Estudos_contemporaneos_sobre_o_codigo_de.pdf

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  • Words: 124,146
  • Pages: 406
Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015: volume V CARDONA, Luiz Cláudio. FORTES, Maíla Nobre Vilela. LEMOS, Igor. LOU, Cecília TEIXEIRA, Sérgio Torres.

isbn: 978-85-54191-01-6 1ª edição digital, baseada na 1º edição impressa, junho de 2018. capa e editoração eletrônica: Luiz Cláudio Cardona tesouraria: Cecília Lou Editora LCCP Rua Carneiro Vilela, 620 - 3º Andar, Aflitos recife, pe – cep: 52050-030 [email protected] Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução deste livro com fins comerciais sem prévia autorização dos organizadores da obra.

Coordenador

Sergio Torres Teixeira Luiz Cláudio Cardona Organizadores

Cecília Lou Igor Lemos Luiz Cláudio Cardona Maíla Nobre Vilela Fortes

Volume V

Cecília Lou Edna Maria da Silva Fernanda Maria Albuquerque Frederico Augusto Leopoldino Koehler Gregory Victor Pinto de Farias Kaline Epaminondas Rizzo Luiz Cláudio Cardona

Melissa Lucena Nathally Brandão Lins Paulo Roberto de Macêdo Brandão Paulo Santana Rafael Rocha Rafael Targino Falcão Farias Renata Arcoverde

Luiz Otávio Emerenciano

Romero Solano de Oliveira Magalhães

Maíla Nobre Vilela Fortes

Sergio Torres Teixeira

Maria Eduarda Portela Mariana Dardenne

Victor Rizzo Carneiro da Cunha Vitória Regina Mergulhão

Maurício Schibuola de Carvalho

2018

Volume V Conselho Editorial da Pós-Graduação em Direito Processual Civil Contemporâneo da Universidade Federal de Pernambuco Alexandre Freire Pimentel

Doutor em direito e professor da UFPE e da UNICAP

Bento Herculano Duarte Neto

Doutor em direito e professor da UFRN

Larissa Maria de Moraes Leal

Doutora em direito e professora da UFPE

Leonardo Carneiro da Cunha

Doutor em direito e professor da UFPE

Delosmar Mendonça Júnior

Liana Cristina da Costa Cirne Lins

Francisco Ivo Dantas Cavalcanti

Marcelo Labanca Corrêa de Araujo

Doutor em direito e professor da UFPB Doutor em direito e professor da UFPE

Francisco Queiroz Cavalcanti

Doutora em direito e professora da UFPE

Doutor em direito e professor da UNICAP

Gustavo Ferreira Santos

Doutor em direito e professor da UFPE

Doutor em direito e professor da UFPE e da UNICAP

Doutor em ciência política e professor da UFPE

Doutor em direito e professor da UFBA

Doutor em ciência política e professor da UNICAP

Doutor em direito e professor da UFPE e da UNICAP

Hugo Cavalcanti Melo Filho

José Mário Wanderley Gomes Neto

Editora LCCP Rua Carneiro Vilela, 620 - 3º Andar, Aflitos recife, pe – cep: 52050-030 [email protected] 1

Rodolfo Pamplona Filho Sergio Torres Teixeira

Programa de Pós-Graduação em Direito Universidade Federal de Pernambuco Rua do Hospício, 371 - Bloco: C - 2º andar - Boa Vista - recife, pe – cep: 50060-080 www.ufpe.br/ppgd

O conteúdo dos artigos é de responsabilidade de seus autores

E82

Dados internacionais de Catalogação na Publicação (CP)

Estudos contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015, Volume V / Sergio Torres Teixeira; Luiz Cláudio Cardona (Coord.). - Recife: Editora LCCP, 2018. 3,55 Mb ; PDF (402 p.) – (Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 ; 5) Adaptado digitalmente do livro impresso. ISBN: 978-85-54191-01-6 1. Processo civil. 2. Direito processual. 3. Autocontrole. I. Teixeira, Sergio Torres (coord.). II. Luiz Cláudio Cardona (coord. e org.). III. Cecília Lou (org.). IV. Maíla Nobre Vilela Fortes. V. Igor Lemos (org.). VI. Série. CDU: 347.9

Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Apresentação

A coletânea Estudos Contemporâneos sobre o CPC/2015 chega ao seu quinto volume. Seguindo a tradição fundada por sua antecessora, a II Turma do Curso de Especialização em Processo Civil Contemporâneo do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Pernambuco, lança este volume, composto por artigos produzidos por seus discentes na conclusão do primeiro módulo do curso. Os artigos deste volume não seguem uma única linha de raciocínio ou de tema, mas diversos, como é salutar para uma turma heterogênea, cujas experiências diversas que viveram seus integrantes até se unirem neste curso fazem a troca de ideias mais enriquecedora e complexa. Colaboraram com este projeto todos os docentes que ministraram aulas sobre relevantes temas versados na relação entre Processo Civil e Constituição, nomeadamente, os professores: Francisco Ivo Dantas Cavaltanti, André Vicente Pires Rosa, Roberto Pinheiro Campos Gouveia Filho, Paulo Roberto Cerqueira, Gustavo Ferreira Santos, Leonardo Carneiro da Cunha e Sérgio Torres Teixeira. O volume ainda conta com artigos dos professores Sérgio Torres Teixeira, que nos presenteia com sua coordenação diligente do curso e desta coletânea, e Frederico Augusto Leopoldino Koehler, que nos honra com o prefácio desta obra. Algumas mudanças foram implementadas neste volume. A primeira está no nome da coletânea, que deixou de ser chamada Estudos Contemporâneos sobre o Novo CPC e passou a ser chamada de Estudos Contemporâneos sobre o CPC/2015. A mudança se deu 

I

Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

devido à reflexão de que o estatuto não deve ser visto como novo eternamente e que novas podem ser as discussões e perspectivas pelas quais será tratado durante sua vigência. O processo de revisão também foi aprimorado. De certo que os artigos produzidos em uma pós-graduação são frutos das discussões mútuas e troca de perspectivas e reflexões. Buscando aprimorar este processo, o artigo submetido à comissão organizadora deste volume passou por um processo de revisão colaborativa pelos pares. Desta forma, cada autor teve a oportunidade de revisar artigos de dois outros colegas, podendo contribuir para o aprimoramento do trabalho dos colegas. Esta metodologia permitiu o aprofundamento do diálogo entre os discentes sobre a matéria específica de seus artigos, estabelecendo uma rede dialética na produção do conhecimento. Dito isso, tenho a honra de vos apresentar o Volume V da coletânea Estudos Contemporâneos sobre o CPC/2015, na perspectiva de contribuir para os debates hodiernos do Processo Civil.

Luiz Cláudio Cardona



II

Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Agradecimentos

O primeiro agradecimento não poderia deixar de ser ao leitor, razão final de qualquer obra, cuja existência per si depende, impreterivelmente, de uma finalidade. Nosso muito obrigado a você que se prontificou a beber do conhecimento destilado e fermentado pelos autores que assinam esta obra. Esperamos que possamos contribuir para o aprimoramento de suas ideias. Reconhecimento especial ao professor Sérgio Torres Teixeira, que não apenas coordena o Curso de Especialização em Processo Civil Contemporâneo do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Pernambuco, mas também a coletânea com a qual tivemos a honra de contribuir com a organização deste volume. Em seu nome, agradecemos a todos os docentes pelo conhecimento compartilhado e pelas discussões travadas. Pequena é a retribuição com palavras à imensa dedicação de Mário e Beth, que cuidam deste curso e da turma com atenção, zelo e gentileza. Em nome deles, agradecemos a todos os outros que servem ao PPGD/UFPE. Não poderíamos deixar de estar grato a todos os autores, que se prontificaram, não só a contribuir com seu conhecimento e perícia, mas também a participar do processo de revisão colaborativa pelos pares. Cecília Lou Igor Lemos Luiz Cláudio Cardona Maíla Nobre Vilela Fortes Organizadores 

III

Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Prefácio

Honraram-me os alunos da Especialização em Direito Processual Civil da Faculdade de Direito do Recife - FDR com o convite para, dentre tantos professores que lecionaram no curso, escrever este prefácio. Dou o meu testemunho positivo sobre os alunos que participaram do curso, muitas vezes equilibrando com maestria as atribuições da família, do trabalho, das pesquisas acadêmicas, dos estudos para participação em concursos públicos, e, como se não fosse pouco, encontrando tempo para elaborar uma obra coletiva que tentasse reunir parte dos conhecimentos agregados durante a pós-graduação. É com muito orgulho que atestamos o êxito dessa empreitada. Os discentes, que sempre se mostraram tão interessados nas aulas, delas participando com perguntas e colocações pertinentes, possibilitaram a criação de um ambiente salutar de debates e reflexões. Isso culminou em conhecimento fluindo em mão dupla, todos aprendendo juntos, no que se convencionou conceituar modernamente como processo de “ensinagem”. Faço minhas as palavras da poeta Cora Coralina: “Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina”. Apresentamos ao público, pois, com muita alegria, o volume V dos Estudos Contemporâneos sobre o CPC/2015. Transcorridos dois anos de adaptação à nova legislação, a práxis forense já revela várias interpretações e aplicações interessantes do CPC/2015. Cabe à comunidade jurídica, especialmente aos que participam da academia, pesquisar e buscar reflexões que permitam trazer soluções para os problemas práticos daí surgidos. Os alunos e professores 

IV

Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

da Especialização em Direito Processual Civil da FDR vêm dar a sua contribuição sobre os aspectos teóricos e práticos, bem como os zetéticos e dogmáticos, que rodeiam o novo diploma legal. O Programa da Pós-Graduação em Direito da UFPE está de parabéns pela belíssima obra produzida. Aproveito a oportunidade para agradecer aos servidores da casa, Mário e Beth, pelo apoio constante na organização do curso, e aos alunos que “colocaram a mão na massa” para a concretização do trabalho. Faço questão de registrar os agradecimentos ao Prof. Sérgio Torres Teixeira, mestre e amigo de longa data, por ter idealizado e sempre apoiado incondicionalmente essa série de estudos que já se tornou tradição e marca registrada do PPGD da UFPE. Sem mais delongas, convidamos a todos para que desfrutem da leitura dessa bela obra, mais um pilar na construção do pensamento jurídico da Casa de Tobias. Recife, março de 2018.

Frederico Augusto Leopoldino Koehler



V

Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Sumário Apresentação I Agradecimentos III Prefácio IV Sumário VI Os

honorários advocatícios sucumbenciais na liquidação de sentença:

revisitação de algumas questões que envolvem o tema à luz do

2015

CPC 9

de

Cecília Lou

Garantias Constitucionais do Processo: conforme direitos reconhecidos e tutelados no texto da Constituição Federal 36 Edna Maria da Silva

Considerações sobre a economicidade Processo Civil de 2015

processual à luz do

Código de 46

Fernanda Maria Albuquerque

O

sistema de precedentes vinculantes e o incremento da eficiência na

prestação jurisdicional: aplicar a ratio decidendi sem rediscuti-la

56

Frederico Augusto Leopoldino Koehler

A

Defensoria Pública

presença da

no processo civil e o establishment

jurídico tracejado pela boa-fé: responsabilidade política ou atuação estratégica?

Ensaio

constitucional

sobre

a

ratio

ôntico-ontológica

de

cariz

72

Gregory Victor Pinto de Farias

Princípio da primazia das decisões de mérito: a forma versus a intenção 91 Kaline Epamonondas Rizzo

A invocação do precedente e sua eficácia em relação ao art. 489, §1º, VI, CPC. 103 Luiz Cláudio Cardona

Honorários

advocatícios

sucumbenciais:

medidas

desencorajamento ao ajuizamento de demandas temerárias

efetivas

de

118

Luiz Otávio de Souza Jordão Emerenciano



VI

Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Os Direitos Sociais Prestacionais: Análise Judiciário nas Políticas Sociais

sobre a atuação do

Poder 139

Maíla Nobre Vilela Fortes

Princípio da cooperação: mudança de paradigma a partir do CPC/2015 162 Maria Eduarda Portela

Modelo cooperativo de processo

173

Mariana Dardenne

O

termo a quo de contagem do prazo decadencial da

Ação Rescisória e 187

sua harmonização com o vigente sistema principiológico processual

Maurício Schibuola de Carvalho

O

princípio da primazia da decisão de mérito como norma fundamental do

processo civil brasileiro

210

Melissa Lucena

Inciso IV

do art.

139

Código

do

de

Processo Civil:

e aplicação em alguns casos concretos.

surgimento do inciso

222

Nathally Brandão Lins

Princípios Orientadores

do

Direito

processual

Civil:

utilizados para a prestação da efetiva tutela de mérito

instrumentos

237

Paulo Santana

A

constitucionalização do

Código

de

Processo Civil

de

2015

através da

incorporação dos princípios e normas fundamentais e seu impacto para o novo modelo processual

251

Paulo Roberto de Macêdo Brandão

O critério normativo de distribuição aleatória como pressuposto jurídicopositivo do devido processo legal: considerações sobre a aplicabilidade da Lei de Acesso à Informação junto ao Supremo Tribunal Federal 262 Rafael Rocha

O Princípio da Cooperação no Código de Processo de 2015 como garantia à razoável duração do processo 288 Rafael Targino Falcão

A constitucionalização CPC de 2015

processual e a nova face do contraditório no

304

Renata Arcoverde

A constitucionalidade do incidente de deslocamento de competência 314 Romero Solano de Oliveira Magalhães 

VII

Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

O Novo Processo

de

Jurisdição Voluntária:

do

CPC

de

2015 à nova CLT 331

fórmula de homologação de acordo extrajudicial inserido na

Sergio Torres Teixeira

O CPC/2015

e o rompimento do rigor da doutrina de

perspectiva da legitimidade e do interesse de agir

Liebman

sob a

377

Victor Rizzo Carneiro da Cunha

Princípio

da tutela jurisdicional efetiva: análise contemporânea dos

elementos para sua real efetivação

388

Vitória Regina Mergulhão



VIII

Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Os

honorários advocatícios sucumbenciais na liquidação de sentença : revisitação de algumas questões que envolvem o tema à luz do CPC de

2015

Cecília Lou1

No presente ensaio aborda-se o tema dos honorários advocatícios de sucumbência na liquidação de sentença judicial, segundo o disciplinamento contido no CPC de 2015, mas particularmente a controvérsia acerca do cabimento da fixação dessas verbas nessa fase processual. Enfrenta-se a questão de não haver regra literal expressa, na Lei nº 13.105/2015, prevendo o cabimento desses honorários na liquidação de sentença, ao ser mantido o sistema do processo sincrético instituído desde as reformas processuais promovidas no CPC de 1973, notadamente pela Lei nº 11.232/2005. Constrói-se, em última análise, proposta de interpretação sistêmica, indicativa de que o CPC de 2015, ao disciplinar o instituto das verbas honorárias de advogado, corrobora e reafirma a construção jurisprudencial anteriormente consolidada, sobretudo, no âmbito do STJ, no sentido de reconhecer o cabimento de honorários advocatícios na fase liquidatória, seja na anterior modalidade por artigos (atual liquidação por procedimento comum), ou na modalidade por arbitramento, sempre que a liquidação se apresente litigiosa, ensejando a imposição de sucumbência, independentemente da natureza sincrética do processo. Palavras-chave: honorários – liquidação – advogado – contenciosidade – sucumbência. Sumário: 1. Introdução; 2. A necessidade do procedimento de liquidação de sentença judicial; 3. Espécies de liquidação de sentença e particularidades trazidas pelo CPC de 2015; 4. A questão nodal do cabimento de honorários advocatícios na fase de liquidação; 5. A base de cálculo e os limites percentuais para a fixação dos honorários advocatícios na fase de liquidação de sentença; 6. À guiza de conclusão/ 7. Referências.

1 Introdução No que concerne à disciplina legal dos honorários advocatícios, denota-se que o princípio da causalidade continua a inspirar forte1  Procuradora do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco. Advogada em Pernambuco. Graduada em Direito pela Faculdade de Direito do Recife, da UFPE. Especialista em Direito Administrativo também pela UFPE. Pós-graduanda em Processo Civil Contemporâneo, ainda pela UFPE. Especialista em Direito Penal e Processual Penal pela Faculdade Damas CCecíliCeCe

9

Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

mente o legislador, no Código de Processo Civil de 2015, conforme se apreende do caput do art. 85 da Lei nº 13.105/15, ao estabelecer a obrigação daquele que perdeu, de arcar com os honorários do advogado do vencedor. Entrementes, inúmeras alterações sobre essa relevante temática foram trazidas no Código de Processo Civil de 2015, ao disciplinar a matéria em particular nos arts. 85 a 90, desse diploma legal. Neste cenário e, sobretudo, à luz do que dispõem o caput do art. 85 e seu § 1º do CPC de 2015, o objeto deste ensaio consiste na análise da questão do cabimento da fixação dos honorários advocatícios na fase de liquidação de sentença, identificando os pressupostos para o arbitramento dessas verbas honorárias nessa fase processual, em conformidade com a construção jurisprudencial já consolidada mesmo sob a vigência do CPC de 1973, destacando-se ainda algumas relevantes alterações, implementadas pelo CPC/2015 na disciplina legal do instituto das verbas honorárias de advogado, sob a perspectiva da imposição desses honorários na fase liquidatória.

2 Necessidade do procedimento de liquidação de sentença judicial Compreende-se por liquidação de sentença a fixação ou a determinação, em quantidade certa, do valor da condenação contida em sentença judicial originalmente ilíquida. Cabe colacionar, sobre o tema, as lições doutrinárias de Fredie Didier2: O objetivo da liquidação é, portanto, o de integrar a decisão liquidanda, chegando a uma solução acerca dos elementos que faltam para a completa definição da norma jurídica individualizada, a fim de que essa decisão possa ser objeto de execução. 2  DIDIER JR. Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil, 2007, p. 448. CCecíliCeCe

10

Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Dessa forma, liquidação de sentença é atividade judicial cognitiva pela qual se busca complementar a norma jurídica individualizada estabelecida num título judicial. Como se trata de decisão proferida após atividade cognitiva, é possível que sobre ela recaia a autoridade da coisa julgada material.

No mesmo sentido, também leciona Nelson Nery Junior3: A ação de liquidação de sentença somente terá lugar quando o título executivo (sentença condenatória proferida em processo de conhecimento) for ilíquido. Sem a liquidação daquela sentença, ao título faltará o requisito da liquidez, o que lhe retiraria a condição de título executivo, pois, segundo o CPC 586, aquele será sempre líquido, certo e exigível. Os requisitos da certeza e exigibilidade estarão presentes desde que a decisão seja de conteúdo condenatório, e, ainda haja trânsito em julgado. A liquidez será alcançada, se ilíquida a sentença de conhecimento, mediante a ação de liquidação de sentença. Nas sentenças meramente declaratórias e nas constitutivas pode ser necessária a liquidação, se houver parte condenatória, como os honorários de advogado e despesas processuais. Nestes casos, a liquidação se faria apenas nessa parte.

Nesse contexto, pode-se extrair que o procedimento de liquidação de sentença faz-se necessário nas hipóteses em que a decisão condenatória não revele o quantum da prestação pecuniária, ou seja, quando a parte vencida deve à que venceu integral ou proporcionalmente a demanda, mas a quantificação desse valor exige uma fase complementar ainda impregnada de alguma atividade cognitiva. Naturalmente, dada a necessária observância à coisa julgada material, conforme dispõe o § 4º do art. 509 do CPC/2015, o procedimento de liquidação de sentença não enseja nova discussão da lide já decidida e que deu origem à sentença ilíquida, mas se destina tão somente a integrar o título judicial, segundo os parâmetros e balizas traçados pelos limites objetivos da res judicata. 3  NERY JR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante, 2007, p.721. CCecíliCeCe

11

Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Na sistemática atual do processo sincrético, a liquidação, assim como a fase executiva, é considerada como sendo simples incidente processual, não constituindo processo autônomo, mas etapa eventualmente necessária para a prestação da tutela ressarcitória à parte, destinando-se a conferir liquidez à condenação genérica contida na sentença originalmente ilíquida. Feita essa abordagem mais preliminar acerca da fase de liquidação de sentença, cabe a seguir abordar as espécies de liquidação, ressaltando aspectos distintivos de cada modalidade, sem se descurar do tema específico deste trabalho, que é a discussão sobre a possibilidade ou não de fixação de honorários advocatícios na fase de liquidação de sentença, debate que já causou significativa divergência jurisprudencial na vigência do CPC de 1973 (Lei nº 5.869/73).

3 Espécies de liquidação de sentença e particularidades trazidas pelo CPC de 2015 Conforme visto no tópico antecedente, a liquidação de sentença afigura-se necessária nos casos em que a iliquidez decorre da impossibilidade da formulação de pedido certo e determinado, bem como nos casos em que, a despeito da postulação da condenação em valor certo e determinado, a sentença condenatória ainda assim se apresente ilíquida, ao transitar em julgado. Merece ressalva que a jurisprudência reconhece não ofender a garantia da coisa julgada material a adoção de outra modalidade de liquidação inicialmente estabelecida na sentença, consoante jurisprudência do STJ consolidada no enunciado de Súmula nº 344, segundo o qual “a liquidação por forma diversa da estabelecida na sentença não ofende a coisa julgada”. Desse modo, ainda que a sentença liquidanda estabeleça a forma de liquidação da decisão condenatória, essa disposição não CCecíliCeCe

12

Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

adquire a imutabilidade inerente à coisa julgada, podendo a obrigação, portanto, ser liquidada de outra maneira que se revele mais adequada à quantificação da obrigação imposta no título judicial. No Código de Processo Civil de 2015, a liquidação de sentença encontra-se prevista no art. 509 e seguintes, assim dispondo o citado artigo e suas disposições complementares: DA LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA Art. 509. Quando a sentença condenar ao pagamento de quantia ilíquida, proceder-se-á à sua liquidação, a requerimento do credor ou do devedor: I - por arbitramento, quando determinado pela sentença, convencionado pelas partes ou exigido pela natureza do objeto da liquidação; II - pelo procedimento comum, quando houver necessidade de alegar e provar fato novo. [...]

Sendo assim, em relação às espécies de liquidação de sentença, o Código de Processo Civil de 2015 prevê a possibilidade do procedimento de liquidação de sentença por arbitramento e por meio do procedimento comum. De toda sorte, verifica-se que as bases daquilo que o CPC 1973 entendia por liquidação de sentença, assim como o procedimento a ser adotado, foram mantidas na disciplina do CPC de 2015, de modo que, na fase de liquidação de sentença, as novas disposições deverão ser interpretadas à luz de toda a prática já consagrada ao longo do tempo. Em relação à técnica de postulação, a liquidação de sentença consiste em simples fase processual, de modo que, no Direito Brasileiro, não se instaura um processo autônomo, conforme já mencionado, iniciando-se mediante simples requerimento do credor ou do devedor, não sendo necessário observar a forma exigida para a elaboração da petição inicial, tenha o liquidante, contudo, o ônus CCecíliCeCe

13

Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

de apontar no requerimento a maneira pela qual pretende alcançar o valor devido. Cumpre esclarecer inclusive que o CPC/15 disciplina a manutenção do cabimento do agravo de instrumento especificamente contra as decisões interlocutórias proferidas no curso do procedimento de liquidação, inferindo-se que é apelável, portanto, a sentença de encerramento da liquidação, conforme se extrai do parágrafo único do art. 1.015 do CPC/2015. Por outro lado, ainda se mantém inafastável a concepção de que, se o acertamento do débito demandar meros cálculos aritméticos, tem-se que a liquidação, nesse caso, processa-se extrajudicialmente, mediante cálculos elaborados e apresentados pelo credor, instaurando-se logo em seguida o cumprimento de sentença, de sorte que eventuais controvérsias acerca do quantum debeatur são objeto de discussão já na fase executiva. No que tange especificamente à liquidação por arbitramento, prevista no inc. I do art. 509 do CPC de 2015, caracteriza-se pela utilização da prova pericial no procedimento de apuração do valor do débito, ou seja, nos casos em que o valor da condenação será definido, via de regra, com base em prova pericial, quando a sentença assim determina, quando as partes convencionarem neste sentido ou quando a natureza do objeto da liquidação assim o exigir. A modalidade por arbitramento distingue-se da modalidade de liquidação por procedimento comum fundamentalmente pela peculiaridade de não demandar a comprovação de fatos novos, mas a apreciação técnica dos fatos já reconhecidos e definidos na fase principal de cognição, para efeito de quantificação do débito, sendo essa valoração, em geral, efetivada pelo juiz com base em perícia técnica. Nessa perspectiva, tem-se que, na liquidação por arbitramenCCecíliCeCe

14

Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

to : 4

[...] a apuração do elemento faltante para a completa definição da norma jurídica depende apenas da produção de prova pericial. [...]. Por fim, deve-se proceder à liquidação por arbitramento, quando assim o exigir a natureza do objeto da liquidação, é dizer, quando a perícia mostra-se como meio idôneo.

Assim dispõe a propósito o art. 510 do CPC/15, sobre o procedimento da liquidação por arbitramento: Art. 510. Na liquidação por arbitramento, o juiz intimará as partes para a apresentação de pareceres ou documentos elucidativos, no prazo que fixar, e, caso não possa decidir de plano, nomeará perito, observando-se, no que couber, o procedimento da prova pericial.

De qualquer modo, há atividade cognitiva nessa fase processual de liquidação por arbitramento, sendo a propósito bem recorrente a instauração de efetivo litígio, entre as partes, notadamente acerca do valor fixado na perícia, como instrumento técnico que deverá embasar a quantificação do valor devido, na sentença que encerra a fase liquidatória. Pondere-se que, embora nesta modalidade de liquidação não haja previsão legal expressa da apresentação de contestação cabível nos casos de liquidação pelo procedimento comum, a garantia constitucional do contraditório demanda indispensável oportunidade de as partes se manifestarem sobre as pretensões e teses contrapostas, sendo bastante comum que essa espécie de liquidação assuma caráter litigioso. Por outro lado, na segunda modalidade de liquidação, dita pelo procedimento comum, hodiernamente previsto no inc. II do art. 509 do CPC/15 e que o CPC de 1973 denominava de “liquidação por artigos”, será adotada sempre que existir a necessidade de se alegar e provar fato novo para se quantificar o valor da condenação, 4  DIDIER JR. Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil, 2007, p. 407. CCecíliCeCe

15

Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

viabilizando assim a execução da sentença originalmente genérica. No tocante à forma procedimental, a parte credora da obrigação contida na sentença, ao postular a instauração da fase de liquidação por procedimento comum, deverá indicar os fatos novos a serem provados para viabilizar a liquidação, sendo o devedor intimado a integrar a relação processual, que nessa hipótese apresenta carga cognitiva bem significativa. Nesse contexto, depreende-se que, na liquidação por arbitramento, o laudo apresentará ao juiz os valores arbitrados pelo perito, com base em elementos já provados no processo e que permitem a mensuração do dano. Distintamente, na liquidação realizada por meio do procedimento comum – anteriormente dita “por artigos” –, ainda que eventualmente se faça necessária a produção de perícia, a peculiaridade do procedimento é a comprovação dos fatos novos, trazidos efetivamente nesta fase ao conhecimento das partes e que a liquidação deles não possa se distanciar. Destacadas as características básicas das modalidades de liquidação de sentença judicial, cabe abordar, adiante, a questão do cabimento da imposição de honorários sucumbenciais, em contrapartida à atividade advocatícia, quase sempre intensa e desafiante, desenvolvida nessa fase processual para a quantificação do valor do débito contido em condenação que se apresenta ilíquida.

4 A questão nodal do cabimento de honorários advocatícios na fase de liquidação

Em relação à viabilidade ou não da fixação de honorários advocatícios na fase de liquidação de sentença, debate que se refletiu em vários julgados dos principais Tribunais na vigência do CPC de 1973, particularmente no STJ, constitui matéria que continua a merecer reflexões e discussões, sob a égide do CPC/2015. CCecíliCeCe

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Estudos Contemporâneos sobre o Código de Processo Civil de 2015 - Volume V

Aliás, basta aduzir que do teor da disposição contida no §1º do art. 85 do CPC vigente, que trata da fixação dos honorários em cada uma das fases processuais que elenca, verifica-se não constar, literalmente, a fase de liquidação: Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.

§ 1º. São devidos honorários advocatícios na reconvenção, no cumprimento de sentença, provisório ou definitivo, na execução, resistida ou não, e nos recursos interpostos, cumulativamente. (grifou-se).

Constata-se que o mencionado dispositivo do CPC/2015 faz referência apenas à reconvenção, ao cumprimento de sentença, à execução e aos recursos interpostos, sendo o citado dispositivo omisso no aspecto atinente ao cabimento de honorários sucumbenciais na liquidação de sentença, contexto que torna forçoso reconhecer, pelo menos, a ausência de referência literal à fixação dessas verbas na fase processual de liquidação. Historicamente, a posição inicial dos Tribunais firmava-se no sentido do descabimento da fixação de honorários advocatícios de sucumbência na fase de liquidação, na sistemática do processo sincrético. Segundo esse entendimento, uma nova condenação em honorários nessa fase destinada apenas a liquidar o valor da condenação caracterizaria bis in idem, uma vez que, por ocasião da prolação da sentença na ação (fase) principal, já teria havido o arbitramento de honorários de sucumbência, conforme se infere do teor do aresto proferido no REsp 909.567-SP, assim ementado: Processual Civil. Recurso Especial. Incidência De Honoráriosadvocatícios De Sucumbência Em Sede De Liquidação De Sentença Por Arbitramento. Descabimento. Precedentes. 1. Os honorários advocatícios como parcela autônoma em processo de liquidação de sentença não é cabível, sob pena de CCecíliCeCe

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incursão em bis in idem, porquanto são arbitrados por ocasião da prolação da sentença nos autos da ação principal. Precedentes: REsp 166.076-MG, Relator Ministro Sálvio De Figueiredo Teixeira, Quarta turma, DJ de 27 de março de 2000; REsp 182.751-MG, Relator Ministro EDUARDO RIBEIRO, Terceira Turma, DJ de 24 de abril de 2000; REsp 39.371-RS, Relator Ministro NILSON NAVES, Terceira Turma, DJ de 24 de outubro de 1994. 2. Destarte, a sentença proferida em sede de liquidação por arbitramento não atende ao comando da norma prevista no art. 20 do CPC, já que apenas atribui ao julgado inicial liquidez, para que possa ser executado, não tendo o condão de definir vencedor e vencido. [...] (DJ de 30/04/2008; os grifos em itálico são da transcrição).

Assim, extrai-se do teor dos precedentes acima citados o entendimento, inicialmente assentado, no sentido de que a fase de liquidação de sentença consiste em procedimento preparatório da execução por título judicial, onde não se discute a qualidade da condenação mas a quantidade, de sorte que, segundo aquela orientação – atualmente superada –, a fase de liquidação, por se destinar apenas a complementar a sentença condenatória tornando líquida a sentença, não ensejaria a fixação de novos honorários advocatícios. Entrementes, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça se verificou uma evolução de entendimento, primeiramente para se reconhecer o cabimento dessas verbas advocatícias diante do caráter contencioso que o procedimento de liquidação “por artigos” via de regra encerrava. Com efeito, tal como em um processo autônomo, a fase de liquidação por essa modalidade demandava dilação probatória, assim como a possibilidade de apelar/agravar da sentença de liquidação, o que já conduzia mais facilmente ao reconhecimento da razoabilidade da fixação de honorários advocatícios nesta fase, uma vez que comumente se estabelecia, nesse procedimento de ampla carga cognitiva, o litígio ensejador da fixação das verbas honorárias de advogado, conforme se depreende da ementa de antigo CCecíliCeCe

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precedente jurisprudencial neste sentido, nos seguintes termos: Liquidação Por Artigos. Contenciosidade. Honorários Advocatícios. - Assumindo a liquidação por artigos cunho de contenciosidade, evidenciada pela clara resistência oposta pelo réu, são devidos os honorários de advogado. [...] (EREsp 179355/SP, Relator Ministro Barros Monteiro, Corte Especial, DJ de 11.03.2002, p. 153; grifou-se).

Posteriormente, a construção jurisprudencial no STJ passou a reconhecer que também são devidos honorários de advogado na liquidação por arbitramento, desde que presente a litigiosidade, sendo o marco inicial dessa nova orientação o aresto proferido no REsp 978.253-SE, assim ementado: Processual civil. Recurso especial. Honorários Advocatícios. Liquidação por arbitramento. Caráter contencioso. Cabimento. Fixação. Incidência do art. 20, § 4º, do CPC. Nítido exagero. Redução. - Assumindo, a liquidação por arbitramento, nítido caráter contencioso, devem ser fixados honorários advocatícios, à semelhança do que ocorre com a liquidação por artigos; [...] (REsp 978253-SE, DJ de 03.10.2008; grifou-se).

A partir desse precedente, consolidou-se no STJ a orientação pela admissibilidade da fixação de honorários advocatícios também na modalidade de liquidação por arbitramento, desde que presente a contenciosidade, ensejadora da imposição de sucumbência como fato objetivo da derrota, ou seja, do decaimento da tese contraposta a uma parte pela outra, conforme se verifica a partir das ementas dos seguintes precedentes, colacionados à guisa de ilustração: “Processual Civil. Agravo No Agravo De Instrumento. Recurso Especial. Liquidação Por Arbitramento. Honorários. Cabimento, Desde Que Presente A Litigiosidade. – Quando a liquidação por arbitramento assumir nítido caráter contencioso, cabe a fixação de honorários advocatícios. [...] (STJ. AgRg no Ag 1324453/ES, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, CCecíliCeCe

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TERCEIRA TURMA julgado em 14/12/2010, DJe 02/02/2011) Civil E Processual Civil. Agravo Regimental No Recurso Especial. Liquidação De Sentença Por Arbitramento. Honorários Advocatícios. Cabimento [...]. 1. Segundo a jurisprudência desta Corte, é cabível a estipulação de verba honorária em liquidação de sentença por arbitramento, diante do caráter contencioso desta. Incidência da Súmula n. 83/STJ. [...] (AgRg no REsp 1017456-RS, DJ de 10.12.2013; grifou-se). No mesmo sentido, entre tantos outros: STJ, AgRg no REsp 962.961/RJ, DJe 01.07.2010; grifos em itálico da transcrição).

Ainda sobre a causalidade, como pressuposto para o arbitramento de honorários na fase de liquidação, na proporção da contenciosidade instaurada durante essa fase complementar de cognição, não há como olvidar o esforço demandado dos advogados de cada uma das partes, para o enfrentamento das controvérsias trazidas na liquidação, por vezes se questionando a totalidade do crédito que a outra parte entende ser-lhe devido por força da sentença liquidanda, labor que enseja a fixação das devidas verbas sucumbenciais em favor do advogado da parte vencedora da contenda instaurada nesta fase, encerrando questões, via de regra, distintas das que determinaram a sucumbência já reconhecida na fase de conhecimento. Com efeito, na liquidação as controvérsias naturalmente tendem a versar sobre os critérios para se chegar ao quantum debeatur, podendo ocorrer até de o vencedor na fase propriamente cognitiva ser o sucumbente na fase liquidatória, especificamente na controvérsia que envolva alguma tese relacionada ao cálculo do que lhe é devido. Assim, mesmo a parte vitoriosa na fase cognitiva propriamente dita poderá vir a ser condenada na liquidação a pagar honorários ao advogado da outra parte que, embora tenha perdido a demanda principal, nas discussões travadas na fase de liquidação, teve acolhidas suas teses relacionadas ao cálculo do montante CCecíliCeCe

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do débito, na sentença de encerramento da liquidação. Inúmeros precedentes, em suma, evidenciam a construção jurisprudencial do STJ interpretando a sistemática anterior do CPC de 1973, assentada no sentido do cabimento de honorários advocatícios na fase liquidatória de sentença, sempre que a liquidação – por arbitramento ou por artigos – assuma caráter litigioso. Conclui-se, pois, que a fixação dos honorários advocatícios, em correspondência com o âmbito de litigiosidade instaurada na liquidação por arbitramento ou por procedimento comum, consolidou-se na jurisprudência do STJ antes mesmo do advento do CPC/2015, conforme precedente assim ementado: Processual Civil [...] Liquidação De Sentença. Arbitramento. Honorários Advocatícios. Possibilidade. Precedentes. [...] 2. Transmutada a natureza da liquidação por cálculos para liquidação por arbitramento, faz-se necessário o arbitramento de honorários advocatícios, não em razão da rejeição da impugnação ao cumprimento da sentença, mas sim em razão do nítido caráter contencioso da fase da liquidação de sentença sobre o quantum debeatur, com realização de prova pericial, o que afasta a aplicação da Súmula nº 519 do STJ. 3. Não se pode confundir os honorários advocatícios que incidem na liquidação por arbitramento com nítido caráter contencioso, com os honorários advocatícios cabíveis em fase de cumprimento de sentença, haja ou não impugnação, depois de escoado o prazo para pagamento voluntário a que alude o art. 475-J do CPC, que somente se inicia após a intimação do advogado, com a baixa dos autos e a aposição do “cumpra-se” (REsp 1.134.186/RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Corte Especial, DJe 21/10/2011, julgado na sistemática do art.CPC/ 2015543-C, do CPC). 4. Agravo regimental não provido. (AgRg no AgRg no REsp 1579990/RS, Rel. Min. Mauro Campbell, Segunda Turma, DJe de 15.04.2016; grifou-se).

Noutro viés, sempre que a liquidação do título judicial demanCCecíliCeCe

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dar meros cálculos aritméticos, a jurisprudência reconhece que neste caso a sentença já se apresenta exequível. Aliás, diz-se ainda que nesta hipótese a “liquidação” processa-se extrajudicialmente, por cálculos do credor, instaurando-se logo em seguida o cumprimento de sentença, uma vez que se afigura desnecessária a instauração de fase processual autônoma de liquidação para a definição do quantum debeatur, sendo, neste cenário, descabida a fixação de honorários sucumbenciais de advogado, conforme assentado, entres outros precedentes, no REsp 233508PE, Primeira Turma, de Relatoria do Min. Humberto Gomes de barros, DJe de DJ 16/10/2000, p. 289. De todo modo, nas hipóteses que demandam a instauração da fase liquidatória, embora o CPC revogado não fizesse literal menção a essa fase como hipótese de sucumbência passível de ensejar a fixação de honorários advocatícios, por interpretação sistêmica das regras que disciplinavam a matéria a jurisprudência consolidou-se no sentido do cabimento da fixação de honorários quando a liquidação, seja nas modalidades por arbitramento ou por artigos, assumisse caráter litigioso, na linha dos julgados do STJ acima colacionados. Em suma, a construção jurisprudencial anterior à vigência do CPC/2015, sobretudo no STJ enquanto Corte de precedentes, assentou-se no sentido de reconhecer o cabimento dos honorários advocatícios na fase de liquidação de sentença por artigos ou por arbitramento, desde que presente a litigiosidade. A despeito dessa construção jurisprudencial, o CPC de 2015, como já ressaltado anteriormente, também não contém regra literal expressa a esse respeito. Contudo, também sob a égide no CPC/2015 parece induvidosa a necessidade de fixação de nova e distinta verba sucumbencial, CCecíliCeCe

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nessa etapa processual, desde que a liquidação assuma caráter contencioso e se possa identificar uma parte vencedora e outra vencida, na sentença de encerramento da fase liquidatória, devendo o percentual da verba honorária ser fixado segundo o grau de litigiosidade instaurada e na conformidade com o proveito econômico refletido em cada questão controvertida. A respeito do cabimento da fixação de honorários advocatícios na fase de liquidação de sentença na nova disciplina do tema pelo CPC de 2015, seja por arbitramento ou por procedimento comum, desde que reconhecida, na sentença de encerramento dessa fase, sucumbência de qualquer das partes na resolução de questões suscitadas na liquidação, merecem transcrição as ponderações da lavra de Araken de Assis5, em conhecida obra sobre o tema, ao pontuar que: Existe sucumbência na ação liquidatória por arbitramento e por artigos. O liquidante e o liquidatário (...), ao sucumbiram, responderão por todas as despesas do processo (v.g., reembolso de honorário de perito) e pela verba honorária, fixada de acordo com o critério legal. Verdade que o art. 85, § 1º do NCPC não menciona, especificamente, a liquidação de sentença e, no direito anterior, registrava-se julgado do STJ em sentido contrário. Porém, em primeiro lugar, há que se considerar, o princípio derivado do art. 85, § 1º: a todo trabalho suplementar do advogado, inclusive nos recursos, há de haver retribuição; ademais, o entendimento contrário não se harmoniza com o princípio da causalidade previsto no art. 85, caput. [...] (grifou-se).

O reconhecimento de que o CPC/2015 autoriza a fixação de honorários sucumbenciais na fase específica da liquidação de sentença, sempre que esta assumir caráter litigioso ou contencioso, conforme já pacificado na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça sob a égide do CPC de 1973, também foi recentemente abordado pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, no PARECER PGFN/CRJ/Nº 440/2016, em que os subscritores pontuam em 5 

ASSIS, Araken de. Manual de Execução, 2017, p. 447.

CCecíliCeCe

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Nota de Rodapé (nº 60) aposta na p. 184, que: [...] Apesar de não mencionado no § 1º, a decisão de liquidação (isto é, que encerra tal fase processual) pode, em tese, ser enquadrada no caput do Art. 85 do nCPC. Por outro lado, embora o § 11 do Art. 85 sugira que os limites previstos nos §§ 2º e 3º seriam aplicáveis durante toda fase de conhecimento e o fato do capítulo XIV do Título I do Livro I da Parte Especial, que trata da liquidação de sentença (a qual ostenta natureza cognitiva), estar inserido em Título que disciplina o Procedimento Comum, o § 1º do art. 113 distingue fase de conhecimento e fase de liquidação de sentença. Tais circunstâncias – aliadas à existência de diversos precedentes do STJ (embora oriundo de turmas de Direito Privado), ainda sob a égide do CPC/1973, admitindo a fixação de honorários em fase de liquidação de sentença, desde que se litigiosa/contenciosa em relação ao quantum debeatur (vg. AgRG no AREsp 666073/SP, AGRG no AREsp 572926/SP, AgRg no ARESp 530748/SP, AgRG no AREsp 530175/SP, AgRg no REsp 1107003/MS, EDcl no REsp 1374735/RS, AgRG no Ag 1086058/SP, AgRG no REsp 962961/ RJ etc) – parecem autorizar a conclusão de que , sob a égide do nCPC, também é possível a fixação de honorários em decorrência de sucumbência na fase de liquidação de sentença, desde que esta tenha sido litigiosa. 6

Cabe, a propósito, interpretar sistematicamente a disciplina da matéria no CPC/15, inclusive perquirindo se de fato existe lacuna nessa questão específica da disciplina dos honorários advocatícios na fase de liquidação, para a qual não há previsão literal nas disposições do CPC/2015, como já ressaltado. Nessa perspectiva, tem-se que a “omissão” do § 1º do art. 85, do CPC/2015, revela na verdade um “silêncio eloquente”, a mesma eloquência, aliás, que se revela neste dispositivo no tocante à própria sentença principal da fase de conhecimento, é dizer, a que reconhece o direito da parte vitoriosa e a conseguinte a obrigação da outra parte, sucumbente, de pagar quantia – eventualmente ilíquida –, na sentença de conhecimento. 6  Disponível em: http://www.pgfn.fazenda.gov.br/revista-pgfn/ano-v-numero-9-2016/p440.pdf; acesso em 02.07.2017. CCecíliCeCe

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Realmente, o § 1º não lista, entre as hipóteses de cabimento da fixação de honorários sucumbenciais, a sentença principal proferida na fase de cognição propriamente dita, destinada ao reconhecimento do direito que dá ensejo à obrigação – eventualmente ilíquida – de pagar. Mas, se não há dúvida de que a sentença principal naturalmente está compreendida na regra do caput, com base em outras premissas também há de se reconhecer que a mesma regra básica do art. 85 também contempla a sentença que encerra a fase de liquidação, destinada a complementar o dispositivo da sentença principal da primeira etapa da fase de cognição, nas hipóteses de proferimento de sentença originalmente ilíquida. Aliás, nesses casos de prolação de sentença ilíquida ou genérica, o reconhecimento da sucumbência a rigor se realiza em duas etapas, transferindo-se para a segunda a quantificação do quantum debeatur, quando então se complementa a atividade de cognição, o que sem dúvida configura uma fase bem propícia à instauração de intensa litigiosidade, em torno da própria interpretação do alcance e sentido do dispositivo da sentença liquidanda, para efeito de reconhecimento daquilo que constitui a coisa julgada material e seus limites objetivos, uma vez cediço que na liquidação, de acordo com a regra expressa do § 4º do art. 509 do CPC/2015, não é possível discutir de novo a lide. Com efeito, na liquidação comumente se discutem os critérios e índices a serem aplicados para a fixação do valor específico da dívida que, em última análise, confere à sentença o requisito da liquidez e conseguinte exigibilidade, dando ensejo ao reconhecimento da sucumbência de uma parte em relação à outra, parcial ou integralmente, não raro se instaurando controvérsias que devem ensejar a fixação de novos honorários nesta segunda fase, como complementação da parte dessa verba, observado assim o limite máximo de 20% ao final dessa segunda etapa, com ressalva para a fixação de honorários recursais, se ainda não alcançado esse limite CCecíliCeCe

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percentual, de acordo com o disposto na parte final do § 11 do art. 85 do CPC vigente. Merece registro que, também da sistemática do recurso de agravo no CPC/2015, contida no art. 1.015, extrai-se que o CPC de 2015 reconheceu ter natureza de sentença a decisão final que encerra a fase de liquidação fixando o quantum debeatur, alinhando-se à tradicional correspondência entre o recurso de agravo e as decisões interlocutórias, assim como entre a apelação e as deliberações com natureza de sentença. Veja-se a dicção legal contida neste dispositivo: Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre: [...] Parágrafo único. Também caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário.

Partindo-se dessas premissas e especificamente do que dispõe o parágrafo único, do citado art. 1.015 da Lei nº 13.105/2015, infere-se que o CPC/2015, seguramente, reconheceu como sentença a deliberação que, encerrando a fase liquidatória, fixa o valor do débito inicialmente ilíquido, uma vez que, ao estabelecer o rol de hipóteses do cabimento do agravo, inseriu tão somente as decisões interlocutórias, proferidas no curso do procedimento de liquidação, autorizando a conclusão ainda no sentido de que a decisão que encerra essa etapa é apelável – assim como a decisão final no cumprimento de sentença. Nesse contexto, é de se concluir que o encerramento da liquidação compreende a prolação de deliberação com natureza de sentença, complementar àquela de natureza ilíquida proferida na primeira etapa do processo de cognição e enquadrável, portanto, na CCecíliCeCe

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mens legis do caput do art. 85 do CPC/2015, inclusive para efeito de se reconhecer o cabimento da fixação de honorários advocatícios na fase liquidatória, desde que configurada a contenciosidade que constitui o pressuposto para o arbitramento dessas verbas e cuja resolução culmine com a sucumbência integral ou parcial de cada parte. No que concerne à configuração da sucumbência como pressuposto para o arbitramento dos honorários advocatícios na fase de liquidação, depreende-se da disciplina legal que a formulação de pedido para instauração da fase de liquidação não configura, por si só, causalidade ensejadora de fixação de honorários em favor do advogado da parte que, em última análise, for reconhecida credora da dívida que originalmente apresentava-se ilíquida. Nessa perspectiva, para a fixação de honorários advocatícios na fase liquidatória, faz-se necessário, seja na liquidação por arbitramento ou mesmo por procedimento comum – anteriormente por artigos –, o estabelecimento de litigiosidade acerca dos critérios e fatos envolvidos na apuração do quantum debeatur, cuja resolução na sentença de encerramento da liquidação enseje a imposição de sucumbência a uma das partes ou a ambas proprocionalmente ao decaimento das respectivas teses, observada a amplitude e o grau de contenciosidade assim como sua repercussão no montante financeiro do débito. Nessa linha de raciocínio, se a comprovação do fato novo, no caso de liquidação por procedimento comum, não encontrar qualquer resistência da outra parte, não estará caracterizada a causalidade e a sucumbência ensejadora da fixação de honorários de advogado, já que não se pode falar que a parte devedora deu causa à instauração da fase liquidatória, por constituir necessidade inerente à natureza mesma da lide e à iliquidez eventual da sentença original. CCecíliCeCe

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O mesmo entendimento se aplica à liquidação por arbitramento, de modo que nessa modalidade não basta que as partes indiquem seus assistentes técnicos e discutam os critérios, assim como os parâmetros a serem utilizados para a quantificação do débito, sendo necessária a resistência de pelo menos uma das partes, a ser dirimida na sentença de encerramento da liquidação, de sorte a configurar-se, assim, a sucumbência que legitima a fixação das verbas honorários de advogado, na proporção do proveito econômico atrelado à tese controvertida. Essa a construção jurisprudencial que se extrai dos precedentes do STJ, inclusive na vigência do CPC anterior: Processo Civil. Liquidação Por Arbitramento. Honorários. Cabimento, Desde Que Presente A Litigiosidade. Realização De Perícia. Decorrência Do Art. 475-D, Do Cpc. Nomeação De Assistente Técnico. Respeito Ao Contraditório. Procedimentos Que Não Implicam, Necessariamente, Litigiosidade. - Sempre que a liquidação por arbitramento assumir nítido caráter contencioso, cabe a fixação de honorários advocatícios. Precedentes. - Tendo a própria autora decidido, num primeiro momento, impugnar o laudo, vindo posteriormente a retificar suas alegações e concordar com as conclusões do perito, não há como atribuir ao réu a adoção de qualquer medida que justifique sua condenação em honorários advocatícios. - Na liquidação por arbitramento, a perícia decorre do próprio procedimento fixado pelo art. 475-D do CPC, e não de eventual insurgência do réu, de sorte que não se pode relacionar sua realização com a existência de litigiosidade. Tanto é assim que, mesmo na hipótese do réu manter-se inerte após ser cientificado acerca da liquidação por arbitramento, deverá o Juiz nomear perito para quantificação da obrigação contida no título executivo judicial. - O fato do réu indicar assistente técnico para acompanhar a perícia não significa, necessariamente, resistência ao pedido do autor, visto que se trata de medida visando apenas a assegurar o contraditório, podendo, como ocorre na hipótese dos autos, CCecíliCeCe

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haver a concordância com as conclusões do laudo. Recurso especial provido. (REsp 1084907/SP, Relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe de 05/03/2010)

Assim, é forçoso reconhecer que a sentença de liquidação à evidência está compreendida na regra do caput do art. 85 da Lei nº 13.105/2015, como hipótese mais basilar de incidência das verbas honorárias de advogado; enquanto o § 1º destina-se a especificar outras situações nas quais também se deve reconhecer a causalidade e a conseguinte possibilidade da imposição da sucumbência, ensejadoras da fixação de honorários advocatícios, além das hipóteses de aplicação dessa verba na fase de conhecimento (lato sensu), que, como dito, inclui a etapa complementar, de liquidação, quando a condenação se apresenta ilíquida.

