ENSINO SUPERIOR NO BRASIL
Eunice Ribeiro Durham é professora emérita e aposentada de antropologia na Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP). Em 1989 ajudou a fundar o antigo Núcleo de Pesquisas sobre Ensino Superior (Nupes) pa universidade - atual Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas da USP (Nupps). Atualmente é pesquisadora e membro do conselho do núcleo. Sua trajetória na área da educação inclui o cargo de membro do Conselho Nacional de Educação, presidente da Fundação Capes (Coordenação de Apeifeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), secretária nacional de educação superior do Ministério de Educação e secretária nacional de política educacional do Ministério de Educação, sendo autora de diversos artigos e livros de antropologia e ensino superior.
No Brasil, as pessoas tendem a identificar universidade com ensino superior, o que causa inúmeros problemas, tanto para a interpretação dos dados como para a compreensão do sistema.
No mundo todo, universidade constitui um termo que é reservado para um tipo específico de instituição, a qual incorpora ensino, pesquisa e extensão. A própria Constituição brasileira a define dessa forma. São instituições que não apenas preparam alunos para exeroer profissões regulamentadas, mas incluem bacharelados em áreas básicas, não necessariamente profissionalizantes como nas áreas biológicas, físicas matemáticas e nas ciências húmanas. Em todos os países, esse tipo de estabelecimento é absolutamente essencial para o desenvolvimento da nação, neste mundo globalizado e altamente competitivo. É nele que se produz a competência necessária, por exemplo, para desenvolver a engenharia genética e a produção de sementes mais produtivas e mais resistentes às pragas; é onde se estudam as doenças que afetam a população brasileira, se estabelece o conhecimento para a produção de novas vacinas, novos
medicamentos, novas formas de diagnóstico e tratamento. E onde se formam engenheiros altamente especializados nas áreas de grandes construções (barragens, pontes, usinas) e de produção de energia (hidrelétrica, solar, eólica, petrolífera e biológica); cientistas sociais que estudam problemas como a violência e a criminalidade, a educação; juristas que constroem o arcabouço jurídico do país; historiadores que reconstroem o nosso passado, essencial para a construção de nossa identidade nacional. São apenas alguns exemplos. Creio que é desnecessário multiplicá-los para demonstrar que a universidade é uma instituição importante.
Para ter universidades desse tipo são necessárias duas outras condições básicas, mais importantes até do que uma infra-estrutura adequada: bons professores e bons alunos. Bons alunos são aqueles com uma boa formação básica, os quais, como mostram os dados do Saeb [Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica] e do Pisa (Programa Internacional de Avalia ção de Alunos), não passam de 20% dos egressos do ensino médio, incluindo neste percentual os 13% que têm formação meramente aceitável. Não é papel da universidade sanar deficiências da formação básica de seus alunos. Isso pode e deve ser feito, com 10% do custo, em cursos específicos para essa função, como os cursos pré-vestibulares.
Em nenhum país do mundo, por outro lado, considera-se que a oferta de ensino de graduação de boa qualidade só possa ser feita em universidades. A imensa maioria dos jovens que quer ingressar no ensino superior não tem como objetivo tornar-se um profissional altissimamente especializado ou um pesquisador, percorrendo um caminho muito longo e competitivo, durante o qual muitos são eliminados. Interessa-lhes um ensino superior que lhes permita ingressar no mercado de trabalho em posições mais interessantes, de maior prestígio e de salários mais altos. É por isso que nos países desenvolvidos, entre um terço e metade dos alunos estudam em instituições tecnológicas, profissionais ou vocacionais a maior parte das quais de muito boa
qualidade. Nos Estados, Unidos, por exemplo, o elevadíssimo índice de alunos cursando o ensino superior (7O%) só foi alcançado pela expansão dos colleges comunitários, que oferecem cursos de dois anos ou bacharelado completo de quatro anos, ao lado de cursos mais curtos de cunho vocaciona ou proissionalizante.
A outra razão pela qual precisamos diversificar o sistema é porque universidades do tipo de que estamos falando são muito caras. A graduação em si é a atividade provavelmente menos cara. Mas a existência de pesquisa e pós-graduação aumenta muito o custo, pois exige pessoal mais qualificado, com doutorado e em tempo integral; exige também laboratórios e equipamentos mais complexos e caros, bibliotecas informatizadas com enormes acervos de publicações científicas. Também mantém hospitais e fazendas experimentais. Além do mais, incorporam um grande número de outras instituições culturais, como museus, emissoras de rádio e televisão, e editoras.
Cada vez que se cria uma universidade no Brasil, em função da isonomia intrasigentemente defendida pela comunidade universitária, ela tende a se expandir para repetir o mesmo modelo das demais e com o mesmo custo.
Para oferecer uma boa formação de nível superior em administração, poer exemplo, que é o rurso mais procurado pelos jovens, não é necessário toda uma complexa universidade. O mesmo se pode dizer dos outros cursos de alta procura, como informática, direito, formação de professores para séries iniciais, licenciaturas para as demais séries, comunicação, turismo, propaganda e marketing.
A ampliação do acesso ao ensino superior gratuito deve contemplar à multiplicação desses cursos, em parceria com estados e municípios em instituições menores e diversificadas.
Mas o problema do custo das universidades é complexo. O sistema todo é extremamente ineficiente. Só o custo do pessoal inativo, por exemplo, corresponde a 35% das despesas com o pessoal ativo. Isso decorre do fato de o pessoal das universidades, tanto docentes quanto pessoal administrativo, ter sido enquadrado no Regime Único do Funcionalismo Federal, onerado pór inúmeras vantagens corporativas, entre as quais a aposentadoria precoce com salário integral e a vitaliciedade no cargo após dois anos de período probatório.
Para as universidades, é preciso insistir na questão da autonomia porque tão necessário quanto diversificar é descentralizar e desburocratizar o sistema. O imenso aparelho burocrático para administrar, de Brasília, 53 universidades federais espalhadas pelo território nacional e mais 45 hospitais, todos obedecendo ao mesmo modelo e ignorando as demandas sociais locais e regionais, tende a engessar as universidades e as toma particularmente ineficientes em termos de gestão.
Em resumo, para atender à expansão da demanda por ensino superior público e gratuito
é
necessário
aumentar
a
relação
custo-beneficio,
diversificando,
descentralizando e desburocratizando o sistema. Além disso, é preciso melhorar a qualidade dos egressos do ensino médio. As propostas de reforma do ensino superior que o governo federal vem apresentando estão longe de enfrentar esses problemas.