comandante - estávamos cansados e acabávamos não respondendo da melhor maneira ou deixávamos de utilizar a nossa máxima capacidade de assessoramento ao processo decisório. Minimizando os Efeitos da Fadiga Fruto dessas conseqüências, verifica-se, ainda embasados nos estudos supracitados, que algumas medidas podem ser tomadas por comandantes que tenham tropas sob condições de fadiga. Embora tradicionalmente haja uma certa preferência por turnos de 1 ou 2 horas, os turnos de 4 horas de descanso e 4 de trabalho são os mais apropriados para uma melhor recuperação do combatente, principalmente para os que desempenham tarefas de planejamento. Outra importante medida deve ser a de que os militares com maiores responsabilidades de comando e planejamento, durmam no período compreendido entre 03h00 e 06h00. Isto se deve ao fato de que o ponto mais baixo de desempenho de um ser humano, de maneira geral, situa-se neste horário. Ora, se sabemos que estaremos debilitados neste horário, nada mais lógico do que dormir neste intervalo e aproveitar-se o ápice do desempenho (entre 12h00 e 21h00) para realizar tarefas que exijam maior atenção e concentração. Além disso, devemos ter noção de quanto tempo um homem precisa para se restabelecer suas forças após operações de longa duração.
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Thompson nos propõe um interessante quadro sobre o tempo necessário para a recuperação do sono em ambiente de combate: HORAS DE PRIVAÇÃO
HORAS PARA RECUPERAÇÃO
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As horas de recuperação aqui mostradas representam o período de tempo em um ciclo de sono “normal”( de 6 a 8 horas diárias). Quadro 01 Tempo de Recuperação
Conclusão Verifica-se, por fim, que a fadiga é inerente ao combate. Ela envolve todos, desde os mais modernos aos mais experimentados. Nos dias de hoje, onde o combate continuado, por dias ininterruptos de refrega, é a tônica, o cuidado e a maneira correta em se minimizar os seus efeitos devem ser objeto de estudo dos exércitos. É necessário que haja um entendimento geral de que o sono é uma necessidade fisiológica do homem e que a sua falta poderá trazer prejuízos para uma operação inteira. Não deve ser considerado vergonhoso um soldado dormir por curtos períodos durante um ciclo de 24 horas. É dever dos comandantes proporcionar esse tipo de repouso aos homens nos momentos em que isso for possível. Além disso, é importante que todos os que detenham funções de comando (oficiais e sargentos), conheçam um pouco sobre a fadiga, suas conseqüências e maneiras de evitar a perda prematura de eficiência. Algumas horas de sono, alimentação correta, turnos divididos de 4 em 4 horas, moral elevado e conhecimento dos sintomas da fadiga são algumas soluções simples e possíveis de serem realizadas. Aos comandantes de mais alto nível, cresce de importância a preocupação com suas condições mentais e físicas durante uma batalha. Eles devem ser poupados de detalhes irrelevantes pelo seu estado-maior, a fim de que o chefe possa estar alerta e 100% eficiente para tomar as decisões que repercutam profundamente entre a vitória e a derrota. Vale, como conclusão, as palavras de Richardson, em 1978, quando este era oficial médico do Exército dos EUA e alertava o comando superior sobre problemas de fadiga em combate. Ele dizia que havia a necessidade de que os comandantes descansassem, em todos os níveis, deixando parte do processo decisório aos seus subcomandantes. “A não ser que – acrescentava ele – esteja-se buscando os elos fracos para rompê-los”.
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