5 A base de cálculo e os limites percentuais para a fixação dos honorários advocatícios na fase de liquidação de sentença No tocante à base de cálculo dos honorários advocatícios sucumbenciais, cabe assentar que, na sistemática do art. 85, o Código de Processo Civil vigente é expresso, no § 2º desse dispositivo, em determinar que a delimitação da sucumbência, para efeito de definição da base de cálculo no arbitramento dos honorários sucumbenciais, deve obedecer ao valor da condenação, quando for o caso, mas também, em outras hipóteses, ao critério do proveito econômico que seria obtido com a tese vencida, traduzido como aquilo que se acresce ao patrimônio de determinada parte, concepção que se aplica plenamente ao arbitramento dessas verbas de sucumbência na fase de liquidação de sentença. Quanto à previsão de aplicação do critério equitativo, também contida no citado § 2º do art. 85 do CPC de 2015, incide apenas nas hipóteses em que se afigure impossível dimensionar o valor desse CCecíliCeCe

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proveito econômico, hipótese que por lógica não se aplica às sentenças liquidandas, salvo a aplicação desse critério, em qualquer caso, para se evitar a fixação de honorários em quantias aviltantes. Assim, na esteira dessa diretriz traçada no CPC/2015, por não se tratar de hipótese de condenação, nem em princípio corresponder às hipóteses de fixação por equidade diante da impossibilidade de dimensionamento de um valor para a obrigação devida à parte vencedora da demanda, na fase de liquidação, seja por arbitramento ou por procedimento comum, a base de cálculo para as verbas honorárias a serem estabelecidas deve corresponder ao proveito econômico equivalente a cada parcela de sucumbência que vier a ser reconhecida na sentença de liquidação, de acordo com as teses suscitadas por cada uma das partes, que podem refletir, de um lado, a eventual resistência indevida da parte devedora ou, de outro, as teses sustentadas pela parte credora para pleitear excessos. A respeito do que vem a ser proveito econômico como fundamento para a fixação dos honorários advocatícios sucumbenciais, critério agora contido expressamente no § 2º do art. 85 do CPC/2015, merecem referência os seguintes precedentes do Superior Tribunal de Justiça, assim ementados: Processual Civil. [...] Honorários Advocatícios. Arbitramento. Proveito Econômico Obtido (Art. 85, §§ 3º E 5º, Do Cpc/2015). [...] 2. “Deve-se ter em conta, como proveito econômico, o potencial que a ação ajuizada ou o expediente utilizado possui na esfera patrimonial das partes [...] 3. Agravo interno não provido. (AgInt no REsp 1672335/RS, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, Dje de 17.10.2017; destacou-se em itálico). Processual Civil. Recurso Especial. Honorários Advocatícios. Embargos À Execução Fiscal. Redirecionamento. Sócio-Gerente. Honorários Advocatícios. Proveito Econômico. 1. A controvérsia diz respeito à identificação de qual seria o proCCecíliCeCe

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veito econômico a ser considerado na fixação dos honorários advocatícios pelo acolhimento dos embargos do devedor. 2. Os honorários advocatícios, por expressa disposição legal, devem ser fixados com base no proveito econômico obtido, na forma do § 2º do art. 85 do CPC/2015. Esse regramento torna evidente que a sucumbência é o parâmetro fundamental para a definição da verba advocatícia. 3. Deve-se ter em conta, como proveito econômico, o potencial que a ação ajuizada ou o expediente utilizado possui na esfera patrimonial das partes [...] (REsp 1671930/SC, Rel. Min. Og Fernandes, Segunda Turma, DJe de 30.06.2017; grifou-se).

Aliás, mesmo sob a égide do CPC anterior, que não trazia regra literal fixando explicitamente o critério do proveito econômico como critério para definição da base de cálculo dos honorários advocatícios de sucumbência, pertinente trazer à colação, mutatis mutadis, os seguintes precedentes do Superior Tribunal de Justiça: Processual Civil. Embargos À Execução. Valor Da Causa. Quantum Econômico Impugnado Idêntico Ao Da Execução. É iterativa a jurisprudência desta Corte no sentido de que o valor da causa nos Embargos à Execução deve corresponder ao valor da dívida exeqüenda se o embargante ataca a Execução pela integralidade dos valores cobrados. [...] (AgRg no Ag 967743/ MG, Rel. Min. Beneti, Terceira Turma, DJe de 11.02.2009; grifou-se). Agravo Regimental No Agravo De Instrumento. Embargos À Execução Contra O Valor Total Da Execução. Proveito Econômico Pretendido. Valor Da Causa Coincidente Com O Valor Da Execução. I - O valor da causa nos embargos à execução deve corresponder ao proveito econômico pretendido. Precedentes. II - Na espécie, houve pedido específico relativo à ocorrência de prescrição da pretensão executiva, de modo que o valor da causa nos embargos à execução deve corresponder ao valor total executado. [...] (AgRg no Ag 1083151/RS, Rel. Min. Felix Fischer, Quinta Turma, DJe de 17.08.09; grifou-se). Processual Civil. Agravo Regimental No Agravo De Instrumento. Valor Da Causa. Quantum Impugnado Nos EmCCecíliCeCe

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bargos. Conteúdo Econômico. Idêntico Ao Da Execução. 1. O entendimento do STJ é de que, buscando o embargante questionar a totalidade do crédito que se pretende executar, o valor da causa nos embargos à execução deve guardar paridade com aquele atribuído à execução. [...] (AgRg no Ag 1051745/MG, Relator Ministro João Otávio Noronha, Quarta Turma, DJe de 30.03.2009).

No que tange aos limites percentuais dos honorários advocatícios na fase liquidatória, o percentual máximo dessas verbas, correspondente a 20% do proveito econômico, deve se aplicar a toda fase processual de conhecimento, seja a de cognição propriamente dita, ou quando necessária a instauração da fase complementar destinada à liquidação da sentença genérica, inclusive para efeitos de eventual fixação de honorários recursais. Ainda se conclui que o limite percentual (entre 10% a 20%) deve voltar a poder incidir, na sua inteireza, ao se iniciar a fase executiva, após a transposição da fase de conhecimento, ou seja, após a prolação da sentença ilíquida e o acertamento do valor do débito, na eventualidade da instauração da etapa complementar, que é a de liquidação. E isso é lógico porque – é pertinente repisar – o fenômeno da liquidação não integra o processo executivo, dele se distinguindo fundamentalmente, dado que constitui procedimento complementar do processo de conhecimento, necessário para tornar o título judicial líquido. Sob essa perspectiva, cabe distinguir a fase de liquidação em relação à de cumprimento de sentença, atentando-se que a regra do § 1º, ao se mostrar destacada da regra básica do caput do art 85 do CPC/2015, também se funda na natureza distinta dessa fase propriamente executiva, em relação às etapas anteriores que compreendem a totalidade da fase processual de conhecimento, autorizando a coerente interpretação no sentido de que a fase executiva, assim como as demais previstas no dispositivo complementar do citado art. 85, não estão alcançadas pela limitação dos honorários CCecíliCeCe

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ao percentual de 20% do proveito econômico – percentual que é aplicável à fase de conhecimento (sentença de cognição e eventual sentença de liquidação, quando necessária à quantificação da obrigação de pagar). Veja-se a propósito o que estabelece o § 1º, do art. 523 do CPC de 2015: Art. 523. No caso de condenação em quantia certa, ou já fixada em liquidação, e no caso de decisão sobre parcela incontroversa, o cumprimento definitivo da sentença far-se-á a requerimento do exequente, sendo o executado intimado para pagar o débito, no prazo de 15 (quinze) dias, acrescido de custas, se houver. § 1CPC/2015 Não ocorrendo pagamento voluntário no prazo do caput, o débito será acrescido de multa de dez por cento e, também, de honorários de advogado de dez por cento. (grifou-se).

Ora, é de fácil percepção que, se o limite percentual de 20% previsto para a fixação de honorários advocatícios na fase de conhecimento abarcasse também a fase executiva, ou seja, a fase de cumprimento de sentença, não haveria qualquer coerência na regra do § 1º do art. 523, do CPC/2015, uma vez que, segundo essa disposição, basta a omissão da parte, deixando transcorrer in albis o prazo de 15 dias após ser regularmente intimada a pagar o débito já liquidado, para incidência de honorários em 10% do valor da dívida (além da multa). Sendo assim, se a fase executiva ainda estivesse condicionada ao limite da fixação de honorários em 20% do proveito econômico, essa sanção frequentemente não teria aplicação, ou seria aplicada quase sempre com restrições, desde que na fase anterior (de conhecimento) tenha sido alcançado todo percentual de 20%, ou ao menos ultrapassado o percentual de 10% previsto como mínimo no § 2º do art. 85 do CPC, isso sem se falar na possibilidade de honorários recursais, também passíveis de gerar um incremento nessas verbas em cada fase processual. CCecíliCeCe

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Em suma, a possibilidade da fixação de honorários advocatícios, no percentual máximo de 20% do proveito econômico atrelado à sucumbência imposta, aplica-se a toda fase de conhecimento, inclusive à eventual fase de liquidação, na hipótese de proferimento de sentença ilíquida, depreendendo-se da sistemática do art.85 do CPC, ser viável o arbitramento desse mesmo limite percentual – entre 10% a 20% – como verba honorária de advogado na fase executiva correspondente à de cumprimento de sentença, cuja natureza é essencialmente distinta da fase de cognição, no sistema processual sincrético mantido no CPC de 2015. Haverá contextos em que a fase propriamente de cognição já se desenvolveu sob intensa litigiosidade e complexidade, inclusive com interposição de inúmeros recursos até o trânsito em julgado da sentença ilíquida, apresentando-se o mesmo grau de contenciosidade na fase de liquidação, de sorte que o percentual máximo de 20% para toda fase de conhecimento, incluindo a liquidatória, poderá se afigurar amesquinhado para compensar o esforço demandado dos advogados até a quantificação do valor da condenação, cabendo à construção jurisprudencial o papel de encontrar solução para essas dificuldades, que já se vislumbram a partir da tentativa de interpretação da disciplina legal dessas verbas, no Código de Processo Civil de 2015.

6 À guisa de conclusão À luz da disciplina dos honorários advocatícios no CPC de 2015, particularmente a regra do caput do art. 85 e seu § 1º, em interpretação sistemática com outras disposições da Lei nº 13.105/2015, resulta induvidoso que, pelo princípio da causalidade, impõe-se a fixação de honorários advocatícios sucumbenciais na fase de liquidação, seja na modalidade por arbitramento ou por procedimento comum, sempre que a fase liquidatória apresente litigiosidade que se resolva com a imposição de sucumbência a uma das partes ou CCecíliCeCe

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proporcionalmente, na sentença de encerramento da fase de liquidação (Parágrafo Único do art. 1.015 do CPC de 2015), sendo essa lógica que deve nortear a interpretação das disposições do atual CPC acerca do tema, corroborando e reafirmando a orientação jurisprudencial construída ainda sob a vigência da CPC anterior, sobretudo no âmbito do STJ. No que concerne à base de cálculo para o arbitramento dessas verbas na fase de liquidação contenciosa, conclui-se ainda que deve corresponder ao proveito econômico obtido com a sucumbência imposta à outra parte, segundo o grau de litigiosidade e o alcance que cada questão ou tese sucumbente teria na determinação do quantum debeatur, reconhecendo-se ademais, como parâmetro para a fixação dessas verbas, o limite de 20% para toda fase de conhecimento (incluindo a fase liquidatória), voltando a incidir a possibilidade de ser atingida a mesma escala percentual de até 20% na fase autônoma seguinte, de cumprimento de sentença.

7 Referências ASSIS, ARAKEN DE. Manual da Execução, 19º Ed., Editora RT, 2017. DIDIER JR. Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil - Vol. 2. 1° Ed. Salvador: Juspodovm, 2007. NERY JR, Nelson; Nery, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante - 10ª Ed. São Paulo: RT, 2007. PARECER PGFN/CRJ/Nº 440/2016. Revista da PGFN, número 2016-9, ano V, pp. 225/159http://www.pgfn.fazenda.gov.br/revista-pgfn/ano-vnumero2016-9-/p440.pdf; acesso em 02.07.2017.

CCecíliCeCe

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Garantias

C onstitucionais

do P rocesso: conforme direitos reconhecidos e tutelados no texto da C onstituição F ederal Edna Maria da Silva1

O presente artigo tem por objetivo desenvolver um breve estudo acerca de algumas das garantias constitucionais. A pesquisa de cunho bibliográfico empreendida pretende demonstrar que direitos outrora suprimidos em uma época de autoritarismo, atualmente, encontram-se protegidos pelos princípios e garantias fundamentais expressas no bojo da Carta Magna. A propósito disso, pretende-se abordar o devido processo legal, o direito de ação atrelado ao princípio da inafastabilidade jurisdicional, o contraditório, assim como o princípio da isonomia e sua aplicação no Direito Processual Civil. Ademais, busca-se demonstrar a supremacia do texto constitucional, sob o enfoque da proteção a direitos e garantias fundamentais, realçando-se que é exatamente nele que as normas jurídicas, para que sejam válidas, devem encontrar seu fundamento. Palavras-chave: garantias constitucionais – processo – direito. Sumário: 1. Introdução; 2. Devido Processo Legal; 3. A Inafastabilidade Jurisdicional; 4. Garantia Constitucional do Contraditório; 5. Isonomia; 6. Conclusões; 7. Referências.

1 Introdução A Constituição Federal traz em seu texto magno princípios e garantias fundamentais que disciplinam as normas infraconstitucionais de todo o sistema normativo. É nela que devem se fundamentar todas as demais normas jurídicas, para que tenham validade, sendo, deste modo, a exegese da Constituição imprescindível para nortear a elaboração, interpretação e aplicação de todas as leis e normas estabelecidas no ordenamento Jurídico brasileiro. Ademais, superado no Brasil o regime autoritário, blindados os direitos e garantias fundamentais pela supremacia da Lei Maior, a qual, também, veio a limitar o poder, por exemplo, dos juízes e dos próprios legisladores, isto, para evitar que em algum momento da 1  Bacharela em Direito pela Faculdade de Olinda (Focca). Pós-graduanda em Processo Civil Contemporâneo pela UFPE. EEdnEdEdnaEEdEdEdna

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história, por ventura, venham a ocorrer novas supressões a estes direitos, iniciou-se, então, a reestruturação do modelo processual. Nesse contexto, deu-se a demarcação constitucional garantindo o respeito ao processo legal, ao direito de ação atrelado aos princípios da inafastabilidade jurisdicional, do contraditório e da isonomia. Nessa conjuntura, quando contemplada no texto magno, a atividade processual, instrumento de defesa de todo cidadão, foi valorizada pela Constituição de 1988, que passou a ser a verdadeira fonte normativa do sistema processual, garantindo ao jurisdicionado a sucessão dos atos do processo de forma mais segura.

2 Devido Processo Legal O conceito do devido processo legal está atrelado às garantias fundamentais presentes na Constituição, como a inafastabilidade jurisdicional, artigo 5º, inciso XXXV; o juiz natural, inciso LIII e XXXVII; o contraditório e a ampla defesa, incisos LIV e LV; a isonomia, caput e inciso I; a razoável duração do processo, inciso LXXVII (introduzido pela EC 45); além da exigência de fundamentação das decisões jurídicas, artigo 93, inciso IX, da CF, dentre outras. Na definição de Bulos2: “Devido processo legal é o reservatório de princípios constitucionais, expressos e implícitos que limitam a ação dos Poderes Públicos. [...] Mais do que um princípio o devido processo legal é um sobreprincípio, ou seja, fundamento sobre o qual todos os demais direitos fundamentais repousam”.

A partir dessa conceituação, em que se demonstra que estão reunidas diversas garantias fundamentais ao devido processo 2 , BULOS, Uadi Lammêgo. Direito Constitucional ao alcance de todos, p.264 EEdnEdEdnaEEdEdEdna

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legal (artigo 5º, inciso LIV, da CF), seria, então, suficiente a sua mera enunciação para brotarem as garantias que dele decorrem, sem a necessidade de explicitar os demais princípios no bojo do texto constitucional. Contudo, diante de uma democracia jovem, é importante essa efetivação da Constituição, para evitar que, ocorrendo eventuais momentos repressivos e autoritários, garantias fundamentais venham novamente a ser suprimidas, como assinala Valim3 em seu artigo: “[...] ante a complexidade e a tessitura normativa elástico do conceito do due processo of law, seria prescindível a enumeração, no texto constitucional, das demais garantias fundamentais, sendo suficiente apenas a consagração do devido processo legal. Todavia, a explicitação, no bojo do texto constitucional, dos demais princípios decorrentes do devido processo legal é necessária para a concretização e efetivação da própria Constituição, evitando que, em momentos históricos autoritários e repressivos, garantias fundamentais sejam suprimidas. Quanto maior o leque de direitos e garantias constitucionalmente assegurados, em maior âmbito de tutela constitucional se encontra o jurisdicionado”.

A Constituição de 1988 dispõe em seu inciso LIV do artigo 5º que: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. Assim como, também anteriormente verificado, em vários dos incisos do artigo 5º da Carta Magna, a importância indiscutível da Constituição Federal para o sistema instrumental brasileiro de acordo com os direitos fundamentais. Para Nery e Abboud4: A influência dos direitos fundamentais adaptou-se à realidade socioeconômica e política vivida pelas diversas sociedades. No Brasil, percebe-se que a guerra fria no contexto internacional, e mais especificamente, a ditadura militar, no contexto interno, foram acontecimentos que atrasaram até 1988 o início da reestruturação de nosso sistema instrumental conforme os direitos essenciais. 3  VALIM, Pedro Losa Loureiro. Garantias constitucionais do processo, cap. 1.1. 4  NERY JUNIOR, Nelson; ABBOUD, Georges. Direito Processual Civil, p. 21. EEdnEdEdnaEEdEdEdna

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Ainda nas palavras de Nery e Abboud: As Constituições Políticas Contemporâneas não têm mais apenas o objetivo de delimitar a atividade do Estado em face do cidadão considerado individualmente. Em razão do conflito de interesses de certas coletividades, depende-se o devido processo legal para atingir a soluções esperadas. Pela influência dos direitos fundamentais, nas palavras de Willis Santiago Guerra Filho, ‘o processo tornar-se um instrumento privilegiado de participação política e exercício permanente da cidadania.5

Quanto ao funcionamento e importância deste dispositivo jurídico, Bulos6 destaca que: O devido processo legal funciona como meio de manutenção dos direitos fundamentais. Sua importância é enorme, porque impede que as liberdades públicas fiquem ao arbítrio das autoridades executivas, legislativas e judiciais. Somente no final do século XX os juristas despertaram para a grande importância do devido processo. A magistratura, de modo geral, desconhecia-lhe a amplitude, deixando de aplica-lo, em muitos casos. Não raros, leis ou atos normativos inconstitucionais vigoravam em nítida afronta às liberdades públicas, sem que nada fosse feito para combater tal praxe.

Muitos estudiosos, atualmente, acreditam ser o processo um ‘ato jurídico complexo’ por ser composto por uma gama de direitos fundamentais, motivo pelo qual se torna difícil para muitos chegar a um esquema que defina todo o seu potencial. No entanto, foi a partir desse âmbito constitucional, com todas essas garantias e princípios informativos do devido processo, que se deu início a um novo momento no que concerne ao desenvolvimento da ordem jurídica e ao reconhecimento da grandiosidade do devido processo legal.

3 A Inafastabilidade Jurisdicional O princípio da inafastabilidade é o que garante a todos os ci5  NERY JUNIOR, Nelson; ABBOUD, Georges. Direito Processual Civil, p. 22. 6  BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional, p. 661. EEdnEdEdnaEEdEdEdna

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dadãos o acesso à justiça7. Dispõe o inciso XXXV do artigo 5º, da Constituição Federal, que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. O Brasil guarda em sua história recente período de autoritarismo, onde direitos hoje consagrados como fundamentais sofreram opressão, como quando, por exemplo, o acesso à justiça foi limitado no final da década de 60. Tendo sido esta garantia suprimida a partir da edição, no dia 13 de dezembro de 1968, do Ato Institucional nº 05. Pois, o AI – 05, em seu artigo 11, excluía “de qualquer apreciação judicial todos os atos praticados de acordo com este Ato institucional e seus Atos Complementares, bem como os respectivos efeitos.” Vinte anos depois, mais precisamente em outubro 1988, nasce a Constituição Federal que consagra a democracia e assegura o direito do cidadão poder levar à apreciação do judiciário toda e qualquer lesão ou ameaça por ele sofrida. Ou seja, o direito de ação, o qual concretiza uma garantia constitucional.

Nas palavras de Lopes e Lopes: A Constituição de 1988 traz, no inciso XXXV do art. 5º, a seguinte disposição: A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito. Para além da literalidade do texto, o que se estabelece não é apenas o direito de ingressar em juízo ou de movimentar a máquina judiciária, mas a garantia de tutela jurisdicional qualificada, cumprida a função social do sistema jurídico.

Kazuo Watanabe8, no artigo “Tutela antecipatória e tutela específica das obrigações de fazer e não fazer”, destaca: O princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, inscrito no inciso XXXV do artigo 5º da Constituição Federal, não assegura apenas o acesso formal aos órgãos judiciários, mas sim o acesso à Justiça que propicie a efetiva e tempestiva proteção contra qualquer forma de denegação da justiça e também 7  LOPES, João Batista; LOPES Maria Elizabeth de Castro. Princípio da Efetividade, p. 241. 8  WATANABE, Kazuo. Tutela Antecipatória e tutela específica das obrigações de fazer e não fazer – arts 273 e 461 do CPC, p. 20. EEdnEdEdnaEEdEdEdna

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o acesso à ordem jurídica justa. Cuida-se de um ideal que, certamente, está ainda muito distante de ser concretizado e, pela falibilidade do ser humano, seguramente jamais o atingiremos na sua inteireza. Mas a permanente manutenção desse ideal na mente e no coração dos operadores do direito é uma necessidade para que o ordenamento jurídico esteja em contínua evolução.

De acordo com os ensinamentos do professor Dinamarco9: O inc. XXXV do art. 5º da Constituição, antes interpretado como portador somente da garantia da ação, tem o significado político de pôr sob controle os órgãos da jurisdição todas as crises jurídicas capazes e gerar estados de insatisfações às pessoas (...) o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional manda que as pretensões sejam aceitas em juízo, sejam processadas e julgadas, que a tutela seja oferecida por ato do juiz àquele que tiver direito a ela – e, sobretudo, que ela seja efetiva como resultado prático do processo;

Há, portanto, à luz do princípio da inafastabilidade jurisdicional, a garantia constitucional do acesso à Justiça quando é oportunizado ao cidadão postular ao Poder Judiciário, para que este aprecie a sua alegação de existência de determinado direito, ainda que a sentença prolatada seja de improcedência.

4 Garantia Constitucional do Contraditório O contraditório encontra-se estabelecido no texto constitucional, em seu inciso IV do artigo 5º, o qual dispõe que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. O contraditório, em outra época, era tão somente a necessidade de a parte adversa apresentar a sua versão dos fatos, dando oportunidade à parte contrária de conhecer tais informações.

9  DINAMARCO, Cândido Rangel, Instituições de Direito Processual Civil, pp. 203-204. EEdnEdEdnaEEdEdEdna

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Segundo Souza10, o processo deve seguir à risca o que a Constituição Federal estabeleceu como garantias processuais, principalmente no que se refere à tutela dos direitos fundamentais: imunizar e reparar, quando preciso, o direito [...] de acordo com os preceitos e valores inseridos na Constituição Federal Leciona Theodoro Júnior11: Quando se afirma o caráter absoluto do princípio do contraditório, o que se pretende dizer é que nenhum processo ou procedimento pode ser disciplinado sem assegurar às partes a regra de isonomia no exercício das faculdades processuais. (…) não pode o juiz conduzir o processo sem respeitar o contraditório; à parte, entretanto, cabe a liberdade de exercitá-lo ou não, segundo seu puro alvedrio. Ninguém é obrigado a defender-se. O direito de participar do contraditório é, nessa ordem, disponível. Logo, mesmo quando o juiz o desobedece, cometendo cerceamento de defesa, o processo ficará passível de nulidade.

O contraditório vem, portanto, para assegurar o direito que assiste às partes de contrapor o que alega a parte contrária e, assim, garantir o direito disponível de contradizer parte adversária com paridade de armas. Ou seja, esse princípio se associa a outros direitos fundamentais, como o princípio da liberdade de expressão, isonomia, entre outros.

5 Isonomia O artigo 5º, caput, da CF, dispõe: “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”. O conceito de isonomia foi clareado pela Revolução Francesa e avançou durante os séculos XVIII e XIX, com o intuito de mo10  SOUZA, Carlos Eduardo Amaral de. Nova visão do princípio constitucional do contraditório e seu papel no direito fundamental ao acesso à ordem jurídica justa, p. 104. 11  THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento, p. 172. EEdnEdEdnaEEdEdEdna

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dificar a estrutura de sua sociedade, típica do sistema feudal medieval, em que o indivíduo dependia de sua origem familiar para ter acesso aos privilégios e ao poder. Deste modo, o “status” era definido a partir do nascimento do indivíduo, como se traduz na máxima, por exemplo, de que o indivíduo que nasceu servo, servo seria até a morrer. Mesmo tendo a classe burguesa passado a ser detentora das riquezas, em consequência da Revolução Industrial, ainda assim, continuava desprovida dos privilégios reservados à família monárquica, aos nobres e aos militares. Não havia mobilidade social, típica de uma sociedade estamental, ou seja, dividida em grupos sociais. Contudo, outrora, os gregos já apontavam a importância da igualdade. O filósofo Aristóteles, em sua obra “A Política”, ao falar sobre a Justiça Política faz menção ao princípio da isonomia, dizendo ser este próprio do homem em meio social. Apregoava ainda que, a conduta dos cidadãos deve obediência às leis, as quais devem ser ajustadas ao critério da igualdade12. Isto demonstra que desde o passado o problema da desigualdade inerente ao homem e à sociedade em que este se encontra inserido, o tem levado a querer modificar a estrutura social em que vive, tornando-a mais igualitária em direitos e deveres. Ruy Barbosa (apud Bulos,2010, p.17) 13 sustenta em um de seus textos primorosos inspirando-se na lição Aristotélica que: A regra da igualdade não consiste senão em tratar desigualmente os desiguais na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcional e desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. Os mais são desvarios da inveja, do orgulho ou da loucura. Tratar com desigualdade os iguais, ou os desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real. Os apetites humanos conceberam inverter a norma universal da criação, pretendendo, não dar a 12  ARISTOTELES. A Política. Hemus Livraria, Distribuidora e Editora, 2005 13  Ruy Barbosa apud BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional, p. 17. EEdnEdEdnaEEdEdEdna

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cada um, na razão do que vale, mas atribuir os mesmos a todos, como se todos se equivalessem.

Seguindo esse entendimento, pode-se dizer que, para que não haja injustiça, é necessário utilizar a desigualdade de tratamento, quando preciso for, para o nivelamento de todos. Ou seja, disponibilizar indistintamente a verdadeira situação igualitária. Por esta razão, é preciso criar as oportunidades para serem as pessoas efetivamente iguais, abolindo, deste modo, os privilégios processuais e conservando, assim, o direito constitucional da isonomia

6 Conclusões A Constituição de 1988 foi o apogeu do importante caminhar histórico em direção ao Estado Democrático de Direito. Com o seu advento, deu-se um passo definitivo rumo à consolidação da tão esperada democracia. A Constituição Federal de 1988 trouxe em seu bojo preceitos imprescindíveis para igualar todos perante a lei e, desta feita, para que o então recém conquistado estado democrático tivesse uma permanência duradoura e não se fragilizasse com o passar do tempo. Nesse diapasão, pode–se dizer que a constituição tem por objeto a organização do poder em sociedade, como, por exemplo, ao determinar limites ao poder decisório conferido aos juízes, os quais não podem se distanciar da supremacia constitucional. Para tanto, devem, quando no exercício de sua jurisdição, preservar os princípios e garantias elencados na Carta Magna, dentre os quais se encontram o direito de ação, sucedido do devido processo legal, da ampla defesa e contraditório, e da igualdade das partes envolvidas na ação. Para além disso, a Carta Magna também norteia e baliza a estruturação de uma ordenação processual, no sentido de que esta ao ser construída respeite os comandos normativos naquela estabelecidos. EEdnEdEdnaEEdEdEdna

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Diante do exposto, conclui-se que, para a realização do pleno direito do jurisdicionado perante a atividade exercida judicial pelo Estado, o processo deve observar os preceitos constitucionais pertinentes. Isto é o que garante e permite que os atos do processo sejam realizados da forma mais segura possível, respeitando-se os direitos e garantias constitucionais.

7 Referências ARISTOTELES. A Política. Hemus Livraria, Distribuidora e Editora, 2005; BULOS, Uadi Lammêgo. Direito Constitucional ao alcance de todos. 3. ed. Saraiva: São Paulo, 2009; P.264 BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 5. ed. Saraiva: São Paulo, 2010; DINAMARCO, Cândido Rangel, Instituições de direito processual civil. Ed. Malheiros: São Paulo. p. 203/204, 2009; LOPES, João Batista; LOPES Maria Elizabeth de Castro. Princípio da Efetividade. In: Princípios processuais civis na Constituição. Ed. Elsevier: Rio de Janeiro, pp. 241/253, 2008; NERY JUNIOR, Nelson; ABBOUD, Georges. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, p. 21 e 2015 ,22; THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento – vol. I – Humberto Theodoro Júnior – Rio de Janeiro: Forense, 2014; SOUZA, Carlos Eduardo Amaral de. Nova visão do princípio constitucional docontraditório e seu papel no direito fundamental ao acesso à ordem jurídica justa (Art.5º, XXXV, LIV, LV e LXXVIII, da CF/88: o princípio da cooperação no processo. Dissertação (Mestrado em Direito). Faculdade de Direito de Vitória. Vitória, 2008; WATANABE, Kazuo. Tutela Antecipatória e tutela específica das obrigações de fazer e não fazer – arts 273 e 461 do CPC. P. 20. In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo Teixeira (Coord.). Reforma do Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, p. 20, 1996; VALIM, Pedro Losa Loureiro. Garantias constitucionais do processo. 2017 Disponível em: Acessado em 14 nov 2017

EEdnEdEdnaEEdEdEdna

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Considerações

sobre a processual à luz do C ódigo de de 2015

economicidade Processo Civil

Fernanda Maria Albuquerque1

O presente artigo tem o objetivo de desenvolver algumas considerações envolvendo a economicidade processual, a propósito do advento da Lei nº 13.105/2015 – CPC vigente. Ressaltou-se que outrora já houve diversas alterações constitucionais e legislativas visando ao alcance dessa garantia processual, vindo o primeiro acontecimento com a promulgação da EC nº 45/04. Na mesma esteira, o atual Código de Processo Civil traz várias opções para composição dos litígios extrajudicialmente, objetivando desobstruir as vias judiciais e garantir a resolução dos conflitos por meios alternativos, bem como mediante alterações em outros institutos, nessa busca incansável pela celeridade processual. Palavras-chave: Economicidade – Processual - Processo Civil. Sumário: 1. Introdução; 2. Da conciliação e Mediação judiciais; 3. Ônus Dinâmico da Prova; 4. Prazos; 5. Sistema de precedentes para fins de estabilização da jurisprudência; 6. Dos Honorários Advocatícios; 7. Conclusão.

1 Introdução O Código de Processos Civil revogado, instituído pela Lei 5.869 de 11 de janeiro de 1973, sofreu inúmeras alterações por meio de periódicas reformas, gerando uma sensação de vulnerabilidade jurídica, o que tornou necessária a elaboração de um Código de Processo Civil de 2015, com o intuito de sanar a insegurança jurídica latente e também como mecanismo para a introdução de novos institutos no ordenamento jurídico processual brasileiro. Denota-se que o objetivo central do CPC de 2015 é proporcionar a celeridade processual aliada à segurança jurídica, percebendo-se ainda um maior enfoque no desejo do jurisdicionado, que é a resolução efetiva do seu problema no menor tempo possível. Destarte, válido é ressaltar que tais anseios já existiam nos 1  Advogada, Pós-Graduanda em Processo Civil Contemporâneo pela Universidade Federal de Pernambuco, Bacharela em Direito pela Faculdade Estácio do Recife. FFernandFeFernFeFernanda M

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pensamentos e discussões doutrinárias sobre o projeto do Código de Processo Civil, como se vê do posicionamento de Nelson Nery Jr: […] as pregações feitas por setores especializados em direito constitucional e processual, assim como também por setores leigos, no sentido de que são necessárias mudanças da legislação processual para ‘acabar-se’ com a morosidade da justiça, não deixam de ser um tanto quanto dissociadas das verdadeiras causas, e, portanto, não são adequadas soluções para esses problemas por eles apontados. E para solucionar o problema da ineficiência do Poder Judiciário na prestação jurisdicional faz-se necessário que sejam realizadas mais pesquisas estatísticas, técnica esta totalmente alheia aos operadores do direito, o que requer profissionais especializados (tratamento multidisciplinar do problema). Há tempos, estudiosos como, por exemplo, José Carlos Barbosa Moreira e Egas Diniz Moniz de Araújo, vêm defendendo a necessidade de serem efetuadas pesquisas estatísticas para coleta de dados na realidade dos foros, a fim de serem identificados pontos de estrangulamento na tramitação dos processos. Com efeito, diversos indicadores introduzidos na Constituição de 1988 pela Reforma do Judiciário, a ensejar a realização de análises das mais diversas sobre o funcionamento do Judiciário, tais como: sobre a quantidade adequada de juízes em todas as comarcas do território brasileiro, tomando por base a efetiva demanda judicial e a respectiva população; ou, ainda, sobre o prazo adequado para a distribuição de processos em todos os órgãos jurisdicionais. Além disso, deve-se mudar o foco das reformas processuais, passando-se a exigir maiores investimentos em infraestrutura do Poder Judiciário, bem como a mudança de mentalidade de alguns membros da magistratura, do ministério público, de advogados e de servidores públicos. 2

Complementa o mesmo autor: Para que se dê efetividade à garantia constitucional da celeridade e duração razoável do processo judicial é necessário equipar-se o Poder Judiciário do aparato logístico de que precisa para dar cumprimento ao comando constitucional, constituído de melhoria da capacitação técnica dos juízes e dos elementos materiais necessários ao bom desempenho das funções dos 2 

NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do Processo na Constituição Federal.

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magistrados e dos auxiliares da justiça.3

2 Da conciliação e Mediação judiciais A iniciativa do Legislador em trazer para o Código de Processo Civil os institutos da conciliação e mediação judicial tem o intuído de proporcionar aos cidadãos que buscam a tutela do Judiciário a oportunidade de realizar a autocomposição, durante o processo judicial. É uma fase não obrigatória, indicada para as pessoas que tenham interesse na solução do conflito através da transação, não devendo ser imposta às partes, de modo que uma das partes, ou ambas, podem se manifestar indicando o não interesse na audiência prévia. A fase conciliatória marca a primeira participação do autor no processo. Veja a definição doutrinária dos institutos em comento, exposta por Didier: Mediação e conciliação são formas de solução de conflito pelas quais um terceiro intervém em um processo negocial, com a função de auxiliar as partes a chegar à autocomposição. Ao terceiro não cabe resolver o problema, como acontece na arbitragem: o mediador / conciliador exerce um papel de catalisador da solução negocial do conflito. 4

O conciliador atuará como orientador podendo propor soluções para sanar a controvérsia, fazendo com que as partes discutam entre si e optem, de comum acordo dentre as soluções propostas, pela que reputem mais adequada à resolução do conflito de interesses. A mediação diferencia-se da conciliação por ser indicada para os casos em que as partes já tiveram um vínculo anterior e desse vínculo tenha resultado o conflito de interesses. Nesse caso, o mediador não oferece soluções, ele atua auxiliando as partes, para que elas encontrem a melhor solução para o problema, o que torna a participação do mediador menos ativa que a do conciliador. 3  NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do Processo na Constituição Federal, p. 319. 4  DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil, v. 1, p. 275. FFernandFeFernFeFernanda M

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3 Ônus Dinâmico da Prova O ônus dinâmico da prova é tratado no artigo 373, §1 do CPC/2015, trazendo a possibilidade de o juiz modular os ônus probatórios e sua dinamização. É importante frisar que a prova consiste em direito fundamental, sendo pertinente colacionar a opinião doutrinária de Marinoni sobre o instituto das provas no processo: O direito de produzir prova engloba o direito à adequada oportunidade de requerer a sua produção, o direito de participar da sua realização e o direito de falar sobre os seus resultados.5

Anote-se que o artigo 369 do CPC de 2015 trata de todos os tipos de provas admitidas em direito e subdivide as provas em típicas, quando são expressamente previstas em lei, e atípicas, que são aquelas que se fazem também por meio que a lei não preveja, mas que o juiz as julgue necessária, não devendo, entretanto, contrariar nenhum preceito legal nem moral. O direito de produzir provas é valorizado no CPC vigente, estando o ônus dinâmico da prova diretamente ligado ao princípio do contraditório e da ampla defesa, garantias que proporcionam às partes a oportunidade de não apenas falar, mas de materializar processualmente as provas e evidências do seu direito.

4 Prazos No que concerne aos prazos, foi realizada uma modificação nos prazos próprios, que são os prazos nos quais, não havendo o devido cumprimento, ocorre a preclusão temporal. Desse modo, a parte que deixou de cumprir perde o direito ao cumprimento determinado prazo. Os prazos são prescritos em lei, ou convencionados pelo juiz de acordo com a complexidade do ato a ser praticado. Para os casos de 5 

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Prova, pp. 258-259.

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omissão, houve também a determinação da contagem dos prazos processuais serem apenas em “dias úteis”, assim como a determinação do recesso forense no período de 20 de dezembro a 20 de janeiro, devendo os prazos serem suspensos neste período. Estas são as principais modificações, porém a lei dispõe da todos os prazos nos artigos 217 a 232 da Lei Nº. 13.105, de 16 de março de 2015.

5 Sistema de precedentes para fins de estabilização da jurisprudência O sistema de precedentes tem por objetivo o fortalecimento das decisões judiciais, mantendo alinhamento e racionalidade, para evitar que ações exatamente iguais tenham julgamentos totalmente distintos apenas pelo fato de terem sido distribuídas para varas diferentes, por exemplo. Assim, pode-se minimizar ou quiçá extinguir o efeito do entendimento individualizado de juiz, que tem gerado danos e insegurança aos que buscam a tutela judicial, vindo ao longo dos anos gerando insatisfação ao jurisdicionado, que não consegue compreender o real motivo de não ter “ganho o processo”, se seu colega, que estava na mesma situação que ele, obteve êxito. Veja-se abaixo o entendimento doutrinário de Fred Didier acerca de precedente: [...] É a Decisão judicial tomada à luz de um caso concreto, cujo núcleo essencial pode servir como diretriz para o julgamento posterior de casos análogos.6

No referido sistema de precedentes, não há a necessidade de reiteradas decisões, apenas uma decisão no mesmo sentido já é suficiente. Diferentemente do que ocorre na jurisprudência, que só ocorre quando há julgamentos reiterados sobre a mesma matéria. Vale ressaltar que nem todas as decisões judiciais podem formar um precedente, mas todos os precedentes são advindos de decisões 6  DIDIER JR., Fredie; OLIVEIRA, Rafael Santos Alexandria; BRAGA, Paula Sarno. Curso de Direito Processual Civil, v. 2, p. 385. FFernandFeFernFeFernanda M

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judiciais. Analise-se o entendimento de Dworkin sobre a matéria: Podemos comparar o juiz que decide sobre o que é direito em alguma questão judicial, não apenas com os cidadãos da comunidade hipotética que analisa a cortesia que decidem o que essa tradição exige, mas com o crítico literário que destrinça as várias dimensões de valor em uma peça ou um poema complexo. Os juízes, porém, são igualmente autores e críticos. [...] Portanto, podemos encontrar uma comparação ainda mais fértil entre literatura e direito ao criarmos um gênero literário artificial que podemos chamar de “romance em cadeia”. Em tal projeto, um grupo de romancistas escreve um romance em série; cada romancista da cadeia interpreta os capítulos que recebeu para escrever um novo capítulo, que é então acrescentado ao que recebe o romancista seguinte, e assim por diante. Cada um deve escrever seu capítulo de modo a criar da melhor maneira possível o romance em elaboração, e a complexidade dessa tarefa reproduz a complexidade de decidir um caso difícil de direito como integridade. [...] Em nosso exemplo, contudo, espera-se que os romancistas levem mais a sério suas responsabilidades de continuidade; devem criar em conjunto, até onde for possível, um só romance unificado que seja da melhor qualidade possível. [...] Deve tentar criar o melhor romance possível como se fosse obra de um único autor, e não, como na verdade é o caso, como produto de muitas mãos diferentes. Isso exige uma avaliação geral de sua parte. 7

Veja-se o posicionamento de Streck sobre o tema: Numa palavra final, não podemos admitir que ainda nessa quadra da história, sejamos levados por argumentos que afastam o conteúdo de uma lei – democraticamente legitimada – com base em uma suposta “superação” da literalidade do texto legal. Insisto: literalidade e ambiguidade são conceitos intercambiáveis que não são esclarecidos numa dimensão simplesmente abstrata de análise dos signos que compõem um enunciado. Tais questões sempre remetem a um plano de profundidade que carrega consigo a “dobra da linguagem”, vale dizer, o contexto no qual a enunciação tem sua origem. Esse é o problema hermenêutico que devemos enfrentar! Problema esse que argumentos despistadores, como o da “superação” da literalidade 7 

DWORKIN, Ronald. O império do direito, p. 275-277

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da lei, só fazem esconder e, o que é mais grave, com riscos de macular o pacto democrático.8

Em havendo precedente cabível, deve ser utilizado, no todo ou em parte, a depender das peculiaridades do caso em concreto. Haverá ruptura no sistema, em não sendo respeitados os precedentes existentes, sendo a decisão passível de reforma e até de nulidade, para que seja dado o tratamento adequado à questão doa observância ao sistema processual de precedentes, respeitando o princípio da isonomia e do devido processo legal.

6 Dos Honorários Advocatícios Os honorários advocatícios sofreram significativas mudanças, passado a ter natureza de verba remuneratória, pertencente apenas ao advogado, e não mais de verba de ressarcimento, que é de titularidade da parte. Com isso, houve uma sistematização e aumento nas hipóteses de incidência de honorários, dentre elas a aplicabilidade de no mínimo 10% e no máximo 20%, do valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, será calculado sobre o valor atualizado da causa, ou ainda por equidade. Já para os casos de sucumbência recíproca serão divididos entre ambos os honorários e as despesas, não mais sendo admitida a compensação na proporção do grau de sucumbência de cada parte. No CPC vigente, os honorários advocatícios encontram-se disciplinados nos Artigos 82 ao 97, sendo destacados abaixo apenas alguns: Art. 82. Salvo as disposições concernentes à gratuidade da justiça, incumbe às partes prover as despesas dos atos que realizarem ou requererem no processo, antecipando-lhes o pagamento, desde o início até a sentença final ou, na execução, até a plena satisfação do direito reconhecido no título. § 2o A sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas 8 

STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso, pp. 538-539

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que antecipou. 9 Art. 86. Se cada litigante for, em parte, vencedor e vencido, serão proporcionalmente distribuídas entre eles as despesas. Art. 85. § 14. Os honorários constituem direito do advogado e têm natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho, sendo vedada a compensação em caso de sucumbência parcial.

Desta feita, resta superada o enunciado da Súmula 306 do STJ.10 O tema dos honorários advocatícios é abordado com maior peculiaridade e realce neste código, que trouxe à classe dos advogados uma segurança maior quanto ao recebimento e a impenhorabilidade do valor correspondente aos honorários advocatícios, proporcionando mais segurança jurídica, mesmo que antes o contrato de honorários já fosse tratado como título executivo extrajudicial, podendo assim ser objeto de execução, dispensando as necessidades do processo de conhecimento para cobranças de eventuais honorários devidos. A comunidade jurídica depara-se, pois, com uma evolução na legislação processual, refletida na disciplina legal voltada a amparar o direito à remuneração devida aos advogados, uma vez que o êxito das demandas se dá à custa de trabalho árduo destes profissionais, litigando em prol dos interesses de seus clientes.

7 Conclusão Falou-se brevemente sobre algumas das novas regras implementadas pela da Lei nº. 13.105/15 - Código de Processo Civil vigente, que trouxe regramento para o alcance da tão almejada celeridade processual, com maior segurança, implementando meios de resolução de conflitos extrajudiciais, tornando possível o acesso às câmaras de mediação, conciliação e arbitragem. 9  Artigo 82 da Lei Nº. 13.105, de 16 de março de 2015. 10  Artigo 86 da Lei Nº. 13.105, de 16 de março de 2015. FFernandFeFernFeFernanda M

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O CPC de 2015 trouxe ainda a possibilidade de o magistrado requerer a produção de provas, de forma que possa chegar ao seu livre convencimento. O livre convencimento do juiz é de fato livre para requerer a produção das provas necessárias para que possa chegar ao veredito, de forma mais justa, isonômica e satisfativa, assim como a possibilidade de se resolver de forma ágil o conflito existente, permitindo ao Juiz deliberar pela desnecessidade de produção de provas, entendendo ser satisfatória a prova já produzida, para o julgamento da lide. Por outro lado, a mudança no sistema de contagem de prazos tornou o procedimento judicial mais prático, pois o código foi elaborado também por advogados, que entendem o quanto é sacrificante litigar em prol dos interesses de seus clientes, em um curto espaço do tempo, tornando mais coerente a forma da contagem, na prática estendendo o recesso do judiciário também aos advogados, trazendo enfim inúmeros benefícios à comunidade jurídica. A nova forma de cobrança de honorários advocatícios vem também como uma tentativa de frear os litigantes habituais, bem como aquelas pessoas que “arriscam a sorte” em processos judiciais, valendo-se da lei da gratuidade, para transformar o sistema processual brasileiro em um “sistema de loteria”, em que as partes ingressavam com ações visando a reparação pecuniária de alegados danos morais. Atualmente vê-se cenário semelhante na justiça do trabalho, uma incessante massa de ações de dano moral, quando na verdade muitos estão apenas arriscando a sorte, na tentativa de auferir vantagens, utilizando-se das vias judiciais para tanto. Denota-se, enfim, que se deve sempre levar em consideração a vontade das partes, resguardando os direitos e garantias processuais previstos em nosso ordenamento jurídico, em especial na Carta Magna.

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8 Referências DIDIER JR., Fredie; OLIVEIRA, Rafael Santos Alexandria; BRAGA, Paula Sarno. Curso de Direito Processual Civil. Salvador: Juspodivm, 2013. DWORKIN, Ronald. O império do direito. Trad. Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2003. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Prova. 1 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais Ltda., 2010. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo CPC comentado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do Processo na Constituição Federal: processo civil, penal e administrativo. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso: constituição, hermenêutica e teorias discursivas. 4ª ed., São Paulo: Saraiva, 2011.

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sistema de precedentes vinculantes e o incremento da eficiência na prestação jurisdicional : aplicar a ratio decidendi sem rediscuti - la Frederico Augusto Leopoldino Koehler1

O presente artigo analisa como o sistema de precedentes vinculantes pode tornar o processo civil brasileiro mais racional, resultando em uma prestação jurisdicional mais eficiente. Isso decorrerá da simplificação do ônus argumentativo do juiz ao transpor para o caso concreto a ratio decidendi contida no precedente. Com isso, economiza-se o tempo que o magistrado perderia enfrentando novamente toda a argumentação jurídica que já fora apreciada no momento de formação do precedente, o que será especialmente útil nas demandas de massa. Palavras-chave: Direito Processual Civil – CPC/2015 – Precedentes obrigatórios – Motivação – Eficiência – Razoável duração do processo. Sumário: 1. Introdução; 2. A fundamentação das decisões judiciais no CPC/2015 (o art. 489, §1º). 3. A fundamentação das decisões judiciais com base em precedentes obrigatórios. 4. Conclusão 5. Referências.

1 Introdução: Com a entrada em vigor do CPC/2015, surgem vários questionamentos da comunidade jurídica, especialmente sobre sua real contribuição para uma maior efetividade da prestação jurisdicional e para que a tramitação dos processos se dê em prazo razoável, cumprindo-se, afinal, a determinação do art. 5º, inc. LXXVIII, da Constituição Federal. O presente artigo visa a analisar o impacto positivo que o sistema de precedentes vinculantes pode trazer para o processo civil brasileiro. O foco será a análise do momento de aplicação dos precedentes – não o de sua formação –, a fim de aferir se há algum aumento de eficiência derivado dessa nova sistemática. Procederemos a uma análise, portanto, de como a fundamentação 1  Mestre e Professor Adjunto da UFPE. Membro do IBDP, da ABDPRO e da ANNEP. Juiz Federal. FFredericFrFrederFrFredericoFrFreder

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da decisão, nos casos de aplicação de precedente obrigatório, difere da motivação elaborada em um processo em que não haja a vinculação a precedente, e como isso irá impactar o trabalho cotidiano dos magistrados brasileiros.

2 A fundamentação das decisões judiciais no CPC/2015 (o art. 489, §1º) A questão que se coloca nesse artigo é a seguinte: a prolatação de uma decisão judicial baseada em precedente obrigatório exige o mesmo nível de fundamentação de uma decisão que não esteja aplicando um precedente dessa natureza? Formulando de outra maneira: ao transpor para um caso concreto a ratio decidendi contida no precedente, deve o magistrado enfrentar a argumentação jurídica que já fora apreciada no momento de sua formação? Vejamos. O art. 489, §1º, do CPC/2015, prescreve: “§ 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: I – se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; II – empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; III – invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; V – se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou FFredericFrFrederFrFredericoFrFreder

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precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.”

Como se vê, houve uma enorme preocupação do legislador em explicitar, de forma detalhada, os equívocos que uma decisão judicial não deve cometer, sob pena de considerar-se não fundamentada e, portanto, nula, com base no art. 93, inc. IX, da CF/1988 e no art. 11 do CPC/2015. Boa parte da magistratura nacional receia que o dispositivo transcrito traga mais demora à tramitação dos feitos, na medida em que exigirá um maior trabalho de fundamentação, acompanhado de um possível aumento da oposição de embargos declaratórios2. É o que demonstra o teor de alguns dos enunciados aprovados no seminário “O Poder Judiciário e o novo CPC”, realizado pela ENFAM – Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados3: “Enunciado 47: “O art. 489 do CPC/2015 não se aplica ao sistema de juizados especiais”; Enunciado 9: “É ônus da parte, para os fins do disposto no art. 1 § ,489º, V e VI, do CPC/2015, identificar os fundamentos determinantes ou demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento, sempre que invocar jurisprudência, precedente ou enunciado de súmula”; Enunciado 12: “Não ofende a norma extraível do inciso IV do § 1º do art. 489 do CPC/2015 a decisão que deixar de apreciar questões cujo exame tenha ficado prejudicado em razão da análise anterior de questão subordinante”. Entendemos, contudo, que tal receio não se justifica. O art. 489, §1º, do CPC/2015, na verdade, apenas esmiuça os de2  Defendendo a inaplicabilidade do art. 489, §1º, ao sistema dos juizados espe��ciais, confira-se OLIVEIRA, 2015, p. 101-103. 3  A ENFAM – Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados promoveu o seminário “O Poder Judiciário e o novo CPC”, com a participação de cerca de 500 juízes estaduais e federais de todo o país, no período de 26 a 28 de agosto de 2015, em que foram aprovados 62 enunciados interpretativos sobre o CPC/2015. O quórum de aprovação era de 2/3 (dois terços) dos participantes. FFredericFrFrederFrFredericoFrFreder

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veres de fundamentação que todo magistrado já deveria ter sob a égide do CPC/1973. O inc. IV – de longe, o que mais polêmica tem gerado –, que prevê a nulidade para a decisão que “não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador”, nada inova em relação à sistemática do CPC/1973, uma vez que o magistrado jamais poderia deixar de enfrentar um argumento capaz de infirmar a conclusão da sua decisão.

3 A fundamentação das decisões judiciais com base em precedentes obrigatórios Avançando para responder à pergunta central do presente artigo, podemos afirmar: não há sentido em obrigar que, no instante em que aplica o precedente vinculante, o juiz novamente - e sempre – tenha que (re)enfrentar toda a argumentação jurídica que já fora apreciada no momento de formação do precedente. O enunciado 524 do Fórum Permanente de Processualistas Civis - FPPC dispõe exatamente nesse sentido4: “O art. 489, §1º, IV, não obriga o órgão julgador a enfrentar os fundamentos jurídicos deduzidos no processo e já enfrentados na formação da decisão paradigma, sendo necessário demonstrar a correlação fática e jurídica entre o caso concreto e aquele já apreciado”. O enunciado 13 da ENFAM segue a mesma senda: “O art. 489, § 1º, IV, do CPC/2015 não obriga o juiz a enfrentar os fundamentos jurídicos invocados pela parte, quando já tenham sido enfrentados na formação dos precedentes obrigatórios”. Fique bem claro, no entanto, que não se está defendendo que o funcionamento de um sistema de precedentes seja menos complexo do 4  O FPPC – Fórum Permanente de Processualistas Civis consiste em um encontro semestral (a partir de 2016 será anual) que conta com a participação de professores de processo de várias carreiras jurídicas (no último encontro, em Curitiba, estiveram presentes mais de 300 participantes de todo o país), e que tem como objetivo a elaboração de enunciados interpretativos sobre o CPC/2015. Para aprovação de um enunciado, exige-se a concordância da unanimidade dos participantes. FFredericFrFrederFrFredericoFrFreder

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que o sistema atual. Pelo contrário, os cuidados necessários na formação e na aplicação dos precedentes são inúmeros. Defende-se, isto sim, que, em um sistema abarrotado de demandas repetitivas e de conflitos de massa, o ganho operacional em virtude da aplicação do sistema de precedentes é inegável. Poupa-se retrabalho em todos os processos em que o juiz teria que reforçar a argumentação já enfrentada e esgotada pela corte superior. Importante a lição de Marinoni, de que é imprescindível justificar-se sempre a aplicação de um precedente, impondo-se identificar a ratio decidendi, isto é, os fundamentos determinantes do precedente que se deseja aplicar, bem como os fatos subjacentes no precedente, a fim de verificar-se a correlação fática e jurídica entre o paradigma e o caso concreto (MARINONI, 2015, p. 2077). Corroborando o afirmando, colhe-se o enunciado 19 da ENFAM: “A decisão que aplica a tese jurídica firmada em julgamento de casos repetitivos não precisa enfrentar os fundamentos já analisados na decisão paradigma, sendo suficiente, para fins de atendimento das exigências constantes no art. 489, § 1º, do CPC/2015, a correlação fática e jurídica entre o caso concreto e aquele apreciado no incidente de solução concentrada”. Note-se que examinar a correlação fática e jurídica do caso concreto nem sempre é tarefa fácil, pois cada processo singular possui peculiaridades e ostenta situações diferenciadas. Porém, um campo onde esse mister é facilitado é o das demandas de massa, as quais, via de regra, tratam de situações idênticas e de fácil cotejo com o paradigma. Perceba-se que o art. 489, §1º, inc. V, do CPC/2015 visa a combater a prática das pseudofundamentações, isto é, das decisões que, a pretexto de analisarem as razões que ensejaram a aplicação dos precedentes, limitam-se a mencionar apenas ementas de julgados ou de enunciados de súmulas, sem fazer a imprescindível correlação fática FFredericFrFrederFrFredericoFrFreder

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e jurídica do caso paradigma com o caso concreto (CAMBI e HELLMAN, 2015, p. 654). Quando o precedente vinculante é aplicado de forma tecnicamente correta, o julgamento torna-se mais rápido, sendo até mesmo possível que seja feito por decisão monocrática do relator, conforme previsto no art. 932, inc. IV e V do CPC/20155. Gustavo Nogueira fornece o relato de Benjamin Cardozo, Juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos da América entre 1932 e 1938, de que o trabalho dos juízes seria imensamente maior caso não pudessem assentar suas decisões em precedentes em que já houve discussão exaustiva dos argumentos pertinentes à causa (NOGUEIRA, 2015, p. 89). Como visto, a aplicação da tese firmada em precedente vinculante (a exemplo do julgamento de casos repetitivos6) retira a necessidade de argumentação complementar em relação aos fundamentos que formam a ratio decidendi. É por isso que o CPC/2015 cria os princípios da comparticipação, coerência, integridade, estabilidade e da busca do resgate da efetiva colegialidade na formação do precedente, para, com esta medida, evitar-se o retrabalho no momento de sua aplicação. O cuidado na formação do precedente evita reanálises dos tribunais, como ocorre atualmente, em que constantemente se impõe o exame de argumentos negligenciados no momento de formação da ratio decidendi (THEODORO JÚNIOR et al., 2015, p. 298). Ou seja, um precedente formado às pressas, sem a atenção devida e sem o respeito ao contra5  “Art. 932. Incumbe ao relator: (...) IV – negar provimento a recurso que for con�� trário a: a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal; b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos; c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência; V – depois de facultada a apresentação de contrarrazões, dar provimento ao recurso se a decisão recorrida for contrária a: a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal; b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos; c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;” 6  Conforme o art. 928, a expressão “julgamento de casos repetitivos” abrange os recursos extraordinários e especiais julgados em regime de recursos repetitivos e o julgamento do incidente de resolução de demandas repetitivas - IRDR. FFredericFrFrederFrFredericoFrFreder

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ditório ampliado, não terá esse efeito positivo de redução do retrabalho no momento de aplicação da ratio decidendi. De fato, motivação é o núcleo forte do sistema de precedentes – até porque é nela que reside a ratio decidendi – o que impõe maior qualidade no momento da elaboração dos precedentes (DIDIER JR.; BRAGA; OLIVEIRA, 2015, p. 470). Daí a grande relevância de se distinguir um sistema de precedentes funcionando corretamente de um mero sistema de elaboração e aplicação de enunciados de súmulas, tal como ocorreu até hoje no processo brasileiro. Não se pode olvidar que, por mais que se tente esgotar a discussão a partir de um enunciado de súmula, o fato é que este é um texto e, como tal, possui o mesmo pathos da lei: estão sempre sujeitos à interpretação no momento de aplicação (THEODORO JÚNIOR et al., 2015, p. 298). A aplicação de um precedente não consiste em uma operação subsuntiva com uma submissão mecânica e cega. Não se dispensa, por óbvio, algum grau de interpretação para a aplicação do acórdão paradigma. Lênio Streck e Georges Abboud alertam sobre os perigos de uma aplicação dos precedentes de forma dedutiva-subsuntivamecânica, como um silogismo, e alertando ser indispensável – e inescapável –, também nesses casos, a intepretação por parte do julgador. As decisões que utilizarão como base a ratio decidendi de um precedente vinculante não serão frutos de silogismo. Pelo contrário, elas também constituem atos hermenêuticos (STRECK; ABBOUD, 2015, p. 175-182; SEDLACEK, 2015, p. 380-381). Há que se ter sempre o cuidado de não se utilizar os precedentes de forma irrefletida, isto é, sem que se faça a comparação dos fatos do caso concreto com a situação fática que compõe a ratio decidendi. Viola a igualdade o comportamento do tribunal que aplica um precedente a uma situação substancialmente distinta daquela que gerou a ratio decidendi. Por isso o CPC/2015 prevê a técnica da distinção (arts. 489, FFredericFrFrederFrFredericoFrFreder

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§1º, V e VI, e 927, §1º), por meio da qual o julgador deve verificar se há similitude fática entre o caso paradigma e o caso em julgamento, de modo a fazer incidir ou não a ratio decidendi. Deve o julgador delinear, também, e de forma explícita, a tese jurídica adotada para se chegar à conclusão exposta na parte dispositiva. Isso para que as partes possam submeter a aplicação da ratio decidendi a eventual controle recursal (DIDIER JR.; BRAGA; OLIVEIRA, 2015, p. 469 e 471). Logo, não se afirma aqui que o magistrado deva seguir os precedentes de forma acrítica. Apesar da possibilidade de uma fundamentação mais concisa nesse caso, tal fato não exime o magistrado de, como dito acima, comprovar a a correlação fática e jurídica entre o caso concreto e aquele apreciado no processo paradigma. Em verificando não existir essa correlação fática e jurídica, deverá o julgador operar a distinção, desvinculando a solução do caso concreto daquela solução obtida no precedente. Nesse sentido dispõem o enunciado 306 do FPPC: “O precedente vinculante não será seguido quando o juiz ou tribunal distinguir o caso sob julgamento, demonstrando, fundamentadamente, tratar-se de situação particularizada por hipótese fática distinta, a impor solução jurídica diversa” e o enunciado 20 da ENFAM: “O pedido fundado em tese aprovada em IRDR deverá ser julgado procedente, respeitados o contraditório e a ampla defesa, salvo se for o caso de distinção ou se houver superação do entendimento pelo tribunal competente”. Sobre o tema, pede-se vênia para transcrever um trecho esclarecedor de artigo de Dierle Nunes (NUNES, 2015): “Julgar melhor para julgar menos à medida que um precedente que aborde todos os fundamentos, favoráveis ou contrários (dever de consideração: artigo 489, §1º, IV), em contraditório amplo, com participação de amici curiae, oitiva de argumentos em audiências públicas e respeito a um dever de congruência entre o que se fixou para julgamento e o que se efetivamente julgou, poderá induzir uma efetiva redução do retrabalho e, inclusive, diminuição da litigiosidade pela existência de uma verdadeira FFredericFrFrederFrFredericoFrFreder

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opinião da corte sobre o caso, de modo a se assegurar uma jurisprudência coerente, íntegra e estável (artigo 926). Este precedente serviria como fundamento de julgamento (artigo 489, §1º, V e VI) em: a) julgamentos liminares de improcedência (artigo 332); b) tutelas antecipadas da evidência (artigo 311, II); c) decisões monocráticas (artigo 932, IV e V); d) resolução de conflitos de competência (artigo 955, parágrafo único, I e II); e) obtenção de executividade imediata de sentenças (artigo 1.012, V); f) impedimento de reexame necessário (artigo 496, §4º, II). Não se olvidando de potenciais funções rescindentes (artigos 525, §15 e 535, §§5º e 8º).” (grifou-se)

Como visto, há inúmeras situações processuais – como o julgamento liminar de improcedência (artigo 332), a tutela antecipada de evidência (artigo 311, inc. II), e as decisões monocráticas (artigo 932, inc. IV e V) – em que a existência de precedentes vinculantes poderá abreviar o trâmite processual e tornar a jurisdição mais eficiente. No que tange ao julgamento liminar de improcedência do pedido, por exemplo, é permitida a sua aplicação desde que embasada na existência de precedentes vinculantes, e desde que não seja necessária a produção de provas sobre os fatos alegados pelo autor, o que resultará na prolatação imediata da sentença, com a dispensa da citação do réu (CAVALCANTI, 2015, p. 469). Fenômeno análogo ocorrerá com o julgamento de demandas de massa embasadas em um precedente formado no âmbito do incidente de resolução de demandas repetitivas – IRDR, o que deverá contribuir para a razoável duração dos processos. O juiz, com respaldo no precedente, irá transpor ao julgamento do caso concreto a razão de decidir já assentada, podendo: a) julgar a demanda liminarmente improcedente, com base no art. 332, inc. III, do CPC/2015; ou b) conceder liminarmente a tutela de evidência, com espeque no art. 311, inc. II, quando as alegações de fato puderem ser comprovadas integralmente pela via documental. Tal sistemática, como se nota, abreviará a resolução do processo (STEINBERG, 2015, p. 563). A propósito, o enunciado 31 da ENFAM propõe que: “A concessão da tutela de evidência prevista no FFredericFrFrederFrFredericoFrFreder

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art. 311, II, do CPC/2015 independe do trânsito em julgado da decisão paradigma”. A aplicação dos precedentes vinculantes também contribui para combater uma péssima praxe solidificada em nosso direito, qual seja, a coexistência de julgamentos díspares para situações idênticas, em afronta à igualdade, imparcialidade e à segurança jurídica. De fato, o Poder Judiciário não pode ser reduzido à soma dos valores e opiniões individuais de seus membros, não se podendo olvidar que os juízes e tribunais fazem parte de um só sistema e Poder, o que caracteriza o aspecto institucional das decisões judiciais. O juiz não está submetido apenas à lei em abstrato, mas também à norma jurídica que os tribunais extraem da lei ao interpretá-la (MARINONI, 2015, p. 2073). O desafio do momento é a superação do individualismo nas decisões judiciais, avançando-se para um modelo mais institucionalista, obedecendo-se ao dever de autorreferência, ou seja, de um maior respeito aos precedentes. Só isso permitirá que os litigantes sejam tratados de forma isonômica, com maior previsibilidade e segurança jurídica (PEIXOTO, 2016, p. 311). O solipsismo (julgamento autocentrado, sem observância à doutrina e à jurisprudência), o panprincipiologismo (uso exacerbado de princípios, sem a fundamentação adequada) e o sistemático desrespeito aos precedentes, no Brasil, tem comprometido o próprio Estado de Direito, na medida em que as coisas passam a ocorrer como se houvesse várias leis regendo a mesma conduta, o que gera um clima de insegurança jurídica e ausência de previsibilidade (ATAÍDE JR., 2016, p. 323). Esse estado de coisas é o que Eduardo Cambi chamou de jurisprudência lotérica (CAMBI, 2001, p. 111). A jurisprudência lotérica afronta a coerência jurídica e a integridade do Direito, e deslegitima a prestação jurisdicional, uma vez que as normas são aplicadas de maneira diferente para casos similares. A isonomia só será cumprida quando situações análogas forem decididas FFredericFrFrederFrFredericoFrFreder

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da mesma maneira. Caso contrário, teremos imprevisibilidade, instabilidade e dificuldade do cidadão em saber como se portar em suas relações jurídicas (CAMBI; MARGRAF, 2016, p. 363). Os precedentes não são formados tão somente para a solução do caso concreto, mas sim de todos os casos em situação análoga, conferindo a todo o sistema, assim, um controle de racionalidade decorrente da regra de universalização (ZANETI JR., 2015, p. 353). O afastamento da regra de universalização deve ser feito apenas excepcionalmente, e tem que ser fortemente justificado. Aí que entra a ideia de uma argumentação qualificada, uma espécie de ônus argumentativo do órgão julgador para quando seja o caso de se apartar do precedente. Tal ônus não está presente quando seja o caso de seguir o precedente, hipótese em que a tarefa de fundamentação estará facilitada. Chaim Perelman leciona sobre o princípio da inércia, segundo o qual um precedente somente pode ser modificado se existirem razões suficientes, pesando em seu favor o ônus argumentativo. O princípio da inércia não é a principal justificação racional para o sistema de precedentes, cabendo tal lugar de destaque à regra de universalização, acima mencionada. A inércia vale apenas como ônus argumentativo, ou seja, a presunção a favor dos precedentes (ZANETI JR., 2015, p. 357). O princípio da inércia argumentativa é concretizado art. 489, §1º, incisos V e VI, do CPC/2015, cujo conteúdo consiste em dispensar de uma ampla argumentação o magistrado que, no julgamento de caso posterior, segue precedente firmado em caso análogo. Por outro lado, exige-se uma carga argumentativa qualificada ao magistrado que pretenda se afastar da ratio decidendi de precedente aplicável ao caso em julgamento. Exige-se do julgador uma fundamentação qualificada, com pesado ônus argumentativo, do qual se desincumbirá apenas se demonstrar superação (overruling) do precedente – o que só poderá ser feito pelo tribunal que formou o precedente ou por tribunal supeFFredericFrFrederFrFredericoFrFreder

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rior – ou a distinção (distinguishing) (ATAÍDE JR., 2016, p. 345). O juiz pode – e isso é desejável, sempre que possível – acrescentar novos argumentos para seguir o precedente, mas não desafiá-lo em sua ratio decidendi. As partes podem trazer argumentos novos na tentativa de superar o precedente – e isso costuma acontecer bastante nas demandas de massa – mas quem terá de enfrentá-los é somente e, se for o caso, o tribunal que criou o precedente. A superação, repita-se, só pode ser feita por quem criou o precedente ou por tribunal superior. O papel mais importante, nos casos de aplicação de precedentes, é verificar se é ou não o caso de distinção, essa sim uma atribuição de todos os magistrados que julgarem o feito, mesmo que não componham o órgão responsável pela formação do precedente (GOUVEIA; BREITENBACH, 2015, p. 513; PEIXOTO, 2015, p. 546). Portanto, a obrigatoriedade de obediência ao precedente isenta o juiz de responsabilidade pelo teor da decisão paradigma. O julgador, ao aplicar o precedente, pode, justificadamente, diminuir a carga de argumentação jurídica empregada no caso concreto. Como diz Frederick Schauer, o produto líquido disso será uma redução substancial no esforço decisório, e é precisamente aí que a eficiência pode justificar a adoção de um sistema de precedentes vinculantes (SCHAUER, 2015, p. 80). Além de evitar o retrabalho, a aplicação da ratio decidendi dos precedentes vinculantes possui, ainda, um outro fator positivo. Isso porque o costume atual dos tribunais, de sempre reenfrentar a mesma questão jurídica, leva a frequentes mudanças de entendimento, até pela tentação de cada novo julgador querer reexaminar a questão com sua própria ideologia (ATAÍDE JR., 2012, p. 136-8). Note-se que o juiz, embora não esteja autorizado a realizar a superação, poderá, sem sombra de dúvidas, influenciar a corte formadora do precedente por meio da técnica de ressalva de entendimento. Tal técnica consiste em curvar-se ao posicionamento cristalizado no preFFredericFrFrederFrFredericoFrFreder

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cedente sem abrir mão de argumentar de acordo com o ponto de vista contrário, possibilitando ao tribunal, no momento adequado, realizar eventual superação. A propósito, colaciona-se o enunciado 172 do FPPC: “A decisão que aplica precedentes, com a ressalva de entendimento do julgador, não é contraditória”. Por fim, conclui-se que a paz social não se atinge por um utópico consenso em torno das decisões estatais, mas sim pela imunização contra os ataques dos contrariados, ou seja, os jurisdicionados precisam se conformar com a resposta dada pelo Poder Judiciário. Essa resignação se dá em virtude da obediência ao devido processo legal e à possibilidade de exaurimento de todas as instâncias, mesmo quando a decisão for contrária aos seus interesses imediatos (CAMBI; HELLMAN, 2015, p. 654). A imunização, portanto, ocorre no momento da fixação do precedente vinculante, ocasião em que contraditório deve ser ampliado, de modo a permitir ampla participação da sociedade nesse instante fundamental. Não caberá, assim, a rediscussão do precedente em casos futuros, pois o litígio em questão já se encontra imunizado.

4 Conclusão Conclui-se que o sistema de precedentes obrigatórios, se corretamente aplicado, representará, além da concretização da isonomia e de mais segurança jurídica na aplicação da norma – o que não foi o tema central deste ensaio –, uma prestação jurisdicional mais efetiva e uma redução no tempo de tramitação dos processos. Isso decorrerá, como visto, da racionalização do ônus argumentativo do juiz no momento do julgamento, com a transposição para o caso concreto da ratio decidendi contida no precedente. Com isso, economiza-se o tempo que o magistrado perderia enfrentando novamente toda a argumentação jurídica que já fora apreciada no momento de formação do precedente. FFredericFrFrederFrFredericoFrFreder

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Como doutrina Frederick Schauer, a subordinação aos precedentes acarreta uma padronização e uma estabilidade de decisões, e um consequente aumento da consistência interna do sistema jurisdicional, emprestando maior credibilidade ao Poder Judiciário, o que o fortalece como instituição (SCHAUER, 2015, p. 81). José Henrique Mouta Araújo, por sua vez, leciona que estamos diante de um caminho sem volta, qual seja, a otimização do tempo e das decisões dos tribunais, especialmente em matérias repetitivas, que geralmente envolvem litigantes habituais. A liberdade de criação dos juízes estará restringida nos casos análogos já julgados em precedentes vinculantes, estimulando-se a fundamentação per relationem. Há, neste sentido, a necessidade de ser repensado o próprio princípio da motivação judicial e, consequentemente, o papel do juiz e sua liberdade na criação e aplicação do direito (ARAÚJO, 2015, p. 431 e 435). Estamos cientes, entretanto, de que o pleno funcionamento do sistema de precedentes no Brasil deve demorar alguns anos, até que se modifique a cultura atual de formação e aplicação da jurisprudência das cortes judiciárias em nosso país.

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presença da D efensoria P ública no processo civil e o establishment jurídico tracejado pela boa - fé : responsabilidade política ou atuação estratégica ? E nsaio sobre a ratio ôntico ontológica de cariz constitucional Gregory Victor Pinto de Farias1

É ressabido que todo estudo acadêmico visa à perquirição de um topos com a subsequente explanação de vazantes fenomenológicas que lhes sejam inerentes. Em apertada síntese: ventila-se uma problemática e se traz à ribalta uma proposta de solução. No artigo em liça, todavia, navegar-se-á em águas diversas. Afirma-se isso porque o leitmotiv que se traz à colação não apresenta, aprioristicamente, uma resposta a que se chegue – ao menos no plano gnosiológico – a um patamar científico de conforto. Não se quer dizer, porém, que se trata de um mysteria fidei. Longe disso. Apenas alerta-se que o status quaestionis se cuida de matéria cuja doutrina ainda não abriu os olhos e que o presente artigo – cujo título que melhor o colore é de ensaio – não se propõe a elucubrar com precisão cartesiana (metaforicamente). Seria, a mais não poder, uma ousadia atroz. A atuação de todos os atores do sistema de justiça no processo lato sensu (especificamente, in casu, no processo civil) impõe seja alinhada, pari passu, com as comezinhas máximas inerentes à boa-fé e suas variantes. Nos estertores do senso comum de um ordenamento jurídico, essa lógica já sobressai como um princípio implícito. De há muito a doutrina já aventa essa base estrutural, como, verbi gratia, a corrente chamada de neoprocessualista e o formalismo-valorativo trazido por Carlos Alberto Alvaro de Oliveira. O legislador brasileiro quis se distanciar da pena de Tântalo ao dispor no artigo 5º da Lei 13.105/2015 que todos os participantes do processo devem se comportar de acordo com a boa-fé. Com efeito, não se trata, na espécie, de positivismo de afirmação hiperbólica: quis e quer o legislador se livrar do drama tantálico da morosidade processual (muita vez decorrente de atos procrastinatórios imbuídos de má-fé), cancro fagedênico que custa caro ao ordenamento jurídico brasileiro e aos seus jurisdicionados. Eis o punctum saliens que sincroniza essa temática com a natureza ôntico-ontológica da Defensoria Pública e seu perfil de atuação no processo civil: à luz de sua presença axiológica na Constituição Federal e à vista de seu mister constitucional, deve o Defensor Público atuar com responsabilidade política ou, assim como na advocacia privada, levar a cabo estratagemas situacionais, os quais, não raras vezes, distanciam-se da boa-fé (objetiva e subjetiva) tão desejada pelo legislador? O ensaio em testilha resumir-se-á a apontar os caminhos que levam a essa vexata 1  Defensor Público do Estado de Pernambuco. Ex-Defensor Público do Estado do Paraná. Bacharel em Direito pela UNI-RN. Pós-graduando em Processo Civil pela UFPE. GGregorGrGregoGrGregGGrGrGrego

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quaestio, exemplificar alguns problemas pragmáticos e sistematizar a harmonização da Defensoria Pública, como instituição integrante do triângulo equilátero do sistema de justiça, com a Constituição Federal e o Estado Democrático de Direito. Palavras-chave: defensoria Pública - boa-fé processual - perfil constitucional. Sumário: 1. Introdução; 2. A Defensoria Pública na Constituição Federal e sua autonomia de quatro feixes; 2. A boa-fé objetiva no Processo Civil; 4. Responsabilidade política ou atuação estratégica?; 5. À guisa de conclusão; 6. Referências.

6 Introdução A Defensoria Pública já é realidade da vida vivida no sistema de justiça brasileiro. Após a prescrição, pela Constituição Federal de 1988, de normas gerais para sua criação, verificou-se, até há pouco, a inércia de vários Estados-membros para levar a cabo o seu efetivo surgimento orgânico-institucional, com a consequente estruturação – Amapá, Paraná e Santa Catarina foram os três últimos (e morosos) Estados a concretizar essa implementação. Com efeito, a missiva da Defensoria Pública exsurge como condição de legitimidade para o Estado Democrático de Direito brasileiro. É que a Defensoria Pública, entre diversos misteres que lhe incumbe, ecoa como a primaz ponte de interlocução da sociedade civil com o Poder Judiciário – a Defensoria Pública assegura o direito a ter direitos2 Nesse vértice, para que a Defensoria Pública pudesse levar a efeito o seu dever constitucional, o poder constituinte originário conferiu-lhe uma gama de prerrogativas, inclusive e notadamente para se blindar das amarras políticas de outros Poderes e instituições – não se ousa dizer, à evidência, que a Defensoria Pública é um Poder constitucional; mas se lhe é possível atribuir o timbre de Poder Neutral, consoante magistério de Alexandre Santos de Aragão, cujo teor será melhor minudenciado no capítulo vindouro. 2  Simbólica oração proferida pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal Celso de Mello. GGregorGrGregoGrGregGGrGrGrego

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Destacada a emancipação político-jurídica da Defensoria Pública no ordenamento jurídico brasileiro, é possível vislumbrar, ao descer um degrau epistemológico de sua natureza ôntico-ontológica, um aparente entrechoque em relação à sua essência republicana e democrática com o princípio de ordem fenomenológica e pragmática da boa-fé objetiva, oriundo, fundamentalmente, do due process of law e positivado às escâncaras no novel Código de Processo Civil. Esclareça-se um pouco mais o busílis que ora é vazado: o Poder Judiciário e o Ministério Público são agentes políticos e a eles se impõe a necessidade de atuar com responsabilidade política. Assim, exempli gratia, não cabe ao membro do Poder Judiciário decidir conforme a sua consciência, assim como ao membro do Ministério Público não se abrem ensanchas a decidir se oferta, ou não, a denúncia – o primeiro decide conforme a Constituição e o ordenamento jurídico e o segundo, verificado o delito, oferece a denúncia. Noutra vereda, o advogado privado detém com a parte que representa um contrato de pano de fundo mercantil, via de regra. Logo, se lhe aza necessário um accountability situacional com o seu cliente, o que faz com que o causídico defenda os interesses (interesse é mais amplo do que direito) que lhes foram confiados a ferro e fogo, de sorte a tracejar, não raras vezes, verdadeiros estratagemas processuais. Estratagema pode rimar com problema – o agir estratégico do advogado a fim de defender o direito de seu cliente poderá desembocar em menoscabo à boa-fé objetiva, ainda que não seja esse o anseio que a ele subjaz. Indo mais além, não é rara a verificação de postulações contumeliosas, coloridas por manifesta má-fé, ímpeto de que alguns se valem para alcançar o objetivo fáustico a que se propõem. Continuum: como deve agir o Defensor Público? A Defensoria Pública faz parte do triângulo equilátero do sistema de justiça e o poder constituinte derivado, por intermédio da GGregorGrGregoGrGregGGrGrGrego

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Emenda à Constituição 80/2014, conferiu-lhe as mesmas prerrogativas inerentes ao Poder Judiciário e ao Ministério Público, consoante já plasmado pelo Supremo Tribunal Federal e verificado no artigo 134, §4º, da Constituição Federal. Diante desse cenário, chega-se a um paradoxo (e, consoante frase ventilada por Carlos Ayres Britto em entrevista midiática, dos paradoxos extraímos a verdadeira verdade): se o poder constituinte derivado (que, para alguns, apenas exteriorizou a vontade imanente ao poder constituinte originário) equiparou a Defensoria Pública ao Poder Judiciário e ao Ministério Público, qual a ratio essendi da natureza jurídica dela, Defensoria Pública? Rechaça-se, desde logo, que se lhe atribua uma natureza mista, híbrida ou mesmo sui generis, uma vez que argumentação ou conclusão dessa envergadura não subsiste à mais singela das análises, dado que quebranta e fere de morte, de antemão, três princípios da gnosiologia científica detectado pela lógica de Aristóteles: princípio da identidade, princípio da não contradição e princípio do terceiro excluído. Quid juris?

7 A Defensoria Pública na Constituição Federal e sua autonomia de quatro feixes O ponto nevrálgico do tópico em apreciação cinge-se à explanação da autonomia latu sensu conferida à Defensoria Pública pela Constituição Federal, especialmente se entreluzida com a sua lei de regência, Lei Complementar 80/1994, e sobretudo à luz do olhar vigilante do Supremo Tribunal Federal, a quem se atribui a autoridade de dar o derradeiro significado aos significantes contidos na Constituição Federal. A Defensoria Pública foi introduzida, sob a batuta de instituição de cariz constitucional, no establishment jurídico brasileiro pela GGregorGrGregoGrGregGGrGrGrego

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Carta Altior de 1988. Pela sabença das idiossincrasias pertinentes ao Brasil como país periférico (rectius: país de modernidade tardia, consoante expressão vista em obra de João Mauricio Adeodato), a essência finalística da Defensoria Pública emergiu como ponto de estofo do poder constituinte originário para agasalhar alguns de seus anseios. De efeito, a partir de um rápido passar d’olhos sob o texto constitucional, verifica-se que só por intermédio da Defensoria Pública é que se pode obter o minimum minimorum do núcleo essencial do artigo 1º, inciso III (dignidade da pessoa humana) e do artigo 3º, incisos I, III e IV (respectivamente: construir uma sociedade livre, justa e solidária; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação). No dia 5 de outubro de 1988, Ulysses Guimarães ventilou as seguintes palavras: A Constituição mudou na sua elaboração, mudou na definição dos poderes, mudou restaurando a Federação, mudou quando quer mudar o homem em cidadão, e só é cidadão quem ganha justo e suficiente salário, lê e escreve, mora, tem hospital e remédio, lazer quando descansa. (...) Quando, após tantos anos de lutas e sacrifícios, promulgamos o estatuto do homem, da liberdade e da democracia, bradamos por imposição de sua honra: temos ódio à ditadura. Ódio e nojo. Amaldiçoamos a tirania onde quer que ela desgrace homens e nações, principalmente na América Latina.

Especialmente nesse dia é que surgiu, em Terrae Brasilis, a Defensoria Pública como instituição autônoma, a quem se atribuiu o mister de orientar, defender, assistir e lutar, a pau e pedra e a ferro e fogo, por todos aqueles cidadãos que se encontrem em situação de periclitância (vulnerabilidade) em diversas gamas de sentido. GGregorGrGregoGrGregGGrGrGrego

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Somente por intermédio da Defensoria Pública é que os marginalizados têm voz e vez. Presta-se ela a servir (entre vários outros desígnios) como ponte de interlocução entre os excluídos e o Poder Judiciário. Poder Judiciário que, sem a essencial função que lhe subjaz (o mister da Defensoria Pública), enviesar-se-ia como função estatal dirigida à pequena classe brasileira dos abastados. Por e pela Defensoria Pública, não. Quis o poder constituinte originário, ao alicerçar a Defensoria Pública como instituição autônoma e desvinculada do Poder Executivo, retirar-lhe de toda e qualquer amarra política para que o seu escopo de tutelar os interesses das minorias (que, num paradoxo do cretense, muita vez é a maioria) fosse e seja alcançado na máxima plenitude possível. Nessa conjuntura, no plano gnosiológico do desejável, a Defensoria Pública deveria ser robustecida, aparelhada e vista no cenário político tal qual o Poder Judiciário e o Ministério Público, dada a natureza do seu mister, especialmente por se tratar, no espectro criminal, da antítese da acusação (a trazer a reboque a lógica da paridade de armas). Seria oportuno e desejável dizer que, justamente pela ontologia de seu desiderato, a Defensoria Pública deveria ser a menina dos olhos da República. No plano do mundo vivido, cuida-se, infelizmente, de um non sequitur. A política tupiniquim ainda é atrelada, no mais das vezes, a práxis oligárquicas, à cultura do biombo e ao viço e viso de cultuar os interesses econômicos das classes dominantes – política elitista, pois. A fim de combater o sufoco político por que passavam as Defensorias Públicas é que a Emenda à Constituição 45/2004 e especialmente a Emenda à Constituição 80/2014 calharam à fiveleta. Diga-se: precisou o poder constituinte derivado reformador explicitar no bojo GGregorGrGregoGrGregGGrGrGrego

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da própria Constituição o anseio do poder constituinte originário. Nesse contexto, empós esclarecer o mote político-jurígeno das citadas emendas e a sucessão cronológica dos acontecimentos, traga-se à ribalta o texto constitucional dos artigos 134 e 135 da Lex Matter. Não custa rememorar, nesta oportunidade, que a Emenda à Constituição 80/2014 concedeu uma seção específica à Defensoria Pública – Seção IV do Capítulo IV. Art. 134. A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 80, de 2014) § 1º Lei complementar organizará a Defensoria Pública da União e do Distrito Federal e dos Territórios e prescreverá normas gerais para sua organização nos Estados, em cargos de carreira, providos, na classe inicial, mediante concurso público de provas e títulos, assegurada a seus integrantes a garantia da inamovibilidade e vedado o exercício da advocacia fora das atribuições institucionais. (Renumerado do parágrafo único pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) § 2º Às Defensorias Públicas Estaduais são asseguradas autonomia funcional e administrativa e a iniciativa de sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias e subordinação ao disposto no art. 2 § ,99º. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) § 3º Aplica-se o disposto no § 2º às Defensorias Públicas da União e do Distrito Federal. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 74, de 2013) § 4º São princípios institucionais da Defensoria Pública a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional, aplicando-se também, no que couber, o disposto no art. 93 e no inciso II do art. 96 desta Constituição Federal. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 80, de 2014) Art. 135. Os servidores integrantes das carreiras disciplinadas GGregorGrGregoGrGregGGrGrGrego

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nas Seções II e III deste Capítulo serão remunerados na forma do art. 39, § 4º. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

Grassa a olhos vistos que a Constituição Federal atribuiu expressamente à Defensoria Pública o que se chama, neste ensaio, de autonomia de quatro feixes: funcional, administrativa, financeira e orçamentária. Concedeu-lhe autonomia plena, equiparando-a ao Poder Judiciário e ao Ministério Público, para que não mais sobejem interferências políticas externas em seus misteres. A assertiva de que a Defensoria Pública é robustecida por uma ampla autonomia (funcional, administrativa, orçamentária e financeira) emerge como uma afirmação insofismável. Não se faz necessário, hic et nunc, adentrar ao plano da hermenêutica stricto sensu (à evidência que há uma atividade hermenêutica, ainda assim), uma vez que, analiticamente, cuida-se do que Konrad Hesse chama de vontade de Constituição. Abram-se parênteses, embora não se queira alargar essa digressão, a fim de lembrar o que Hans-Georg Gadamer vaticina sobre a tarefa da consciência histórico-efeitual (Wirkungsgeschichtliches Bewusstsein), que, de acordo com Lenio Streck, é o primeiro lugar no plano de uma situação hermenêutica. Fala-se, portanto, que o entendimento é uma fusão de horizontes, porquanto um horizonte nunca pode excluir a um outro, mas a ele somar. Logo, preleciona Streck, o entendimento não é um ato de um sujeito ativo que projeta um significado sobre um objeto inerte, morto. Pelo contrário: presente e passado têm horizontes que podem ser juntados produtivamente, ou seja, a visão global do passado faz uma declaração, por meio do texto, do presente. Desse modo, o evento do entendimento representa uma negação e afirmação do presente e do passado: o poder constituinte derivado reformador, à vista do panorama histórico-estrutural por que passaram as Defensorias Públicas, resolveu, por meio das suprarreferidas emendas, reforçar a sua autonomia. É a fusão de horizontes entre o passado e o presente. GGregorGrGregoGrGregGGrGrGrego

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Finalize-se essa linha de argumentação sob a indumentária do estudo da dialética de Aristóteles: não há, quando se diz que a Defensoria Pública possui uma garantia de quatro feixes, uma proposição ou um problema dialético, a gerar problemas de silogismos (para o Estagirita, princípio dos argumentos polêmicos), porquanto a Constituição Federal atribuiu ao sujeito (Defensoria Pública), no plano da propriedade, os predicados da autonomia funcional, administrativa, orçamentária e financeira. Lado outro, a afirmação de que a Defensoria Pública é equiparada ao Poder Judiciário e ao Ministério Público é comprovada a partir de uma exegese sistemática da Constituição Federal e notoriamente com base em sólido magistério jurisprudencial já emanado do Supremo Tribunal Federal. Rememore-se a famosa oração proferida pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal, aposentado em agosto de 2010, Eros Roberto Grau, segundo a qual a Constituição e as leis não podem ser interpretadas em fatias. Cuida-se de regra hermenêutica que, de tão óbvia, timbra-se como axiomática. Logo, a partir de uma interpretação sistemática da Constituição Federal, verifica-se que a parte final do artigo 134, §4º, ordena a aplicação à Defensoria Pública, no que couber, do disposto no artigo 93 e no inciso II do artigo 96 da Constituição Federal. Idêntico dispositivo (ôntico-ontológico...) é encontradiço na seção pertinente ao Ministério Público. O artigo 129, §4º, dispõe que se aplica ao Ministério Público, no que couber, o disposto no artigo 93. Especificamente desse artigo constitucional é que o Órgão Ministerial extrai sua sincategoremática equiparação ao Poder Judiciário. Cite-se o brocardo ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositio, traduzido por Carlos Maximiliano nos seguintes termos, ipsis litteris: onde existe a mesma razão fundamental, prevalece a mesma regra de Direito; os casos idênticos regem-se por disposições idênticas.

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Ora, os dispositivos concernentes ao Ministério Público e à Defensoria Pública são idênticos. Sendo assim, por que razão a eles se dariam interpretações diversas? Ou, ainda, melhor: far-se-á do dispositivo constitucional verdadeira retórica de veleidades, em manifesta tabula rasa de seu anseio precípuo – a emancipação política da Defensoria Pública? O que é isto – a recalcitrância em descumprir a Constituição Federal? As afirmações acima plasmadas recebem o colorido e brilho do imperium do Supremo Tribunal Federal em diversos cases já julgados. Começa-se trazendo a lume excertos vazados pela Ministra Cármen Lúcia na Ação Direta de Inconstitucionalidade 5218: “Não por outro motivo, a Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos – OEA aprovou a Resolução 2.656, de 7 de junho de 2014, que trata das “garantais de acesso à justiça: o papel dos defensores públicos oficiais”. Note-se que essa resolução foi o primeiro documento normativo aprovado pela OEA sobre o acesso à justiça como um direito autônomo. O documento reconhece, ainda, que a Defensoria Pública é a instituição eficaz para a garantia desse direito, sobretudo para as pessoas em situação de especial vulnerabilidade. Um dos pontos contidos na resolução é a recomendação aos Estados membros da OEA que já contam com o serviço de assistência jurídica gratuita para que adotem medidas que garantam independência e autonomia funcional aos Defensores Públicos”.

Paralisa-se a transcrição apenas para, em obiter dictum, alertar: o compromisso que o Brasil, como república e federação, tem com a Defensoria Pública é de abissal magnitude que abrange até mesmo o Direito das Gentes – o Direito Internacional. Volta-se a transcrever, por imperiosa necessidade, os excertos lapidados, com cuidado de ourives, pela Ministra, verbo ad verbum: “Destaco que o Brasil, recentemente, dando cumprimento a essas diretrizes estabelecidas pela OEA, aprovou a Emenda ConsGGregorGrGregoGrGregGGrGrGrego

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titucional 80, de 4/6/2014. Essa emenda ficou conhecida no mundo jurídico como “PEC Defensoria Para Todos”, “PEC das Comarcas” ou “PEC das Defensorias Públicas”, pois obriga os entes federativos brasileiros, no prazo de 8 anos, a disponibilizar defensores públicos para a população em todas as unidades jurisdicionais, observada a proporcionalidade da efetiva demanda pelo serviço da Defensoria Pública com a respectiva população”.

Arremata a Ministra: “De fato, essa emenda apresenta outros instrumentos que objetivam o fortalecimento da independência e da autonomia funcional da Defensoria Pública, dentre eles a constitucionalização dos princípios institucionais da unidade, da indivisibilidade e da independência funcional, ampliando o conceito e a missão da Instituição. Foi a EC 80 que trouxe a garantia de iniciativa de lei à Defensoria Pública, além do paralelismo natural entre os Tribunais de Justiça (TJs) e as DPEs, e, no que couber, a aplicação de preceitos do Estatuto da Magistratura de responsabilidade do Supremo Tribunal Federal, como: existência de três anos de atividade jurídica para os concursos públicos de ingresso à carreira, mudança nos critérios de promoção por merecimento e antiguidade, previsão de cursos de preparação, aperfeiçoamento e promoção dos Defensores Públicos, subsídios remuneratórios, além do incentivo à criação do Conselho Nacional da Defensoria Pública (CNDP). Entendo que, de acordo com o regramento constitucional, qualquer medida normativa que venha a suprimir a autonomia da Defensoria Pública, jungindo-a administrativamente ao Poder Executivo local, implica necessariamente violação à Carta Magna”.

A mais não poder, a mensagem impregnada no voto da Ministra Cármen Lúcia é de meridiana clareza: à Defensoria Pública é conferida uma autonomia de quatro feixes – administrativa, funcional, financeira e orçamentária –, de sorte que não há nenhuma submissão e/ou qualquer tipo de ingerência/ligação entre a Defensoria Pública e o Poder Executivo. GGregorGrGregoGrGregGGrGrGrego

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De outro bordo, traga-se à colação excertos avultados pelo Ministro Ricardo Lewandowski, que, na Ação Direta de Inconstitucionalidade 5217, obtemperou a inteligência esculpida nos trechos seguintes: “Com as mudanças estabelecidas pela EC 45/2004, o poder constituinte derivado buscou incrementar a capacidade de autogoverno da Defensoria Pública, assegurando-lhe, ao lado da autonomia funcional e administrativa, a financeira, conforme menção expressa na Constituição Federal à iniciativa para elaboração de sua proposta orçamentária. (...) Entendo que, de acordo com o regramento constitucional, qualquer medida normativa que venha a suprimir a autonomia da Defensoria Pública, jungindo-a administrativa ao Poder Executivo local, implica necessariamente a violação à Carta Magna. (...) Vale ressaltar que o art. 134, §2º, da Constituição Federal, pela densidade normativa que ostenta, é autoaplicável e de eficácia imediata. No dizer do Professor José Afonso da Silva: ‘As condições gerais para essa aplicabilidade são a existência apenas do aparato jurisdicional, o que significa: aplicam-se só pelo fato de serem normas jurídicas, que pressupõem, no caso, a existência do Estado e de seus órgãos’. Assim, ainda que não seja pela densidade de seu conteúdo normativo, a autoaplicabilidade do referido dispositivo decorre do simples fato de a Defensoria Pública integrar o aparato organizacional do Estado como instituição autônoma e livre de subordinação ao Executivo e aos demais Poderes. (...) O entendimento assentado nesta Suprema Corte qualificou como preceito fundamental a autonomia administrativa e financeira da Defensoria Pública, considerando-se inconstitucional qualquer medida que subordine a Instituição ao Poder Executivo, consoante exegese do art. 134, §2º da Constituição Federal”.

Destaque-se o apanágio constitucional inerente à Defensoria Pública que a avulta como simétrica (segundo a Ministra Cármen Lúcia, pelo paralelismo das funções) ao Poder Judiciário e ao Ministério PúGGregorGrGregoGrGregGGrGrGrego

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blico, professado pelo Ministro Ricardo Lewandowski: não obstante o conteúdo material, que a toda evidência demonstra inconstitucional por ferir as garantias decorrentes da simetria e da autonomia da Defensoria Pública (...). Faça-se alusão, outrossim, ao voto da Ministra Carmén Lúcia na assentada em que fora julgada a malsinada Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.943, movida pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público – CONAMP, cuja res in iudicium deducta buscava a restrição da legitimidade ativa para a propositura de ação civil pública, a excluir a Defensoria Pública. As pujantes palavras da Ministra se aplicam, mutatis mutandis e servatis servandis, à espécie: Parece-me equivocado o argumento, impertinente à nova processualística das sociedades de massa, supercomplexas, surgida no Brasil e no mundo como reação à insuficiência dos modelos judiciários convencionais. De se indagar a quem interessaria o alijamento da Defensoria Pública do espaço constitucional-democrático do processo coletivo. A quem aproveitaria a inação da Defensoria Pública, negando-se-lhe a legitimidade para o ajuizamento de ação civil pública? A quem interessaria restringir ou limitar, aos parcos instrumentos da processualística civil, a tutela dos hipossuficientes (tônica dos direitos difusos e individuais homogêneos do consumidor, portadores de necessidades especiais e dos idosos)? A quem interessaria limitar os instrumentos e as vias assecuratórias de direitos reconhecidos na própria Constituição em favor dos desassistidos que padecem tantas limitações? Por que apenas a Defensoria Pública deveria ser excluída do rol do art. 5º da Lei 7.347/1985?

A ninguém comprometido com a construção e densificação das normas que compõem o sistema constitucional de Estado Democrático de Direito. Sendo assim, a afirmação de que há um triângulo equilátero no sistema de justiça a envolver o Poder Judiciário, a Defensoria Pública e o Ministério Público não se trata de uma petição de princípio ou alguma falácia afim. Tampouco de wishful thinking. Cuida-se, pois, de afirmação da Constituição Federal com endosso e GGregorGrGregoGrGregGGrGrGrego

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aval de seu guardião – o Supremo Tribunal Federal. A boa-fé objetiva no processo civil Consoante já assentado aliunde, o ensaio em tela não visa a um estudo com a devida densidade de diâmetro vertical a que faz jus a vexata quaestio. Em verdade, a boa-fé objetiva positivada no Código de Processo Civil e tida como princípio implícito do due process of law fora usada sub color de provocar a temática da natureza jurídica da Defensoria Pública – é que, diante da conclusão dessa premissa, ocorre inexorável efeito prático na sua ordem de atuação processual. São lógicas que se interligam. Dessarte, sobeja inviável um estudo mais pormenorizado sobre a boa-fé objetiva, de sorte que apenas mostrar-se-á, perfunctoriamente, a lógica balizadora de que se valeu o legislador do Código de Processo Civil e o anseio que lhe serve de força motriz – à boa-fé objetiva – para incrementar os escopos da jurisdição3. Nessa clave, já fora afirmado que a boa-fé objetiva é princípio diretamente extraído (ou, para doutrinadores de proa, implicitamente) do devido processo legal substancial, o qual é consectário, no ordenamento jurídico tupiniquim, dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade (não se aza necessário adentrar a esse debate). A bem da verdade, positivar a ideia de que as partes devem agir em ode à boa-fé objetiva chega a ser acaciano – a ausência da evidência não é a evidência da ausência. É possível apontar que o legislador chegou a uma positivação panglossiana, de sorte a lembrar, tal qual um ferro candente, a alvissareira necessidade de atuação à luz do fair trial. 3  A atuação dos atores processuais segundo a boa-fé objetiva traz consigo diversas conclusões de ordem fenomenológica e pragmática, como, verbi gratia: a) maior legitimidade da atividade jurisdicional; b) credibilidade processual; c) eficiência de ordem temporal no procedimento, a satisfazer melhor a duração razoável do processo; d) maior efeito de pacificação social. GGregorGrGregoGrGregGGrGrGrego

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Dispôs o Código de Processo Civil, verbo ad verbum: Art. 5o Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé.

Seguindo essa démarche, ventile-se excerto da lição do maior processualista da nova geração, da terra de todos os santos, encantos e axé, Salvador, ad litteris: “Não se pode confundir o princípio (norma) da boa-fé com a exigência de boa-fé (elemento subjetivo) para a configuração de alguns atos ilícitos processuais, como o manifesto propósito protelatório, apto a permitir a tutela provisória prevista no inciso I do art. 311 do CPC. A boa-fé subjetiva é elemento do suporte fático de alguns fatos jurídicos; é fato, portanto. A boa-fé objetiva é uma norma de conduta: impõe e proíbe condutas, além de criar situações jurídicas ativas e passivas. Não existe princípio da boa-fé subjetiva. O art. 5º do CPC não está relacionado à boa-fé subjetiva, à intenção do sujeito processual: trata-se de norma que impõe condutas em conformidade com a boa-fé objetivamente considerada, independentemente da existência de boas ou más intenções”4.

Se é certo que a boa-fé objetiva cria normas de condutas (como, por exemplo, a proibição de venire contra factum proprium, a criação do ônus da supressio processual, a proibição de atuar com abuso de direito e outros), sendo aferível in concreto de acordo com normas do senso comum, não se pode negar que a boa-fé subjetiva, cujo reverso da moeda é a má-fé, também constitui fato-signo a ser (possivelmente) verificado no bojo processual. Quer-se dizer, servatis servandis, que a boa-fé objetiva é um critério de conduta criado em razão da impossibilidade de se imiscuir na esfera da consciência individual alheia para verificar a existência de ato processual municiado de má-fé. Em outros termos: é quase sempre impossível diagnosticar a boa-fé subjetiva, uma vez que o Direito, como ciência, não adentra às raias da esfera metafísica. Eis, portanto, a lógica pela qual se trabalha, no processo civil, 4  DIDIER Jr., Fredie. Curso de Direito Processual Civil, 2017, p. 119. GGregorGrGregoGrGregGGrGrGrego

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com a boa-fé objetiva.

8 Responsabilidade política ou atuação estratégica? Consigne-se que a barafunda sobre a dicotomia da boa-fé (subjetiva e objetiva) não serve como obstáculo para pôr em xeque a raiz medular da temática que deu ensejo ao presente ensaio. Aventou-se esse assunto apenas e tão somente para afastar eventuais argumentos apriorísticos no sentido de asseverar que o Defensor Público, assim como todos os participantes do processo, deve atuar com boa-fé. Exemplifique-se. Consoante relatado alhures, o advogado particular possui contrato de prestação de serviços com o seu cliente, de modo que, ipso facto, impõe-se-lhe, ao menos no plano das ideias, sejam levadas a efeito todas as técnicas jurídicas possíveis (de direito material e processual) a fim de que a parte que representa sobressaia vitoriosa5 De outra vereda, o Defensor Público não tem esse accountability mercantil com a parte que presta a orientação/assistência jurídica. Detecta-se, portanto, não raras vezes, que vários atos que normalmente seriam aventados na advocacia privada se mostram nebulosos para o manejo do Defensor Público – esse cenário é mais visível na área penal, nas situações em que o acusado é manifesta e confessadamente culpado e o Defensor Público se vê no embate entre insistir na negativa de autoria (fazendo, em tese, narrativas mirabolantes e chicanas processuais) ou apenas observar a legalidade do procedimento. Nesse contexto é que reside o busílis do ensaio que se traz à tona: se a Defensoria Pública é um órgão de envergadura constitucional e munida de 5  À evidência que se tem conhecimento de que a litigância judicial hodiernamente é vista como a ultima ratio, uma vez que o ordenamento jurídico, assim como o sistema das ciências humanas, vem incentivando, a mais não poder, sejam praticados atos de mediação, conciliação e arbitragem. Logo, o que fora relatado acima se cuida, única e tão somente, de situação ilustrativa. GGregorGrGregoGrGregGGrGrGrego

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responsabilidade política, assim como o Poder Judiciário e o Ministério Público, cabe ao Defensor Público traçar estratégias processuais para que o assistido saia exitoso no caso que lhe afigura sub examine ou deve agir em estrita observância ao princípio da juridicidade? A latere da nebulosa questão envolvendo a natureza jurídica da Defensoria Pública, consigne-se que é insofismável que o Poder Judiciário deve atuar e decidir com responsabilidade política – e isso é mais claro do que o líquor da pessoa humana limpo do vírus da meningite. Deveras, o Magistrado não pode decidir conforme a sua consciência, mas sim cumprir o ordenamento jurídico (applicatio), sob pena de se afigurar como um sujeito solipsista, cuja figura já fora absolutamente ultrapassada com o giro ontológico-linguístico promovido (transposição do sujeito-sujeito para sujeito-objeto) por Heidegger e Gadamer e proclamado em Terrae Brasilis pela Crítica Hermenêutica do Direito de Lenio Streck e Ernildo Stein. Traga-se à ribalta excerto escrito por Lenio Streck6 “Com Dworkin: Juiz decide por princípios e não por políticas ou por moral(ismos). Digo isso pela centésima vez. Democracia se faz a partir de responsabilidade política. Direito é um conceito interpretativo e é aquilo que é emanado pelas instituições jurídicas, sendo que as questões a ele relativas encontram, necessariamente, respostas nas leis, nos princípios constitucionais, nos regulamentos e nos precedentes que tenham DNA constitucional, e não na vontade individual do aplicador. Portanto, direito não é moral. Não é religião. Não é futebol. Não é política.”

Com efeito, o jurista do Rio Grande do Sul escreveu com precisão cirúrgica ao assentar que democracia se faz a partir de responsabilidade política. Mutatis mutandis: se a Defensoria Pública brilha e rima com democracia, é possível negar a sua natureza de instituição 6 https://www.conjur.com.br/2014-mai-22/juiz-umbanda-solipsismo-ficam-discursos-intolerancia GGregorGrGregoGrGregGGrGrGrego

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munida de responsabilidade política e afirmar que se lhe é cabível, à Defensoria Pública, um agir estratégico? Descortina-se no plano ôntico-ontológico da essência da atuação da Defensoria Pública uma real paralaxe cognitiva se acaso seja endossada uma resposta desviante do que fora sugerido acima: se pode a Defensoria Pública agir estrategicamente, ao arrepio da responsabilidade política (que é a espinha dorsal das instituições democráticas), afigura-se ela, Defensoria Pública, uma instituição democrática? Paradoxo do cretense.

9 À guisa de conclusão O título do estudo já alertou o leitor do que se trata: apenas um ensaio. Ensaio que é tido, no mais das vezes, como sinônimo de teste ou experiência. Valeu-se, no escrito ora vazado, da rubrica que se usa na literatura, âmbito em que, de acordo com o Dicionário Houaiss, ensaio se trata de uma prosa livre que versa sobre tema específico, sem esgotá-lo, reunindo dissertações menores, menos definitivas que as de um tratado formal, feito em profundidade. Afigurar-se-ia uma audácia intelectual tentar conceituar metodológica e analiticamente a natureza jurídica de uma instituição cuja nascença se deu pela eminência da Constituição Federal de 1988. Ousadia essa que, afora a limitação vertical que se impõe ao ensaio em cotejo, encontra travejamento no próprio plano de cognoscibilidade do autor – falar de democracia e república exige uma plêiade de conhecimento multidisciplinar, intangível, no presente momento, no seu substrato orgânico-intelectual. Em forma de topoi, eis as conclusões a que se chegaram ao vislumbrar o status quaestionis: a) Se a Defensoria Pública tem natureza jurídica de instituição imbuída de responsabilidade política, assim como o Poder Judiciário e o Ministério Público, não lhe é curial um agir estratégico, de modo GGregorGrGregoGrGregGGrGrGrego

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que ao Defensor Público cabe atuar cum grano salis e em observância estrita ao princípio da juridicidade, de sorte a se desvencilhar de todo e qualquer tipo de ato postulatório eivado de má-fé (objetiva ou subjetiva). b) Se acaso se entender que a Defensoria Pública deve atuar estrategicamente, a buscar a tutela da pretensão deduzida em juízo a todo e qualquer custo, não se lhe pode atribuir o timbre de instituição com responsabilidade política e o rótulo de agente político ao Defensor Público. c) Ao fim e ao cabo, afasta-se veementemente a possibilidade de atribuir uma natureza híbrida ou sui generis à Defensoria Pública, vale dizer, de instituição colorida por responsabilidade política à qual se permite agir solipsista e estrategicamente, uma vez que principum tertii exclusi ou tertium non datur.

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Referências

DIDIER Jr., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Volume 1. 19ª Edição. Salvador: Editora Juspodivm, 2017. STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso: constituição, hermenêutica e teorias discursivas. 5ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2014. STRECK, Lenio Luiz. Dicionário de Hermenêutica. Belo Horizonte: Casa do Direito, 2017.

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Princípio

da primazia das decisões de mérito : a forma versus a intenção Kaline Epamonondas Rizzo1

O princípio da primazia das decisões de mérito pode ser visto como um avanço jurídico em nosso sistema processual brasileiro, na medida em que deixa um pouco de lado o formalismo a fim de consagrar a intenção da parte que praticou o ato processual. Este artigo se presta a demonstrar, por meio de comparações, a evolução do direito processual civil e sua positivação no Código de Direito Processual Civil de 2015. Palavras-chave: Forma – Mérito – Efetividade. Processo. Sumário: 1. Introdução; 2. Evolução histórica; 3. Do princípio da primazia das decisões de mérito; 4. Cotejo entre jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e o Código de Processo Civil de 2015. Forma versus intenção; 5. Considerações finais; 6 Referências.

1 Introdução O presente trabalho visa apresentar a mudança de paradigma na maneira de aplicação da lei pelos órgãos judiciários. Primeiramente, fazendo uma análise na história do porquê do formalismo exacerbado e a sua influência no decorrer dos séculos. Em segundo lugar, demonstrando a flexibilização tímida na segunda metade do século XX, quando se passou a admitir a mitigação da forma. Adiante será demonstrado como a forma repercutiu no direito processual civil e as consequências dela decorrentes, as quais acarretaram a estagnação do processo e o distanciamento do objeto principal, qual seja: a decisão de mérito e a efetividade satisfativa da tutela colocada à apreciação do órgão judicial. Em seguida, explica-se que a efetividade, ou seja, o alcance do mérito, é consagrada no atual Código de Processo Civil ao enraizar em seus dispositivos direitos fundamentais garantistas às partes, a fim de 1  Pós-graduanda em direito processual civil pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Bacharela em direito pela Faculdades Integradas Barros Melo (AESO), Advogada em exercício desde janeiro de 2012 com ênfase em demandas de direito civil e de direito administrativo. KKalinKaKaline EpaKaKali

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dar oportunidade de sanarem vícios que ocasionariam nulidades, extinção do processo sem resolução do mérito ou invalidação, tudo em razão de atos processuais que não observaram a forma processual prescrita. Ao final, é feita uma crítica ao Judiciário que, historicamente, manifestou preferência pelo formalismo processual, em detrimento da intenção da manifestação das partes, ressalvando-se, contudo, que o cenário atual sinaliza uma mudança de postura, no direito brasileiro, particularmente com o advento do CPC de 2015.

2 Evolução Histórica Com a constituição do Estado Liberal de Direito, o qual visava tolher o exercício arbitrário do Estado Absolutista, tornou-se imprescindível a limitação do poder estatal. Para isso, houve a positivação de direitos e a fragilização da atuação do Estado. Diga-se Estado, tanto sob a perspectiva de governo como de judiciário. Quanto a este último, a população na época não tinha nenhuma confiança na sua atuação, já que a carreira de magistrados era preenchida tanto pela sucessão hereditária como pela compra e venda de cargos, além de serem conhecidos como imorais e corruptos.2 Porém, não havia confiança nos julgados e a lei positivada era a única maneira de o povo expressar-se. Sendo assim, a partir do Estado Liberal de Direito, surgiu o princípio da legalidade pondo nas mãos do então Legislativo o controle/criação das leis. Diante disso, ao judiciário não caberia interpretar a lei, na medida em que deveria aplicá-la ao direito subjetivo discutido consoante a literalidade do texto - que era revestido de generalidade e abstração -, conforme se pode observar dos ensinamentos de Luiz Guilherme Marinoni (2017, p. 17): Antes do Estado legislativo, ou do advento do princípio da lega2 

Mauro Cappelletti apud MARINONI, Curso de Processo Civil, p. 17.

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lidade, o direito não decorria da lei, mas sim da jurisprudência e das teses dos doutores, e por esse motivo existia uma grande pluralidade de fontes, procedentes de instituições não só diversas, mas também concorrentes, como o império, a igreja etc. A criação do Estado legislativo, portanto, implicou significativa transformação das concepções de direito e de jurisdição. A transformação operada pelo Estado legislativo teve a intenção de conter os abusos da administração e da jurisdição. Com isso, obviamente, não se está dizendo que o sistema anterior ao do Estado legislativo era melhor. Não há dúvida de que a supremacia da lei sobre o Judiciário teve o mérito de conter as arbitrariedades de um corpo de juízes imoral e corrupto. Os juízes anteriores à Revolução Francesa eram tão comprometidos com o poder feudal que se recusavam a admitir qualquer inovação introduzida pelo legislador que pudesse prejudicar o regime. Os cargos de juízes não apenas eram hereditários, como também podiam ser comprados e vendidos, sendo daí oriunda a explicação natural para o vínculo dos tribunais judiciários com ideias conservadoras e próprias do poder instituído e para a consequente repulsa devotada aos magistrados pelas classes populares.

Diante disso, o Legislativo passou a dizer o que era o “Direito”. Isso, inicialmente, foi importante como forma de tolher abusos cometidos pelas outras funções do Estado (Executivo e Judiciário). Ocorre que o direito positivado não estava atrelado à realidade das pessoas. Ao revés, enquanto se almejava a paridade entre as pessoas (igualdade formal), não se observava a desigualdade social. Outrossim, o Judiciário não poderia se manifestar de forma contrária, já que a ele cabia observar e descrever a norma conforme a vontade do legislador, sem adentrar nas peculiaridades do caso. Esse apego excessivo à forma e à literalidade do texto da lei repercutiu não só no direito material como também no direito processual civil. Os juízes estavam adstritos à forma expressada na lei, de modo que qualquer distorção cometida pela parte, mesmo que KKalinKaKaline EpaKaKali

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não acarretasse prejuízo ao regular andamento do processo, seria declarada nula ou invalidada. No Brasil, o Código de Processo Civil de 1973, também conhecido como Código de Buzaid, manteve o formalismo processual e os juízes e tribunais aplicavam à risca o formalismo, já que consistia na premissa de que a segurança jurídica só seria devidamente respeitada se fosse observada a forma estabelecida na lei. Não se deve afirmar que o formalismo processual é de todo ruim, uma vez que ele de fato traz segurança jurídica na prática dos atos processuais. Todavia, o uso literal e inflexível da forma acaba por comprometer o objetivo do processo, que nada mais é do que a obtenção de uma decisão de mérito. Com o advento de várias reformas processuais ao Código de Buzaid, no final do século XX, pode-se verificar uma mudança tímida, porém tendente a mitigar o formalismo processual. Pode-se dizer que a Constituição Federal de 1988 foi o marco divisor para a mitigação do formalismo e da resolução dos conflitos perquirindo-se a intenção extraída na interpretação do texto de lei. A uma, porque com a promulgação da Carta Magna foram sagrados direitos fundamentais que são cláusulas pétreas previstas no § 4º, do art. 60, da CRFB/88; a duas, porque nos aludidos direitos fundamentais estão previstos, explícita e implicitamente, princípios norteadores revestidos de abstração, a fim de serem considerados quando da apreciação de direitos; a três, porque o Código de Buzaid, com as reformas, passou a observar os mencionados direitos fundamentais, v.g., os princípios da instrumentalidade das formas e da fungibilidade, adequando-se à realidade do direito social; a quatro, porque o atual Código de Processo Civil consolidou em seus dispositivos princípios fundamentais para garantir o alcance da efetiva prestação jurisdicional, tais como: princípios da primazia de decisões de mérito, da razoável duração do processo, da cooKKalinKaKaline EpaKaKali

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peração, da boa-fé objetiva, da isonomia, dentre outros. Diante do atual cenário, o judiciário passou a ter um importante papel na efetivação dos direitos fundamentais, ou seja, conformar a lei aos direitos e aos princípios fundamentais. Isto é, ficou para trás o positivismo jurídico e em seu lugar veio a efetividade da prestação judicial a fim de tutelar os direitos fundamentais.

3 Do Princípio da primazia das decisões de mérito Consoante mencionado, a historicidade do direito processual demonstra que as decisões judiciais primavam pela forma. Em processo civil, significa que quando um ato processual era praticado em desconformidade com a norma que estatuía um forma, o judiciário, na maioria das vezes, ignorava o direito material discutido vislumbrando tão somente o vício, o que ocasionava a extinção sem julgamento do mérito, assim como a nulidade ou invalidação do ato. Segundo Marinoni (2017, p. 84), o formalismo exacerbado findava processos sem resolver a questão principal discutida (mérito) e para ele: Por essa razão, a fim de que a chance para uma efetiva solução do litígio no processo não se perca por questões meramente processuais facilmente superáveis, o Código refere que, verificada a presença de irregularidades sanáveis, deve sempre o juiz permitir a correção do defeito, evitando a extinção do processo (art. 352). Identicamente, estabelece o art. 317 que, antes de proferir decisão sem resolução do mérito, deve sempre o juiz permitir a correção do defeito. Isso vale não só para a sentença, mas também para os acórdãos dos tribunais e, em geral, para toda e qualquer situação em que se pode deixar de examinar o mérito de determinada postulação da parte por problemas meramente formais. Os preceitos mencionados preveem o dever de prevenção do juiz, que decorre da estrutura cooperativa do processo civil no Estado Constitucional (art. 7.º). Antes de saKKalinKaKaline EpaKaKali

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crificar o exame do direito material por questões formais, tem o juiz de proporcionar à parte a possibilidade de praticar o ato regularmente, acaso seja possível corrigir o vício. O Código instituiu um verdadeiro dever de – sempre que possível – o juiz examinar o mérito das postulações das partes, viabilizando a sanação de vícios formais. Vale dizer: reconhece um dever judicial de evitar o “fetichismo da forma” na solução da causa. Há primazia da decisão de mérito sobre as decisões processuais no sistema do novo processo civil brasileiro. Isso decorre não só da regra do art. 317, mas também daquela que expressamente refere que “desde que possível, o juiz resolverá o mérito sempre que a decisão for favorável à parte a quem aproveitaria eventual pronunciamento nos termos do art. 485” (art. 488).

O órgão julgador antes de declarar um vício deve priorizar a decisão de mérito e, nos dizeres de Fredie Didier (2017, p.153), “tê-la como objetivo e fazer o possível para que ocorra. A demanda deve ser julgada - seja ela a demanda principal (veiculada pela petição inicial), seja um recurso, seja uma demanda incidental.” No Código de Processo Civil de 2015, o princípio da primazia das decisões de mérito está radicado em diversos dispositivos, ao mesmo tempo que é corolário de outros princípios ou deles decorre. De início, é possível vislumbrar o estudado princípio no art. 4º, do CPC, o qual dispõe: Art. 4º. As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa.

É latente a vontade do legislador3, no CPC/2015, de conferir primazia à apreciação do mérito pelo judiciário, cabendo a este, sempre que possível, abstrair o vício ou oportunizar à parte que praticou ato erroneamente corrigi-lo, pois essa é a essência da prestação jurisdicional, a busca da resolução meritória. Forçoso colacionar outros dispositivos correlatos que, confor3  Mister pontuar que a vontade do legislador é, em verdade, a reunião dos pensamentos de vários juristas brasileiros que visaram adequar o direito a ser positivado à realidade social. KKalinKaKaline EpaKaKali

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me Fredie Didier (2017, p. 153, 154 e 155) reforçam e concretizam o princípio da primazia da resolução de mérito, conforme se vê: a) Art. 6º: todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em prazo razoável, decisão de mérito justa e efetiva. Rigorosamente, a primazia da decisão de mérito é, na verdade, um corolário do princípio da cooperação”’· b) Todas as regras que compõem o sistema da trans/atio iudicii preservação dos efeitos da litispendência e das decisões, a despeito da incompetência - reforçam a primazia da decisão de mérito (arts. 64, 240 e 968, §§ 52 e 6º). c] Art. 76: prevê o dever geral de o juiz determinar a correção da incapacidade processual. d) Art. 139, IX: o juiz tem o dever de determinar o suprimento dos pressupostos processuais e o saneamento de outros vícios processuais. e) § 22 do art. 282: «quando puder decidir o mérito a favor da parte a quem aproveite a decretação da nulidade, o juiz não a pronunciará nem mandará repetir o ato ou suprir-lhe a falta”. Regra importantíssima, que expressamente determina que o juiz ignore defeitos processuais, se a decisão de mérito não prejudicar aquele que se beneficiaria com o reconhecimento da nulidade. Esse é um dos enunciados que mais evidenciam o princípio da primazia da decisão de mérito. f) Art. 317: antes de proferir decisão sem resolução de mérito, o órgão jurisdicional deverá conceder à parte oportunidade para, se possível, corrigir o vício. Esse é outro dos enunciados que mais evidenciam o princípio da primazia da decisão de mérito. g) Art. 321: antes de indeferir a petição inicial, o juiz deve mandar que a parte autora a emende ou a complete. Desse enunciado decorre verdadeiro direito à emenda da petição inicial defeituosa. A regra é estudada com mais detalhes no capítulo sobre a petição inicial, nesse volume do Curso. h) Art. 485, § 72: interposta a apelação contra sentença que extingue o processo sem exame do mérito, poderá o juiz retratar-se- estímulo evidente para que o reexamine sua decisão de não examinar o mérito da causa. i) Art. 488 (enunciado semelhante ao§ 22 do art. 282): semKKalinKaKaline EpaKaKali

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pre que for possível, o juiz deve priorizar a resolução do mérito em detrimento da decisão que não o examina. Esse é outro dos enunciados que mais evidenciam o princípio da primazia da decisão de mérito. j] Art. 932, par. ún.: o relator, antes de considerar inadmissível o recurso - portanto, não examinando o mérito do recurso -, concederá prazo de cinco dias ao recorrente, para que seja sanado o defeito. k) Art. 1.029, § 3º: O Supremo Tribunal Federal ou o Superior Tribunal de justiça poderá desconsiderar vício formal de recurso tempestivo ou determinar sua correção, desde que não o repute grave. Dispositivo importantíssimo, pois autoriza que o tribunal superior desconsidere vício de um recurso tempestivo (interposto no prazo}, para poder julgar o seu mérito. Dispositivo semelhante é o§ 11 do art. 896 da CLT.

Notória a percepção do legislador ao compreender que o objetivo do processo é buscar o seu fim com a resolução do mérito e a devida tutela satisfativa, e não ir em busca de qualquer mínimo motivo para o resolver. Cumpre ainda mencionar o art. 1.007, § 4º, que oportuniza à parte a realização do recolhimento do preparo para a admissibilidade do recurso por ela interposto. Este dispositivo será mais adiante examinado sob o prisma comparativo da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça com o atual Código de Processo Civil. Também decorre do princípio da primazia das decisões de mérito o princípio da instrumentalidade das formas, o qual preceitua: Art. 188. Os atos e os termos processuais independem de forma determinada, salvo quando a lei expressamente a exigir, considerando-se válidos os que, realizados de outro modo, lhe preencham a finalidade essencial.

É a instrumentalidade oportunizando a apreciação meritória, portanto. Ao lado desse princípio está o da fungibilidade. Este princípio permite, entre outras hipóteses de sua aplicabilidade, que um reKKalinKaKaline EpaKaKali

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curso interposto seja recebido pelo tribunal como outro, quando a parte o fizer de forma equivocada, ressalvada a má-fé e o erro grosseiro, mas desde que as razões recursais guardem relação com o recurso devido, e ainda haja uma dúvida objetiva na interposição. Preza-se então pela intenção e não pela forma, já que se admite, na hipótese citada acima como exemplo, desde que respeitada algumas peculiaridades (erro desculpável e dentro do prazo do recurso correto), o exame das razões recursais.

4 Cotejo entre jurisprudência do STJ e o Código de Processo Civil de 2015. Forma versus intenção. Um exemplo clássico da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que prefere o formalismo processual à intenção é a questão da ausência de preparo, ou, ainda, a ausência do preenchimento da guia de preparo. Nesse caso, a Corte de Justiça posicionou-se no sentido de que inexistindo preparo ou ausente o preenchimento da guia declarar-se-á deserto o recurso, esbarrando, pois, no pressuposto extrínseco de admissibilidade recursal, conforme o seguinte precedente: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DESERÇÃO. PREENCHIMENTO INADEQUADO DAS GUIAS DE PREPARO. VÍCIO INSANÁVEL. MATÉRIA QUE DEMANDA REEXAME DE PROVAS. SUMULA 7 DO STJ. ACÓRDÃO EM SINTONIA COM O ENTENDIMENTO FIRMADO NO STJ. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. O recorrente não preencheu corretamente os dados necessários para sua identificação nas guias do preparo do recurso de apelação, pois as guias de recolhimento não contêm a indicação do número do processo, nem tampouco o nome da outra parte, o que se contrapõe ao que determina a jurisprudência. De acordo com o entendimento jurisprudencial desta Corte, não se pode conhecer do recurso interposto sem a comprovação do preparo nos moldes do art. 511, caput, do CPC/73. Precedentes. 2. A reforma do acórdão recorrido no tocante à ausência de preparo da apelação, e incorreto preenchimento das guias do recurso, KKalinKaKaline EpaKaKali

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demandaria, necessariamente, o revolvimento do conjunto fático - probatório dos autos, o que é vedado em razão do óbice da Súmula 7 do STJ. 3. Agravo interno não provido. (STJ - AgInt no AREsp: 1001546 BA 2016/0274761-6, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 07/03/2017, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 16/03/2017)

Em razão desse posicionamento, a parte que deixou de preencher a guia de preparo do recurso não tinha a efetiva prestação judicial devido a uma questão meramente processual e/ou procedimental superáveis, quando oportunizada a correção do vício. O Código de Processo Civil vigente revê no art. 1.007, § 4º, a possibilidade de corrigir o vício do preparo. Ora, o dispositivo citado visa o alcance da primazia da resolução do mérito bem como da efetiva prestação jurisdicional, na medida em que não permite que erro ou descuido processual fulmine o direito material discutido nos autos. Ao lado disso, o Código de Processo Civil ainda dispõe nos artigos 14 e 1.046 que: Art. 14. A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vi�gência da norma revogada. Art. 1.046. Ao entrar em vigor este Código, suas disposições se aplicarão desde logo aos processos pendentes, ficando revogada a CPC/2015

No que tange ao preparo, cumpre esclarecer que o Superior Tribunal de Justiça criou enunciados administrativos para resolução de questões de direito intertemporal. Nesse estudo, impende analisar os enunciados dois e cinco, que informam: Enunciado administrativo número 2 Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015/1973 KKalinKaKaline EpaKaKali

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(relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas, até então, pela jurisprudên� cia do Superior Tribunal de Justiça. (g.n.) Enunciado administrativo número 5 Nos recursos tempestivos interpostos com fundamento no CPC/2015/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de mar�ço de 2016), não caberá a abertura de prazo prevista no art. CPC/2015, parágrafo único, c/c o art. CPC/2015, § 3º, do novo CPC/2015.

Os enunciados certificam que apesar de o Código de Processo Civil de 2015 estar em vigor e os artigos 14 e 1.046 determinem a sua aplicação imediata, os requisitos de admissibilidade e as interpretações dadas na vigência do Código de Buzaid devem prevalecer no caso de o recurso ter sido interposto sob a égide do Código de Processo Civil de 1973, não cabendo a abertura de prazo para a correção do vício. Ao que parece, na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, acima apresentada, há certa resistência por parte do Tribunal em deixar de lado o formalismo processual e garantir a intenção - a vontade - da parte que pretende ver seu direito material resolvido mediante decisão de mérito do órgão judicial. Para isso, o Superior Tribunal de Justiça criou os enunciados de direito intertemporal comentados, sem que observasse, ou, mesmo que o tenha feito, não levou em consideração a vontade do legislativo (vontade de vários juristas brasileiros que se incumbiram de exteriorizar a expectativa das pessoas) que visa dar eficácia a direitos fundamentais enraizados, pela primeira vez, no Código de Processo Civil de 2015, no capítulo das normas fundamentais do processo civil e disseminado em vários outros dispositivos, consoante já pontuado alhures. Apesar da possível resistência dos tribunais em se adequarem KKalinKaKaline EpaKaKali

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à nova percepção atribuída à forma, será indubitavelmente impossível negar-lhe vigência, pois se assim o fizer estarão cerceando o direito consagrado como fundamental de as partes obterem decisão de mérito sobre o direito material discutido.

5 Considerações finais O princípio da primazia das decisões de mérito é uma conquista para o direito processual civil, por garantir à parte que formalidades processuais não obstarão a análise do seu pedido, salvo a forma expressa em lei, e, de qualquer forma, em observância ao dever de prevenção, o juiz intimará a parte para corrigir vício sanável antes de proferir decisão que porventura poderia afetar a apreciação do direito material. O objetivo deste artigo foi de fazer uma breve explanação sobre a evolução do rigor que marcou o formalismo e a observância à literalidade das leis, isto é, a exteriorização pelo órgão judicial da literalidade da vontade do legislador absoluto (positivismo jurídico), até a consagração de direitos fundamentais que possibilitaram a mitigação do formalismo jurídico a fim de alcançar a efetiva tutela jurisdicional, ressaltando-se que o atual cenário prestigia a intenção no agir dentro do processo ao invés da forma que, quando praticada em desconformidade com a estrita prescrição legal, tinha-se a expectativa de direito tolhida.

6 Referências DIDIER, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 19ª Ed., V.1, Editora Juspodivm: Salvador/BA, 2017. MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de Processo Civil. Teoria do Processo Civil. 3ª Ed. em e-book, V.1, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 2017. MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de Processo Civil. Tutela dos Direitos Mediante Procedimento Comum. 3ª Ed. em e-book, V.2, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 2017.

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invocação do precedente e sua eficácia em relação ao art. 489, §1º, VI, CPC. Luiz Cláudio Cardona1

A adoção de um sistema de precedentes judiciais com eficácia vinculante foi definitivamente estabelecido na legislação brasileira através do CPC/15. Das questões que surgem da forma como serão utilizados os precedentes judiciais no direito brasileiro está a questão da invocação. O artigo se propôs a identificar a eficácia da invocação dos precedentes a partir da análise sistemática do art. 489, §1º, VI. Conclui-se que para que a parte possa exigir que o magistrado se desincumba do ônus argumentativo de afastar a prioridade, antes deve ter estabelecido a prioridade, desincumbindo-se ela própria do ônus argumentativo de justificar a aplicabilidade do precedente ao caso. Palavras-chave: Precedentes – Invocação – Eficácia Sumário: 1. Introdução; 2. A vinculação do precedente judicial; 3. Elementos essenciais da decisão; 4. Invocação do precedente; 5. A eficácia da invocação do precedente quanto ao art. 489, §1º, VI; 6. Conclusão.

1 Introdução A valorização da jurisprudência, a instituição das súmulas vinculantes e as regras estabelecidas para casos repetitivos eram sinais da inclinação do ordenamento jurídico brasileiro em adotar um sistema de precedentes fundado na regra da stare decisis. O Código de Processo Civil de 2015 deu um passo firme neste sentido, estabelecendo precedentes vinculantes e obrigatórios. Não obstante não terem sido novidade para o sistema brasileiro, uma vez que “ainda que não se entenda os precedentes como formalmente vinculantes, a prática de utilizá-los para argumentar e decidir é comum e vulgarizada em países de civil law”2, a sua vinculação ou obrigação, ou seja, a adoção da regra da stare decisis, 1  Advogado e consultor jurídico. Mestrando em Direito Civil pela Universidade de Lisboa. Pós-graduando em Processo Civil Contemporâneo pela UFPE. Bacharel em Direito pela UFPE. 2  MACÊDO, Lucas Buril de. Precedentes judiciais e o direito processual civil, p. 65. LLuiLuLuiz CLuLuiz C

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lança o debate jurídico brasileiro à discussão séria acerca desse instituto jurídico. No processo, para além da fase meramente intelectual de identificação do precedente, o momento em que ele é levantado como conteúdo argumentativo em relação aos demais sujeitos processuais é o momento da invocação – invocação é ato-jurídico processual que suscita uma ordem de preferência preexistente. O presente artigo se propõe a discutir o que seria entendido por invocação do precedente no ordenamento jurídico brasileiro e a eficácia da invocação quanto ao art. 489, §1º, VI, CPC. No primeiro tópico, disserta-se propedeuticamente acerca da adoção pelo ordenamento jurídico brasileiro da regra da stare decisis através de precedentes com eficácia vinculante. No segundo tópico, trata-se da adoção de regras específicas à garantia de observância ao precedente, nomeadamente como critério de fundamentação da decisão judicial. No terceiro tópico, aborda-se diretamente o tema da invocação do precedente, analisando como o legislador tratou da matéria. No quarto tópico, aborda-se a questão da eficácia da invocação do precedente em relação ao art. 489, §1º, VI, CPC. A pesquisa não indica que o legislador cometeu equívocos em sua construção sintática, mas que a análise da eficácia da invocação deve ser tida a partir de uma interpretação sistemática e teleológica das normas que regem a matéria.

2 A vinculação do precedente judicial Importante uma breve digressão sobre a vinculação ou obrigação de seguir o precedente judicial. Antes de mais nada, pertinente dizer que são divididos quanto à sua eficácia em vinculantes e

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persuasivos3. Todo ele tem eficácia persuasiva, tratando-se da eficácia mínima de todo o precedente judicial4, pois, enquanto fonte do direito, ele deve ser ao menos levado em consideração. No entanto, há precedentes também com eficácia vinculante, cuja norma vincula a aplicação a decisões posteriores. No caso brasileiro, esta vinculação se dá em razão do comando legal previsto no Código de Processo Civil nos arts. 926 c/c 489, §1º, V e VI. A esta obrigação de seguir o precedente, ou a este dever de estabilidade das normas proveniente das decisões do Judiciário, dá-se o nome de stare decisis – uma redução do brocardo stare decisis et non quieta movere. Curioso observar que no direito britânico apenas em 1898, no julgamento do caso London Street Tramways Co. v. London County Council, foi adotada definitivamente a regra da stare decisis, que neste ordenamento jurídico se manifesta de forma absoluta5 - até a década de 1960, apenas o parlamento poderia realizar a superação do precedente –, condicionando qualquer superação de precedente a razões extremas. No direito estadunidense, no entanto, até os dias atuais se questiona na doutrina a existência ou não de uma regra da stare decisis, mesmo que se conclua pela sua existência através de estudos empíricos apontando uma aparente estabilidade 3  Entre os doutrinadores do common law não é comum a discussão sobre categorias em relação aos precedentes, isso se dá, tanto porque nos países que vêm deste modelo jurídico há uma preocupação menor em relação às questões abstratas e de classificação de institutos, quanto pela compreensão histórica e cultural da formação dos precedentes e, posteriormente, da adoção de sua vinculação. 4  Cf. DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil, v. 2, 2015, p.456. O que nos leva a levantar a consideração de que seria mais adequado falar de precedentes meramente persuasivos e precedentes vinculantes – o que não se adota por questões pedagógicas e de uniformização conceitual. 5  “A mais alta instância inglesa decidiu que os juízes deveriam, ainda que discordassem, seguir os precedentes emanados de sua própria jurisdição e dos tribunais superiores. Foi-se além: não seria possível à própria House superar seus precedentes. Assim que determinada norma jurídica fosse estabelecida, deveria ser seguida por todos os tribunais e juízes inferiores e pela House of Lords” (MACÊDO, Lucas Buril de. Precedentes judiciais e o direito processual civil, 2017, p. 52). LLuiLuLuiz CLuLuiz C

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nas decisões dos tribunais e dos juízes6. No direito brasileiro, apesar de a Constituição Federal elencar princípios mais que suficientes para garantir ao precedente judicial a regra da stare decisis, como é o caso do Princípio da Igualdade, não foi suficiente para o Judiciário se submeter à norma7. É nesse contexto de uma Constituição garantidora de direitos – cuja redação, não só dela, mas de outros estatutos legais a ela submetidos, traz consigo diversos princípios, cláusulas gerais e conceitos jurídicos indeterminados –, que entra em vigência o Código de Processo Civil de 2015, estabelecendo regras de fortalecimento dos precedentes judiciais e de vinculação às normas nele contida. Neste sentido, tem-se o art. 926, cujo texto estabelece deveres dos Tribunais de uniformizar a jurisprudência e garantir sua estabilidade, integridade e coerência; e o art. 927, que elenca as decisões cuja ratio decidendi8 são dotadas de eficácia vinculante9. 6  Em artigo discutindo a existência de uma norma cogente que determinasse ao julgador seguir os precedentes nos Estados Unidos, os pesquisadores concluíram que há sinais que apontam que os juízes preferem seguir um precedente estabelecido a modificá-lo, no entanto, apontam várias questões para isso, além de uma regra que rega a questão. (EPSTEIN, Lee; KNIGHT, Jack. The norm of stare decisis, 1996, pp. 1018-1035) 7  “É imprescindível sublinhar, nesta altura do desenvolvimento da presente tese, que o Judiciário de civil law não se submete ao princípio da igualdade no momento de decidir, vale dizer, no instante de cumprir o seu dever, prestando a tutela jurisdicional. Jaz inocultável que esse poder deixa de observar o princípio da igualdade no momento mais importante da sua atuação, exatamente quando tem que realizar o principal papel que lhe foi imposto. Raciocínio contrário, capaz de desculpar o Judiciário, apenas seria admitido como válido caso lhe coubesse decidir de forma desigual casos iguais”. (MARINONI, Luiz Guilherme. O precedente na dimensão da igualdade, 2012, p. 2) 8  Razão de decidir, ou motivos determinantes da decisão. Trata-se da parte da decisão considerada vinculante. 9  Neste sentido: “[a] vinculação advinda do comando do art. 927 por meio do termo “observarão” não parece, ter, de forma alguma, conotação de um mero dever de levar em consideração. [...] Não há qualquer necessidade de outros comandos normativos para que quaisquer dos casos mencionados no art. 927 tenha eficácia vinculante” (PEIXOTO, Ravi. (In)constitucionalidade da vinculação dos precedentes no CPC/2015, 2017, p. 98). Vinculamo-nos ao entendimento apresentado, mas cumpre dizer que não é matéria livre de controvérsias. Em sentido contrário, defende Alexandre Freitas Câmara: “a eficácia vinculante não resulta do disposto no art. 927 do CPC. E é equivocado, data venia, pensar que tal eficácia resultaria do fato de LLuiLuLuiz CLuLuiz C

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3. Elementos essenciais da decisão Além de estabelecer deveres aos tribunais, o legislador, atento à necessidade de as decisões judiciais serem adequadamente fundamentadas, criou regras específicas à observância dos precedentes judiciais em toda e qualquer decisão. Dessa forma, não só há abstração de um dever instituído através de um conceito indeterminado, sem instrumentos precisos de cogência, como também um instrumento de controle concreto, qual seja, a declaração de nulidade da sentença que deixar de considerar o precedente nos termos da Lei. O art. 489, caput e incisos, repete a redação do art. 458 do CPC/73, considerando elementos essenciais da sentença o relatório, o fundamento e a parte dispositiva. O Código vigente, no entanto, trouxe algumas mudanças preocupadas, tanto com a fundamentação adequada das decisões judiciais, como a garantia de um sistema decisional fundado em precedentes judiciais efetivamente considerados. No seu inciso I, o art. 489, acrescenta, como elementos constituintes do relatório, juntamente com o nome das partes, o resumo do pedido e da contestação, assim como o registro das principais ocorrências havidas no andamento processual, à identificação do caso. Identificar o caso nada mais é do que delinear suas principais características, separando os fatos juridicamente relevantes e estremando sistematicamente a relação jurídica existente entre as que o texto normativo do caput desse dispositivo afirma que os juízes e tribunais observarão o que consta dos incisos do aludido artigo de lei. A exigência, contida no caput do art. 927, de que os órgãos jurisdicionais observarão o que ali está elencado indica, tão somente, a exigência de que tais decisões ou enunciados sumulares sejam levados em conta pelos juízes e tribunais em suas decisões. Em outras palavras, o art. 927 cria, para juízes e tribunais, um dever jurídico: o de levar em consideração, em suas decisões, os pronunciamentos ou enunciados sumulares indicados nos incisos do art. 927. Daí não resulta, porém, qualquer eficácia vinculante. Esta, quando existente, resultará de outra norma, resultante da interpretação de outro dispositivo legal (e que atribua expressamente tal eficácia)” (O novo processo civil brasileiro, 2017, p. 374). LLuiLuLuiz CLuLuiz C

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partes. O processo de identificação do caso, a propósito da discussão, é essencial à distinção em sentido amplo e à análise de outros casos a fim de constatar ou não a existência de precedentes aplicáveis ao caso10. O ponto de convergência que anunciamos, no entanto, vem com o §1º do art. 489, no qual se “regula” o que se consideraria uma decisão não fundamentada11. Vide a redação: CPC/15 – Art. 489. § 1o Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do enten10  Mais sobre o processo de identificação do precedente, do caso e a distinção em sentido amplo, remeto a nosso trabalho: CARDONA, Luiz Cláudio. Distinção: aspectos da aplicação do distinguishing no sistema de precedentes brasileiro, 2015. 11  Observe-se que não se disse que regulava o que se consideraria, para fins de interpretação do inciso II do art. 489, CPC, uma decisão fundamentada, mas apenas circunstâncias nas quais resta certo estar-se frente à não-fundamentação da decisão, ou seja, à violação do mencionado artigo. Por essas razões, considerando que o rol do parágrafo primeiro não exaure as possibilidades de ausência de fundamentação adequada, que o Fórum Permanente de Processualistas Civis aprovou o enunciado 303 (“as hipóteses descritas nos incisos do §1º do art. 489 são exemplificativas. LLuiLuLuiz CLuLuiz C

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dimento.

Pondere-se que os quatro primeiros incisos pretendem coibir práticas disruptivas do nosso sistema judiciário, questão à qual não cabe digressão pormenorizada no presente artigo. No entanto, os dois últimos estão inseridos no cerne de nosso debate. Cm efeito, valendo-se dos incisos V e VI do §1º do art. 489, o Código de Processo Civil procura assegurar, tanto que não sirva o precedente de mais uma muleta de julgamento em desrespeito ao jurisdicionado e aos princípios que regem o processo, quanto que não deixe o julgador de considerar os casos precedentes.

4 Invocação do precedente O verbo invocar é utilizado largamente pela doutrina para designar o ato, seja de advogados ou procuradores, seja de julgadores, de argumentar através de precedentes. Não foi outro o termo de que se valeu o legislador quando decidiu regular a matéria. O termo invocar, no infinitivo ou particípio, é utilizado no Código de Processo Civil, a fim de tratar dos precedentes judiciais, em duas12 oportunidades: nos incisos V e VI do art. 489, §1º. Como visto, ambos os incisos são instrumentos concretos na garantia do uso adequado dos precedentes judiciais. Nas duas hipóteses, o precedente se apresenta através do ato de invocação, seja pelo magistrado em sua atividade de argumentação decisória13, seja 12  Na redação original do código, o termo era utilizado em mais uma oportunidade, qual seja, o inciso II do art. 1.042, §1, que tratava dos ônus do agravante de demonstrar a distinção entre o caso concreto e o precedente invocado. O artigo, no entanto, foi revogado pela Lei 13.256/16, promulgada antes da vigência do Código. 13  Sobre decidir com fundamento em precedentes: “decidir a partir de precedentes judiciais não é o mesmo que fazer uma colagem de ementas de acórdãos ou de referências vagas a enunciados de súmula. É preciso que se faça um confronto entre o caso precedente (isto é, o caso concreto que deu origem à decisão judicial que em um novo processo se pretende invocar como precedente) e o caso seguinte (ou seja, o novo caso, só agora submetido à apreciação judicial, e no qual se pretende invocar o precedente como fundamento da decisão” (CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro, 2017, p. 249). LLuiLuLuiz CLuLuiz C

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pelos procuradores e advogados em sua atividade de argumentação postulatória. Para tanto, é necessário definir o que se entende por invocar o precedente e analisar como foi recepcionado pela legislação brasileira. No contexto do ordenamento jurídico brasileiro, atualmente, é o Código de Processo Civil que regula as regras relativas a precedentes judicias e sua aplicação prática. Veja-se o inciso V do art. 489, §1º, que trata da decisão que não se considera fundamentada: “se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos”. Denota-se de sua redação, a partir do termo “se limitar”, que é possível invocar o precedente sem uma fundamentação qualificada, ou seja, sem demonstrar a adequabilidade do precedente ao caso em julgamento; tanto que veda ao magistrado decidir invocando precedente sem o fundamentar qualificadamente. Desnecessário seria predicamentar o ato de invocar o precedente em fundamentado ou em desincumbido do ônus de demonstrar a adequação caso tais elementos fossem essenciais ontologicamente ao ato; se o fez o legislador, fê-lo atribuindo ao termo invocar o sentido de mera menção ao precedente. Por outro lado, se, no plano da existência, invocar é a mera menção ao precedente, no plano da eficácia, exigem-se elementos qualificadores desta invocação. Quando se invoca um precedente, o que se pretende é fazer valer uma relação de prioridade preexistente. A expectativa normativa a respeito da solução de casos futuros de forma semelhante à solução de caso anterior fomenta a ideia de prioridade. Quando se enfrenta pela primeira vez uma questão, ou quando se está frente a uma questão à qual ainda não se deu solução adequada, normalmente o julgador e as partes se encontram em uma situação em que LLuiLuLuiz CLuLuiz C

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há paridade entre os elementos que compõem a solução do caso – seria a ideia de equivalente peso abstrato –; no entanto, a resolução deste caso servirá de norte para a resolução de casos futuros, pois foi criada uma expectativa normativa, ou seja, os elementos que compõem a solução do caso original têm prioridade em relação a outras soluções na resolução de casos futuros. Diz-se, pois, que o ônus argumentativo para manter a prioridade é menor do que o ônus argumentativo para inverter a prioridade. Nas palavras de Fernando Ângelo Ribeiro Leal, a quem pretende “manter uma determinada relação de prioridade, os ônus de argumentação facilitam o processo argumentativo por meio da redução da complexidade da justificação da valoração”14. No entanto, não significa dizer que não há ônus de argumentação; o que há é a redução da complexidade. Nesses termos, “as partes não precisam, a princípio, justificar a correção de uma relação de prioridade, mas somente a sua aplicabilidade no caso”15. Dessa forma, é plausível concluir que, para se considerar invocado o precedente no que diz respeito à produção de efeitos esperados pela prática do ato, faz-se necessária a devida justificação da aplicabilidade do precedente ao caso em julgamento; do contrário, a parte ou o julgador não haveria se desincumbido do ônus argumentativo necessário para estabelecer no caso a relação de prioridade. A eficácia da invocação pode não ser total16. Dessa forma, a con14  LEAL, Fernando Ângelo Ribeiro. Ônus de argumentação, relações de priorida�de e decisão jurídica, 2012, p. 126. 15  LEAL, Fernando Ângelo Ribeiro. Ônus de argumentação, relações de priorida�de e decisão jurídica, 2012, p. 126. 16  Neste sentido: “composto o suporte fático, que a regra jurídica fez necessário e suficiente para o fato jurídico e, pois, para o nascimento do direito, nasce o direito. De ordinário, se os elementos do suporte fático não são simultâneos, nenhum efeito jurídico se tem, enquanto não se integra, isto é, enquanto não ocorrem todos os elementos: ou a regra jurídica não incidiu, não fez jurídico o fato complexo incompletado, ou incidiu e apenas deixou pendente a eficácia. [...] Se o elemento ou elementos do suporte fático são deficientes (= não bastante para a validade do ato jurídico), ou LLuiLuLuiz CLuLuiz C

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sistência da invocação do precedente é elemento essencial ao suporte fático da prática do ato jurídico. Não o sendo consistente – e neste ponto afastamos a discussão do momento para a invocação, se pode ou não ser invocado a qualquer momento do processo, não como fundamento, mas como norma que confirma os fundamentos arguidos no momento devido –, há de se considerar deficiente o suporte fático e, portanto, não bastante para a validade do ato jurídico. Por esta razão também (não só pela reflexão da não fundamentação compreendida a partir da combinação do inciso II do art. 489 com o inciso V do §1º do art. 489) que pode ser declarada nula a decisão cuja fundamentação se deu através da invocação inconsistente do precedente. Trata-se, no entanto, de ineficácia relativa, vez que pode ser superada17, seja quando a invocação inconsistente provém do magistrado e a parte a que prejudica não a aponta via o instrumento processual adequado, seja quando provém da parte e o magistrado considera o precedente para fins de julgamento. Nessas circunstâncias, não obstante a precariedade da invocação do precedente, ela deve ser considerada eficaz, dado que produziu os efeitos esperados. A simples menção a um caso, sem sua devida qualificação – ou seja, sem que aquele que invoca o precedente se desincumba do respectivo ônus argumentativo –, não gera todos os seus efeitos, especificamente o efeito de observância. é possível completar-se (anulabilidade), ou não. No primeiro caso, o elemento que falta é preenchido por vontade posterior (ratificação), ou pelo tempo (prescrição da pretensão à anulação), ou outra causa de extinção da ação de anulação. No segundo, o ato é jurídico mas nulo: entrou no mundo do direito sem poder entrar. O ato juridicamente inexistente não entra no mundo do direito”. (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado, tomo V, 1999, §536.2). 17  Sobre o tema: “superação da ineficácia. (a) A ineficácia pode ser posta de lado, ou superada, como se o vendedor do prédio alheio o adquire; e pode ser insanável, irremediável, e então coincide com a nulidade (L. Enneccerus, Das Bíirgerliche Recht, 2º ed., 1, 270, nota 1). De modo que não se pode dizer que todos os atos jurídicos ineficazes sejam nulos; nem vice-versa” (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado, tomo V, 1999, §529.5). LLuiLuLuiz CLuLuiz C

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Um paralelo à questão da eficácia é encontrado no próprio §1º do art. 489. É o caso do inciso I, em que se indica, reproduz ou parafraseia ato normativo sem a explicação relacional entre ele e o caso concreto. Lei e precedente judicial, enquanto fontes normativas, são continentes de normas e, portanto, poder-se-ia concluir que, tal qual a Lei, o precedente também estaria incluído no conteúdo jurídico deste inciso – o que é verdade. O legislador fez a opção de reservar uma regra específica aos precedentes judiciais, não por ele não estar contido no âmbito de incidência do inciso I, mas devido às peculiaridades da argumentação a partir de precedentes judiciais, em especial em uma fase de transição para um modelo que adota a regra da stare decisis. Nada obstante, o paralelo existente entre os dois incisos revela que não é estranho ao processo civil a indicação de norma, dispositivo de lei, precedente judicial sem que se produza efeito. Então, ampliando a inferência realizada em relação à simples menção do caso: uma análise conjunta desses incisos faz compreender que a invocação de norma sem a sua devida demonstração de adequabilidade para resolver o mérito não é eficaz na produção dos efeitos de justificação da decisão judicial.

5 A eficácia da invocação do precedente quanto ao art. 489, §1º, VI É neste ponto que a questão principal deste artigo encontra lugar. Nada obstante ter-se concluído pela ineficácia da invocação de norma sem a devida demonstração de adequabilidade ao caso para fins de justificação da decisão judicial, o desfecho alcança apenas a atividade julgadora. O que dizer da atividade das partes? O art. 489, §1º, VI, tal qual o V, é dirigido ao magistrado e constitui um dever de observância ao precedente invocado pela parte, obrigando-o, ou a seguir o precedente, ou a se desincumbir LLuiLuLuiz CLuLuiz C

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do ônus argumentativo da distinção ou superação do precedente. Dessa forma, uma vez invocado pela parte, o precedente deve ser observado pelo julgador. No entanto, diferentemente do que ocorre no inciso V, o inciso VI não faz menção a uma necessidade de a parte identificar fundamentos determinantes ou demonstrar a adequabilidade do precedente ao caso. O inciso simplesmente diz: “precedente invocado pela parte”. Dado que a invocação do precedente, no plano da existência, é caracterizada pela simples menção ao precedente, poderia se deduzir que, uma vez que a parte fizesse menção a qualquer precedente, estaria obrigado o juiz a considerá-lo na decisão, sob pena de nulidade desta. Este entendimento, no entanto, não é correto. Para que a invocação do precedente judicial realizada pela parte tenha eficácia quanto ao inciso VI do §1º do art. 489, a parte deverá desincumbir-se do ônus argumentativo de demonstrar a aplicabilidade do precedente ao caso concreto. Ainda que o legislador tenha optado, do ponto de vista sintático, por separar a ação de invocar o precedente daquela de demonstrar a adequabilidade de procedente ao caso ou de identificar seus fundamentos determinantes, escolha que claramente tem consequências do ponto de vista semântico, como discorrido até o presente momento, essa predileção legislativa não supera o plano da existência. Desta forma, reitera-se que basta a menção, o apontamento, para que se tenha como existente juridicamente a invocação do precedente no processo. No plano da eficácia, no entanto, a invocação só tem efeito de impor ao juiz a observância ao precedente judicial invocado caso o invocador demonstre a aplicabilidade da relação de prioridade no caso concreto – por demonstrar, deve-se entender o processo argumentativo de demonstração e não o êxito do convencimento; do contrário, apenas os precedentes aplicáveis seriam consideLLuiLuLuiz CLuLuiz C

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rados para fins de consideração pelo julgador, o que não é uma verdade, uma vez que o julgador estaria constrangido a afastar fundamentadamente um precedente invocado pela parte e que não fosse aplicável. Trocando em miúdos, o não convencimento da aplicabilidade do precedente não pressupõe sua ineficácia para fins de incidência da regra em questão, mas sua mera citação, sem qualquer fundamento, sim. A consistência da invocação do precedente é elemento essencial à sua eficácia18. O inciso VI deve ser interpretado sistematicamente, portanto. Não basta transcrever uma ementa ou citar um número de um caso julgado. Há de se relacionar o ato normativo em questão com o caso concreto. Apesar de demonstrado que a invocação precária do precedente não promove o estabelecimento da relação de prioridade dentro do caso e que não estaria o magistrado compelido a se desincumbir do ônus argumentativo para deixar de aplicar o precedente, não se quer dizer que não o fará o magistrado de ofício, visto que tem 18  Sobre a questão: “o ato da parte consistente em invocar “enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente”, a que se refere o art. 489, § 1.º, VI do CPC/2015 deve ser feito de modo claro e preciso, sob pena de inépcia ou, no mínimo, de não ser considerada a argumentação tecida pela parte. Com efeito, o art. 330, § 1.º, II e III do CPC/2015 qualifica como inepta a petição acoimada de indeterminação do pedido, ou quando “da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão”. Logo, não se coaduna com o sistema do CPC/2015, p.ex., a apresentação de julgados em série pelas partes, ou a simples transcrição de ementas, sem que se explique os porquês de sua incidência no caso. Não nos parece apta a petição elaborada desse modo, e, nesse caso, cabe ao juiz intimar a parte para que emende a petição inicial elaborada nessas condições, sob pena de indeferimento (caso impossível compreender o libelo, se não esclarecido o fundamento de que pretende se valer a parte) ou, então, de não ser considerado o “enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte”. (MEDINA, José Miguel Garcia. Curso de direito processual civil moderno, 2017, p. 397). Não se pode concordar com todos os pontos e inferências realizadas pelo professor paranaense. A invocação de precedentes ou dispositivos de lei de forma equivocada não teriam o condão de tornar a petição inepta, caso a relação entre fato e pedido seja necessária. O dever de fundamentação jurídica da parte é mitigado em relação ao magistrado. De toda sorte, enquanto o Código de Processo Civil passa a considerar legitimidade recursal para aquele que não esteja satisfeito com a fundamentação do julgador, para que se possa exigir a consideração de qualquer tese, precedente ou norma legislativa, deve ser revestido dos critérios de fundamentação necessários, sob pena de desconsideração no plano do convencimento do julgador. LLuiLuLuiz CLuLuiz C

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o dever de conhecer as normas que compõem o ordenamento jurídico, sejam elas de natureza legal ou jurisprudencial19. Se incidente um precedente ao caso em julgamento, o magistrado deverá justificar sua superação ou distinção na hipótese de não seguir o precedente. Mas, neste caso, não o estará fazendo devido à eficácia do art. 489, §1ª, VI, mas pelo dever de fundamentação adequada da decisão judicial20, evitando, por exemplo, incorrer numa distinção inconsistente21.

6 Conclusão Desse modo, é plausível concluir que a invocação do precedente apenas é eficaz em relação ao art. 489, §1º, VI, quando a parte invoca o precedente qualificadamente. Assim, para exigir que o magistrado, em caso de não seguir o precedente, faça a distinção ou a superação com fulcro no art. 489, §1ª, VI, é exigido da parte que antes tenha invocado adequadamente o precedente, ou seja, que a parte tenha justificado a aplicabilidade do precedente ao caso. 19  Nesse sentido: “Ressalte-se que, como o precedente judicial é considerado uma fonte do direito, ele é cognoscível ex officio, ou seja, não precisa ser invocado pelas partes para que seja devidamente considerado na decisão. Trata-se, portanto, de material que está no âmbito do iura novit cúria” (MACÊDO, Lucas Buril de. Precedentes judiciais e o direito processual civil, 2017, p. 203) 20  Veja-se que há circunstâncias em que o juiz tem o dever de observância ao precedente mesmo que omissa a parte: “é certo que o juiz não se exime de se manifestar sobre tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou incidente de assunção de competência aplicável ao caso, ainda que tais orientações não tenham sido invocadas pelas partes (uma decisão assim proferida é omissa, ex vi do art. 1.022, parágrafo único, I do CPC/2015). Logo, o juiz deverá agir ex officio, nessas hipóteses (e, se as partes não tiverem se manifestado a respeito, deverá o juiz instá-las a tanto, em observância ao contraditório, cf. art. 10 do CPC/2015)”. (MEDINA, José Miguel Garcia. Curso de direito processual civil moderno, 2017, p. 397) 21  “Diz-se inconsistente uma distinção inadequada, quando os fatos se encontravam em adequado grau de similitude e a regra do precedente deveria ser aplicada ao caso em julgamento e ainda assim o magistrado decidiu por afastar o precedente. Também é inconsistente a distinção que, apesar de ser justa – ou seja, de fato na análise dos casos poder-se-ia inferir as diferenças –, não encontra devidamente justificada no texto da decisão, ou seja, embora materialmente o resultado fosse a distinção, o procedimento não foi adequado, de forma que ela é formalmente inconsistente” (CARDONA, Luiz Cláudio. Distinção: aspectos da aplicação do distinguishing no sistema de precedentes brasileiro, 2015, p.56) LLuiLuLuiz CLuLuiz C

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Isso dito, a partir da ideia de ônus de argumentação, para que a parte possa exigir que o magistrado se desincumba do ônus argumentativo de afastar a prioridade, antes deve ter estabelecido a prioridade, desincumbindo-se a própria parte do ônus argumentativo de justificar a aplicabilidade do precedente ao caso. No entanto, o presente ensaio conduz a concluir, em suma, que o ônus argumentativo, para garantir a eficácia em relação à regra mencionada, é deveras reduzido em relação ao ônus argumentativo de estabelecer a prioridade efetivamente, o que demandaria o próprio convencimento do julgador.

7 Referências CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. 3ed. São Paulo: Atlas, 2017. CARDONA, Luiz Cláudio. Distinção: aspectos da aplicação do distinguishing no sistema de precedentes brasileiro. 2015. 80f. Monografia (bacharelado em direito). Centro de Ciências Jurídicas, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2015. DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil, vol. 2 - reescrito em conformidade com o novo CPC. 10. ed. Salvador: JusPodivm, 2015. EPSTEIN, Lee; KNIGHT, Jack. The norm of stare decisis. American Journal of Political Science, v. 40, n. 4, nov. 1996, pp. 1018-1035. LEAL, Fernando Ângelo Ribeiro. Ônus de argumentação, relações de prio�ridade e decisão jurídica: mecanismos de controle e de redução da incerteza na subidealidade do sistema jurídico. 2012. 218 f. Tese (doutorado) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Faculdade de Direito, Rio de Janeiro, 2012. MACÊDO, Lucas Buril de. Precedentes judiciais e o direito processual civil. 2ed. Salvador: Juspodivm, 2017. MEDINA, José Miguel Garcia. Curso de direito processual civil moderno [livro eletrônico]. 3ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. PEIXOTO, Ravi. (In)constitucionalidade da vinculação dos precedentes no CPC/2015: um debate necessário. Civil Procedure Review, v.8, n. 2, may-aug. 2017, pp. 93-133. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado, tomo V. Campinas: Bookseller, 1999.

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Honorários advocatícios sucumbenciais : medidas

efetivas de desencorajamento ao ajuizamento de demandas temerárias Luiz Otávio de Souza Jordão Emerenciano1

Este trabalho visa ao estudo dos sistemas ocidentais de distribuição de honorários advocatícios sucumbenciais e sua relação com o (des) estímulo ao ajuizamento de demandas, sobretudo as frívolas. Primeiramente, são estudados alguns números do Poder Judiciário Brasileiro, demonstrando que sua produtividade excede a maioria dos sistemas judiciários europeus, e que o estoque de demandas não diminui em razão do excesso de processos ajuizados anualmente. Verifica-se, também, que há, basicamente, dois sistemas ocidentais de distribuição de ônus advocatícios processuais, o American Rule e o English Rule, em que o primeiro estabelece que cada parte paga os honorários de seus patronos, independente do resultado da demanda, enquanto o segundo determina que o perdedor deve pagar os honorários do patrono do vencedor. O segundo sistema é apontado como um fator de desestímulo ao ajuizamento de demandas, sobretudo as temerárias, em que a Parte Autora faz uso do Poder Judiciário sem que tenha um direito robusto. O CPC/15 apresentou diversas modificações no sistema de distribuição de ônus advocatícios, enrobustecendo o English Rule no sistema judiciário brasileiro, confirmando, assim, o desestímulo ao ajuizamento de demandas, mudanças essas que se espera sejam respeitadas pelo Poder Judiciário, uma vez que são medidas visando à diminuição de demandas temerárias, tal como apontado pela doutrina que estuda o English Rule. Palavras-Chave: Excesso de Demandas – Honorários – Sucumbenciais Sumário: 1. Introdução; 2. Assoberbamento do Poder Judiciário Brasileiro; 3. Honorários Como Fator Redutor de Demandas: Análise dos Sistemas Ocidentais de Distribuição dos Ônus Sucumbenciais: English Rule x American Rule; 4. Os Honorários Sucumbenciais no Brasil; 5. Conclusões; 6. Referências.

1 Introdução O tema dos honorários advocatícios sucumbenciais no Brasil voltou à tona e à pauta de discussões dos juristas, dentro e fora dos 1  Advogado, sócio-fundador do Leite & Emerenciano Advogados, bacharel em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco - UFPE, pós-graduado em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários - IBET, e Pós-Graduando em Direito Processual Contemporâneo pela Universidade Federal de Pernambuco UFPE. LLuiLuLuiz LLuLuLuizLuLuiz LuLuiz Otávi

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tribunais, estando presente em conversas coloquiais, bem como nas discussões das Cortes Brasileiras. A principal razão para o retorno de tal discussão são as alterações introduzidas pelo art. 85 e §§ do CPC/15, cuja vigência se iniciou em março do ano de 2016. Em razão de tais debates, resolveu-se por fazer um paralelo entre a forma de distribuição dos honorários advocatícios sucumbências e o (des)estímulo ao ajuizamento de demandas judiciais, sobretudo por se ter um Poder Judiciário assoberbado, que, apesar de sua altíssima produção, julgando milhões de processos por ano, consoante se verifica dos números divulgados pelo CNJ, analisados no primeiro capítulo deste trabalho, continua sem dar vazão ao seu estoque de processos por conta do excessivo ajuizamento de novas demandas. No presente escrito, vai-se, também, estudar as nuances das duas principais formas de distribuição de ônus advocatícios sucumbenciais encontrados nos sistemas jurídicos ocidentais, quais, sejam, o American Rule e o English Rule. O primeiro é adotado basicamente pelos Estados Unidos da América, já o segundo em quase a totalidade dos demais países ocidentais, incluindo o Brasil. Após tal análise, verificar-se-á qual das duas formas de distribuição de ônus desestimula mais o ajuizamento de demandas, sobretudo as frívolas, que configuram verdadeiras aventuras jurídicas. Em seguida, analisar-se-á o sistema instituído pelo CPC/15 no Brasil e como seu regramento prestigia o trabalho do advogado, bem como se será um elemento para reduzir demandas e recursos perante o assoberbado sistema judiciário pátrio, delimitando, no capítulo final, as conclusões a que se chega.

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2 Assoberbamento do Poder Judiciário Brasileiro O Poder Judiciário Brasileiro é, tradicionalmente, alvo de muitas críticas por conta de sua lentidão. Mas será que a culpa dessa lentidão é exclusivamente do Poder Público ou uma cultura litigante impede que o judiciário brasileiro se desafogue? Se for observada, como exemplo, a realidade do ano de 2010, verifica-se que foram ajuizados 24,2 milhões de processos, sendo proferidas 22,2 milhões de sentenças, restando pendentes 59,2 milhões de processos. Já são números alarmantes e espantosos2. Entretanto, o mais espantoso é que, segundo os dados do CNJ3, publicados no “Justiça em Números”, ao final do ano de 2016, o Brasil possuía cerca de 79,7 milhões de processos em tramitação, cerca de um terço a mais do que se verificava seis anos antes. Só no referido ano de 2016, foram ajuizados 29,4 milhões de processos, mesmo número de processos baixados. Ou seja, a produção do Poder Judiciário Brasileiro é altíssima e revela números que causariam espanto a juristas de qualquer país do mundo, sobretudo ao se observar que o Brasil possui, segundo estimativa do IBGE4, cerca de 207 milhões de habitantes. Se for feito um esforço retórico, levando em consideração que, em cada processo litigam, ao menos, duas pessoas, pode-se dizer que, no ano de 2016, foram ajuizadas ações envolvendo o número de partes correspondente a 30% da população brasileira. Ainda, ao se levar em consideração o número de processos ativos (79,7 milhões), verifica-se que há um polo processual de processo em curso para abrigar mais de 77% da população brasileira, 2  SERBENAL, Cesar Antonio; WIVIURKA, Eduardo Seino; MONTEMEZZO, Francielle Pasternak; BARBOZA, Priscila da Silva. Justiça em números, 2013. 3  BRASIL. Justiça em Números, 2017. 4  População brasileira passa de 207,7 milhões em 2017, artigo publicado pelo Portal Brasil em 30/08/2017 no site do Governo Federal do Brasil. Disponível em: CPC/2015Acesso em 09/11/2017. LLuiLuLuiz LLuLuLuizLuLuiz LuLuiz Otávi

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o que constitui hercúleo exagero. Entretanto, a análise acima serve, tão somente, como argumento retórico ilustrativo, isto porque é de conhecimento comum e é essencial que se pondere isso - que a maior parte dos processos judiciais são polarizados por um seleto número de litigantes, sobretudo figurando no polo passivo em razão de terem enraizada em si uma cultura contumaz de descumprimento do direito alheio5. São milhões e milhões de processos já ajuizados que versam sobre direitos do consumidor, assolando o judiciário com causas plenamente evitáveis, isto se não fosse a cultura de algumas grandes empresas de desrespeitar o direito do cidadão, a desacreditar na possibilidade de acionamento do Poder Judiciário pelos consumidores lesados. Destaca-se, também, que o Poder Executivo, em todas as suas esferas, mas com maior ênfase pela Administração Pública Federal, é o maior litigante do país, a comungar da política de desrespeito aos direitos do cidadão tanto quanto as grandes empresas o fazem, pois partem da mesma premissa de que vale a pena cobrar, por exemplo, tributos manifestamente ilegais, isto porque nem todos irão procurar a justiça para obter seus direitos. Impressiona o fato de que o Setor Público Federal era, em março de 2011, o maior litigante do Judiciário brasileiro, figurando em espantosos 38% das demandas judiciais ativas no país, a empatar com o Setor Bancário, segundo levantamento do Conselho Nacional de Justiça denominado “100 maiores litigantes”6. Depreende-se do exposto, pois, que os bancos e a União Federal, em conjunto com suas autarquias, são responsáveis por 76% das demandas judiciais em trâmite no ano de 2011 no Brasil.

5  FRIEDE, Reis. O Judiciário mais caro do mundo, 2016. 6  BRASIL. 100 maiores litigantes, 2011. LLuiLuLuiz LLuLuLuizLuLuiz LuLuiz Otávi

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Afigura-se ainda mais grave perceber que, dentre os bancos, o maior litigante é a Caixa Econômica Federal, empresa pública federal controlada, em sua totalidade, pela União Federal, o que, por óbvio, não é uma coincidência. Toda essa política de desrespeito, em que para os litigantes habituais vale a pena forçar a que os cidadãos busquem abrigo na justiça, evidentemente encabeçada pelo Setor Público Federal, redunda em um Poder Judiciário extremamente congestionado, apesar de ser, paradoxalmente, muito produtivo. O juiz brasileiro, por exemplo, possui o dobro da carga de trabalho do juiz europeu, recebendo, em média, cerca de 1.375 casos por ano, enquanto os juízes portugueses recebem 379 novos casos por ano, os italianos recebem 667 e os espanhóis 6737. Não se pode, portanto, simplesmente, depositar a culpa do congestionamento nos órgãos do Poder Judiciário brasileiro, isto porque, conquanto seja certo que possuem falhas que devem ser estudadas e sanadas, o que deve ser combatida, principalmente, é a cultura de desrespeito ao direito do cidadão e da litigância em excesso, sobretudo com causas frívolas que poderiam ser evitadas, as quais constituem verdadeiras aventuras jurídicas. Para se evitar o desrespeito contumaz aos direitos do cidadão, deve-se estabelecer medidas firmes e significativas para tornar desinteressante para os litigantes contumazes tais práticas, a exemplo do arbitramento de multas astreintes, condenação por danos morais em valores expressivos. Há que se destacar, também, que a condenação no pagamento de honorários sucumbenciais significativos ao patrono da parte vencedora, além de desestimular o desrespeito aos direitos do cidadão (uma vez que impõe mais ônus ao sucumbente), serve como 7 

MACEDO, Fausto. O País dos paradoxos, 2017.

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instrumento para redução de ajuizamento de demandas frívolas, das chamadas aventuras jurídicas encabeçadas por verdadeiros apostadores que arriscam entrar na justiça com quase certeza de que, efetivamente, não está amparado pelo direito.

3 Honorários Como Fator Redutor de Demandas. Análise dos Sistemas Ocidentais de Distribuição dos Ônus Advocatícios: English Rule x American Rule No direito ocidental moderno, existem, basicamente, dois sistemas de distribuição de ônus advocatícios, o English Rule - adotado na grande maioria dos países, incluindo o Brasil -, e o American Rule - adotado, quase que exclusivamente, pelos Estados Unidos da América8. Pelo English Rule, o perdedor da demanda judicial arca com os honorários do advogado da parte vencedora, enquanto que, pelo American Rule, cada parte arca com os honorários dos seus advogados, independentemente do resultado da demanda. Assim, aponta-se o English Rule como o sistema que, por sua natureza, desestimula o ajuizamento de demandas frívolas, implicando, naturalmente, num fator redutor de demandas judiciais ao imputar ao derrotado o pagamento dos honorários advocatícios do vencedor. Por óbvio que deve haver limitações nas estipulações dos honorários arbitrados aos advogados do vencedor, não podendo os valores envolvidos ser desarrazoados ou desproporcionais ao bem jurídico tutelado e à complexidade e ao valor da causa. A possibilidade de impor honorários elevados em relação à causa é uma das 8  EISENBERG, Theodore; MILLER, Geoffrey P. The English Versus the American Rule on Attorney Fees, 2013. LLuiLuLuiz LLuLuLuizLuLuiz LuLuiz Otávi

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principais críticas tecidas pelo defensores do American Rule9, os quais reconhecem que o English Rule desestimula demandas frívolas, mas podem, por outro lado, desestimular demandas em que o particular acredita possuir um direito razoável, mas não tem total confiança de que se sagrará vencedor. CPC/2015, advogado corporativo em Nova Iorque Estados Unidos da América, e formado em Harvard no ano de 2011, trata a respeito do tema ao discutir o artigo “Why does the US insist on the “American rule” for attorney’s fees, when it clearly has done more harm than good?”, cujo trecho segue abaixo transcrito: “Without the American Rule, the other points above will not really encourage plaintiffs to sue, because the English Rule (loser pays winner’s attorney’s fees) is a substantial disincentive to file a lawsuit unless you are very sure you will win, or in cases where the amount in controversy drastically exceeds attorney’s fees. How plaintiff-friendly a legal system should be is an open question of public policy and most other developed countries have ended up being less plaintiff-friendly than the US. How fair the American Rule sounds to you is a matter of perspective - as a defendant, it certainly feels unfair that a frivolous lawsuit can still result in you spending a lot of money to defend yourself. But one person’s frivolous lawsuit can be another person’s good faith, but ultimately failed, suit. From a plaintiff’s perspective, here is a hypothetical: Megacorp has wronged me in some way: I ordered a hamburger, and there was a stone in it which messed up my teeth, and it cost me $3,000 in damages. Megacorp has refused to pay my dental bills and lost wages, so I get a friendly lawyer and file a lawsuit. Now, Megacorp hires the very expensive Dewey, Cheatem & Howe LLP to defend, and they successfully prove at trial (running up a bill of $100,000) that the incidence of stones in their ground beef is one part per million, and it would not be cost effective to remove them, so they have no liability. I now have a busted mouth, unpaid medical bills, and $100,000 in additional liability, all for filing a reasonable lawsuit. Is that fair? 9  RAVI, Ani. Why does the US insist on the “American rule” for attorney’s fees, when it clearly has done more harm than good?. LLuiLuLuiz LLuLuLuizLuLuiz LuLuiz Otávi

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In an English Rule jurisdiction, a lot of potential plaintiffs with legitimate claims are going to be deterred from suing. I don’t think the American system is perfect, but on the whole, I appreciate that it operates (roughly) for the benefit of the little guy (the plaintiffs) and not the established interests (the defendants). There are going to be counterexamples, but if I were designing a legal system, I’d prefer to keep the core of the American system, and then address specific problems in other ways (for example, reforming the patent system).”

Desta feita, percebe-se que o principal argumento dos defensores do American Rule é a possibilidade de os custos com honorários sucumbenciais serem desproporcionais ao bem jurídico tutelado na ação judicial apresentada. Entretanto, tal argumento não se sustenta ao se analisar a forma de aplicar o English Rule instituída pelas legislações sobre o tema. É que, na maioria dos sistemas judiciais que utilizam a Loser Pays Rule, há limitações no arbitramento dos honorários que a parte sucumbente deve suportar, evitando, assim, que sejam arbitrados valores desproporcionais em relação à demanda. Chama-se atenção para a Rule of Civil Procedure 82 do Estado do Alaska, única unidade federativa dos Estados Unidos da América que adota o English Rule como regra10. Por meio da referida lei estadual, foi imposta uma tabela em que, de acordo com o valor da causa e da forma ou estágio em que o processo foi encerrado, é estipulado um diferente percentual para obter o valor da condenação nos honorários advocatícios sucumbenciais. Douglas C. Reine explica o sistema do Alaska11: Dating back to before its organization as a territory, Alaska has been alone among American jurisdictions in awarding attorneys’ fees as a matter of course to the prevailing party. Since statehood, that presumption has been codified in Alaska Rule 10  DI PIETRO, Susanne. Alaska’s English Rule: Attorney’s Fee Shifting in Civil Case, 1995. 11  PERRY, William. Loser Pays.CPC/2015 LLuiLuLuiz LLuLuLuizLuLuiz LuLuiz Otávi

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of Civil Procedure 82. (...) The Rule sets out a schedule providing that a prevailing party recovering a money judgment may recover an additional percentage of the judgment as partial compensation for its attorneys’ fees as follows:

First, the risk of a litigant paying the legal fees for both himself and his opponent is often cited as an effective discouragement to claimants/plaintiffs against bringing frivolous cases. Secondly, the rule encourages defendants to settle meritorious cases (earlier than they would otherwise have done) for the same reasons that it discourages frivolous cases. Thirdly it does justice: a wronged or wrongfully sued party who is successful in court should not be out of pocket (in English English this expression means: financially disadvantaged) by having to pay the cost of securing his legal rights against an opponent who, by definition wrongly, defended a righteous case or wrongfully sued.

Sistemas parecidos são adotados na Alemanha e no Brasil, em que a parte sucumbente paga um percentual do proveito econômico obtido pelo vencedor ou do valor da causa quando aquele não for calculável (art. 85 do CPC/15). Tal aplicação afasta, portanto, a alegação de que a parte poderia ser desproporcionalmente apenada por perder uma demanda, mas abranda o fardo do vencedor em relação ao pagamento dos honorários advocatícios de seu patrono, além de desestimular que litigantes aventureiros ajuízem demandas infrutíferas para arriscar algum ganho incerto. Vale salientar que, apesar de não ser a regra geral nos demais Estados dos Estados Unidos da América, as cortes americanas vêm aceitando que as partes adotem o English Rule em seus contratos, LLuiLuLuiz LLuLuLuizLuLuiz LuLuiz Otávi

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inclusive, quando está previsto em ato unilateral como as disposições estatutárias de uma corporação. Ademais, assim como na doutrina, a jurisprudência americana adota como premissa que o English Rule, por sua natureza, desestimula o ajuizamento de demandas judicias. Segue-se um pequeno trecho do julgamento nº. 534, 2013, da Suprema Corte do Estado de Delaware, EUA, decidido em 08/05/2014, movido pela ATP Tour Inc. e Outros contra a Deutscher Tennis Bund e Outros: The intent to deter litigation, however, is not invariably an improper purpose. Fee-shifting provisions, by their nature, deter litigation.

Nota-se, portanto, que o arbitramento de honorários advocatícios sucumbenciais é, por sua natureza, uma medida de filtragem de demandas judicias. Os benefícios do referido sistema, inclusive a diminuição do ajuizamento de demandas-aventuras, são apontados, também, por David A. Root ao ensinar12: By having the losing party bear the costs of litigation for both parties, the “English rule” has three primary benefits: 1) fuller compensation of winners (including unjustly accused defendants); 2) deterrence of frivolous claims;’ 8 1 and 3) a possible higher frequency of settlements. (...) Perhaps the greatest impact of the “English rule” has been the deterrence of frivolous litigation, allowing the courts to be more open to meritorious claims. While it is important to keep in mind that England is generally less litigious than America,’ the “English rule” deters these claims primarily because the threat of paying a victorious defendant’s legal costs raises the stakes for the plaintiff, forcing him to more carefully assess his case and act more conservatively. In fact, America has roughly twenty times the amount of civil lawsuits as England (figure adjusted for population difference).’ A simple comparison between the quantity of English civil litigation and American civil 12 

ROOT, David A. Attorney Fee-Shifting in America, 2005, pp. 604-605 e 617)

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litigation does not, in and of itself, prove the “English rule” deters litigation. However, many commentators feel that adoption of the rule would decrease the number of lawsuits in America, albeit, not always justly. (...) This is especially true when coming at the hands of a reckless plaintiff who takes the American judicial system out for a spin simply because it is relatively inexpensive to do so. Furthermore, making parties financially responsible for unreasonable claims and defenses will not only release wholly justified victorious parties from their financial burdens, but will also free up the courts to hear more meritorious cases, ones deserving the rigors of American justice.

Vale salientar que o arbitramento de honorários sucumbenciais não deve ser imposto apenas para o litigante que perde inteiramente a ação. É importante, também que ao vencedor/perdedor parcial seja imputado o pagamento dos honorários advocatícios sucumbenciais na proporção em que sucumbir. Tal medida visa a reprimir o ajuizamento de demandas com valores inflados, que não representam a realidade do bem jurídico tutelado pelo processo ajuizado. Sobre o tema, merece destaque a lição de James R. Maxeiner: The no-indemnity practice permits, and by permitting encourages, inflating claims, since there is no sanction for parties who claim a lot and win little or nothing. Wildly inflated claims are common. I personally was sued for more than $300,000 for a slip-and-fall accident that occurred in my house and resulted in medical bills below $20,000; after three depositions the insurance company settled for nuisance value of around $7000. In the most notorious recent case the plaintiff, who happened to be a judge, sued for $54 million from a drycleaner who lost a pair of pants. The drycleaner “won”, but only after paying nearly $100,000 in non-recoverable legal fees.

Assim, verifica-se que o English Rule, em comparação com o American Rule, desestimula o ajuizamento de ações judiciais, bem como estimula a realização de acordos, além de obrigar o demanLLuiLuLuiz LLuLuLuizLuLuiz LuLuiz Otávi

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dante a estabelecer seus pedidos com parcimônia e ponderação, colaborando, assim, com a diminuição dos números de processos ajuizados. Aponta-se, ainda, que o arbitramento rígido de honorários sucumbenciais significativos se mostra como um elemento para desestímulo das práticas de afronta aos direitos dos cidadãos por parte das grandes empresas, sobretudo do setor bancários, e dos órgãos públicos, principalmente, o setor público federal, assim apontados a União e suas autarquias, com destaque para o INSS – Instituto Nacional do Seguro Social, litigante recordista no Brasil.

4 Os Honorários Sucumbenciais no Brasil O Brasil, seguindo a tradição europeia e a tendência de quase todos os países ocidentais, adota, como regra geral em seu ordenamento jurídico, o English Rule como forma de distribuição processual dos ônus advocatícios. Desta feita, salvo exceções como as medidas constitucionais (habeas corpus, habeas data, mandado de segurança, dentre outros), o vencido na demanda judicial deve pagar honorários advocatícios sucumbenciais ao patrono do vencedor. O CPC/15 apresentou inovações legislativas, consolidando o posicionamento jurisprudencial sobre alguns temas e modificando disciplinamento em outros, mas, sem sombra de dúvidas, veio para valorizar o trabalho do advogado, figura indispensável para a engrenagem do Judiciário, consoante afirmado no art. 133 da Constituição Federal abaixo transcrito: CF - Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.

Verifica-se, portanto, que a atividade do advogado é de tanta importância que mereceu destaque na Constituição da República, LLuiLuLuiz LLuLuLuizLuLuiz LuLuiz Otávi

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sendo indicada como indispensável à administração da justiça, além de dispor que os atos do causídico no exercício da advocacia são invioláveis. Uma atividade com tamanha importância deve ser valorizada e respeitada. Diante de tal relevância, o CPC/15 tratou dos honorários sucumbenciais devidos ao patrono da parte vencedora no processo judicial em seus arts. 85 (com 19 parágrafos), 86 e 87, adotando uma postura em que foi diminuído o poder discricionário do magistrado ao arbitrar o ônus advocatício sucumbencial, visando, assim, garantir a efetiva remuneração dos advogados de forma digna e condizente com a importância da atividade que exerce. A mudança de postura se verifica, sobretudo, nos §§ 2º, 3º, 6º, 8º, 11º, 14º e 18º do seu art. 85, os quais dispõem: Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor. (...) § 2CPC/2015 Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, atendidos: I - o grau de zelo do profissional; II - o lugar de prestação do serviço; III - a natureza e a importância da causa; IV - o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço. § 3CPC/2015 Nas causas em que a Fazenda Pública for parte, a fixação dos honorários observará os critérios estabelecidos nos incisos I a IV do § 2CPC/2015 e os seguintes percentuais: I - mínimo de dez e máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido até 200 (duzentos) salários-mínimos; II - mínimo de oito e máximo de dez por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 200 LLuiLuLuiz LLuLuLuizLuLuiz LuLuiz Otávi

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(duzentos) salários-mínimos até 2.000 (dois mil) salários-mínimos; III - mínimo de cinco e máximo de oito por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 2.000 (dois mil) salários-mínimos até 20.000 (vinte mil) salários-mínimos; IV - mínimo de três e máximo de cinco por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 20.000 (vinte mil) salários-mínimos até 100.000 (cem mil) salários-mínimos; V - mínimo de um e máximo de três por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 100.000 (cem mil) salários-mínimos. (...) § 5CPC/2015 Quando, conforme o caso, a condenação contra a Fazenda Pública ou o benefício econômico obtido pelo vencedor ou o valor da causa for superior ao valor previsto no inciso I do § 3CPC/2015, a fixação do percentual de honorários deve observar a faixa inicial e, naquilo que a exceder, a faixa subsequente, e assim sucessivamente. § 6CPC/2015 Os limites e critérios previstos nos §§ 2CPC/2015 e 3CPC/2015 aplicam-se independentemente de qual seja o conteúdo da decisão, inclusive aos casos de improcedência ou de sentença sem resolução de mérito. (...) § 8CPC/2015 Nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa, observando o disposto nos incisos do § 2CPC/2015. (...) § 11. O tribunal, ao julgar recurso, majorará os honorários fixados anteriormente levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o disposto nos §§ 2CPC/2015 a 6CPC/2015, sendo vedado ao tribunal, no cômputo geral da fixação de honorários devidos ao advogado do vencedor, ultrapassar os respectivos limites estabelecidos nos §§ 2CPC/2015 e 3CPC/2015 para a fase de conhecimento. (...) LLuiLuLuiz LLuLuLuizLuLuiz LuLuiz Otávi

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§ 14. Os honorários constituem direito do advogado e têm natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho, sendo vedada a compensação em caso de sucumbência parcial. (...) § 18. Caso a decisão transitada em julgado seja omissa quanto ao direito aos honorários ou ao seu valor, é cabível ação autônoma para sua definição e cobrança.

Nos §§3º e 5º, foram impostas mudanças na forma de arbitramento de honorários em face da Fazenda Pública, pois, na vigência do CPC/73, era comum o arbitramento de honorários sucumbenciais irrisórios em relação à complexidade e o valor envolvido na demanda. Com tal modificação, o magistrado não poderá arbitrar tais honorários abaixo do indicado nos incisos do § 3º, cujos valores, por força do §5º, devem ser aplicados de forma cumulativa e escalonada. Tal mudança legislativa servirá, sem sombra de dúvida, para diminuir o ímpeto fazendário em cobrar aos contribuintes de forma desarrazoada e dissociada da legalidade. Um grande exemplo da sede abusiva da Fazenda Pública é a suscitação da existência de grupos econômicos supostamente fraudulentos em execuções fiscais ajuizadas pela Fazenda Nacional. Desde o início da década, a Procuradoria da Fazenda Nacional vem apresentando petições em vários processos de execuções fiscais alegando a existência de grupo econômico e pedindo o redirecionamento de cada feito para dezenas de outras pessoas, jurídicas e físicas, algumas delas crianças na época dos fatos geradores e outras até já falecidas, demonstrando, assim, a falta de acurácia com que se formulam tais pedidos. Tais demandas apinham o Poder Judiciário, pois cada execução fiscal dá ensejo a dezenas de embargos à execução, muitos deles plenamente evitáveis se a PFN apenas buscasse redirecionar o LLuiLuLuiz LLuLuLuizLuLuiz LuLuiz Otávi

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feito para quem efetivamente houvesse agido dentre as hipóteses legais que autoriza o pedido. A imposição de honorários sucumbenciais à Fazenda Pública trazida pelo CPC/15 servirá, desta maneira, como medida para abrandar a ânsia arrecadatória da PFN, pois, caso permaneça envolvendo pessoas em execuções fiscais sem que guardem qualquer relação, sobretudo ilícita, com os valores cobrados, a Fazenda Nacional será condenada a pagar as verbas honorárias dos patronos de cada uma dessas pessoas de forma justa e arbitrada em um percentual do valor executado, não em valores irrisórios arbitrados sem qualquer critério. O §6º do art. 85 reforça ainda mais o impedimento de arbitramento de honorários sucumbenciais em patamar inferior aos mínimos estabelecidos nos §§ 2º e 3º do mesmo dispositivo legal. Nota-se, portanto, a preocupação do legislador em impedir o arbitramento irrisório de honorários não só em demandas que envolvam a Fazenda Pública, mas também nas que litigam particulares. Tal previsão deverá modificar a forma como o Poder Judiciário arbitra honorários nas demandas de improcedência ou extinção sem julgamento do mérito, pois, pelo teor do revogado §4º do art. 20 do CPC/7313, em tais casos, a sucumbência deveria ser determinada por equidade. Entretanto, com tal inovação legislativa, somado o fato de que o §8º não reproduziu a totalidade do antigo 4º do art. 20 do CPC/73 - suprimindo, justamente, o trecho que fala sobre quando “não houver condenação ou for vencida a Fazenda Pública, e nas execuções, embargadas ou não” -, o magistrado não 13  CPC/73 - Art. 20. A sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou e os honorários advocatícios. Esta verba honorária será devida, também, nos casos em que o advogado funcionar em causa própria. (..) § 4o Nas causas de pequeno valor, nas de valor inestimável, naquelas em que não houver condenação ou for vencida a Fazenda Pública, e nas execuções, embargadas ou não, os honorários serão fixados consoante apreciação equitativa do juiz, atendidas as normas das alíneas a, b e c do parágrafo anterior. LLuiLuLuiz LLuLuLuizLuLuiz LuLuiz Otávi

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poderá, sob qualquer hipótese, determinar honorários sucumbenciais abaixo do mínimo instituído pelos §§ 2º (entre particulares) e 3º (quando a Fazenda Pública estiver envolvida). A única hipótese de arbitramento de honorários por equidade se dá quando a causa for inestimável (cujo valor não se pode exprimir em pecúnia) ou irrisória. Ou seja, tal forma de arbitramento será, sempre, para aumentar o valor dos honorários em relação ao percentual máximo instituído nos §§ 2º e 3º, vez que, se o valor da causa for muito baixo, o magistrado deve arbitrar os honorários de forma a recompensar o trabalho despendido pelo patrono vencedor. Tudo isso visa, portanto, a valorização do trabalho do advogado e o impedimento que sejam ajuizadas demandas desnecessárias e/ou aventureiras, pois, ao contrário do que acontecia na vigência do CPC/73 (quando não havia a previsão do §6º), mesmo quando o processo for julgado improcedente (sem condenação) ou extinto sem resolução do mérito, a parte sucumbente será condenada a pagar honorários de, no mínimo, 10% (dez por cento) do valor da causa ou do benefício econômico em litígio. Trata-se do fortalecimento do English Rule no sistema jurídico pátrio, aplicando-o de forma igualitária e indistinta a ambos os polos da demanda, sem privilegiar o Autor, como acontecia no Código Processual revogado, pois, em casos de improcedência, eram comumente arbitrados honorários em patamar irrisórios em relação aos valores perseguidos na demanda. Acontecia justamente o contrário do que intenta o English Rule, pois dava uma proteção ao Demandante para litigar, praticamente, sem riscos, veja-se: ajuizava uma ação sem ter certeza de seu direito e, se fosse sucumbente, pagaria honorários mínimos - sentença sem condenação prevista no §4º do art. 20 do CPC/73, porém, se fosse vencedor, seu patrono receberia honorários de acordo com os LLuiLuLuiz LLuLuLuizLuLuiz LuLuiz Otávi

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percentuais mínimos e máximo (10% e 20%). Assim, tais modificações são essenciais para efetividade do sistema de English Rule no Brasil e sua característica de redução de demandas, sobretudo as frívolas, verdadeiras aventuras jurídicas que eram estimuladas sob a égide do CPC/73. A análise do §11º do art. 85 consagra, claramente, esse caráter desestimulador de demandas do English Rule, pois, ao arbitrar honorários em sede recursal, faz com que as Partes, sobretudo os litigantes em massa, evitem lançar mão de recursos protelatórios, vez que tal prática lhe trará uma carga condenatória maior. O mesmo acontece nos juizados especiais ao instituir que haverá imposição de honorários sucumbenciais14 se a parte recorrer da sentença e for vencido. É uma clara medida de desestímulo ao recurso manifestamente protelatório, assim como são os honorários advocatícios em procedimentos fora dos juizados, quando arbitrados de maneira efetiva, independentemente do polo vencedor da demanda (ativo ou passivo). Cabe, portanto, ao Poder Judiciário aplicar devidamente as normas impostas pelo CPC/15 para que o sistema de distribuição de ônus sucumbenciais adotado pelo Brasil surta os efeitos desejados como fator de diminuição de demandas e de recursos infundados ou protelatórios.

5 Conclusões Ao se analisar a realidade judiciária do Brasil, verifica-se que o país necessita, urgentemente, fortalecer medidas que visam ao desestímulo de ajuizamento de demandas temerárias, pois, ao con14  Lei nº. 9.099/95 -Art. 55. A sentença de primeiro grau não condenará o vencido em custas e honorários de advogado, ressalvados os casos de litigância de má-fé. Em segundo grau, o recorrente, vencido, pagará as custas e honorários de advogado, que serão fixados entre dez por cento e vinte por cento do valor de condenação ou, não havendo condenação, do valor corrigido da causa. LLuiLuLuiz LLuLuLuizLuLuiz LuLuiz Otávi

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trário do que comumente se admite, o Poder Judiciário Brasileiro possui uma altíssima produtividade, julgando milhões de processos por ano. Entretanto, o número de processos ativos não diminui (aumenta, em verdade), porque o número de demandas ajuizadas pelo brasileiro cresce a cada ano. Assim, mister se faz que sejam implementadas medidas de desestímulo ao ajuizamento de processos judiciais, obviamente, sem afastar o direito constitucional de acesso à justiça. Diante de tal perspectiva, estudam-se os sistemas ocidentais de distribuição processual de ônus advocatícios, o American Rule e o English Rule, este último tendo se verificado como um importante elemento redutor de demandas, sobretudo as frívolas, as chamadas aventuras jurídicas. Com isso, verifica-se que o CPC/15 introduziu modificações que fortalecem a posição do English Rule no Brasil, evitando, assim, práticas judiciais abusivas e aventureiras, como o redirecionamento indiscriminado de execuções fiscais e o ajuizamento temerário de demandas sem sustentação fática ou jurídica. Na vigência do CPC/73, a Parte Autora, quando vencida, por não haver condenação (§4º do art. 20 do CPC/73), nem sempre era condenada ao pagamento dos honorários sucumbenciais com base no valor econômico da demanda, havendo arbitramento por equidade, o que, na quase totalidade das vezes, correspondia a quantias irrisórias. Com o advento do CPC/15, os advogados das Partes Autora e Ré foram postos em patamar de igualdade, pois, mesmo que o processo seja julgado improcedente ou extinto sem resolução do mérito, deverão ser respeitados os percentuais mínimos estabelecidos nos §§2º e 3º do art. 85 do CPC/15. LLuiLuLuiz LLuLuLuizLuLuiz LuLuiz Otávi

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Tal previsão fará com que o Autor analise previamente suas chances de êxito antes de ajuizar uma ação judicial, evitando, portanto, que se lance mão de aventuras jurídicas. O mesmo acontece em relação aos recursos protelatórios em decorrência da majoração dos honorários, quando houver recurso (§11º do art. 85 do CPC/15), e do arbitramento destes quando o recurso for julgado improcedente em sede de juizado (art. 55 da Lei nº.9.099/95. Verifica-se, portanto, neste trabalho, que o CPC/15 prestou um favor ao Poder Judiciário ao fortalecer o English Rule no ordenamento jurídico brasileiro, cabendo ao referido Poder aplicar a lei de forma a dar efetividade ao nela disposto, sem relativizar descabidamente seu conteúdo, como muitas vezes o faz invocando princípios constitucionais como os da razoabilidade e proporcionalidade para aplicar honorários em patamares inferiores aos legalmente previstos.

6 Referências BRASIL. 100 maiores litigantes. CNJ / Conselho Nacional de Justiça. Brasília: CNJ 2011. Disponível em Acesso em 09/11/2017. BRASIL. Justiça em Números 2017 - Ano-Base 2016. CNJ / Conselho Nacional de Justiça. Brasília: CNJ 2017. Disponível em Acesso em 16/11/2017. BRASIL. População brasileira passa de 207,7 milhões em 2017, artigo publicado pelo Portal Brasil em 30/08/2017 no site do Governo Federal do Brasil. Disponível em: http://www.brasil.gov.br/cidadania-e-justica/2017/08/populacao-brasileira-passa-de-207-7-milhoes-em-2017 Acesso em 09/11/2017. DI PIETRO, Susanne. Alaska’s English Rule: Attorney’s Fee Shifting in Civil Cases (1995). Disponível em Acesso em 10/11/2017. EISENBERG, Theodore; MILLER, Geoffrey P. “The English Versus the American Rule on Attorney Fees: An Empirical Study of Public Company Contracts,” 98 Cornell L. Rev. 327, 329 (2013). Disponível em Acesso em 09/11/2017. FRIEDE, Reis. O Judiciário mais caro do mundo. O Estado de São Paulo. 2016. São Paulo. Brasil. Disponível em Acesso em 09/11/2017. LLuiLuLuiz LLuLuLuizLuLuiz LuLuiz Otávi

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MACEDO, Fausto. O País dos paradoxos: tem os juízes mais produtivos do mundo, mas um Judiciário dos mais morosos e assoberbados. Estadão. São Paulo. 2017. Disponível em: Acesso em 11/11/2017. PERRY, William. “Loser Pays” – UK Perspective on Litigation Costs. Disponível em Acesso em 09/11/2017. RAVI, Ani. “Why does the US insist on the “American rule” for attorney’s fees, when it clearly has done more harm than good?” Disponível em Acesso em 16/11/2017. RENNIE, Douglas C., Rule 82 & Tort Reform: An Empirical Study of the Impact of Alaska’s English Rule on Federal Civil Case Filings, 29 Alaska L. Rev. 1 (2012). SERBENAL, Cesar Antonio; WIVIURKA, Eduardo Seino; MONTEMEZZO, Francielle Pasternak; BARBOZA, Priscila da Silva. JUSTIÇA EM NÚMEROS: uma análise comparativa entre os sistemas judiciais brasileiro e de países europeus. Publicado pela Revista Democracia Digital e Governo Eletrônico (ISSN 2175-9391), n° 8, p. 73-92, 2013. Disponível em Acesso em 09/11/2017. ROOT, David A., Attorney Fee-Shifting in America: Comparing, Contrasting, and Combining the “American Rule” and “English Rule”, 15 Ind. Int’l & Comp. L. Rev. 583 (2005) GRYPHON, Marie, Assessing the Effects of a “Loser Pays” Rule on the American Legal System: An Economic Analysis and Proposal for Reform, 8 Rutgers J. L. & Pub. Pol’y 567 (2011).

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Os Direitos Sociais Prestacionais : Análise sobre a atuação do P oder J udiciário nas P olíticas Sociais Maíla Nobre Vilela Fortes1

Os direitos sociais são considerados direitos de segunda geração positivados no artigo 6º da CRFB/88 e que demandam uma atuação eficaz e contemplativa por parte do Poder Estatal, por meio de recursos públicos destinados especificamente para esta seara. São de observância obrigatória, principalmente pelo Executivo e Legislativo. Ocorre que na maioria das vezes esses poderes encontram-se na esteira da omissão, deixando de atender o mínimo existencial sob o manto da invocação da reserva do possível e da escassez de recursos orçamentários. Diante dessa omissão, o Judiciário é chamado a intervir de forma a obrigar que o Estado cumpra com as obrigações sociais prestacionais de direitos dos cidadãos. Esta intervenção é denominada ativismo judicial, o qual, a despeito das críticas que recebe, tem contribuído para a concretude dos direitos fundamentais, além de possibilitar que a Constituição seja interpretada de maneira expansiva. Palavras-chave: Direitos Sociais – Ativismo Judicial – Judicialização dos Direitos Sociais – Políticas Públicas. Sumário: 1. Introdução; 2. A evolução histórica dos direitos sociais: o contributo do poder judiciário nos direitos fundamentais sociais; 3. Os fenômenos da judicialização dos direitos sociais e do ativismo judicial: a relação desse fenômeno com a efetividade desses direitos; 4. Conclusão; 5. Referências.

1 Introdução Há anos o Poder Judiciário tem sido um importante personagem no palco das discussões sobre a implementação das políticas sociais e de cruciais decisões contemplativas dos direitos fundamentais, trazendo para ele a centralização do papel de um dos executores dessas políticas, na medida em que sua ingerência na esfera de atuação do Poder Executivo, faz-se necessária, quando este se torna omisso em suas obrigações constitucionalmente impostas. 1  Maíla Nobre Vilela Fortes é advogada, formada pela Faculdade de Direito da Universidade Candido Mendes de Niterói-RJ, pós-graduanda em direito processo civil contemporâneo pela Universidade Federal de Pernambuco/UFPE e graduada em Serviço Social pela Universidade Federal de Juiz de Fora- UFJF/MG. MMaílMaMaílMaMaílaMaMaíla

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Quando se faz referência ao chamado ativismo judicial, admite-se que no Estado Brasileiro a correlação entre atuação desses dois poderes: o Poder Executivo, responsável constitucional pela criação e execução das políticas públicas, cuja função precípua é administrar os interesses públicos de acordo com a Constituição de 1988, e noutro viés, o Poder Judiciário, responsável jurisdicional pela solução de conflitos, cujo poder-dever é a aplicação do direito e das normas constitucionais. Com o advento da Constituição de 1988, vislumbrou-se um processo de incorporação dos direitos fundamentais como corolário do Estado Democrático de Direito. Princípios e fundamentos do Estado foram enraizados no texto Magno, viabilizando aspirações sociais e maior protagonismo do Poder Judiciário, com a possibilidade de ampliação do controle durante a aplicação dos princípios e fundamentos legitimados pela Constituição de 1988. O processo de ampliação dos direitos fundamentais expandiu, também, as ações judiciais pelo país. Esse processo e a adoção pelo Brasil do Estado Democrático de Direito foram primados principalmente pelo alargamento da proteção dos direitos sociais, caracterizado pela ampla força popular. O escopo do presente artigo declina-se a proporcionar uma abordagem crítica e social dos fenômenos do ativismo judicial e da judicialização das políticas públicas sociais no país, buscando realizar uma interpretação desses fenômenos sob a ótica da Constituição de 88, além de analisar a legitimação do Poder Judiciário nas decisões que decorrem sobre garantias de implementação de políticas sociais diante da omissão e/ou da falha do Poder Executivo na (in) execução de seus deveres.

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2 A evolução histórica dos direitos sociais: o contributo do poder judiciário nos direitos fundamentais sociais É de bom alvitre que seja analisado o contexto histórico dos direitos sociais delimitando-o aos direitos fundamentais, eis que não há de se falar adequadamente de um assunto, sem antes conhecermos suas origens no passado remoto ou adjacente. Revela-se dizer que o surgimento, no século XIX, da Revolução Industrial europeia tornou-se fonte inspiradora dos direitos humanos de segunda dimensão. A ocorrência das condições precárias de trabalho fez surgir movimentos como o Cartista, na Inglaterra e a Comuna de Paris em 18482. Com o deslinde do século XX, tem-se a gênese de novos atores e novas condições que permitiram a concepção desses direitos bem como seu desenvolvimento. Sob outro prisma constitucional, o Estado passou a ter papel diverso, cuja função principal era a de implementador dos direitos sociais, denominados direitos de segunda geração. Com isso, mudou sua atuação de negativa para uma atuação positiva, agora, na defesa por uma ideal de liberdade3. A partir da Revolução Industrial, ocorreu a transição do Estado Liberal para o Estado Social bem como dos movimentos democráticos, fato que interferiu no poder estatal, passando a reconhecer esses direitos bem como a implementá-los objetivamente, positivando-os e garantindo-os formalmente4. Nesse deslinde, os direitos sociais tornaram-se espelhos refletores de uma sociedade a qual lutou por séculos na e pela con2  BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional., 1997, p. 564. 3  BERNARDES, Wilba. L. Maia. O direito à saúde no Estado democrático de direito, 2013, p. 217. 4  MORETTI, A. Deborah Aline; COSTA, Yvete Flávio da Costa. A importância do ativismo judicial na implementação dos direitos sociais não implementados pelo poder público, 2017, p. 116. MMaílMaMaílMaMaílaMaMaíla

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quista dos movimentos democráticos e das lutas sociais, ocorridas entre os séculos XIX e XX, e que decorreram firmemente de circunstâncias políticas. Com isso, poderosos e políticos tentaram “barganhar” essas conquistas democráticas, mas não lograram êxito, em razão das fortes lutas que se sobrepuseram a uma falsa imagem de um Estado caridoso e benevolente5. Os direitos sociais são frutos da consolidação do Welfare State, sob a exigência de um Estado atuante positivamente, no esforço de realizar uma isonomia substancial e social amparada em melhores condições de vida6. São considerados espécies do gênero direitos e garantias fundamentais, insculpidos no Título II da Constituição. Para tanto, podem ser contemplados tanto pela via de litígio individual ou por meio de mandado de injunção ou ação direta de inconstitucionalidade, nos casos de omissão legislativa. Esse poder vinculatório dos direitos sociais reforça a exigência para que o Estado intervenha ativamente no intuito de assegurar direitos sociais7. No Brasil, os direitos de cunho fundamental foram elevados ao patamar de norma constitucional, em que sua decorrência sobreveio da adoção, pelo país, do Estado Democrático de Direito. Foram trazidos pela Constituição de 1988 como direitos de aplicabilidade imediata, inobstante algumas normas estejam desprovidas de densidade normativa, em razão de terem definições mais abertas, sem apresentar uma exata definição sobre sua efetivação8. Em vista dessa definição mais aberta é que se dá margem para o protagonismo do Judiciário, apreciando e estabelecendo sobre 5  Ibidem, p 117. 6  BARROS, Ana Lúcia da Costa. A Efetivação do Controle Judicial sobre os Direitos Sociais Prestacionais. EMERJ. Rio de Janeiro- RJ. 2015. p .17-18. 7  Ibidem, p. 18. 8  MORETTI, A. Deborah Aline; COSTA, Yvete Flávio da Costa. A importância do ativismo judicial na implementação dos direitos sociais não implementados pelo poder , 2017, p. 118. MMaílMaMaílMaMaílaMaMaíla

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como o Poder Público deverá concretizá-los9, bem como atuar na solução de conflitos diante das omissões10. A partir da década de 1980, os movimentos sociais se tornaram mais evidentes e centralizados nos valores da solidariedade, distanciando-se dos projetos partidários. Já na década de 1990, esses movimentos passaram a ter sua própria infraestrutura, direcionando-se para as ações financiadas por organizações não governamentais nacionais e internacionais com a colaboração da própria comunidade11. Com o transcurso dos anos, as reivindicações transformaram-se em ações políticas, fruto do intenso exercício da cidadania ativa, da soberania popular e da participação do povo nas tomadas de decisões12. Esse processo de movimentação coletiva de lutas fomentou a gênese desses novos atores sociais, que passaram a representar a classe dos trabalhadores, dos desempregados, mulheres, camponeses, crianças, adolescentes, índios, negros, pobres, homossexuais etc.13. Como a consagração dos direitos sociais, no tocante à saúde, possibilitou a transformação dos ideais de políticas públicas que passaram a figurar no centro das discussões e reivindicações sob a ótica da perspectiva judicial, pois ao estar previsto na Carta Política de 1988, esses direitos, direta e indiretamente, passaram a ter o seu exercício assegurado, habilitando o cidadão a buscar mecanismos constitucionais para torná-lo efetivo utilizando como instrumento o Poder Judiciário14. 9  Ibidem, p. 118. 10  Ibidem, pp. 118-119. 11  CASTRO, Fernanda Barroso de; MAIA. Diógenes Chritianny. A Efetividade dos Direitos Sociais e o Ativismo Judicial, 2009, p. 05. 12  Ibidem, p. 05. 13  Ibidem, p. 05. 14  BERNARDES, Wilba. L. Maia. O direito à saúde no Estado democrático de direito, 2013, p. 218. MMaílMaMaílMaMaílaMaMaíla

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Nesse diapasão, fazemos uma distinção de como o Estado Liberal atuava e como atua o Estado Social, nos dias atuais. No primeiro, o juiz de forma mecanicista faz tão somente a leitura da lei, ao passo que no segundo, o juiz faz a leitura ampliada da lei, realizando a subsunção do fato à norma. Partindo dessa nova realidade é que o Judiciário passa a adotar novos posicionamentos interpretativos do texto constitucional, eis que a Constituição passa a ser interpretada de forma aberta, abrangente, sublevando princípios constitucionalmente impostos para a solução dos problemas15. Com a estabilidade do Estado Liberal alterou-se o dirigismo estatal, trazendo a concepção da teoria da separação dos poderes. Em síntese, o Estado passa a ser promotor no atendimento do bem-estar comum, contemplando não só formalmente, mas materialmente os direitos fundamentais sociais sob o prisma da Dignidade da Pessoa Humana 16. Oportuno tornar-se a dizer que os direitos sociais estão diretamente associados ao Estado de Bem-Estar geral. No direito nacional, o direito à saúde, por exemplo, está ligado à Dignidade da Pessoa Humana, é dizer, uma visão integral do bem-estar físico, social, emocional e mental 17. Ramos cita Gomes Canotilho, constatando que os direitos fundamentais possuem papel de desempenhar funções contrárias, mas que são frutíferas à reflexão sobre a defesa das prestações sociais18. De outro turno, a Carta de 1988 possui regras de tipos, funções e naturezas diversas, porque atentam finalidades distintas, mas que são coordenadas de maneira a se diferenciar os graus de seus efeitos jurídicos. Por serem direitos catalogados na Constituição, são direitos fundamentais, insculpidos do Art. 5ª e parágrafo 15  Ibidem, p. 219. 16  Ibidem, p. 219-220. 17  Ibidem, p. 219. 18  RAMOS, Elival da Silva. Controle jurisdicional de Políticas Públicas: a efetivação dos direitos sociais à luz da constituição brasileira de 1988, 2007, p. 06. MMaílMaMaílMaMaílaMaMaíla

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primeiro da Magna Carta, por conseguinte são de aplicação imediata e direta19. Em que pese o artigo 5º tratar dos direitos individuais e coletivos, não se deve levar a uma conclusão antecipada de que o artigo 6º que trata dos direitos sociais não é aplicado os direitos fundamentais, pois os direitos sociais estão inseridos no Título II, o mesmo título do Art.5º, o que constata a aplicabilidade imediata desses direitos20. Ao citar José Afonso da Silva, Barros ainda destaca as classificações trazidas pelo autor, as quais podem ser classificadas: [...] em razão de sua eficácia, em três categorias: normas constitucionais de eficácia plena; normas constitucionais de eficácia contida e normas constitucionais de eficácia limitada ou reduzida, sendo esta última dividida em normas definidoras de princípio institutivo ou organizativo e as definidoras de princípio programático21.

No que tange, especificamente, à aplicabilidade das normas programáticas, estas por sua vez vertem-se de conteúdos sócio-ideológicos da Constituição, é dizer, objetivam os fins colimados pelo Estado Democrático de Direito. Essas normas são colocadas no texto constitucional em forma de princípios, visando, a posteriori, o desenvolvimento de programas e metas a serem introduzidas futuramente22. Aguiar cita Sarlet e Robert Alexy dividindo em dois grupos os direitos fundamentais: de um lado os direitos de defesa e de outro os direitos a prestações de natureza fática e jurídica. Estes por sua vez, [...] por englobarem amplo feixe não necessariamente uniforme 19  BARROS, Ana Lúcia da Costa. A Efetivação do Controle Judicial sobre os Direitos Sociais Prestacionais, 2015, pp. 13-19. 20  Ibidem, p. 19. 21  Ibidem, p. 14. 22  Ibidem, p.16. MMaílMaMaílMaMaílaMaMaíla

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de posições jurídicas – que podem variar quanto ao objeto, destinatário e estrutura normativa–, subdividem-se em dois subgrupos, a saber: (1) os direitos a prestações em sentido amplo (que englobam os direitos de proteção e os direitos à participação na organização e procedimento) e (2) os direitos a prestações em sentido estrito, isto é, direitos a prestações materiais sociais,- também, pelos termos “direitos fundamentais sociais”, “direitos sociais à prestação” ou “direitos sociais prestacionais” 23 .

Nessa linha, a autora esclarece que o sistema constitucional brasileiro ao tratar os “direitos fundamentais sociais” não es�tão restritos somente à sua égide prestacional. Na Carta Política de 1988, os direitos sociais alcançam os direitos que direcionam para a materialização de princípios como o da isonomia e a mitigação das discriminações 24. A Magna Carta de 1988 traz um amplo rol de direitos fundamentais de diversas dimensões, consubstanciada no princípio da Dignidade da Pessoa Humana, fundamento da República Federativa do Brasil. Direitos que são “interdependes e complementares entre si, de modo que a dignidade humana só se concretiza com a efetividade das variadas dimensões dos direitos fundamentais” 25. Castro e colaborador também citam o conceito de Dignidade da Pessoa Humana, sob a ótica de Sarlet, como sendo “um complexo de direitos e deveres fundamentais que asseguram a pessoa contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano”, de forma a afiançar condições existenciais mínimas para uma vida saudável 26. Nesse sentido, afirma-se que o princípio da Dignidade da Pessoa Humana consiste tanto na garantia negativa, ou seja, a pes23  AGUIAR, Maria Madalena Salsa. Controle Judicial de Políticas Públicas no Brasil, 2010, p. 43. 24  Ibidem, p. 43. 25  CASTRO, Fernanda Barroso de; MAIA. Diógenes Chritianny. A Efetividade dos Direitos Sociais e o Ativismo Judicial. V Encontro Anual da ANDHEP. 2009. 07. 26  Ibidem, p. 08. MMaílMaMaílMaMaílaMaMaíla

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soa não será alvo direto e indireto de quaisquer tipos de ofensas e humilhações, quanto na garantia positiva, de que a pessoa terá pleno desenvolvimento da personalidade individual. Portanto, esse princípio impõe um fazer do Estado Democrático de Direito, vinculado às ações integrativas constitucionalmente impostas27. Nesse diapasão, o princípio da dignidade da pessoa humana fundamenta o “direito a um padrão mínimo de existência digna, significando que o indivíduo não pode ser privado do mínimo e, mais ainda, que goza de direito a prestações que assegurem esse padrão” 28. Cumpre ressaltar e destacar a estreita relação dos direitos sociais fundamentais com o principio da dignidade da pessoa humana, posicionado na Carta Política de 88. Este, por sua vez é o elemento basilar do ordenamento jurídico constitucional brasileiro, um dos fundamentos da República Federativa do Brasil cujo objetivo é afiançar o “valor da pessoa humana, nessa qualidade de pessoa, como titular por excelência de direitos e obrigações” 29. Araújo destaca ainda os ensinamentos de Dantas (2007), no sentido de que há internamente na CRFB/88 certa hierarquização. É de se notar que os direitos fundamentais estão num patamar de ascendência quando comparados com as demais normas constitucionais30. Outrossim, os direitos sociais têm por direcionamento a conduta positiva tanto por parte do Estado quanto por parte do particular, numa dimensão de direitos de segunda geração consistente em garantir a efetivação, ainda que minimamente, das liberdades concretizadas no ordenamento jurídico constitucional bra27  Ibidem, p. 08. 28  Novais apud ARAÚJO, Luiz Henrique Diniz. A efetivação judicial dos direitos sociais inscritos na constituição da república federativa do Brasil, 2013, p. 64. 29  Alexandrino apud ARAÚJO, Luiz Henrique Diniz. A efetivação judicial dos direitos sociais inscritos na Constituição da República Federativa do Brasil, 2013, p. 49. 30  Dantas apud ARAÚJO, Luiz Henrique Diniz. A efetivação judicial dos direitos sociais inscritos na Constituição da República Federativa do Brasil, 2013, p. 49. MMaílMaMaílMaMaílaMaMaíla

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sileiro. 31 Castro e colaborador indagam ainda, que, malgrado as normas programáticas necessitem de intervenção do Poder Legislativo, até qual ponto vai a discricionariedade deste e do Executivo para concretizar tais metas e programas constitucionais. A programaticidade de algumas normas de direitos sociais não provoca a liberdade absoluta dos poderes, eis que, não haveria de se falar em força normativa e vinculante da Constituição, se assim fosse. 32 Fato que na seara dos direitos sociais objetiva-se à atuação democrática do julgador e que adquire particularidades. Desta forma, a atuação do Poder Judiciário no cumprimento desses direitos reflete no significado de democracia e de separação dos poderes, pois as democracias contidas no mundo moderno são frutos da soberania popular, advinda de séculos de lutas e opressões.33

3 Os fenômenos da judicialização dos direitos sociais e do ativismo judicial: a relação desse fenômeno com a efetividade desses direitos Antes de adentrar nas discussões concernentes ao fenômeno que se deseja descortinar, mister que se extraia dos ensinamentos de Rossatto a despeito do significado de políticas públicas, cujo encargo é atingir a efetivação de objetivos políticos primordiais, por meio de um conjunto de ações, intervenções do Estado que [...] são atos da Administração voltados principalmente para ações prestacionais de cunho social, ou seja, um grupo de metas coletivas ordenadas no sentido de alcançar objetivos já definidos [...] As políticas públicas podem ser entendidas como instrumentos de ação dos governos, o que explicaria a maior importância para a elaboração e fixação de metas a serem cum31  Ibidem, p. 45. 32  CASTRO, Fernanda Barroso de; MAIA. Diógenes Chritianny. A Efetividade dos Direitos Sociais e o Ativismo Judicial, 2009, p. 07. 33  DOMINGUES, Maria de Fátima. Ativismo Judicial e Direitos Fundamentais, 2013, p. 11. MMaílMaMaílMaMaílaMaMaíla

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pridas em determinado lapso temporal34.

Assim, é por meio das políticas públicas que os direitos fundamentais são executados, de forma que sejam organizados e estabelecidas prioridades na implementação correta dos recursos os quais, do contrário, se não alocados de forma regular, estará desviando as finalidades precípuas da Constituição e abrindo espaço para o Judiciário intervir, diante da falha da atuação positiva do Executivo35. Segundo os ensinamentos de Barroso, a judicialização está relacionada a questões de cunhos políticos e sociais, de repercussão geral, as quais não são decididas pelas instâncias políticas tradicionais, como o Congresso Nacional e o Poder Executivo, mas sim pelo Poder Judiciário, de modo a transferir para juízes e tribunais o poder de controle das políticas públicas36. Em que pese a Constituição Federal de 1988 ter inovado na adoção dos direitos sociais de aplicabilidade imediata, grande parte dessas normas estão desprovidas de densidade normativa, pois estão incluídas no rol das cláusulas abertas, representando um desafio para o Estado em razão de impossibilitarem a concretização de direitos e das políticas a serem implementadas. Aliado a isso estão as sérias restrições orçamentárias, pois a máquina estatal passa a definir o que é necessário e o que não é 37. Nesse sentido, a Magna Carta, em seu direcionamento jurídico, consubstancia-se na positivação dos direitos, de forma a ali34  ROSSATTO, Camila de Bortoli. O Controle Judicial das políticas públicas e a Implementação dos Direitos Fundamentais Sociais. O Entendimento dos Tribunais Superiores. Revista Vertentes do Direito. Universidade Federal do Tocantins- TO. V. 2 n. 1. Ano. 2015. 04-05. 35  Ibidem, p. 05. 36  BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade Democrática. Revista da UERJ. v.5, n.1. 2012. 24. 37  MORETTI, A. Deborah Aline; COSTA, Yvete Flávio da Costa. A importância do ativismo judicial na implementação dos direitos sociais não implementados pelo poder público. Revista de Direitos e Garantias Fundamentais- FDV. V. 17, N. 1. 2017.118. MMaílMaMaílMaMaílaMaMaíla

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mentar a posição ideológica constitucional daquele momento pelo qual passa a sociedade, levando à congregação pela Constituição dos preceitos dessa sociedade, sendo, para tanto um fato social 38. Por outro lado, essas cláusulas abertas dão azo ao Poder Judiciário apreciar a omissão legislativa, estabelecendo como deve ser concretizada a obrigação social do Poder Público. Conforme se extrai: [...] a norma constitucional, em regra, não define como devem ser esses direitos concretizados pelo Estado, ou qual será a obrigação de cada um dos entes públicos, é uma norma aberta e a implementação do direito irá se definir a partir da ação do legislador infraconstitucional e do Executivo na adoção de políticas públicas 39.

Constata-se, com isso, o estreitamento da relação entre a política e a justiça. No caso do Brasil, a realidade política e as competências trazidas pela Magna Carta ao Poder Judiciário possibilitaram ao Supremo Tribunal Federal maior visibilidade pública, por meio de manchetes de jornais, redes sociais etc., assim, tal visibilidade coadjuvou para a transparência e controle das políticas públicas40. Mister destacar-se a diferença existente entre a judicialização e o ativismo judicial. A primeira destaca-se pela transferência das decisões dos Poderes Legislativo e Executivo, para o Poder Judiciário. Este, por sua vez, passa a estabelecer as normas e condutas que devem ser seguidas pelos demais poderes, é dizer que questões sociais de cunho político são levadas ao Poder Judiciário41. 38  Araújo apud DANTAS 2013. ARAÚJO, Luiz Henrique Diniz. A efetivação judicial dos direitos sociais inscritos na Constituição da República Federativa do Brasil, 2013, p. 37. 39  MORETTI, A. Deborah Aline; COSTA, Yvete Flávio da Costa. A importância do ativismo judicial na implementação dos direitos sociais não implementados pelo poder , 2017, p. 118. 40  BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade Democrática, 2012, p. 24. 41  GRANJA, Cícero Alexandre, O Ativismo Judicial no Brasil como Mecanismo para Concretizar Direitos Fundamentais Sociais, 2013, p. 3458. MMaílMaMaílMaMaílaMaMaíla

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Ressalta-se que a judicialização possui três grandes causas trazidas por Barroso. A primeira foi o processo de redemocratização do país, tendo seu ponto crucial com a promulgação da Constituição de 1988. O cunho democrático ampliou a cidadania e a consciência da população a buscar proteção dos seus direitos na esfera judiciária. A segunda foi denominada “Constitucionalização Abrangente”, tendência mundial cujo início se deu com as Constituições de Portugal (1976) e Espanha (1978). Matérias de cunho político e legislativo foram trazidas para a Constituição, transformando a política em direito. A terceira causa é o “’Sistema Brasileiro de Controle de Constitucionalidade’”, tido como híbrido ou eclético, combinando os sistemas americano e europeu. Diante disso, questões constitucionais e inconstitucionais de cunho moral e político foram alçadas à Corte Suprema nas decisões42. Para Barroso, a judicialização e ativismo judicial são parentes. A primeira é um fato decorrente do modelo constitucional que se adotou no Brasil. A partir da permissão que a norma traz o judiciário passa a conhecer e decidir matérias constitucionalmente impostas. Já o ativismo judicial é o modo específico de interpretação da Constituição de forma expansiva. Geralmente ocorre quando o Poder Legislativo e Executivo se retraem, coibindo ou se omitindo no atendimento de forma efetiva das demandas políticas e sociais43. Segundo o entendimento de Granja, o ativismo judicial seria a criatividade que os tribunais têm e que trazem uma nova contribuição para o direito, decidindo de forma especial sobre o caso concreto, levando à formação de um precedente na jurisprudência44. Com isso, a doutrina estabelece diversos conceitos para o 42  BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade Democrática, 2012, pp. 18-19. 43  Ibidem, p. 25. 44  GRANJA, Cícero Alexandre, O Ativismo Judicial no Brasil como Mecanismo para Concretizar Direitos Fundamentais Sociais, 2013, pp. 3457- 3458. MMaílMaMaílMaMaílaMaMaíla

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ativismo judicial. Esse, porém, é uma “postura”, uma opção do juiz a qual objetiva conceber, por meio da hermenêutica jurídica expansiva, solidificar o “verdadeiro valor normativo constitucional”, assegurando o “direito das partes de forma célere, e atendendo às soluções litigiosas e às necessidades oriundas da lentidão ou omissão legislativa e executiva” 45. Assim, é constatado, no âmbito do direito, que o ativismo judicial é empregado para designar que o Poder Judiciário age para além dos poderes que lhe foram conferidos46. Jiménes ao citar Barroso, por sua vez, destaca que o ativismo judicial refletiu a partir da segunda guerra mundial nos países ocidentais, fruto da evolução da justiça constitucional sobre a égide da política majoritária, é dizer aquela verificada no âmbito do legislativo e do executivo. A gênese do ativismo judicial é ligada à jurisprudência norte-americana, a qual num primeiro instante despontou com uma natureza conservadora47. Indo mais adiante, Moretti e colaboradores destacam que a atuação do judiciário tende a flexibilizar a noção do princípio da separação dos poderes, eis que ao pronunciar-se sobre decisões políticas, econômicas e sociais, direta ou indiretamente estará interferindo em posições orçamentárias e administrativas. Sendo necessário, para tanto, uma atuação harmônica entre os poderes com vistas a atingir as finalidades precípuas do texto Magno48. Conforme se pode notar o controle por via judicial das políticas públicas evidencia nova postura do Judiciário em relação ao Estado Democrático de Direito, que por sua vez tem o escopo de 45  Ibidem, p. 3457. 46  Ibidem, p. 3457. 47 JIMÉNES apud BARROSO 2013. JIMÉNES Hugo Vinicius Castro. O Ativismo Judicial e a Judicialização da Vida: Novos caminhos e paradigmas para a hermenêutica constitucional. UNICAPE. Recife-PE. 2013. 59. 48  MORETTI, A. Deborah Aline; COSTA, Yvete Flávio da Costa. A importância do ativismo judicial na implementação dos direitos sociais não implementados pelo poder público, 2017, p. 122. MMaílMaMaílMaMaílaMaMaíla

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valorização da ordem jurídica e da justiça social, por outro prisma, objetivando a justiça constitucional. Assim, mister notar que o Judiciário não atua por vontade política própria, mas como representante da vontade popular de forma indireta49. Com isso, o controle judicial de políticas públicas pressupõe interpretar que o Judiciário tem “inserção” contemporânea nas conexões entre os poderes estatais, “de modo que seja capaz de transcender, as funções de checks and balances, mediante atuação que leve em conta a perspectiva dos valores constitucionais” 50. Para Bernardes, torna-se inevitável não falar de ativismo judicial ligado às discussões sobre a judicialização da política, verificada por meio de uma atuação do Poder Judiciário que pode ultrapassar os limites impostos pela Constituição, qual seja a separação dos poderes51. Por envolver questões de cunho orçamentário de um lado, num país de plenas desigualdades sociais e financeiras, unidas ao aspecto de acesso universal à justiça, e de outro, o cunho político e democrático, a discussão se torna ainda mais acirrada, haja vista o Poder Judiciário não se vincula ao voto popular, tampouco arcar com os impostos, despesa esta do povo, esbarrando-se, portanto, na esteira da ilegitimidade democrática daquele poder52. Bernardes ainda ressalta que um dos argumentos mais utilizados para a intervenção do Poder Judiciário nos direitos sociais está no fato de que este poder não está só imbricado com questões orçamentárias e anseios da sociedade a estas questões, mas também, de ter reconhecido os seus direitos, e havendo omissão dos Poderes Públicos é constitucionalmente possível a atuação do Po49  BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade Democrática, 2012, p. 31. 50  AGUIAR, Maria Madalena Salsa. Controle Judicial de Políticas Públicas no Brasil, 2010. p. 63. 51  BERNARDES, Wilba. L. Maia. O direito à saúde no Estado democrático de direito, 2013, p. 223. 52  Ibidem, p. 223. MMaílMaMaílMaMaílaMaMaíla

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der Judiciário53. Registre-se que a concretização dos direitos sociais se dá por meio das políticas públicas, as quais podem ser compreendidas como serviços públicos direcionados a uma realidade social. Assim, a realização dessas políticas públicas consubstancia-se na atividade do Estado e maior demanda de recursos orçamentários, que na grande maioria das vezes encontra-se em escassez, mas sempre amparado pela justificativa do discurso da reserva do possível, na qual aduz que o Estado, ao concretizar os direitos sociais por meio de políticas públicas, encontra barreiras como a limitação de recursos públicos e previsão orçamentária54. No entendimento de Castro e colaboradores, o Positivismo afastou o verdadeiro fim da justiça, além da falta de compromisso dos Poderes Públicos com as necessidades sociais. Novos paradigmas foram surgindo, caracterizados pela força normativa e vinculante da Constituição e pela supremacia dos direitos fundamentais surgidos com a era pós-positivista55. Conforme se nota, o objetivo fulcral das Constituições modernas é a promoção do bem-estar do homem, inclusive a brasileira, cujo ponto de partida é assegurar as condições de dignidade, que, além da proteção dos direitos individuais, inclui condições materiais mínimas de existência56. Embora façam parte da mesma órbita jurídica, a judicialização e o ativismo judicial são fenômenos disjuntivos. Aquela porque é fruto do modelo de Constituição analítica e controle de constitucionalidade misto adotado no Brasil, assegurando largas discussões de cunho político e moral nas ações judiciais. Portanto, 53  Ibidem, p. 224. 54  MORETTI, A. Deborah Aline; COSTA, Yvete Flávio da Costa. A importância do ativismo judicial na implementação dos direitos sociais não implementados pelo poder público, 2017, p. 128. 55  CASTRO, Fernanda Barroso de; MAIA. Diógenes Chritianny. A Efetividade dos Direitos Sociais e o Ativismo Judicial, 2009, p. 15. 56  BARROS, Ana Lúcia da Costa. A Efetivação do Controle Judicial sobre os Direitos Sociais Prestacionais, 2015, p. 92. MMaílMaMaílMaMaílaMaMaíla

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ela é a vontade do constituinte57. Ainda no ativismo judicial há uma postura extensiva na interpretação da Constituição, alcançando para além do legislador ordinário. Assume uma postura proativa diante das cláusulas constitucionais que são bastante abertas e abrangentes. 58 Assim, havendo manifestação do Poder Legislativo, por meio de uma lei válida e diferentes possibilidades de interpretação da Constituição, prevalece a vontade legislador, porque este detém a legitimidade popular 59. Essa postura proativa na interpretação da Constituição possibilitou o alcance e ampliação da atuação do Judiciário na concretização das políticas públicas, sem diminuir, contudo, o processo de atuação das normas e extraindo o quanto possível a interpretação do ordenamento jurídico constitucional60. Para Barroso, o excesso de judicialização se torna problemático, na medida em que põe em risco a continuidade das políticas públicas, perturbando a atividade da Administração Pública e obstando a destinação regular de verbas públicas61. O argumento da jurisprudência no Brasil pode impedir que políticas públicas sejam devidamente promovidas em razão das diversas decisões políticas, podendo ensejar a não aplicação dos comandos constitucionais. Ao conceder privilégios a alguns ou até poucos jurisdicionados torna prejudicada a execução pelo Executivo de políticas universalizantes62. 57  BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade DemocráticaCPC/20152012, p. 31. 58  Ibidem, pp. 31-32. 59  Ibidem, p. 31. 60  BARROS, Ana Lúcia da Costa. A Efetivação do Controle Judicial sobre os Direitos Sociais Prestacionais, 2015, p. 91. 61  BARROSO, Luís Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde, fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial, 2009, p. 35. 62  Ibidem, pp. 35-35. MMaílMaMaílMaMaílaMaMaíla

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Verifica-se que, diante da postura omissa do Estado, o Poder Judiciário passa a ser confrontado para sanar uma parcela dessa omissão, assumindo, pois, uma postura ativista ao determinar que o Estado supra esta lacuna, e assim, assegurando aos que necessitam o acesso aos direitos sociais. 63 A premissa de que os direitos negativos albergam a liberdade, e os positivos, que promovem a igualdade, está prejudicada, pois todo direito requer uma abrangente e dificultosa atuação do Estado, “como o direito de propriedade de elevadíssimos custos para o Estado e isso apenas para fins de proteção daquele direito na esfera jurídica e patrimonial de um indivíduo” 64. Revela-se importante o fato de que o tema esposado é um fenômeno realístico no mundo ocidental atual bem como do Brasil após o advento da Constituição de 88, o qual enseja severas e necessárias reflexões. Ademais, tanto o ativismo judicial quando a judicialização dos direitos sociais destacam uma “nova realidade gerada pelo neoconstitucionalismo a superar as complexidades de demandas, a mais que ultrapassar a presença de uma anomia” 65. Assim, é evidente a postura proativa do Judiciário diante da complexidade das demandas emanadas da sociedade e que corroboram para o acesso à justiça de forma igualitária, mas, embora vermos no Brasil atual um vertiginoso aumento dos poderes dos Tribunais, não se pode olvidar que estes não têm o poder de criar as políticas públicas, mas de impor a execução daquelas que estão previstas no ordenamento infra e constitucional 66.

63  LINS, Liana Cirne. A justiciabilidade dos direitos fundamentais sociais, 2009, p. 60. 64  Ibidem, p. 61. 65  JIMÉNES, Hugo Vinicius Castro. O Ativismo Judicial e a Judicialização da Vida: Novos caminhos e paradigmas para a hermenêutica constitucional, 2013, pp. 68-69. 66  Ibidem, p. 105. MMaílMaMaílMaMaílaMaMaíla

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4 Conclusão Na conjectura atual, é possível notar-se que o fenômeno do ativismo judicial é considerado democraticamente possível, em razão da postura de se operar contra o arbítrio do poder estatal na efetivação dos direitos sociais, não sobrando dúvidas quanto à legitimação do Judiciário na concretização desses direitos, eis que esse Poder atua de forma a impor o fiel cumprimento do comando Constitucional, com fito de fazer-se atingir o fim precípuo da justiça. Ademais, não estamos aqui analisando se o Poder Judiciário pode ou não interferir na alocação das políticas públicas no país, malgrado seja inquestionável, no que tange à judicialização das políticas públicas, que a teoria da legitimidade do controle constitucional sagrou-se vitoriosa, conforme os ensinamentos de Barroso (2009). É dizer, segundo os ensinamentos de Rossatto (2015), o Judiciário surge quando o Estado deixa de executar os comandos constitucionais para atender ao mínimo necessário à dignidade da pessoa humana. Indo de encontro aos ensinamentos de Silva, é preciso que se tenha tranquilidade para se constatar que o avanço dos direitos sociais vai além da dependência de uma previsão legislativa, alcançando também a boa governabilidade tanto dos recursos públicos quanto do privado67. Além disso, O dinheiro público quando bem empregado nas políticas públicas é capaz de gerir e coordenar ações as quais podem favorecer um ambiente propício para a construção de grupos e comunidades aliados entre si de forma cooperativa e mútua. Esta é uma proposta abordada por Silva , a qual comungamos da mesma ideia. Em que pese ser uma proposta que nos parece um pouco distante, o observatório propõe que a efetivação dos direitos sociais 67  SILVA, Virgínia Xavier Borges. A dimensão prestacional social do mínimo de existência e a responsabilidade pelo provimento das prestações fáticas dos direitos sociais, 2011/2012, p. 15. MMaílMaMaílMaMaílaMaMaíla

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encontra-se no impulsionamento do princípio da solidariedade em que o Estado é considerado o principal destinatário na exigência, pela sociedade, de se efetivar os direitos fundamentais sociais e bem-estar social. Tratamos aqui tanto da inquestionável importância da atuação do Estado, enquanto garantidor do mínimo existencial, quanto de mecanismos de colaborações recíprocas entre os membros da sociedade68. Não podemos olvidar que o Judiciário tem como um dos propósitos a aplicação dos direitos fundamentais, vez ser este o detentor da guarda constitucional. Nada mais natural do que ser ele o recurso pelo qual a sociedade busca, quando não se encontra albergada pelo mínimo existencial, o qual deveria ser solucionado por aquele que tem a obrigação de prover. Assim, o Judiciário “não pode ser menos do que deve ser”. Com uma atuação consentânea com o que ordena a Constituição de 1988, não deve deixar de defender a aplicação dos direitos sociais fundamentais. De outro turno, “não deve querer ser mais do que poder ser” com o fundamento de cevar os direitos fundamentais para uns em detrimento de outros 69. Indubitável é o papel da Suprema Corte brasileira, no tocante às questões políticas e morais na seara atual. Assim, entendemos que o ativismo judicial traz como elemento marcante uma atuação mais rígida do Judiciário e de respostas efetivas para aqueles que buscam, diante da omissão do poder estatal, o mínimo existencial. Ademais, deve-se interpretar a Constituição de 1988 sob a ótica dos direitos fundamentais ali esposados, assim como o princípio da dignidade da pessoa humana, que serve de esteio para a resolução das inúmeras controvérsias judiciais, sobre a implementação 68  Ibidem, p. 15-16 69  BARROSO, Luís Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva, 2009, p. 36. MMaílMaMaílMaMaílaMaMaíla

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das políticas públicas sociais no país a partir do judiciário. Por ora, não se vislumbra nenhuma ingerência do Poder Judiciário na seara dos outros poderes. Não há nenhuma mácula principiológica quando se destacar os princípios da separação dos poderes e o pacto federativo. Tenha-se presente que o Judiciário atua diante da omissão do Poder Executivo e do descompasso em que as políticas públicas sociais têm ou não sido implementadas. Assim, sua atuação é finalisticamente no sentido de aplicar a lei ao caso concreto e fazer valer os mandamentos constitucionais impostos, de modo a evitar o arbítrio entre os três poderes. É cristalino, portanto, que o Poder Judiciário atua de forma a albergar a dignidade da pessoa humana, promovendo o mínimo existencial àqueles legitimados pelo Ordenamento Pátrio de forma a controlar a execução das políticas públicas as quais são objetos de atuação do Poder Estatal em sua atividade fim. E, quando este não o faz, está aquele apto a intervir de forma a atenuar a violação de um direito.

5 Referências AGUIAR, Maria Madalena Salsa. Controle Judicial de Políticas Públicas no Brasil: um estudo sobre a judicialização dos direitos sociais prestacionais. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de Pernambuco. Faculdade de Direito de Recife. Recife-PE. 2010. Disponível em: . Acesso em 20 de setembro de 2017. ARAÚJO, Luiz Henrique Diniz. A efetivação judicial dos direitos sociais inscritos na constituição da república federativa do Brasil. Universidade Federal de Pernambuco-UFPE. Programa de Pós-Graduação em Direito. Faculdade de Direito do Recife. Dissertação de mestrado. Recife-PE. Fevereiro de 2013. Disponível em: . Acesso em 17 de novembro de 2017. BARROS, Ana Lúcia da Costa. A Efetivação do Controle Judicial sobre os Direitos Sociais Prestacionais. Monografia de Conclusão do Curso de Pós-Graduação Lato Sensu da Escola de Magistratura do Rio de JaneiroEMERJ. Rio de Janeiro- RJ. 2015. Disponível em:
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RAMOS, Elival da Silva. Controle jurisdicional de Políticas Públicas: a efetivação dos direitos sociais à luz da constituição brasileira de 1988. v. 102. 2007. Disponível em: . Acesso em: 08 de novembro de 2017. ROSSATTO, Camila de Bortoli. O Controle Judicial das políticas públicas e a Implementação dos Direitos Fundamentais Sociais. O Entendimento dos Tribunais Superiores. Revista Vertentes do Direito. UFT- TO. V. 2 n. 1. Ano. 2015. Disponível em: .Acesso em: 08 de novembro de 2017. SILVA, Virgínia Xavier Borges. A dimensão prestacional social do mínimo de existência e a responsabilidade pelo provimento das prestações fáticas dos direitos sociais: Uma Análise do Acórdão 509/02 (Tribunal Constitucional Português) e do Caso Hartz IV (Tribunal Constitucional Alemão). Observatório da Jurisdição Constitucional. ISSN 1982-4564. Ano 5 .2011/2012. Disponível em: . Acesso em: 15 de novembro de 2017.

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Princípio

da cooperação : mudança de paradigma a partir do CPC/2015 Maria Eduarda Portela1

O presente artigo destina-se a fazer uma reflexão sobre a evolução do Princípio da Cooperação ou da Colaboração, sob a ótica do Código de Processo Civil de 2015. Essa análise será realizada através de um exame crítico da funcionalidade e essencialidade do referido Princípio na atividade jurisdicional, de modo que, a partir da compreensão deste trabalho, o leitor poderá traçar um panorama geral sobre alguns pontos relevantes. O material elaborado fundamenta-se em pesquisas bibliográficas de diferentes livros processualistas, julgados atuais sobre o tema e pesquisas de artigos dispostos em sites de destaque na internet, com o objetivo de alinhar as diversas opiniões acerca do assunto. Destaca-se que o presente trabalho não será exauriente, mas terá como escopo a conscientização do leitor sobre a indispensabilidade da cooperação em toda a atividade processual. Palavras-chave: Princípio da Colaboração – Mudança de Paradigma – Atividade Jurisdicional – Essencialidade da Cooperação – Atividade Processual. Sumário: 1. Introdução; 2. Conceito; 3. O Ativismo Judicial e o Dever de Cooperação; 3.1 Dever de Esclarecimento; 3.2 Dever de Diálogo (ou consulta); 3.3 Dever de Prevenção; 3.4 Dever de Auxílio; 4. Trilogia dos Princípios Processuais: Cooperação, Contraditório e Boa-fé Processual; 5. Análise Crítica do Princípio da Cooperação; 6. Conclusões; 7. Referências.

1 Introdução Recentemente, a cooperação ou “colaboração” transformou-se em um dos princípios basilares do Processo Civil Internacional, após a comprovação de sua eficácia em países Europeus, como Alemanha, França e Portugal. Assim, com a finalidade de adaptar o processo aos novos tempos sociais, o legislador brasileiro, por meio do Código de Processo Civil de 2015, importou o Princípio/Dever de Cooperação para a normativa jurídica nacional. 1  Pós-graduanda em Processo Civil na Universidade Federal de Pernambuco UFPE. Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco - UNICAP. MMariMaMaria MaMaria

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Neste breve artigo serão explanadas as mudanças do Princípio da Cooperação à luz do Direito Processual Civil Brasileiro, sob a ótica do Poder Judiciário, com habilidade para envolver as partes na busca de uma maior celeridade e eficácia processual. Com a inclusão do Princípio da Colaboração, o Processo Civil mudou de perspectiva, criando um ambiente favorável para atingir maior eficácia e decisões mais razoáveis. O artigo 6º do CPC, expressamente dispõe “que todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”. O referido dever tem sua origem na boa-fé objetiva e no contraditório, tratando-se, portanto, de um redimensionamento desses princípios. Em um aspecto positivo, vislumbra-se que o Código incorporou a trilogia principiológica do contraditório, cooperação e a boa-fé. Neste sentido, nota-se que, para o deslinde de um processo cooperativo, é imprescindível a atuação leal dos litigantes, possibilitando o diálogo processual a partir do contraditório e da ampla defesa. Em suma, com o advento do CPC/2015 o processo deixa de ser um conjunto de despachos e decisões, para ser um caminho cooperativo e de comunhão entre as partes. Sob essa ótica, apesar das desavenças, as partes devem possuir uma finalidade única: a busca por um processo justo, célere e efetivo.

2 Conceito Conforme já delineado, o CPC 2015 consagrou o Princípio da Cooperação no seu artigo 6º: “Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”. O Princípio da Colaboração nada mais é do que a busca pela união de todos os sujeitos do processo, em todas as fases processuais, com o objetivo de atingir uma justa composição do litígio, de forma eficaz e em MMariMaMaria MaMaria

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tempo razoável. De modo que, para alcançar a justa composição do litígio, o juiz deve almejar pela verdade real, sem comprometer a duração razoável do processo. Nesta senda, entende-se que o Princípio/Dever de Cooperação tem duas vertentes: a perquirição por decisões acertadas e a perseguição da eficácia processual. Salienta-se que, o prolongamento da lide, além de gerar prejuízos econômicos, causa angustia e atinge a moral das partes. Em contrapartida, também não adianta se preocupar com a celeridade processual, sem garantir a qualidade da decisão. Outro aspecto importante a ser destrinchado acerca desse conceito é a extensão do Princípio em questão, no que tange às fases e aos sujeitos processuais. Quanto ao alcance das fases, acredita-se que esse dever é aplicado na atividade processual como um todo, e não apenas em atos isolados. Sob a perspectiva dos sujeitos processuais, depreende-se que todas as partes envolvidas no processo estão englobadas nessa relação, inclusive o magistrado, peritos, intérpretes, serventuários, terceiros interessados. Isso porque, não cabe aos terceiros tumultuar o processo, ao perito obstaculizar o acesso à perícia, ao juiz (trataremos desse assunto em um momento oportuno) agir com desídia em relação ao processo. O artigo 77 do CPC é clarividente ao expor que: “Art. 77: Além de outros previstos neste Código, são deveres das partes, de seus procuradores e de todos aqueles que de qualquer forma participem do processo: I - expor os fatos em juízo conforme a verdade; II - não formular pretensão ou de apresentar defesa quando cientes de que são destituídas de fundamento; III - não produzir provas e não praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou à defesa do direito; IV - cumprir com exatidão as decisões jurisdicionais, de natureza provisória ou final, e não criar embaraços à sua efetivação; MMariMaMaria MaMaria

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V - declinar, no primeiro momento que lhes couber falar nos autos, o endereço residencial ou profissional onde receberão intimações, atualizando essa informação sempre que ocorrer qualquer modificação temporária ou definitiva; VI - não praticar inovação ilegal no estado de fato de bem ou direito litigioso”.

A partir dos estudos da obra do doutrinador Miguel Teixeira1, vislumbra-se que o Princípio da Colaboração tem como escopo transformar o processo em uma grande comunidade de trabalho, visando imputar responsabilidade às partes e ao tribunal pelos seus resultados. Com finalidade de sedimentar o tema, segue entendimento TJ/RS acerca do assunto: “Conforme o Princípio da Cooperação positivado no art. 6º do Novo Código de Processo Civil, às portas de entrar em vigor, é dever dos sujeitos processuais cooperarem entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva. 3. A extinção do processo, sem resolução do mérito, tendo por fundamento o não cumprimento de ordem judicial a qual a parte veio aos autos, justamente, manifestar o seu não entendimento quanto ao que pretendia o juízo, caracteriza violação ao devido processo legal e, por consequência, ao Princípio da Cooperação, base da nova ordem legal processual civil. Apelação provida. (TJRS, Apelação Cível Nº 70048521165, Julgado em 08/03/2016).

Em síntese, cooperação é a comunhão dos princípios da economia, instrumentalidade, celeridade processual, comportamento proativo, da lealdade, contraditório, entre outros. É a perquirição do formalismo democrático, como cerne daquilo que é chamado de processo justo.

3 O Ativismo Judicial e o Dever de Cooperação O Código de 2015 traz um juiz mais ativo, com uma maior participação. O magistrado deixa a posição de mero espectador e passa a ser atuante no processo, não dependendo de provocação das partes para se manifestar. 1  SOUSA, Miguel Teixeira de. Aspectos do Novo Processo Civil Português. Vol. 22, São Paulo: Revista de Processo, 1997, p. 62. MMariMaMaria MaMaria

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Com a nova ótica processualista, o magistrado assumiu as duas funções: de integrante do processo, em que se torna apto a promover o diálogo processual, como também de sujeito mais imparcial e neutro ao litígio, com a capacidade de proferir decisões mais justas. Em recente decisão, o Tribunal de Minas Gerais se manifestou sobre a matéria: “(…) consoante preceitua o princípio da cooperação, o magistrado também possui relevante papel na condução do processo, de modo que sua atuação deve se dar de maneira a contribuir com a celeridade e efetividade da tutela jurídica. (TJ-MG Agravo de Instrumento 1014513067669800, Data de publicação: 24/03/2015).

A cooperação é um dever para os sujeitos do processo e não um ônus, o não cumprimento de um ônus é uma faculdade para o seu titular, ao passo que o descumprimento de um dever gera prejuízo à parte contrária. O CPC de 2015 elenca alguns deveres para juiz, que são: o dever de prevenção, de esclarecimento, de auxílio às partes e de consulta. Dever de esclarecimento O dever de esclarecimento versa sobre a possibilidade de questionar as partes diante de quaisquer dúvidas em suas manifestações, para esclarecer pontos controvertidos, genéricos ou obscuros. A partir do CPC/2015, ficou determinado que antes de emitir alguma decisão que possa influenciar no julgamento da lide, o magistrado deverá solicitar que as partes apresentem suas manifestações, inclusive quando se tratar de matéria sobre a qual deva decidir de ofício (vide artigo 9 e 10 do CPC/2015). Um dos exemplos está no artigo 357, § 3º do referido código, vejamos: “Se a causa apresentar complexidade em matéria de fato ou de direito, deverá o juiz designar audiência para que o saneamento seja feito em cooperação com as partes, oportunidade em que o juiz, se for o caso, convidará as partes a integrar ou esclarecer suas alegações”.

Sob outra ótica, existe também uma perspectiva do dever de esclaMMariMaMaria MaMaria

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recimento no sentido de que o julgador, para buscar a clareza das partes, deve antes de tudo ser claro. Para isso, as decisões judiciais devem ser fundamentadas e motivadas, conforme se observa a partir da leitura do artigo 489, §§ 1º e 2º do CPC. Trata-se do cumprimento ao princípio da não surpresa, o qual preceitua que o juiz deve inserir os litigantes na busca pela verdade, de modo a não surpreender os jurisdicionados com “decisões surpresas”. Exemplos clássicos de “decisões surpresas” são quando o magistrado indefere provas e no final do processo julga improcedente o pedido da parte alegando instrução probatória insuficiente, ou quando determina a emenda da petição inicial, sem esclarecer o porquê dessa decisão. Além disso, a prolação de sentenças incoerentes, contraditórias ou desarrazoadas fere o princípio do contraditório. Vejamos julgado pátrio sobre o tema: Sentença – Nulidade – Violação Ao Princípio Da Não Surpresa E Cerceamento De Defesa – A alteração da sistemática de distribuição do ônus da prova, na sentença, viola a garantia da não surpresa, que decorre do princípio do contraditório (artigo CPC/2015, CPC/2015, da CPC/2015). Ademais, o impedimento de produção de prova pericial, necessária ao deslinde da controvérsia, pela parte a quem o ônus da prova foi imputado na sentença, implica cerceio do direito de defesa e, por isso, torna nulo o julgado proferido em primeiro grau. (TRT-3 – Recurso Ordinario Trabalhista RO 00788201010803007 0000788-26.2010.5.03.0108 (TRT-3). Data de publicação: 28/10/2013).

É função do condutor do processo distribuir dinamicamente o ônus da prova, solicitar esclarecimentos, de modo que todas as dúvidas sejam sanadas. A participação do magistrado não fere sua isonomia, pelo contrário, demonstra o seu interesse na justa condução do processo. Dever de diálogo (ou de consulta) O Princípio da Cooperação delimita o caminho a ser percorrido pelo juiz durante todo o processo, sendo função do julgador aproximar as parMMariMaMaria MaMaria

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tes, envolvendo os litigantes na busca por uma solução efetiva. Importante destacar que o diálogo é elemento indispensável para a colaboração. Isso porque, cooperar sempre significa dialogar, no entanto, o inverso não é verdadeiro, tendo em vista que o princípio do diálogo nem sempre pressupõe a cooperação. O diálogo é fundamental, inclusive, para acelerar o curso do processo. Não poucos são os casos em que decisões desacertadas são evitadas, impactando diretamente na diminuição da interposição de recursos. Conforme podemos depreender dos ensinamentos do doutrinador Carlos Alberto Álvaro de Oliveira2 o referido Princípio caracteriza-se pelo redimensionamento do princípio do contraditório, com a inclusão do órgão jurisdicional no rol dos sujeitos do diálogo processual e não mais como um mero espectador do duelo das partes. Por outro lado, um juiz ativo e próximo das partes pode conscientizá-las melhor sobre a vantagem da solução consensual dos conflitos, minimizando os efeitos do litígio. A composição evita dispêndios financeiros e a perda de tempo decorrente do prolongamento do feito, além de estimular os litigantes a buscarem um ponto de equilíbrio satisfatório. Dever de Prevenção O dever de prevenção preceitua que o magistrado deve advertir as partes sobre os riscos das estratégias por elas adotadas, intimando-as para corrigir os defeitos. Assim, sempre que possível, os vícios processuais devem ser sanados, em prol da continuidade do processo. Vejamos o artigo 321 do CPC: “O juiz, ao verificar que a petição inicial não preenche os requisitos dos arts. 319 e 320 ou que apresenta defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento de mérito, determinará que o autor, no prazo de 15 (quinze) dias, a emende ou a complete, indicando com precisão o que deve ser corrigido ou completado.” 2 Apud DIDIER JÚNIOR, Fredie. Curso de direito processual civil, 2016, p.123. MMariMaMaria MaMaria

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Outro exemplo bastante utilizado versa sobre o recurso que não poderá ser considerado inadmissível sem que antes seja intimado o advogado para a sua correção, de modo a viabilizar o julgamento de mérito da causa3. Concretiza-se, assim, o princípio da primazia do mérito contido no artigo 4º do CPC/2015: “As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa”. Dever de auxílio O dever de auxílio preconiza que é função do juiz ajudar as partes, a partir da flexibilização do exercício dos atos processuais. Considere-se a ampliação de prazos, quando houver obstáculos para o cumprimento do prazo legal (art. 139, VI, e art. 437, § 2º do CPC/15), a relativização para a inversão da ordem das provas (art. 139, VI do CPC/15), entre outros. Com o advento do CPC 2015, o julgador passou a adotar uma postura mais ativa, assumindo providências e realizando diligencias, ou seja, prestando auxílio perante as dificuldades que possam comprometer o desenvolvimento regular do processo. Por fim, importante sedimentar que o condutor do processo, ao executar o dever de auxílio, continua sendo neutro e imparcial, tendo em vista que ao ser menos rígido o magistrado evita a extinção prematura da causa.

4 Trilogia dos Princípios Processuais: Cooperação, Contraditório e Boa-fé Processual O contraditório e a boa-fé processual estão intimamente ligados à colaboração. A melhor doutrina acredita que a origem do Princípio da Cooperação está pautada na lealdade, probidade e contraditório. Portanto, sob esse paradigma, foi desenvolvida a trilogia processual (tema que será abordado neste tópico). 3  Vide artigo 932 do CPC/15. MMariMaMaria MaMaria

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É cediço que o juiz deve zelar pelo direito do réu de ser ouvido, sendo este um instrumento que viabiliza o diálogo. Sob essa perspectiva, pautase o Princípio da Cooperação, pois a verdade somente poderá ser alcançada se as partes exercerem o crivo do contraditório e da ampla defesa. A boa-fé, por sua vez, também possui estrita ligação com o Princípio da Colaboração, tendo em vista que apregoam a atuação das partes pautada na probidade, ética e lealdade, pré-requisitos para uma prestação jurisdicional satisfatória. A cooperação, portanto, relaciona-se com a boafé objetiva para uma atuação limpa dos litigantes, reprovando-se o uso de artifícios capazes de distorcer a realidade processual. Em síntese, a união desses princípios relatados aumenta a aplicabilidade do condutor do processo para o resultado efetivo da lide, a partir da criação de uma adequada fundamentação e da participação ativa do contraditório e da perquirição dos preceitos éticos.

5 Análise crítica do Princípio da Cooperação O legislador pecou ao desnudar o Princípio da Cooperação, deixando a cargo da doutrina. Desse modo, concedeu-se margem para diversas interpretações acerca do tema, conforme será analisado a seguir. O primeiro aspecto a ser destacado discorre sobre a divergência de opiniões dos doutrinadores com relação a esse princípio se dar “entre as partes”. Alguns críticos acreditam que o referido dispositivo está distorcido da realidade, isso porque defendem que o dever de colaboração é mais voltado ao juiz do que para as partes, a partir dos deveres de esclarecimento, prevenção, consulta e auxílio. Há também quem defenda que a cooperação ocorre somente entre as partes, e há quem acredite que a cooperação é das partes com o juiz e do juiz com as partes. A doutrina majoritária defende que a cooperação deve ocorrer nos órgãos do poder judiciário entre si, mas também em relação às partes. MMariMaMaria MaMaria

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Com base no entendimento do jurista Mitidiero4, ressaltamos que o Dever de Cooperação deve ocorrer somente entre as partes e o juiz, isto é, entre as partes deve apenas haver boa-fé, pois na visão desse autor, as partes perseguem interesses divergentes no processo. Sobre outro viés, a crítica alega que esse Princípio é utópico e idealista, sob o fundamento de que as partes não estão no processo para cooperar, estão em posições antagônicas, com a finalidade de lutar pelos seus direitos. Alguns doutrinadores, como Lenio Luiz Streck E Francisco José Borges Motta5 acreditam que não é constitucional atribuir aos litigantes o dever de colaborar entre si, sob pena de privá-los da liberdade de disputar, transformando-os em meros instrumentos a serviço do juiz. Portanto, para os doutrinadores mais críticos, o artigo 6º do CPC deve ser lido levando-se essa realidade em vista. Não se pode descartar a ótica litigiosa do processo, por isso não se pode dizer que o processo se trata de uma “guerra” entre os litigantes, mas também não há que se falar em “paridade de armas”.

6 Conclusão O presente artigo foi proposto com a finalidade de demonstrar a relevância da aplicação do Princípio da Cooperação no Novo Sistema Processual Brasileiro, a partir da necessidade de sujeitos processuais mais participativos. Com a colaboração, o juiz deixa de ser o único responsável por suas manifestações, todas as decisões judiciais passam a ser resultado de uma comunhão entre as partes. Não se buscou com esse artigo demonstrar que, por meio da cooperação processual, as partes convivam em uma harmonia perfeita. Trata-se de conscientizar o leitor sobre a necessidade da colaboração para o alcance de uma decisão mais justa e efetiva, a partir de uma simples contribuição entre todos os sujeitos envolvidos no processo. 4  MITIDIERO, Daniel. Colaboração no Processo Civil, 2015, p. 114. 5  Cf. STRECK, Lenio Luiz; MOTTA, Francisco José Borges. Um debate com (e sobre) o formalismo-valorativo de Daniel Mitidiero, 2012, p. 13. MMariMaMaria MaMaria

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O fato de estar em campos opostos não inviabiliza o exercício da participação e solidariedade no processo. Não se acredita, aqui, que uma parte irá auxiliar para que a parte contrária seja beneficiada, pelo contrário, todos têm o direito/dever de lutar pelos seus direitos. Entretanto, as litigantes não devem causar tumulto, agir com desídia processual ou utilizar de meios ardilosos para prejudicar a parte contrária. Destaque-se: não se fala aqui em beneficiar a parte contrária, mas em não agir de modo a prejudicá-la. Em suma, a cooperação não exige que as partes esqueçam os interesses pelos quais procuraram o Poder Judiciário, mas que elas contribuam para um processo mais eficaz, ou seja, para a construção de uma decisão final mais justa, célere e razoável.

7 Referências SOUSA, Miguel Teixeira de. Aspectos do Novo Processo Civil Português. Vol. 22, São Paulo: Revista de Processo, 1997. MITIDIERO, Daniel. Colaboração no Processo Civil. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015. DIDIER JÚNIOR, Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. 18ª ed. Salvador: 2016. STRECK, Lenio Luiz; MOTTA, Francisco José Borges. “Um debate com (e sobre) o formalismo-valorativo de Daniel Mitidiero, ou ‘colaboração no processo civil’ é um princípio?”. In: Revista de Processo, v. 213, 2012.

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Modelo

cooperativo de processo Mariana Dardenne1

Discorre-se acerca do modelo cooperativo de processo, o qual já constava do extrato constitucional desde a Carta Magna de 1988, no entanto foi contemplado expressamente, no direito brasileiro, apenas com a edição do Código de Processo de 2015 que trouxe em suas normas fundamentais o princípio da colaboração. O diploma estruturou-se inteiramente sobre tal princípio. Tal modelo, conforme aqui tratado, é o que melhor se coaduna com um Estado Democrático de Direito e seus pilares. Palavras-chave: Modelo Cooperativo de Processo – Princípio da Cooperação – Deveres Cooperativos. Sumário: 1. Introdução; 2. Fases Metodológicas do Processo; 3. Modelos Processuais; 4. Modelo Cooperativo e o Novo Código de Processo – Deveres de Cooperação; 5. Considerações Finais; 6. Referências.

1 Introdução O Código de Processo Civil de 2015, profundamente influenciado pela Constituição Federal de 1988, foi inteiramente moldado pelo princípio da colaboração, do qual decorre o dever de cooperação, expressamente previsto em suas normas fundamentais, sendo, por conseguinte, o modelo do novo processo civil um modelo cooperativo. Daí decorre deveres para todos os sujeitos processuais a serem observados no bojo do processo, ensejando a participação efetiva de todos no desenrolar processual para a construção de um ato final: a decisão. Nesse viés, sob um novo paradigma expressamente encampado pelo diploma processual vigente, embora esse modelo de processo cooperativo já estivesse no extrato constitucional, de suma importância compreender as bases sobre as quais é lançado, as mudanças acarretadas e o contexto no qual é inserido. 1  Bacharela em Direito pela UNICAP. Advogada. Pós-graduanda em Processo Civil Contemporâneo pela UFPE. Pós-graduada em Direito do Trabalho pela Universidade de Coimbra-PT. MMarianMaMariana

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Prima o processo cooperativo por um modelo democrático, comparticipativo, por um lado estimulando o diálogo entre as partes e o juiz com o redimensionamento do contraditório, o qual, aqui, é amplamente fortalecido; por outro, estabelecendo deveres de cooperação e alçando todos os agentes à condição de protagonistas na condução do processo; melhor dizendo, não há protagonismo de nenhum sujeito nessa condução, havendo, no processo civil, uma divisão equilibrada de trabalho entre eles. Nesse sentido, abandona o código o paradigma de que o processo é um ambiente de guerra e hostilidade, traz o dever de todos contribuírem para o seu deslinde de maneira participativa e leal, remodelando o papel dos próprios sujeitos, inclusive do magistrado. Em suma, o modelo cooperativo de processo traz uma condução em que impera o equilíbrio (sem protagonismos), a lealdade e o diálogo entre partes e juiz, sendo que todos os sujeitos no processo devem cooperar entre si nessa nova condução processual. Nesse contexto, surge o novo princípio da colaboração, que tem por objeto a transformação do processo em um ambiente de cooperação, dizendo-se, por isso, que os princípios da boa-fé e do contraditório são as suas matrizes. Nessa toada, apresenta-se o processo cooperativo como um modelo de processo civil contemporâneo alinhado às exigências de um Estado Democrático de Direito e estruturado a partir do formalismo-valorativo ou neoprocessualismo, no qual se deu a reconstrução da ciência do processo através de sua compreensão vinda de uma série de transformações no pensamento jurídico.

2 Fases Metodológicas do Processo Civil Historicamente, diz-se que a evolução do processo civil se deu em quatro fases distintas, havendo, em um primeiro momento, a fase do praxismo ou imanentismo, em que o direito processual não detinha autonomia, ou seja, não havia distinção entre direito material e direito MMarianMaMariana

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processual. Em seguida, veio o processualismo. Aqui, o processo era tido como um mero encadear de formalidades previstas em lei. Nessa fase, o processo ganha autonomia científica e passa a distinguir-se do direito material como ciência autônoma. Neste sentir, surgem diversas teorias sobre o processo e há grande preocupação com a definição de conceitos. A terceira fase evolutiva do processo civil, o instrumentalismo, não reviu as bases conceituais anteriormente firmadas, também não negando as conquistas da fase antecedente. Preocupa-se com acesso à justiça, efetividade do processo, tutela dos novos direitos (personalidade, coletivos). São preocupações mais sociais, concretas, aproximando o processo do direito material no contexto histórico pós segunda guerra mundial. O processo é tido como instrumento para realização do direito material. No entanto, há ainda grande enfoque no positivismo. O Código de Processo Civil anterior foi criado nessa perspectiva. Chegando na quarta e atual fase desse processo evolutivo, tem-se o formalismo-valorativo ou neoprocessualismo no qual o processo passa a ser visto para além da técnica, sendo essa apenas um meio para atingir-se o fim. Aqui, o processo preocupa-se com a própria concretização da justiça e não somente com o exercício do direito material, recebendo especial atenção os direitos fundamentais tutelados no bojo do processo. Nas palavras de Oliveira: “O processo é visto para além da técnica, como fenômeno cultural, produto do homem e não da natureza. Nele os valores constitucionais, principalmente o da efetividade e o da segurança, dão lugar a direitos fundamentais, com características de normas principiais”.2

Destarte, direciona-se o formalismo-valorativo a valores como jus2  OLIVEIRA. Carlos Alberto Álvaro de. Do formalismo no processo civil. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. MMarianMaMariana

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tiça, segurança e efetividade buscando conferir-se um olhar neoconstitucionalista ao processo. A constituição, com sua força normativa, irradia para todo o ordenamento jurídico os seus valores, inclusive, obviamente, para o processo civil. Longe de ser o único ou principal enfoque do formalismo-valorativo as formalidades do procedimento, considerando-se, também, a delimitação dos poderes, faculdades e deveres dos sujeitos processuais, coordenação de sua atividade, ordenação do procedimento e organização do processo visando ao atendimento de suas finalidades primeiras. Nesta seara, surge o processo cooperativo como um modelo democrático de processo e sobre o qual o processo civil deve estruturar-se, o que o fez o novo código alinhado inteiramente com o escopo constitucional.

3 Modelos Processuais O processo civil enquanto fenômeno cultural sofreu inúmeras mutações de acordo com a organização política e social de cada época. Assim, variou, ao longo da história jurídica e a cada modelo processual predominante em dado espaço temporal, o papel estabelecido para os juízes e para as partes, acerca da “divisão de trabalho” no processo a eles conferida. Tradicionalmente, a doutrina costuma identificar dois modelos de processo, na civilização ocidental, influenciados pelo iluminismo: o modelo dispositivo e o modelo inquisitivo, conforme assevera Fredie Didier3. Há, recentemente, um terceiro modelo, o cooperativo. Veja-se que no modelo dispositivo ou adversarial, o foco do desenvolvimento processual está sob a batuta das partes, de modo que o órgão jurisdicional é, aqui, relativamente passivo, havendo uma disputa, uma competição entre as partes e àquele é dada a função apenas de decidir, ao final, de acordo com o que fora apresentado pelas partes. 3  DIDIER JR., Fredie. Os Três Modelos de Direito Processual, 2011. MMarianMaMariana

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O julgador assume uma posição de mero espectador no desenrolar da lide. Por esse motivo, impera o princípio dispositivo, tendo em vista os amplos poderes conferidos às partes. Sob outro ângulo, está o modelo inquisitivo, no qual o protagonismo da marcha processual recai sobre o juiz e as partes agem apenas como se realizassem a uma consulta àquele, a uma pesquisa oficial, imperando, aqui, o princípio inquisitivo. Em suma, quando os poderes forem atribuídos mais às partes ou ao órgão jurisdicional tem-se o modelo adversarial ou inquisitivo, respectivamente. Em ambos os modelos não há valorização do diálogo, mas sim uma preponderância exacerbada na condução do processo, seja das partes, seja do julgador, conforme o caso. Eis que surge um terceiro modelo, o modelo cooperativo de processo, no qual não há protagonismos entre os sujeitos processuais, com uma visão moderna dos princípios do contraditório e da boa-fé processual. Partes e juiz conduzem o processo de forma cooperativa, cabe ainda que apenas àquele a tarefa de proferir a decisão, vez que o poder-dever de julgar é exclusivo do órgão jurisdicional. Assim, há uma relação paritária no desenrolar processual até o momento de prolação da decisão, ou seja, o órgão jurisdicional é paritário na condução do processo e assimétrico no instante de proferir o julgado. Nessa forma de condução processual contempla-se a democracia participativa no processo, como exercício de cidadania, inclusive de natureza processual, tendo-se um processo jurisdicional democrático, produto da atividade cooperativa triangular das partes e do magistrado. O magistrado assume posição colaborativa no processo, como agente colaborador, participante ativo no contraditório e não de mero fiscal do procedimento, conduzindo ao diálogo entre e com as partes, MMarianMaMariana

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passando a figurar como ente que concretiza as regras em favor de um processo justo, fortalecido pelo contraditório e análise intrínseca dos fatos. Nesse contexto, assume o processo civil uma posição de interação com a constituição e sob essa nova ótica surge o modelo cooperativo de processo. Com o processo civil constitucionalizado, há um encadeamento lógico entre o Estado Democrático de Direito – princípio da cooperação e a responsabilidade dos sujeitos processuais, ou melhor, uma redefinição das posturas adotadas por cada um deles. Destarte, os princípios do devido processo legal, da boa-fé processual e do contraditório, juntos, servem de base para o surgimento de outro princípio do processo: o princípio da cooperação, consoante continua Fredie Didier, sobre o qual estrutura-se o código processual vigente no direito brasileiro. Nessa concepção, afasta-se a ideia reducionista do contraditório apenas como meio de defesa, no sentido negativo de oposição e resistência, cedendo lugar à ideia de influência no sentido positivo de atuação direta das partes no desenrolar processual. Há um redimensionamento do contraditório, repise-se, e o juiz é incluído no rol dos sujeitos do diálogo processual e não atua mais como espectador do duelo entre as partes. Nesse viés, o modelo comparticipativo passa a ser o mais adequado para uma democracia, como técnica de construção de um processo civil democrático e alinhado à constituição. O contraditório passa a ser elemento essencial e fator de legitimação democrática do processo e não apenas uma formalidade a ser cumprida. O diálogo é o principal instrumento desse modelo de processo, uma vez que possibilita a participação das partes, estabelece um contraditório efetivo e auxilia na formação da decisão. A partir dele, o julgador conduz o processo isonomicamente, coopera com as partes e assume os MMarianMaMariana

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respectivos deveres de cooperação, buscando atingir um resultado útil para o processo. No que tange à boa-fé, a aqui tratada é a boa-fé processual objetiva, segundo a qual é dever de todos, que atuem no processo, de qualquer forma, agir de boa-fé, estando, inclusive, positivada no diploma vigente em seu art. 5º. Observe-se que é norma de conduta, comportamento a ser adotado que exige uma atuação leal dos litigantes dispensando a análise de suas intenções, exame necessário apenas para a aferição da boa-fé subjetiva. Trata-se, pois, de cláusula geral. Tal implica manejar conceitos como lealdade, razoabilidade, confiança, estabilidade, eticidade e segurança. Tem o dever de atuar de modo a não trair a razoável confiança do outro, constituindo o padrão de comportamento comum que se espera do homem médio em determinada situação. Nesse passo, Pablo Stolze e Salomão Viana: “Um comportamento de acordo com a boa-fé objetiva, pois, é aquele que não trai a confiança razoavelmente depositada, revela a lealdade que se pode esperar de um homem médio, mantém-se nos limites dos critérios de razoabilidade que, em dado momento, são os predominantes na comunidade integrada pelo agente e, por tudo isto, gera estabilidade e segurança”4

Essa é a concepção de boa-fé objetiva contemplada no novo processo civil. Como terceiro arcabouço do princípio da colaboração, está o princípio do devido processo legal. O que se entende por devido processo legal variou ao longo da história de acordo com os recortes temporal e espacial, como cláusula geral que é. Atualmente, impõe que o processo seja algo a mais do que uma simples ordenação de atos e formas, trazendo em si, a um só tempo, garantias às partes para que auxiliem na marcha processual, influenciando ao final a decisão a ser proferida, 4  GAGLIANO, Pablo Stolze. VIANA, Salomão. Boa-Fé Objetiva Processual. MMarianMaMariana

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traduzindo garantia ao exercício da jurisdição, que deve ser pautado na justiça e na honestidade, características inerentes à atuação estatal, em suas diversas facetas. Por conseguinte, pelo devido processo legal, o processo deve ser concebido como consentâneo da democracia e de todas as garantias democráticas asseguradas pelo Estado Democrático de Direito que o Brasil é. Exige-se, pois, que o processo atenda às regularidades formais que lhes são impostas, mas também respeite os direitos fundamentais no seio da relação processual. A cooperação tem alicerce no devido processo legal. Nesse ínterim, com esses três princípios basilares juntos e remodelados, cria-se o ambiente para o surgimento do princípio da colaboração que, a despeito de anteriormente não se encontrar positivado, tratava-se de princípio implícito na Carta Magna, sem prejuízo de sua eficácia normativa. Desse modo, o processo civil contemporâneo ergue-se sobre o pilar do princípio da cooperação e do modelo cooperativo de processo, sendo esse o modelo mais alinhado à constituição, onde encontra seus fundamentos e toma suas diretrizes, surgindo daí deveres tanto para as partes, como para o julgador.

4 Modelo Cooperativo de Processo e o Código de Processo Civil de 2015 – Deveres de Cooperação Como visto, o código processual civil vigente estruturou-se inteiramente sobre o princípio da colaboração resultado de uma nova leitura de princípios constitucionais já conhecidos, o qual restou expressamente previsto em suas normas fundamentais, art. 6º: Art. 6ºCPC/2015Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.5 5  NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil, 2016. MMarianMaMariana

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Registra-se que referido princípio não constava de forma expressa do diploma processual anterior, o que se explica tendo em vista ter sido editado antes da Constituição Federal de 1988, não obstante o código revogado já previsse, em seu artigo 339, que ninguém se exime de colaborar com o Poder Judiciário para o descobrimento da verdade, dispositivo que foi reproduzido integralmente pelo código no artigo 378. No entanto, o princípio da colaboração, tal como posto no artigo 6º supra, exige que todos os sujeitos do processo, inclusive o magistrado, cooperem entre si para que se obtenha uma solução com efetividade e em tempo razoável. Nota-se que é muito mais abrangente e impactante do que o previsto no artigo 339 do código vencido, sendo, mesmo, coisas distintas. Nesse panorama, surgem, na seara processual, deveres de cooperação para todos os sujeitos processuais. Para o magistrado os deveres de esclarecimento, diálogo, prevenção e auxílio; para as partes os deveres de esclarecimento, lealdade e proteção. Primeiramente, pretende o artigo 6º estimular o diálogo entre o juiz e as partes, saindo àquele de mero agente espectador para um agente que deve tentar aproximar as partes, estimular a reflexão e inseri-las em uma busca da justa e efetiva solução, não surpreendendo àquelas com “decisões surpresas”. Nesse passo, tem o magistrado o dever de esclarecer-se junto às partes quanto às alegações, fatos ou pedidos que lhes tenham deixado dúvidas, a fim de evitara tomada de decisões com base em falta de informações, ou informações ambíguas e sem total clareza; como também deve esclarecer as partes no tocante aos seus pronunciamentos, sendo cediço que tal dever decorre do dever de motivar, garantia processual já consolidada historicamente. Nota-se, pois, que o dever de esclarecimento é um dever de todos, tanto das partes, como do magistrado. MMarianMaMariana

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Desse cenário decorre, ainda, para o órgão julgador o dever de consulta (diálogo), pelo qual ele não pode decidir com base em questão de fato ou de direito, ainda que cognoscível de ofício, sem antes ouvir as partes. Tal consta explicitamente no código, em seu artigo 10º, através do qual se proíbem as chamadas “decisões surpresas”. Novamente, consagra-se o contraditório como uma das pedras fundantes desse modelo processual. Ademais, tem o órgão julgador o dever de prevenção, ou seja, o dever de advertir as partes quanto ao seu comportamento ou uso inadequado do processo e suas consequências, ou seja, o dever de prevenir as partes sobre eventuais deficiências em suas alegações ou pedidos intimando-as a supri-los, podendo, também, sugerir-lhes conduta a ser adotada. Exemplo desse dever é o dever de intimar a parte para emendar sua exordial antes de indeferi-la de plano, conforme o artigo 321 do código vigente. Por fim, tem-se para o juiz o dever de auxílio, em razão da qual deve o magistrado auxiliar as partes na superação de eventuais dificuldades para comprovação do seu direito, aproximando o processo da verdade material. Desse ambiente cooperativo, decorrem, também, deveres para as partes. O dever de esclarecimento, tanto das partes e do magistrado, como acima discorrido, assim como os deveres de lealdade e proteção que derivam diretamente do princípio da boa-fé processual objetiva, positivadada no artigo 5º do diploma processual. Assim, não pode uma parte causar danos à outra, havendo punições estabelecidas no código processual, bem como não devem as partes litigar de má-fé. O espírito do novel diploma é alçar a ética, lealdade e honestidade como standards de conduta facilitando a gestão do processo pelo juiz e permitindo que se chegue a uma solução mais justa. Exige-se como comportamento uma atuação limpa das partes de MMarianMaMariana

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forma a reprovar-se a utilização de artifícios para distorcer os fatos e retardar a prestação jurisdicional, sendo a boa-fé processual objetiva norma de conduta expressamente exigida no código. Registre-se, por exemplo, o § 1º do art. 77 do código vigente, que trata dos deveres das partes em total consonância com o princípio colaborativo e um processo cooperativo. Pela boa fé objetiva, são vedados institutos como o “venire contra factum proprium”, ou seja, proibição de comportamento contraditório e seus derivados lógicos da supressio, surrectio e tu quoque. Veja que, na verdade, o código em vigor nada mais fez do que explicitar conteúdos que, de acordo com a melhor doutrina, são corolários da exegese democrática de garantias constitucionais já postas explícita ou implicitamente. na Carta de 1988. Diante dessa perspectiva, na qual o código é desenhado e embasa sua estrutura, o atual modelo de processo traz em seu bojo vários institutos cooperativos, dentre os quais, a título de exemplo, o saneamento compartilhado, novidade trazida pelo novel diploma, vez que no código processual anterior a decisão de saneamento era proferida de maneira solitária pelo juiz. Dessarte, o diploma processual traz as partes para junto na organização do processo, assim como para a resolução de questões pendentes e pontos controvertidos, conforme a dicção do § 2º do art. 357: § 2CPC/2015As partes podem apresentar ao juiz, para homologação, delimitação consensual das questões de fato e de direito a que se referem os incisos II e IV, a qual, se homologada, vincula as partes e o juiz6

Por tal dispositivo as partes podem apresentar negócio jurídico processual para delimitação das questões de fato e de direito, o que, de outra forma, seria delimitado exclusivamente pelo magistrado. Tem-se, aqui, claramente, o princípio da cooperação de partes e juiz na condu6  NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil, 2016. MMarianMaMariana

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ção do processo, contemplado no modelo cooperativo. Mais evidente é o § 3º do mesmo dispositivo: § 3CPC/2015Se a causa apresentar complexidade em matéria de fato ou de direito, deverá o juiz designar audiência para que o saneamento seja feito em cooperação com as partes, oportunidade em que o juiz, se for o caso, convidará as partes a integrar ou esclarecer suas alegações.7

Nota-se que o preceito legal retro diz que o juiz deve chamar as partes para que o saneamento seja feito em cooperação com as partes em audiência. Novamente, consagrando a cooperação como pilar do código. Nessa audiência o magistrado e as partes exercerão todos os deveres cooperativos de lhes cabem: esclarecimento, prevenção, consulta, auxílio, lealdade e proteção. Ademais, não se olvide o calendário processual previsto no art. 191 do código, no mesmo ideário cooperativo de processo: Art. 191. De comum acordo, o juiz e as partes podem fixar calendário para a prática dos atos processuais, quando for o caso8.

Pelo modelo cooperativo, reforça-se, ainda, o aproveitamento dos atos processuais tanto quanto possível, primando-se pelo resultado útil do processo, ou seja, por uma decisão de mérito e em tempo razoável. Nesse sentido, prevê o código que se tratando de defeitos sanáveis, sejam as partes intimadas para supri-los e, apenas no caso de não o fazerem, seja o processo extinto sem resolução de mérito. Assim, vê-se que o código está integralmente permeado de dispositivos que incorporaram o ideal cooperativo de processo evidenciando as bases sobre as quais foi erguida a nova processualística, inaugurando um novo paradigma de “se fazer processo”.

7  NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil, 2016. 8  NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil, 2016. MMarianMaMariana

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5 Considerações Finais Ante o exposto, verifica-se que, de fato, o modelo cooperativo de processo é o que mais se coaduna com a Constituição Federal de 1988 e um Estado Democrático de Direito. Nessa perspectiva, tendo o código tomado como referência principal a Carta Magna, nada mais natural que exprimisse um modelo de processo com ela alinhado, como o fez. Assim, tem-se, atualmente, um processo civil constitucionalizado, construído sobre o princípio da cooperação que reflete uma nova leitura de princípios já conhecidos. Com isso, pretende o diploma vigente conferir nova feição à relação jurídica processual, “um novo jeito de se fazer processo”, remodelando as posturas de todos os sujeitos processuais, ampliando o espaço conferido às partes, atribuindo-lhes responsabilidade na condução processual, bem como tirando o órgão julgador da posição de mero espectador da competição entre as partes. A inserção da nova principiologia busca propiciar um ambiente de cooperação no processo a fim de alcançar-se um resultado efetivo primando pela boa-fé, lealdade, eticidade. Na prática, é necessário haver uma mudança de mentalidade de todos, seja do magistrado, advogados, partes, ministério público, defensores, todos que, de qualquer forma, atuem no processo, caso contrário o modelo e ideário de processo encampado pelo código será apenas uma utopia de como deveria ser o processo civil constitucional, fundado na cooperação.

6 Referências MITIDIERO, Daniel. Bases para a Construção de um Processo Civil Cooperativo: O Direito Processual Civil no Marco Teórico do Formalismo Valorativo. 2007. MITIDIERO, Daniel. Colaboração no processo civil: pressupostos sociais, lógicos e éticos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. NUNES, Dierle José Coelho. Processo jurisdicional democrático. Curitiba: Juruá, 2008. OLIVEIRA. Carlos Alberto Álvaro de. Do formalismo no processo civil. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. DIDIER JÚNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Introdução ao MMarianMaMariana

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Direito Processual Civil e Processo de Conhecimento. Vol. 1. 15. ed. Bahia: Editora Jus Podivm, 2013. DIDIER JR., Fredie. Os Três Modelos de Direito Processual: Inquisitivo, Dispositivo e Cooperativo. Revista de Processo, nº 198, ano 36. São Paulo: Editora Revista do Tribunais, 2011. GAJARDONI, Fernando da Fonseca. https://jota.info/colunas/novo-cpc/o-saneamento-compartilhado-no-ncpc-08082016. GAGLIANO, Pablo Stolze. VIANA, Salomão. Boa-Fé Objetiva Processual Reflexões quanto ao Atual CPC e ao Projeto do Novo Código. Disponível em: http://www.lex.com.br/doutrina_23930862_BOA_FE_OBJETIVA_PROCESSUAL. DIDIER JÚNIOR, Fredie. Teoria do Processo e Teoria do Direito: o neoprocessualismo. Disponível em: http://academia.edu/1771108/Os_tres_modelos_de_direito_processua. OLIVEIRA, C. A. A. de. O Formalismo-valorativo no confronto com o Formalismo excessivo. UFRGS. Disponível em: http://www.ufrgs.br/ppgd/ doutrina/CAO_O_Formalismo-valorativo_no_confronto_com_o_Formalismo_excessivo_290808.htm. NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil: comentado artigo por artigo. 1ª ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2016.

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O termo a quo de contagem do prazo decadencial da A ção R escisória e sua harmonização com o vigente sistema principiológico processual

Maurício Schibuola de Carvalho1

O presente artigo tem por finalidade a análise da redação do art. 975 do CPC-15 e da Súmula 401 do STJ, que tratam da contagem do prazo da ação rescisória. Para isso, faz-se um estudo da teoria dos capítulos da sentença tal qual foi desenvolvida originariamente e vem sendo aplicada, bem como da admissão da coisa julgada parcial pela doutrina, jurisprudência e pelo CPC-15. Palavras-Chave: Capítulos da Sentença. Coisa Julgada Parcial. Ação Rescisória. Sumário: 1. A sentença em capítulos; 1.1. Teoria de Liebman; 1.2. Teoria de Dinamarco e sua aplicação ao direito brasileiro; 2. A coisa julgada parcial e o CPC-15; 3. O termo a quo do prazo decadencial da ação rescisória e as ambiguidades ocasionadas pela expressão “última decisão” do art. 975 do CPC-15; 4. Harmonização do texto legal do CPC-15 com as demais normas jurídicas processuais; 4.1. A possibilidade de prazos autônomos para propositura de ações rescisórias; 4.2. A forma de contagem do prazo para ação rescisória de coisa julgada parcial: a ambiguidade da expressão última decisão proferida no processo e a possível violação de princípios processuais; 5. Conclusão; 6. Referências.

1 A sentença em capítulos A doutrina processualista, a iniciar pela italiana, afirma dividir-se a sentença em partes ou capítulos dotados de autonomia, divergindo quanto ao que seria essa autonomia, conforme será visto adiante. Antes de dar seguimento, faz-se importante destacar que não será exaurido o tema da Teoria dos Capítulos da Sentença, haja vista não ser o foco do presente estudo, restringindo-se apenas às teorias que exerceram maior influência no ordenamento jurídico 1  Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco. Pós-graduando em Processo Civil Contemporâneo pela Universidade Federal de Pernambuco. Fundador do Grupo de Estudos de Processo Civil da Faculdade de Direito do Recife (UFPE). MMauríciMaMaurícioMMaMaMauríci

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brasileiro, quais sejam, as de Enrico Tulio Liebman e Cândido Rangel Dinamarco. Teoria de Liebman Liebman utilizou a expressão “capo”, que significa chefe ou cabeça, para se referir à parte da sentença que denominamos “capítulo”, cuja procedência vem do latim “capitulum”. Em artigo intitulado “Parte o capo di sentenza”, publicado na Rivista di diritto processuale civile, percebeu que a doutrina italiana se divide em três correntes: a) a primeira identifica o capítulo de sentença como cada pronúncia relativa a uma demanda, quando no processo há cúmulo de demandas; b) a segunda entende ser capítulo cada solução para cada uma das questões de fato ou de direito apresentadas no processo; c) a terceira, denominada relativista, que adota uma ou outra das posições, a depender de se estar analisando o recurso de apelação ou juízo de cassação.2 Aduz, Liebman, estar a Teoria dos Capítulos da Sentença incluída no estudo de tal ato judicial, indo de encontro ao praticado pela doutrina, cuja abordagem a colocava na Teoria Geral dos Recursos. Todavia, apesar de colocar os estudos dos capítulos da sentença na Teoria da Sentença, não nega a importância prática e teórica do tema para os recursos.3 Alegava ser possível dividir a sentença apenas quando as unidades elementares que a compõe sejam de per si uma decisão imperativa, tendo somente um capítulo aquelas que contenham um comando imperativo isolado. Outra inovação de sua teoria foi ir além do afirmado pelos seus predecessores acerca da equivalência entre os capítulos de sentença e os da demanda, explicando não necessariamente, no caso de 2  LIEBMAN, Enrico Tullio. Parte o capo di sentenza, 1964, p. 47-48. 3  Ibidem, p. 48. MMauríciMaMaurícioMMaMaMauríci

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cúmulo de pedidos, serem aqueles correspondentes a estes. Traz como exemplos demonstrativos da não obrigatoriedade de equivalência entre demanda e sentença os casos de o juiz decidir extra petita ou citra petita, os quais podem, respectivamente, conter mais capítulos na sentença do que na demanda e vice-versa, já que foi deferido mais ou menos do que o pleiteado.4 Liebman aborda os casos nos quais, embora haja um único pedido (ou objeto), a sentença apresenta vários capítulos. Acontece essa situação quando ele pode ser quantificado e dividido em diversas partes, como, por exemplo, quando se trata de pagamento de quantia em dinheiro ou entrega de certa quantidade de bens fungíveis, o que permite, embora tenha o objeto sido proposto como único, a decisão os separar.5 Dinamarco, ao fazer referência a essa hipótese, afirma ser o objeto decomponível: (...) quando for possível, física e juridicamente, seja possível atribuir ao sujeito um minus em relação ao majus que ele pretende e pede, como nos pleitos relacionados com coisas suscetíveis de ser dimensionadas em peso, extensão ou quantidade, ou, em geral, em unidades possíveis de serem separadas.6

Seria o caso de um processo cuja pretensão do autor seja relativa apenas à aplicação de uma ordem de pagamento de cem, porém o juiz concede sessenta e rejeita quarenta, surgindo, assim, dois capítulos: um favorável ao autor e outro contrário. Além desse exemplo, cita o caso de um pedido de pagamento de dívida, cuja sentença divide-o em dois capítulos distintos: um primeiro declarando a existência do débito e um segundo negando ter o prazo para quitação expirado.7 Assim como outros doutrinadores, reparte a sentença em preceitos imperativos, que se situam no dispositivo e no plano hori4  Ibidem, p. 52. 5  LIEBMAN, Enrico Tullio. Parte o capo di sentenza, 1964, p. 53. 6  DINAMARCO, Candido Rangel. Capítulos da Sentença. Malheiros. 2008, p. 41/42. 7  LIEBMAN, Enrico Tullio. Op cit, p. 53. MMauríciMaMaurícioMMaMaMauríci

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zontal, e o seu suporte lógico, construído na motivação e residente no plano vertical. Conquanto reconheça a importância da divisão dos fundamentos da sentença em tópicos referentes à solução dada a cada questão pertinente ao julgamento, difere-se dos relativistas justamente por não os considerar capítulos. Expõe que as respostas às questões de mérito influenciam a lógica de formação da sentença e, por conseguinte, contribuem para determinar o mérito da decisão, mas, se tomadas isoladamente, são apenas momentos da elaboração de um único ato: a decisão final de caráter imperativo.8 Prosseguindo seu raciocínio, restringe, portanto, o acobertamento pela autoridade da coisa julgada aos capítulos presentes no dispositivo da sentença, porque é onde se produz efeitos sobre a vida dos litigantes ou sobre o processo mesmo. Inclusive, esse entendimento é adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro, o qual exclui dos efeitos da coisa julgada o relatório e a motivação, vide arts. 469 do CPC-73 e 504 do CPC-15.9 Por outro lado, diversa é a situação das questões preliminares - litis ingressum impedientes -, pois cada uma, quando levantada, importa, através do exame de uma ou mais questões de fato e de direito, um julgamento completo e autônomo sobre o assunto processual, impedindo ou autorizando o prosseguimento da ação até o alcance do mérito. É, portanto, uma decisão autônoma que, se for pela inadmissibilidade e não houver recurso, será final; caso vá pela admissibilidade, igualmente terá autonomia, existindo, nesse caso, no mínimo, um capítulo relativo à admissibilidade e outro ao julgamento de mérito.10 A influência da teoria de Liebman para o processo civil brasileiro é demonstrada resumidamente por Dinamarco: A configuração dos capítulos de sentença segundo o modo-de8  LIEBMAN, Enrico Tullio. Op cit, p. 54. 9  DINAMARCO, Candido Rangel. Op cit, p. 16. 10  LIEBMAN, Enrico Tullio. Parte o capo di sentenza, 1964, p. 55. MMauríciMaMaurícioMMaMaMauríci

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-ser do direito brasileiro corresponde substancialmente à que fora proposta por Liebman em seu famoso ensaio. Cada capítulo do decisório, quer todos de mérito, quer heterogêneos, é uma unidade elementar autônoma, no sentido de que cada um deles expressa uma deliberação específica; cada uma dessas deliberações é distinta das contidas nos demais capítulos e resulta da verificação de pressupostos próprios, que não se confundem com os pressupostos das outras. Nesse plano, a autonomia dos diversos capítulos de sentença revela apenas uma distinção funcional entre eles, sem que necessariamente todos sejam portadores de aptidão a constituir objeto de julgamentos separados, em processos distintos e mediante mais de uma sentença: a autonomia absoluta só se dá entre os capítulos de mérito, não porém em relação ao que contém julgamento da pretensão ao julgamento deste. Na teoria dos capítulos de sentença autonomia não é sinônimo de independência, havendo capítulos que comportariam julgamento em outro processo e também, em alguns casos, um capítulo que não o comportaria (o que rejeita preliminares).11

Liebman pontifica que todas as decisões em que o magistrado profere uma decisão de mérito têm um efeito direto e imediato sobre o objeto do processo (pedido). Saliente-se que o entendimento de Liebman não vai de encontro à ideia de que os capítulos de sentença possuem autonomia, isto é, que eles podem constituir, sozinhos, o conteúdo de uma sentença. Todavia, prefere o mestre italiano relacionar os capítulos de sentença com as decisões de mérito.12 Teoria de Dinamarco e sua aplicação ao direito brasileiro Cândido Rangel Dinamarco foi o precursor do estudo aprofundado da teoria dos capítulos de sentença no Brasil, tendo o feito através da célebre obra “Capítulos de Sentença”, cujas ideias serão, de maneira sintética, aqui expostas. Antes de mais nada, é essencial destacar a grande influência sofrida por Dinamarco das ideias 11  DINAMARCO, Candido Rangel. Capítulos da Sentença. Malheiros. 2008, p. 34. 12  LIEBMAN, Enrico Tullio. Op cit, p. 54-55; NOGUEIRA, Pedro Henrique. Teoria da Ação de Direito Material, 2008, p. 169. MMauríciMaMaurícioMMaMaMauríci

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de Liebman, tornando-se redundante abordar a fundo os assuntos já analisados no capítulo anterior. Assim como Liebman, afirma dever o tema ser analisado dentro da teoria da sentença, embora influencie diversas outras áreas processuais, principalmente a teoria geral dos recursos. Nesse ponto, também inovou no direito brasileiro, sendo o primeiro doutrinador nacional a realizar um estudo próprio dos capítulos da sentença, sem fazê-lo com foco em outro campo do direito processual. De início, demonstra que dificilmente haverá sentença julgando apenas uma pretensão, pois a condenação do vencido nas despesas processuais, sempre presente no processo, constitui decisão autônoma em relação ao julgamento do objeto motivador da lide. Exemplifica tal construção também por meio das hipóteses de cumulação de pedidos, reconvenção, chamamento ao processo, ação declaratória incidental, pretensões decomponíveis (quantificáveis, divisíveis, fungíveis), o da rejeição das preliminares etc.13 Ressalva Dinamarco ser aplicável a teoria dos capítulos de sentença também a outros pronunciamentos judiciais, tais quais as decisões interlocutórias e acórdãos. É perfeitamente possível decisão interlocutória ser composta por uma pluralidade de capítulos, bastando que, no dispositivo, haja mais de um comando imperativo, como no caso de deferir prova requerida por uma das partes e deferir da outra. Já o acórdão nem precisa de grandes explicações, uma vez que não passa de uma sentença colegiada, ou, usando as palavras de Dinamarco, de um doublé da sentença.14 Classifica os capítulos em homogêneos e heterogêneos. Homogêneos seriam os constituídos apenas por pronunciamentos sobre o mérito, ou seja, acerca das pretensões resistidas das partes; hete13  DINAMARCO, Candido Rangel. Capítulos da Sentença, 2008, p. 09-10. 14  Ibidem, p. 48. MMauríciMaMaurícioMMaMaMauríci

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rogêneos são os compostos primeiro pelo direito ao julgamento do mérito e depois pela própria decisão meritória.15 Essa classificação está muito relacionada à bifrontalidade da demanda, ou seja, por tratar com duas questões: o pedido imediato, que é a satisfação da pretensão ao julgamento de mérito; e o mediato, o qual é a obtenção do bem da vida objeto do processo.16 Essa estrutura sentencial permite a convivência, na mesma decisão, de vários capítulos processuais e de mérito. A diferença relevante entre as teorias dos capítulos de Liebman e Dinamarco é ter ido o brasileiro além e diferenciado aqueles sobre matéria processual em extintivos ou não.17 Capítulos extintivos são os das preliminares processuais que obstam o julgamento do mérito e extinguem o processo. Dinamarco afirma que, quando as preliminares processuais decididas são todas extintivas, existirá na sentença somente o cúmulo de solução de questões, apresentando apenas dois capítulos: o extintivo do processo e o atinente às despesas processuais. Liebman, destarte, diria existir tantos capítulos quantas forem as questões impedientes resolvidas.18 Assim, o CPC-15, assim como de 1973, baseado nos estudos principalmente de Liebman e Dinamarco, demonstra a adoção da teoria dos capítulos da sentença, o que pode ser verificado por expressas disposições tratando do parcelamento das decisões, a exemplo do art. 1.012, que afirma que a decisão poderá ser impugnada em todo ou em parte.19 15  Ibidem, p. 34. 16  Ibidem, p. 39/40. 17  PEIXOTO, Ravi. Ação Rescisória e Capítulos da Sentença, p. 157-176. 18  DINAMARCO, Candido Rangel. Capítulos da Sentença. Malheiros. 2008, p. 41/42. 19  Demais exemplos: Art. 90, § 1CPC/2015: “Sendo parcial a desistência, a renúncia ou o reconhecimento, a responsabilidade pelas despesas e pelos honorários será proporcional à parcela reconhecida, à qual se renunciou ou da qual se desistiu.”. Art. 354, Parágrafo único: “A decisão a que se refere o caput pode dizer respeito a apenas parcela do processo, caso em que será impugnável por agravo de instrumenMMauríciMaMaurícioMMaMaMauríci

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Nesse contexto, aponta Humberto Theodoro Jr., adotando a teoria dos capítulos da sentença, que as partes dos julgados que resolvem questões autônomas formam sentenças com vida própria, podendo cada uma ser mantida ou reformada sem prejuízo das demais.20 Ainda, importante destacar que o efeito devolutivo dos recursos não afeta a teoria dos capítulos, pois abrange apenas a extensão horizontal do recurso (ou seja, a amplitude da análise das matérias impugnadas), e não o alcance vertical (profundidade), devolvendo ao tribunal apenas os capítulos impugnados e excluindo os que não foram suscitados no recurso.21 Diante do exposto, revela-se fundamental a teoria dos capítulos da sentença para o estudo da coisa julgada, já que a sentença – ou a decisão de mérito - pode ser dividida em diversos capítulos decisórios, causando a multiplicidade de interesses recursais e a imutabilidade do conteúdo em momentos diferenciados.22

2 A coisa julgada parcial e o CPC-15 Após a abordagem detida da teoria dos capítulos da sentença e antes de ingressar no estudo da coisa julgada parcial, deve-se esclarecer sucintamente que o CPC-15, em regra, restringe os efeitos da coisa julgada ao dispositivo da decisão, de acordo com seu art. to.”. Art. 356: “O juiz decidirá parcialmente o mérito quando um ou mais dos pedidos formulados ou parcela deles: I - mostrar-se incontroverso; II - estiver em condições de imediato julgamento, nos termos do art. 355.”. Art. 503: “A decisão que julgar total ou parcialmente o mérito tem força de lei nos limites da questão principal expressamente decidida.”. Art. 1.013, § 1CPC/2015: “Serão, porém, objeto de apreciação e julgamento pelo tribunal todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que não tenham sido solucionadas, desde que relativas ao capítulo impugnado.”. 20  THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil, 2011, p. 744. 21  CARDOSO, Oscar Valente. Capítulos de sentença, coisa julgada progressiva e prazo para ação rescisória, 2009, p. 75-85. 22  ARAÚJO, José Henrique Mouta. Conceito de sentença e o projeto do Novo CPC, 2011, p. 110-115. MMauríciMaMaurícioMMaMaMauríci

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De acordo com José Henrique Mouta, para se estudar a coisa julgada, é necessário ter a seguinte premissa: o tempo demasiado do processo é um fator que desestimula a procura pelo Poder Judiciário. A imunização mais rápida das decisões judiciais, que permita seu imediato e definitivo cumprimento, é fator positivo em busca da brevidade da prestação jurisdicional, e, consequentemente, da duração razoável do processo.26-27 Desse modo, a segurança jurídica apresenta importante papel em qualquer Estado Democrático de Direito, e é em seu nome que se estrutura o instituto coisa julgada28, possibilitando a estabilização do objeto decidido e conferindo segurança jurídica às partes 23  “Art. 504. Não fazem coisa julgada: I - os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença; II - a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença.” 24  Exceção se encontra no § 1º do art. 503 do CPC-15, in verbis: “§ 1CPC/2015 O disposto no caput aplica-se à resolução de questão prejudicial, decidida expressa e incidentemente no processo, se: I - dessa resolução depender o julgamento do mérito; II - a seu respeito tiver havido contraditório prévio e efetivo, não se aplicando no caso de revelia; III - o juízo tiver competência em razão da matéria e da pessoa para resolvê-la como questão principal.” 25  José Ignácio Botelho Mesquita analisa o art. 469 do CPC-73, similar ao art. 504 do CPC-15, do seguinte modo: “Por força do que dispõe o art. 469 do CPC, só essa declaração principal adquire a autoridade da coisa julgada. É ela que, com o trânsito em julgado, irá se tornar imutável e indiscutível entre as partes. Em que consiste essa declaração principal? Nas ações condenatórias, consiste na conclusão de que o autor tem, ou não, o direito de exigir do réu o cumprimento da obrigação. Nas ações constitutivas, consiste na conclusão de que o autor tem, ou não, o direito à modificação jurídica pretendida. E, nas ações meramente declaratórias, consiste na conclusão de que existe, ou não, a relação jurídica, a autenticidade ou a falsidade afirmadas pelo autor, ou na declaração de que não existe, ou existe, a relação jurídica negada pelo autor.” (MESQUITA, José Ignácio Botelho de. A coisa julgada, 2004, p. 4) 26  ARAÚJO, José Henrique Mouta. A duração razoável do processo e o fenômeno da coisa julgada no novo código de processo civil, 2015, p. 200-223. 27  Como afirmam Gisele Leite e Denise Heuseler, “a coisa julgada é autêntico signo da tutela da confiança do cidadão nos atos estatais”. (LEITE, Gisele; HEUSELER, Denise. Coisa Julgada Contemporânea, 2013, p. 43-73.) 28  OLIVEIRA JUNIOR, Délio Mota de. A Formação Progressiva da Coisa Julgada Material e o Prazo para o Ajuizamento da Ação Rescisória, p. 99-126. MMauríciMaMaurícioMMaMaMauríci

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integrantes da lide. Entretanto, no âmbito processual, a coisa julgada não vai garantir a justiça da decisão, mas sim a segurança de que a questão migrou da instabilidade inerente ao processo para o campo da estabilidade. Inclusive, destaca Márcio Carvalho Faria que o CPC de 1939 já afirmava, em seu art. 80029, que “a injustiça da decisão e a má apreciação da prova ou errônea interpretação do contrato não autorizam o exercício da ação rescisória”.30 Em suma, o que importa para a imunização do provimento jurisdicional é o fato de estar seu conteúdo com grau cognitivo suficiente para a imunização, existindo várias hipóteses, no ordenamento jurídico-processual atual, em que a decisão, embora não encerre fase do processo, possui cognição suficiente para a formação da coisa julgada.31 Didier metaforicamente sintetiza a questão alegando que: “Uma fruta madura não precisa esperar o amadurecimento de uma outra, ainda verde, para ser colhida.”32 E, por madura, tem-se a causa que não mais dependa da instrução probatória para julgamento, como ocorre nos casos em que o pedido é só de direito ou de direito e de fato com a parte fática estando incontroversa.33 Estando madura, o juiz é capaz de prover decisão com cognição exauriente, apta a produzir os efeitos da coisa julgada. Marinoni, de modo incisivo, pontua acerca da importância da tutela imediata do direito incontroverso: Ora, a impossibilidade de cisão do julgamento do mérito, isto é, do julgamento antecipado de apenas um dos pedidos cumulados, torna risível qualquer economia que se pretenda por meio da cumulação. 29  Art. 800. A injustiça da sentença e a má apreciação da prova ou errônea inter��pretação do contrato não autorizam o exercício da ação rescisória. 30  FARIA, Márcio Carvalho. Considerações Sobre o Prazo Rescisório no Novo CPC, p. 127-156. 31  ARAÚJO, José Henrique Mouta. Decisão Rescindível e o Novo CPC – Aspectos Polêmicos e Atuais, p. 683-708. 32  DIDIER JR, Fredie. Inovações na antecipação dos efeitos da tutela e a resolução parcial do mérito, 2003, p. 225-251. 33  DIAS, Jean Carlos. A reforma do CPC e o fim da teoria da unicidade da sentença, 2006, p. 79-84. MMauríciMaMaurícioMMaMaMauríci

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Tudo isso demonstra que um pedido - ou sua parcela – pode se tornar maduro para o julgamento antes do outro – ou da outra parcela – e, assim, que o processo que não possui técnica capaz de viabilizar tutela imediata ao direito que se tornou incontroverso no seu curso não atende ao direito fundamental à razoável duração do processo.34

É com base nesses mesmos argumentos que se defende a existência da coisa julgada parcial - denominada, por alguns doutrinadores, como coisa julgada progressiva.35 A admissão da coisa julgada parcial não é fenômeno que surgiu com o CPC-15, já sendo vislumbrada antes pela doutrina e parcela da jurisprudência, conforme será visto adiante. Pontes de Miranda, por exemplo, já vislumbrava a coisa julgada parcial. Para Pontes, a extensão da ação rescisória não é dada pelo pedido, mas pela sentença em que compõe o pressuposto da rescindibilidade. Se a mesma petição contiver 3 pedidos e o trânsito em julgado foi em três instâncias, haverá tantas rescisórias quanto sentenças transitadas em julgado.36 Ainda, Daniel Mitidiero, ao analisar o § 6º do art. 273 do CPC-7337, inserido na reforma ocorrida em 2002, considerava se tratar a concessão da tutela antecipada de um ou mais pedidos incontroversos de hipótese apta a produzir coisa julgada.38-39-40 Entretanto, 34  MARINONI, Luiz Guilherme. Antecipação da Tutela, 2011, p. 283. 35  Didier critica a nomenclatura coisa julgada progressiva: “Já se chamou esse fenômeno de CJ progressiva. Não me parece adequada a designação, pois leva a uma indevida percepção de que uma mesma coisa julgada se forma progressivamente, quando, na verdade, o que há é a formação de várias coisas julgadas em um mesmo processo, em momentos distintos e, muitas vezes, em juízos distintos.” (DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil, 2015, p. 527.) 36  PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado da Ação Rescisória, da sentença e das outras decisões. 5. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1976, p. 353. 37  § 6CPC/2015 A tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso. 38  MITIDIERO, Daniel. Sentenças parciais de mérito e resolução definitiva-fracionada da causa, 2004. 39  No mesmo sentido, José Henrique Mouta: “As hipóteses do art. 273, §6º do CPC de 73 e art. 356, I, do NCPC trata de antecipação parcial do próprio objeto litigioso, ensejando a formação de coisa julgada e o abreviando o início do cumprimento da decisão” (ARAÚJO, José Henrique Mouta. A duração razoável do processo e o fenômeno da coisa julgada no novo código de processo civil, 2015, p. 200-223.) 40  Sobre a natureza da decisão prevista no §6º do art. 273 do CPC-73, recomen�� MMauríciMaMaurícioMMaMaMauríci

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apesar da nomenclatura dada ao referido dispositivo pelo CPC-73 fosse de tutela antecipada, na realidade, se tratava de julgamento antecipado parcial de mérito, pois decisão que concede tutela antecipada não tem o atributo da definitividade, podendo ser confirmada, modificada ou revogada até o julgamento de mérito - tanto é assim que o CPC-15 alterou o nome dado ao instituto (art. 356, CPC-15).41-42 Ademais, Ana Paula Schoriza apontava – ainda sob a égide do CPC-73 - possível violação ao princípio da congruência e do tantum devolutum quantum appelatum ou dispositivo caso não fosse admitida a teoria da coisa julgada parcial. Isso porque, em caso de recurso parcial, ocorreria a possibilidade de um acórdão que nada decidiu sobre um dos capítulos (o não recorrido) fazer coisa julgada material sobre este, cujo conteúdo está presente em outra decisão.43 E o que seria a coisa julgada? Em poucas palavras, é uma qualidade da decisão representada pela imutabilidade do julgado e seus efeitos, que ocorre após não mais poder ser impugnada através de recurso.44 E a coisa julgada parcial? É simplesmente a coisa julgada formada antes da decisão final do processo, contendo os mesmos requisitos de qualquer outra coisa julgada: decisão jurisdicional fundada em cognição exauriente e o trânsito em julgado.45 da-se a seguinte leitura: SIMONASSI, Mauro. A parte incontroversa da demanda, 2014, p. 197-218. 41  LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Tutela Provisória e Julgamento Parcial no CPC de 2015, 2015, p. 325-341. 42  Desenvolve esse raciocínio Marinoni: “Frise-se que o § 6º. Decorre da necessi��dade de se dar tutela final à parte da demanda que se mostra incontroversa no curso do processo, e não tutela de cognição sumária ou propriamente antecipatória. Em termos de aprofundamento a cognição do juiz, a fragmentação do julgado (art. 273, § 6.°) não é diferente do julgamento antecipado da integralidade do mérito, “quando a questão de mérito for unicamente de direito, ou, sendo de direito e de fato, não houver necessidade de produzir prova em audiência” (art. 330, I, CPC).” (MARINONI, Luiz Guilherme. Antecipação da Tutela, 2011, p. 291.) 43  SCHORIZA, Ana Paula. Capítulos da sentença: como o STJ tem se posicionado sobre o termo inicial..., 2009, p. 195-225. 44  THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil, 2017, p. 1116. 45  DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil, 2015, p. 516. MMauríciMaMaurícioMMaMaMauríci

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A coisa julgada parcial apresenta como principal efeito prático a possibilidade de execução definitiva desde logo, sem haver a necessidade de aguardar até o último provimento jurisdicional do processo, conforme previsto no § 3º do art. 356, o qual trata da execução definitiva do julgamento antecipado parcial de mérito transitado em julgado. Ressalta José Henrique Mouta que a execução definitiva de um dos capítulos do pedido antes do trânsito em julgado dos demais está de acordo com a duração razoável do processo, evitando, assim, o prolongamento desnecessário da litispendência.46-47 Enquanto o CPC-73 previa, em seu art. 485, ser rescindível a “sentença de mérito”, o CPC-15, em seu art. 966, utiliza a expressão “decisão de mérito”. Apesar do termo utilizado, Nelson Nery Junior observa que o CPC-73 dizia menos do que queria dizer, sendo essa distorção de sentido causada pela literalidade do texto normativo corrigida pelo CPC-15.48 Assim, há clara mudança na semântica decorrente da mudança do texto da norma jurídica, que passa a trabalhar com a ideia de coisa julgada parcial e, consequentemente, a admitir ação rescisória também de decisões interlocutórias, acórdãos e decisões de relator.49 46  ARAÚJO, José Henrique Mouta. A duração razoável do processo e o fenômeno da coisa julgada no novo código de processo civil, 2015, p. 200-223. 47  Gustavo Garcia traz o seguinte exemplo: “Exemplificando, imagine-se sentença condenando o réu em multa contratual, indenização e devolução do bem. Inconformado, este apela apenas quanto à condenação em multa contratual e indenização. O capítulo relativamente autônomo da decisão, condenando na devolução do bem, não sendo impugnado, transita em julgado desde logo, podendo ser exigido através de execução definitiva, em razão da auctoritas rei judictae” (GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Capítulos autônomos da decisão e momentos de seu trânsito em julgado, de 2003, p. 290/305) 48  NERY JUNIOR, Nelson. Comentários ao novo código de processo civil, 2015, p. 1986. 49  Destaca Humberto Theodoro Jr: “Por último, é de se ter em mente que a coisa julgada é uma decorrência do conteúdo do julgamento de mérito, e não da natureza processual do ato decisório. Quando os arts. 502 e 503 do novo Código estabelecem o conceito legal e a extensão do fenômeno da coisa julgada, e se referem a ela como uma qualidade da decisão de mérito, e não apenas da sentença, reconhecem a possibilidade de a res iudicata recair sobre qualquer ato decisório, que solucione “total ou parcialmente o mérito”. Dessa maneira, a coisa julgada leva em conta o objeto da MMauríciMaMaurícioMMaMaMauríci

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Além disso, o texto do CPC-15, traz hipóteses de decisões parciais passíveis de produzir coisa julgada parcial e de serem atacadas por ação rescisória, a exemplo do julgamento antecipado parcial de mérito (art. 356 do CPC-15). Como afirma Didier, “um mesmo processo poderá produzir tantas coisas julgadas quantas tenham sido as decisões proferidas e que possuam essa aptidão”.50 Outros casos de produção de coisa julgada parcial são a homologação da autocomposição parcial (art. 354, § único do CPC-15) e o recurso parcial (art. 1.002 do CPC-15). No caso do recurso parcial, haverá uma delimitação do objeto do recurso, restando o capítulo da decisão recorrida sem impugnação, sobre o qual poderá incidir a autoridade da coisa julgada.51 Do mesmo modo pensava Barbosa Moreira, o qual destacava que, se parte da decisão transitou em julgado, por não ter sido objeto de recurso ou o órgão ad quem não a houver conhecido, a ação rescisória em face desta parcela deve ser proposta contra a decisão recorrida.52 No Tribunal Superior do Trabalho, ainda no ano de 2017, foi publicada a Resolução nº 219/2017, alterando a redação da Súmula 398/TST de “na ação rescisória, o que se ataca é a sentença...” para “na ação rescisória, o que se ataca é a decisão...”, demonstrando clara adaptação ao CPC-15, que permite ação rescisória de decisões decisão, que haverá de envolver o mérito da causa, no todo ou em parte, seja o ato decisório uma sentença propriamente dita, seja um acórdão, seja uma decisão interlocutória. O importante é que o pronunciamento seja definitivo e tenha sido resultado de um acertamento judicial precedido de contraditório efetivo.” (THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil, 2017, p. 1117). 50  DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil, 2016, p. 424. 51  Observa José Henrique Mouta, ao analisar os efeitos devolutivo e translativo dos recursos parciais: “Não se pode mexer naquilo que não foi objeto do recurso, ainda que isso conduza a situações de contradição lógica. Se não houver recurso contra uma parte da sentença, mas verificou-se que faltava um requisito de validade do processo (por exemplo: o Ministério Público não foi chamado a intervir quando o caso era de obrigatória intervenção), nem por isso se está autorizado a anular a parte da sentença da qual não houve recurso. Essa já transitou em julgado, e só com ação rescisória é possível atingi-la.” (ARAÚJO, José Henrique Mouta. Notas sobre o efeito substitutivo do recurso e seu reflexo na ação rescisória, 2007, p. 9-23.) 52  BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil, 2011, p. 114/115. MMauríciMaMaurícioMMaMaMauríci

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interlocutórias e, consequentemente, a coisa julgada progressiva.53 Importante destacar que, tal qual pode haver coisa julgada parcial, é possível a rescisória parcial, que consistiria basicamente na impugnação de apenas um ou alguns dos capítulos da decisão rescindenda.

3 O termo a quo do prazo decadencial da ação rescisória e as ambiguidades ocasionadas pela expressão “última decisão” do art. 975 do CPC-15 A ação rescisória, em resumo, é ação autônoma de impugnação . Utilizada para desconstituir a coisa julgada formada, apresentando, portanto, natureza desconstitutiva ou constitutiva negativa. Tem como requisitos: a) as exigências comuns a qualquer demanda (condições da ação e pressupostos processuais); b) a existência de decisão de mérito transitada em julgado; c) estar presente um dos fundamentos de rescindibilidade previstos pelo art. 966 do CPC-15.55 54

O CPC-15, em seu art. 975, dispõe que o direito à rescisão se extingue em 2 anos contados do trânsito em julgado da última de�53  Redação atual da Súmula 398/TST: “Na ação rescisória, o que se ataca é a decisão, ato oficial do Estado, acobertado pelo manto da coisa julgada. Assim, e considerando que a coisa julgada envolve questão de ordem pública, a revelia não produz confissão na ação rescisória.” Antiga redação da Súmula 398/TST: “Na ação rescisória, o que se ataca na ação é a sentença, ato oficial do Estado, acobertado pelo manto da coisa julgada. Assim sendo, e considerando que a coisa julgada envolve questão de ordem pública, a revelia não produz confissão na ação rescisória.”. 54  Da seguinte forma divide Barbosa Moreira os meios de impugnação: “Os meios de impugnação dividem-se, pois, em duas grandes classes: a dos recursos – assim chamados os que se podem exercitar dentro do processo em que surgiu a decisão impugnada – e o das ações impugnativas autônomas, cujo exercício, em regra, pressupõe a irrecorribilidade da decisão. No direito brasileiro, protótipo da segunda classe é a ação rescisória, eventalmente cabível para impugnar sentença (de mérito) já transitadas em julgado (art. 485, caput).”(MOREIRA, José Carlos Barbosa. O novo processo civil brasileiro, 2010, p. 114.) 55  CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Termo inicial do prazo para ajuizamento da ação rescisória, capítulos da sentença e recurso parcial, 2005, p. 180-228. MMauríciMaMaurícioMMaMaMauríci

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cisão proferida no processo. O texto do dispositivo é similar ao da Súmula 401 do STJ, o qual afirma que “o prazo decadencial da ação rescisória só se inicia quando não for cabível qualquer recurso do último pronunciamento judicial”. Logo, verifica-se ter o legislador se inspirado na redação da Súmula 401 do STJ ao elaborar o art. 975 do CPC-15. O texto do CPC-15 é problemático, uma vez que, ao se admitir a coisa julgada parcial e, ao mesmo tempo, apenas definir o cabimento da ação rescisória da última decisão proferida no processo, dá azo a questionamentos acerca da possibilidade de ajuizamento da ação rescisória: qual o termo inicial e final do prazo para a ação rescisória em hipóteses em que a coisa julgada se formou no meio do andamento do processo (coisa julgada parcial)?

4 Harmonização do texto legal do CPC-15 com as demais normas jurídicas processuais A possibilidade de prazos autônomos para propositura de ações rescisórias Didier aponta duas soluções possíveis: a) para cada coisa julgada fluirá um prazo de ação rescisória; b) haveria somente um prazo de ação rescisória, para todas as coisas julgadas, o qual seria contado do último trânsito em julgado.56 O segundo entendimento foi o adotado pelo STJ ao formular a sua Súmula 401. Acontece que o entendimento do STJ é insustentável com a nova sistemática processual, pois, ao admiti-lo, estar-se-ia diante da possibilidade de haver decisão passível de ser executada definitivamente, de modo que a parte prejudicada não poderia impugná-la através da ação rescisória.57 56  DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: o processo civil nos tribunais, recursos, ações de competência originária de tribunal e querela nullitatis, incidentes de competência originária de tribunal. Ed. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 461. 57  Outra questão problemática envolvendo ações rescisórias, coisa julgada parcial MMauríciMaMaurícioMMaMaMauríci

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Leonardo da Cunha já criticava o precedente sumulado pelo STJ ainda na vigência do CPC-73, consoante trecho a seguir: Ora, com o devido respeito, o entendimento manifestado pelo STJ no julgamento ora comentado atrita com o ordenamento jurídico como um todo. É que o ordenamento jurídico, por essência, deve manter unidade e coerência. Realmente, constituindo o direito um sistema, deve manter as qualidades de ordenação e de unidade, na medida em que todo sistema contém uma ordem e uma unidade. A existência de capítulos de sentença e a possibilidade de recursos parciais (CPC (LGL\1973\5), art. 505) acarretam a existência de momentos diferentes para o trânsito em julgado, sendo igualmente diversos os momentos para ajuizamento das ações rescisórias relativas a cada capítulo. Além do mais, é curial que o capítulo não impugnado oportunamente transita em julgado, produzindo coisa julgada material e podendo ser objeto de execução definitiva, sem que se aplique qualquer restrição contida no art. 588 do CPC (LGL\1973\5).

Adotar tal posição é atentar contra o acesso à justiça, uma vez que não se pode impedir aquele que tem uma decisão desfavorável contra si – e que está sendo executada definitivamente – de impugná-la pelo instrumento fornecido pela legislação processual. Assim, pensa grande parte da doutrina.58 Além de parcela relevante da doutrina, o STF e o TST também têm o entendimento atual de que o prazo para propor ação rescisória é contado de forma independente entre os trânsitos em julgado. e a jurisprudência do STJ está relacionada à competência para julgar as rescisória. Para maiores informações, recomenda-se a seguinte leitura: PEREIRA, Mateus Costa; PEIXOTO, Ravi. Da competência à ação rescisória, p. 195-216. 58  Exemplos: SCHORIZA, Ana Paula. Capítulos da sentença, 2009, p. 195-225; DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: o processo civil nos tribunais, recursos, ações de competência originária de tribunal e querela nullitatis, incidentes de competência originária de tribunal. Ed. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 461. Didier ainda traz, nesta obra, a seguinte relação de doutrinadores que compartilham da mesma opinião: PEIXOTO, Ravi. Ação Rescisória e Capítulos da Sentença, p. 157-176; MIRANDA, Francisco Cavalcante Pontes. Tratado da Ação Rescisória, 1976, p. 353; CARNEIRO, Athos Gusmão. Ação Rescisória, Biênio Decadencial e Recurso Parcial, 1997; MOREIRA, José Carlos Barbosa. Sentença objetivamente complexa, trânsito em julgado e rescindibilidade, 2006; THEODORO Jr., Humberto. Curso de Direito Processual Civil, 2011, p. 745-746. MMauríciMaMaurícioMMaMaMauríci

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O STF, através de votos dos Ministros Marco Aurélio, Luís Roberto Barros e Rosa Weber, no RE nº 666.589-DF, à unanimidade, rechaçou a tese do STJ e encampou o entendimento doutrinário supracitado, apresentando como principal fundamento contrário ao entendimento da outra Corte Superior a ofensa à coisa julgada (art. 5º, XXXVI da CF). No mesmo sentido, entendeu – previamente ao STF - o TST, conforme enunciado da sua Súmula 100, II: II - Havendo recurso parcial no processo principal, o trânsito em julgado dá-se em momentos e em tribunais diferentes, contando-se o prazo decadencial para a ação rescisória do trânsito em julgado de cada decisão, salvo se o recurso tratar de preliminar ou prejudicial que possa tornar insubsistente a decisão recorrida, hipótese em que flui a decadência a partir do trânsito em julgado da decisão que julgar o recurso parcial.

Ainda que se admita a ideia do prazo único da rescisória, não seria razoável impedir aquele que tem decisão transitada em julgado contra si de ingressar com sua rescisória. Nesse caso, poderia a parte rescindente se valer do art. 218, § 4º do CPC-15, o qual afirma ser tempestivo o ato praticado antes do termo inicial.59 Portanto, deve-se admitir a propositura da ação rescisória a partir do trânsito em julgada da decisão que se pretenda rescindir. A forma de contagem do prazo para ação rescisória de coisa julgada parcial: a ambiguidade da expressão última decisão proferida no processo e a possível violação de princípios processuais Superado o ponto anterior, deve-se estabelecer como se dará a contagem do prazo decadencial para propositura da ação rescisória. A expressão “última decisão proferida no processo”, do art. 975 do CPC-15, é passível de duas principais interpretações: a) última decisão dentre todas proferidas no processo (entendimento da Súmula 401 do STJ); b) última decisão acerca da questão que foi 59  No mesmo sentido: MAZZEI, Rodrigo; GONÇALVES, Tiago Figueiredo. Primeiras Linhas sobre a Disciplina da Ação Rescisória no CPC/15, p. 177-202.

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acobertada pelos efeitos da coisa julgada. A primeira possível interpretação ofende claramente a segurança jurídica, já que seria possível – ao fim da marcha processual – impugnar questões transitadas em julgado há mais de 2 anos. Nesse caso, o prazo para ingressar com a rescisória contra a decisão parcial proferida no processo seria indefinido, podendo ultrapassar os 2 anos previstos no próprio art. 975 do CPC-15.60 Além disso, tal posicionamento daria margem à nulidade de algibeira, ou seja, a parte poderia, após anos de curso do processo, alegar, ao seu final, através de ação rescisória, fundamento que anule todos os atos processuais posteriores à decisão rescindenda que já formou, há muito tempo, coisa julgada. Assim, sob pena de ofensa aos princípios da economia e boa-fé processual, não se deve adotar a interpretação sumulada pelo STJ. A segunda interpretação deve ser a adotada, estando de acordo com as normas jurídicas (regras e princípios) do ordenamento jurídico processual brasileiro. Didier pontua estar relacionada tal interpretação com o princípio da igualdade, entendimento que compartilhamos, o que demonstra no trecho a seguir: Se há coisa julgada parcial, há possibilidade de execução definitiva desta decisão (art. 356, § 2º, CPC); se o credor não promover a execução dentro do prazo prescricional, sua pretensão será encoberta pela prescrição. A coisa julgada parcial faz disparar, em desfavor do credor, o início do prazo prescricional, mas não faria disparar, em desfavor do devedor, o início do prazo decadencial para propor a ação rescisória? O credor passa a ter um prazo para executar; o devedor, um prazo indefinido para propor a ação rescisória. Essa situação é, claramente, uma ofensa ao princípio da igualdade.61 60  DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: o processo civil nos tribunais, recursos, ações de competência originária de tribunal e querela nullitatis, incidentes de competência originária de tribunal. Ed. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 462. 61  DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil, 2016, p. 463. Utiliza do mesmo argumento: SCHORIZA, Ana Paula. Capítulos da sentença, 2009, p. 195MMauríciMaMaurícioMMaMaMauríci

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Ravi Peixoto compartilha da interpretação de Didier, acrescentando que o texto normativo do art. 975 do CPC-15 se refere a cada capítulo que não possua relação de dependência com outro, ou seja, “à decisão que substituiu por último cada capítulo”, fundamentando-se em princípios processuais como o da isonomia, segurança jurídica, duração razoável do processo e efetividade.62 Ademais, alega que, embora a existência de prazos autônomos para ações rescisórias possa ocasionar problemas práticos, tal qual a necessidade de analisar quais capítulos foram impugnados pelo recurso e a relação de prejudicialidade entre os capítulos, as vantagens teóricas e práticas superam os problemas.

5 Conclusão Assim, o presente trabalho conclui: a) O CPC-15 admitiu expressamente a coisa julgada parcial de acordo com a teoria dos capítulos da sentença; b) Deve-se interpretar sistematicamente o art. 975 do CPC-15, em conjunto com as demais normas previstas no CPC-15 e na CF88, sob pena de violação aos princípios da segurança jurídica, coisa julgada, boa-fé, economia, juiz natural e igualdade processual, de modo que possa haver ações rescisórias autônomas no mesmo processo, contando-se o prazo de 2 anos a partir do trânsito em julgado da última decisão acerca da questão específica que foi acobertada pelos efeitos da coisa julgada. Finaliza-se, portanto, o presente artigo com excerto da obra de Giuseppe Chiovenda: “Para que a vida social se desenvolva o mais possível segura e pacífica, é necessário imprimir certeza ao gozo dos bens da vida, e garantir o resultado do processo”.63 225. 62  PEIXOTO, Ravi. Ação Rescisória e Capítulos da Sentença, p. 157-176. 63  CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil, 2009. MMauríciMaMaurícioMMaMaMauríci

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6. Referências

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O princípio da primazia da decisão de mérito como

norma fundamental do processo civil brasileiro Melissa Lucena1

O presente artigo propõe uma análise e observação do princípio da primazia da decisão de mérito na atual conjuntura processual. Conforme se pode observar na Lei 13.105 de 2015, que institui o Código de Processo Civil vigente, esta teve como um dos principais objetivos a criação de mecanismos que possibilitassem uma tutela jurisdicional mais efetiva, isto é, que o processo oferecesse um resultado verdadeiramente útil às partes. O diploma processual ressalta o dever das partes e, principalmente, do magistrado em priorizar a resolução do mérito, fazendo o possível para que ao final do processo seja proferida solução definitiva para a questão levada a Juízo. Assim, o princípio da primazia da decisão de mérito vem auxiliar na concretização da efetividade do processo, já que um processo justo e efetivo é aquele que proporciona às partes o exame do mérito da demanda. Palavras-chave: Primazia da decisão de mérito – Código de Processo Civil de 2015 – Efetividade do Processo Sumário: 1. Introdução; 2. Breves considerações acerca da evolução do processo; 3. Princípio da primazia da decisão de mérito e efetividade processual; 4. Dispositivos no CPC/2015 que objetivam efetivar o princípio da primazia da decisão de mérito; 5. Considerações finais; 6. Referências.

1 Introdução O tema abordado no presente trabalho transita em torno da compreensão e aplicação do princípio da primazia do mérito no Direito Processual Civil pátrio, uma vez que o Código de Processo Civil vigente elegeu em seu artigo 4º a solução integral do mérito como princípio fundamental. Como é cediço, a nossa Carta Magna assegura a duração razoável do processo possibilitando o emprego de meios que permitam a celeridade na resolução do conflito (por força do inciso LXXVIII, do seu artigo 5º). Assim, para dar maior efetividade a este direito fundamental, o diploma Processual po1  Advogada. Graduada em Direito pelo Centro Universitário Tabosa de Almeida-ASCES. Pós-graduanda em Processo Civil Contemporâneo pela Universidade Federal de Pernambuco-UFPE. MMelissMeMelis

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sitivou, em seu texto legal, o princípio da primazia da decisão de mérito que, como se verá no decorrer do estudo, tem por objetivo tornar o processo mais efetivo, devendo o órgão julgador assegurar, sempre que possível, a apreciação do mérito da causa. Neste sentido, será feita uma breve análise sobre a evolução da teórica processual, evidenciando a atual percepção do processo como instrumento, medida legal com a qual se busca atingir um fim. Ou seja, o processo deve ser considerado instrumento para efetivação do direito material, devendo, para tanto, serem invalidados apenas os atos que se mostrarem incompatíveis com os direitos fundamentais. O Código de Processo Civil de 2015 trouxe em sua essência o direito a uma tutela jurisdicional mais efetiva, onde os atos processuais devem ter o máximo de aproveitamento, estimulando-se a colaboração recíproca de todas as partes envolvidas no processo, para que, ao final da demanda, seja proferida decisão de mérito. Desta forma, o processo passará a ter maior utilidade, pois terá como principal desígnio a resolução definitiva da causa trazida à apreciação jurisdicional. Para tanto, a atual Lei processual procurou positivar em vários dispositivos legais, os quais serão analisados no transcorrer do presente artigo, meios que possibilitem a aplicação do princípio da primazia do mérito, posto que o magistrado deve primar pela resolução do mérito da demanda, oportunizando a correção de possíveis vícios, aplicando a instrumentalidade das formas do processo, para que se alcance o objeto principal da ação, e, consequentemente, seja solucionado o caso concreto levado a Juízo. Assim, a não análise do mérito passa a ser situação excepcional. Portanto, a presente pesquisa mostra-se de total relevância, haja vista a contemporaneidade do tema proposto, onde o CPC/2015 importou-se sobremaneira com a utilidade final do processo. O esMMelissMeMelis

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tudo do princípio da primazia do mérito, o qual busca a efetividade do Processo Civil; é de extrema utilidade para a comunidade jurídica em geral, pois procura analisar as garantias que estão à disposição das partes para que estas tenham acesso ao referido direito.

2 Breves considerações acerca da evolução do processo Para compreendermos o processo civil que atualmente vivenciamos, é necessário observarmos a paulatina evolução que a teoria do processo vem sofrendo. Destarte, podemos identificar pelo menos três etapas metodológicas basilares, quais sejam: o sincretismo, a autonomia e a instrumentalidade. Inicialmente, o processo era concebido como simples fração de direito privado, assemelhando-se a um negócio jurídico. Nesta fase, denominada de sincretismo processual, o processo era desprovido de qualquer autonomia, sendo entendido apenas como mero procedimento ou conjunto sucessório de atos destinados a permitir a aplicação do direito material desrespeitado. Eis o que diz o professor Luiz Guilherme Marinoni, sobre o ponto: O processo constituía uma série de atos que deveriam ser praticados como consequência da litigiosidade da relação jurídica de direito privado. Melhor: a relação privada, ao se tornar litigiosa, dava origem à necessidade da prática de um a sequência de atos que faziam parte do rito judicial de aplicação do direito material que se tornava litigioso2.

Dessa forma, nesta primeira fase, o processo civil não tinha conceitos próprios ou métodos, onde sequer existia percepção de relação jurídica entre os sujeitos. Assim, o processo chegou a ser confundido como mero procedimento ao ser definido como “suces2  MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Curso de Processo Civil, 2015, p. 423. MMelissMeMelis

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são de atos” ou “modo de exercícios de direitos”. Entretanto, não demorou muito até surgirem questionamentos sobre a concepção de processo inserido no âmbito privado. O sistema processual percorreu uma etapa de formulação de novos conceitos e estruturas bem organizadas, caracterizado pela ruptura dogmática entre o direito material e processual. Nascia, então, o segundo período, conhecido como da autonomia processual. A nova autonomia dada ao processo, com a fragmentação do direito processual ante o direito material, bem como a nova definição do processo como de natureza pública, deve-se, principalmente, aos estudos de Oskar Bülow, que tentou explicar a natureza do processo, criando a conhecida teoria da relação jurídica processual, a qual afirma a existência de uma relação jurídica especial entre as partes do processo, que não pode ser confundida com a relação jurídica da matéria litigiosa, haja vista suas características próprias, como seus sujeitos, seu objeto e seus pressupostos3. Assim, nessa etapa, nasce a ciência do processo, que foi de extrema importância para compreensão do processo, pois define conceitos e estuda diversos fenômenos do direito processual, como, por exemplo, a ação, os pressupostos processuais, as condições da ação etc4. No decorrer do período da autonomia do processo, evidenciou-se que o processo não é um modo de exercício dos direitos (colocado no mesmo plano dos demais modos previstos pelo direito privado), mas o caminho para se obter uma proteção especial por meio do órgão julgador, qual seja, a tutela jurisdicional. As normas do direito processual não têm por objeto os bens da vida (próprios do direito privado), e, sim, os fenômenos que ocorrem na vida do processo (jurisdição, ação, defesa e processo). Acontece que, por se preocupar sobremaneira em separar o 3  DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo, 2009, p. 19. 4  JÚNIOR, Eloy Melo. Estudos contemporâneos sobre o novo CPC, 2016, p. 85. MMelissMeMelis

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direito processual do material, buscando formar uma teoria individual e autônoma, sem conexão com o direito substancial, percebeu-se que a fase da autonomia do processo se distância da real função do processo. Apesar de perceber a autonomia do direito processual, restou-se evidenciada a necessidade de conduzir o processo para resultados substancialmente justos, deixando de lado o excesso do tecnicismo. Surgiu, pois, a terceira fase metodológica, intitulada de instrumental, a qual faz paralelo com movimento neoconstitucionalista. Logo, os processualistas passaram a entender que o processo, embora autônomo, consiste em técnica de pacificação social, razão pela qual não pode se desvincular da ética nem de seus objetivos a serem cumpridos nos planos social, econômico e político (escopos metajurídicos). O direito processual, portanto, deve privilegiar a efetividade e o resultado prático do processo, superando a ideia de formalismo exacerbado. Dessa forma, o instrumentalismo processual tem por objetivo auxiliar na efetividade da prestação jurisdicional, uma vez que o direito processual deve ser mecanismo para concretude do direito material. No cenário atual, percebe-se que a instrumentalidade do processo está diretamente ligada ao neoconstitucionalismo, onde se busca compatibilizar o direito processual com os princípios e normas que emanam da ordem constitucional. Portanto, o direito processual serve como instrumento de efetivação de direitos materiais, servindo à proteção das liberdades, deixando de ser um mecanismo de exclusiva utilização individual para se tornar um meio à disposição do Estado para fazer justiça. Nessa esteira, vale transcrever literalmente os apontamentos feitos pelo professor Fredie Didier Jr. acerca da evolução do processo: A evolução histórica do processo costuma ser dividida em três MMelissMeMelis

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fases históricas: a) praxismo ou sincretismo, em que não havia a distinção entre o processo e o direito material: o processo era estudado apenas em seus aspectos práticos, sem preocupações científicas; b) processualismo, em que se demarcam as fronteiras entre o direito processual e o direito material, com o desenvolvimento científico das categorias processuais; c) instrumentalismo, em que, não obstante se reconheçam as diferenças funcionais entre o direito processual e o direito material, se estabelece entre eles uma relação circular de interdependência: o direito processual concretiza e efetiva o direito material, que confere ao primeiro o seu sentido. Parece mais adequado, porém, considerar a fase atual como uma quarta fase da evolução do direito processual. Não obstante mantidas as conquistas do processualismo e do instrumentalismo, a ciência teve de avançar e avançou. Fala-se, então, de um Neoprocessualismo: o estudo e aplicação do direito processual de acordo com esse novo modelo de repertório teórico5.

Desta forma, a teoria do processo vem sendo gradualmente alterada, agregando as conquistas passadas, mas sempre buscando dar real efetividade ao processo, pois este deve servir de instrumento de pacificação social.

3 Princípio da primazia da decisão de mérito e efetividade processual O Código de Processo Civil de 2015 elegeu, de forma inovadora, o princípio da primazia da decisão de mérito como norma fundamental do sistema processual pátrio. A invocação desse instituto é de extrema importância no cenário jurídico atual, pois reflete o desejo de tornar o processo mais efetivo e útil às partes que buscam uma atividade jurisdicional satisfativa. Por oportuno, revela-se a reflexão feita pelo professor Fredie Didier Jr. no que concerne ao princípio da primazia da decisão de mérito. Vejamos: 5  DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil, 2016. p. 34/35. MMelissMeMelis

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O CPC consagra o princípio da primazia da decisão de mérito. De acordo com esse princípio, deve o órgão julgador priorizar a decisão de mérito, tê-la como objetivo e fazer o possível para que ocorra [...]6.

Assim, observa-se que, em vários dispositivos do diploma processual, pretendeu-se ressaltar o dever de efetividade do processo, haja vista que o magistrado deve, sempre que possível, enfrentar o mérito da demanda. Portando, se for constatado um vício processual e este puder ser corrigido/superado, o órgão julgador deve solucionar o mérito da questão trazida a juízo. Então, o princípio em comento direciona o processo para um resultado mais efetivo, ou seja, o processo deve ser útil para as partes. Por muitas vezes, o processo mostrava-se inútil, pois não se chegava a discutir o mérito da demanda por haver um exacerbado formalismo, levando ao descrédito a atividade jurisdicional. É nesse sentido que o Código de Processo Civil eleva a instrumentalidade das formas a postulado máximo, estimulando a correção ou sanação de vícios, bem como o aproveitamento dos atos processuais, com a colaboração mútua das partes e do juiz para que se viabilize a apreciação do mérito7. Contudo, os postulados em estudo não excluem a necessidade de alguns requisitos para formalização de determinados atos, haja vista que alguns requisitos são essenciais ao próprio ato. Entretanto, os mecanismos trazidos pelo CPC buscam oportunizar o conhecimento do mérito, tornando mais democrática a prolação de uma sentença definitiva. Portanto, o magistrado, ao conduzir a causa, deverá evitar se pautar por interpretações ritualísticas que deem ensejo à inviabi6  DIDIER JR. Fredie. Curso de Direito Processual Civil , 2016, p. 137/188. 7  MORETTI, Deborah Aline Antonucci; COSTA, Yvete Flavio da. O princípio da primazia da decisão de mérito no novo CPC como instrumento de efetividade da jurisdição, 2016, p. 432/432 MMelissMeMelis

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lização da análise do mérito da demanda8. Nesse diapasão, o atual sistema processual, pauta-se pela cooperação de todos os sujeitos envolvidas no processo, fundamento expresso no artigo 6º do citado Código, para que ao final da demanda, superados todos os vícios sanáveis, seja proferida decisão de mérito, conduzindo-se, desta maneira, para um patamar de justiça e efetividade processual. Certamente, a aplicação do princípio da primazia da decisão do mérito, o qual impulsiona o processo rumo à decisão de mérito, empregado conjuntamente com os institutos da cooperação e da instrumentalidade das formas, servirá para dar maior efetividade e utilidade ao processo, produzindo, pois, resultados mais justos.

4 Dispositivos do CPC/2015 que objetivam efetivar o princípio da primazia da decisão de mérito Em análise mais atenta do atual arcabouço processual, podemos observar que o CPC/2015 inseriu vários dispositivos legais que buscam efetivar o princípio da primazia da decisão de mérito. Essas normas têm por objetivo viabilizar a atuação das partes, principalmente, do órgão julgador, para que se alcance a máxima utilidade e efetividade do processo. Primordialmente, o artigo 4º do CPC/2015 reflete de forma inédita o princípio fundamental à solução integrada do mérito. Senão, vejamos: Art. 4º- As partes têm direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa.

Tal postulado exprime três premissas diferentes. A primeira delas codifica o princípio da duração razoável do processo, já consagrado no inciso LXXVIII, do artigo 5º da Carta Magna, entretanto, ainda não estava expressamente positivado no Código de Processo Civil de 1973. 8  DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil, 2016. p. 145. MMelissMeMelis

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Em segundo lugar, a termo “solução integral do mérito” traz o novo princípio da primazia da decisão de mérito, propósito principal do presente trabalho. O princípio da primazia do julgamento do mérito aduz que as regras processuais que regem o processo civil brasileiro devem balizar-se pela preferência, pela prioridade, da resolução da questão de mérito, conduzido o processo para que, ao seu final, seja possível julgar o mérito da demanda9. Por derradeiro, o dispositivo legal em análise assegura a atividade satisfativa, promovendo, então, uma maior efetividade da jurisdição, para que, ao final do processo, a parte consiga um resultado verdadeiramente útil na resolução do caso concreto. Ademais, os princípios extraídos do artigo 4º do CPC/2015, devem ser aplicados em todas as fases e tipos processuais, inclusive em grau recursal, conforme pode ser depreendido de enunciado emitido pelo Fórum Permanente de Processualistas Civis. Observe-se: “O art. 4º tem aplicação em todas as fases e em todos os tipos de procedimento, inclusive em incidentes processuais e na instância recursal, impondo ao órgão jurisdicional viabilizar o saneamento de vícios para examinar o mérito, sempre que seja possível a sua correção.”

Neste sentido, esbarramos em diversos mecanismos que auxiliam a efetivação da resolução do mérito, como, por exemplo, os artigos 6º, 76 e 139, inciso IX, todos do vigente Código Processual, que, em suma, propõem uma cooperação das partes processuais, essencialmente, do magistrado, na qual devem ser oportunizadas as correções dos vícios, para que se possa conhecer o mérito da demanda, e, assim, proferir tutela jurisdicional satisfativa. Outrossim, o § 2° do artigo 282, do CPC/2015, mostra-se regra 9  MORETTI, Deborah Aline Antonucci; COSTA, Yvete Flavio da. O princípio da primazia da decisão de mérito no novo CPC como instrumento de efetividade da jurisdição, 2016, p. 416. MMelissMeMelis

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de extrema importância, pois exprime a vontade do legislador em obter a solução do mérito da lide, uma vez que determina que o juiz ignore os defeitos processuais, se a decisão de mérito não prejudicar aquele que se beneficia com a declaração da nulidade. Cumpre destacar a luzente exemplificação de Alexandre Freitas Câmara, sobre o ponto: Pense-se, por exemplo, o caso em que o juiz observa não ter havido a correta intimação do réu para comparecer em audiência de instrução e julgamento, vicio este que só é percebido quando os autos estão conclusos para sentença. Ora, se o material probatório existente nos autos é suficiente para prolação de uma sentença de improcedência do pedido (pronunciamento de mérito favorável ao réu, que seria favorecido pela decretação da nulidade da audiência a qual não fora regularmente intimado), não há qualquer sentido em anular essa audiência. Deve-se, pois, proferir sentença de mérito, e não anular o ato processual10.

Merece ressalte, também, os seguintes mandamentos do diploma processual pátrio: Art. 317: antes de proferir decisão sem resolução de mérito, o órgão jurisdicional deverá conceder à parte oportunidade, para, se possível, corrigir o vício; Art. 321: antes de indeferir a petição inicial, o juiz deve mandar que a parte autora a emende ou a complete. Art. 485, § 7°: interposto apelação contra sentença que extingue o processo sem exame de mérito, poderá o juiz retratar-se; Art. 488 (enunciado que reitera o disposto no inciso § 2º do artigo 282): sempre que for possível, o juiz deve priorizar a resolução do mérito em detrimento da decisão que não examina. Art. 923. Par. ún: o relator, antes de considerar inadmissível o recurso, concederá prazo de cinco dias ao recorrente, para que seja sanado o defeito. Art. 1.029 ,§ 3°: O Supremo Tribunal Federal ou Superior Tribunal de Justiça poderá desconsiderar vicio formal de recurso 10  CÂMARA, Alexandre Freitas. O princípio da primazia da resolução do mérito e o Novo Código de Processo Civil, 2015, p. 45. MMelissMeMelis

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tempestivo ou determinar sua correção, desde que não o repute grave11.

Destarte, sobeja cristalina que o Código de Processo Civil/2015 forneceu vários mecanismos para aplicação do princípio da primazia da decisão de mérito. Assim, em todas as fases do processo, consoante se observou da dicção dos enunciados, o magistrado deve, sempre que possível, superar os vícios da demanda, com o escopo de resolver o mérito do processo, proferindo, por conseguinte, tutela jurisdicional mais adequada e efetiva. Vale ressaltar, ainda, que o rol de artigos analisado não é taxativo, existindo outros dispositivos na própria lei processual, na Constituição Federal e nas demais legislações extravagantes que endossam a aplicação do presente princípio.

5 Considerações Finais A partir das breves considerações tecidas no bojo do presente estudo, parece ter restado evidenciada a importância do princípio da primazia da decisão de mérito, que tem por objetivo tornar o processo mais célere e efetivo, oferecendo um resultado mais útil às partes ao final da demanda. Em virtude das constantes demandas que eram extintas sem conhecimento do mérito apenas por motivos meramente formais, os quais poderiam ser superados sem lesionar direitos fundamentais das partes, o Código de Processo Civil de 2015 buscou prestigiar a resolução substancial da demanda, proporcionando meios para que o processo se tornasse mais efetivo, isto é, tivesse a capacidade de produzir efeitos válidos e mais úteis às partes que desejam ter assegurados seus direitos. Assim, em decorrência desse instituto, o juiz deverá sempre tentar apreciar o mérito da demanda, viabilizando a correção de ví11  DIDIER JR. Fredie. Curso de Direito Processual Civil I, 2016. p. 137/188. MMelissMeMelis

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cios, para que ao final do processo seja proferida decisão definitiva de mérito. A inutilidade prática do processo acaba por desencorajar a busca pela resolução jurídica da lide. Dessa forma, deve ser aplicado o princípio da instrumentalidade das formas do processo para se pronunciar definitivamente sobre a questão suscitada, ensejando uma atividade jurisdicional satisfativa, de forma a garantir que o processo seja realmente efetivo, ou seja, traga um resultado que não leve a parte a buscar novamente o Judiciário para que o mérito daquela demanda seja apreciado.

6 Referências CÂMARA, Alexandre Freitas. O princípio da primazia da resolução do mérito e o Novo Código de Processo Civil. V 18. N 70. P. 42-50. Rio de Janeiro: EMERJ. 2015. DIDIER JR. Fredie. Curso de Direito Processual Civil I. 18ª ed. Salvador: Juspodivm. 2016. DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 14º ed. São Paulo: Malheiros. 2009. JÚNIOR, Eloy Melo. Estudos contemporâneos sobre o novo CPC. Vol. 1. Recife: nossa livraria. 2016. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Curso de Processo Civil. V. 1. São Paulo: RT, 2015. MORETTI, Deborah Aline Antonucci; COSTA, Yvete Flavio da. O princípio da primazia da decisão de mérito no novo CPC como instrumento de efetividade da jurisdição. V 21. P. 411-441. Fortaleza: Pensar. 2016.

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Inciso IV do art. 139 Civil: surgimento do

do C ódigo de P rocesso inciso e aplicação em alguns casos concretos . Nathally Brandão Lins1

Com o advento do Código de Processo Civil em vigor, apresentaram-se institutos inovadores e que se aproximam aos princípios norteadores da Constituição Federal. Dentre estas inovações fora incluído o inciso IV do art. 139 do CPC/2015, com a seguinte redação: “art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: IV - determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária”, que está inserido em um extenso rol de condutas, que se espera de um magistrado para a direção de um processo. Diante disso, diversos debates surgiram a respeito da aplicação deste novo instituto e dos seus alcances, alguns juristas entendendo que a aplicação do instituto causa arbitrariedade e ferimento dos direitos e garantias do credor e outros juristas entendem pela segurança jurídica, satisfação do crédito e para desmascarar os devedores que agem de má-fé. O inciso é bastante inovador e fornece poderes ao magistrado para determinar o cumprimento das obrigações determinadas nas decisões exaradas processualmente. Por fim, os casos concretos tratados neste artigo trazem as nuances das aplicações do inciso IV do art. 139 do CPC/2015. Palavras-chave: Inciso IV do art. 139 CPC – Casos concretos – Princípios Sumário: 1. Introdução; 2; Princípios Norteadores; 2.1 Princípio da Segurança Jurídica; 2.2 Princípio da Boa-fé; 2.3 Princípio da Motivação das Decisões Judiciais ou Princípio da Fundamentação das Decisões Judiciais; 2.4 Princípio da Cooperação do Juiz; 3. Do surgimento do inciso IV do art.139 do CPC; 4. Da aplicação do inciso IV do artigo 139 do código de processo civil no caso concreto; 5. Conclusões; 6. Referências.

1 Introdução O Código de Processo Civil de 2015 traz o fenômeno do Neoconstitucionalismo, que tem como essência a construção de normas infraconstitucionais compatíveis com o conteúdo, princípios e regras advindas da Constituição Federal do Brasil de 1988, ou seja, tem-se o objetivo de tornar as legislações mais próximas da Magna 1  Advogada cível atuante, formada pela UNINASSAU, Pós-graduanda em Direito Processual Penal, Civil, Trabalhista e Tributário pela UNINASSAU e Pós-graduanda em Direito Processual Civil Contemporâneo pela UFPE. NNathallNaNathalNaNat

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Carta, conforme art. 1º do CPC/15: Art. 1o O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código.

Nesta nuance, o código em vigor trouxe diversos institutos inovadores e que se aproximam aos princípios norteadores da Constituição Federal, inclusive, com a inovação do art. 139, inciso IV do CPC, que se encontra no Capítulo I da lei nº 13.105/15, com o título: Dos poderes, dos deveres e das responsabilidades do juiz, que determina o que se espera da conduta de um magistrado para a direção de um processo. Desta forma, o art. 139 e seus incisos apresentam um extenso rol de condutas. Este rol de condutas já existia no código de 73, sem a figura do inciso IV, mas já havia a presença tanto dos poderes quanto deveres e responsabilidades do magistrado, sendo assim, estas condutas têm como embasamento o princípio do impulso oficial, previsto no art. 2.º do CPC/15, Art. 2o O processo começa por iniciativa da parte e se desenvolve por impulso oficial, salvo as exceções previstas em lei.

Desta forma, o art. 2º do CPC demonstra que o trâmite processual e sua condução serão atribuição do juiz, principalmente com a inovação do inciso IV do art. 139 do CPC com o seguinte fundamento: Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: IV - determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento. de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária.

O instituto do inciso IV do art. 139 traz a figura de medidas coercitivas, indutivas, mandamentais, sub-rogatórias para que seja assegurado o cumprimento do comando judicial, inclusive NNathallNaNathalNaNat

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nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária, como por exemplo, ações de alimentos. O referido inciso é bastante inovador, justamente por fornecer poderes ao magistrado para impulsionar e forçar o devedor de má-fé a cumprir com as obrigações determinadas nas decisões exaradas, com determinações que possuem características como: suspender a carteira nacional de habilitação, bem como o passaporte, efetivar o bloqueio de cartões de crédito, entre outras que se adequem ao caso concreto apresentado ao Juiz dentro do processo. Salienta-se que a aplicação do inciso IV do art. 139 será utilizada de uma forma diversa da obrigação principal, conforme exemplos ora mencionados. Diante dos fatos, diversos debates surgiram a respeito da aplicação desse novo instituto e dos seus alcances, eis que há alguns entendimentos de que atitudes arbitrárias poderiam ocorrer por parte do magistrado, e que a nova previsão legal abre leque para a restrição dos direitos fundamentais, trazendo uma insegurança jurídica para o direito e para o devedor. Ademais há entendimentos de que há ferimento dos direitos e garantias do credor e que a inovação deste inciso vem com o objetivo de buscar a satisfação do crédito do autor, que é um direito deste, e trazer segurança jurídica ao processo e desmascarar os devedores que agem de má-fé. Sendo assim, com a inclusão do inciso IV do art. 139 do CPC, este presente ensaio traz um debate demonstrando aplicações em casos concretos.

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2 Princípios norteadores Princípio da Segurança Jurídica O princípio da segurança jurídica existe para que ocorra a estabilidade nas relações jurídicas existentes no Ordenamento Jurídico Brasileiro. Este princípio não se encontra explícito na Constituição Federal do Brasil, porém, encontra-se, de forma implícita, espalhada em diversos dispositivos do ordenamento jurídico. Esse princípio norteia o inciso IV do art. 139 do Código de Processo Civil, em razão da necessidade do cumprimento das ordens judiciais, tendo como consequência a efetiva segurança jurídica; claramente com o magistrado respeitando a razoabilidade e a proporcionalidade das ações, como por exemplo, coercitivas para o devido cumprimento do comando judicial. Assim, o magistrado para manter a ordem jurídica para o devido cumprimento do comando judicial, utiliza-se o artigo em questão com o fito da garantia jurídica e constitucional, como explica Canotilho2: “[...]A durabilidade e permanência da própria ordem jurídica, da paz jurídicosocial e das situações jurídicas”, sendo que outra ‘garantística jurídico-subjectiva’ dos cidadãos legitima a confiança na permanência das respectivas situações jurídicas.

Desta forma, utilizar o princípio da segurança jurídica para a aplicação do inciso IV do art. 139 do CPC-2015 é também assegurar os direitos e garantias fundamentais do Estado Democrático de Direito, transcendendo as relações jurídicas e externando\impulsionando o cumprimento de uma obrigação satisfativa no processo. Princípio da boa-fé O princípio da boa–fé encontra-se no art. 5º do Código de Processo Civil, explicando que qualquer ato dentro de um processo 2  CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 1998, p. 374 NNathallNaNathalNaNat

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ocorrerá a clareza, transparência, ou seja, de acordo com a boa-fé, veja-se: Art. 5º Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé.

Ou seja, o dispositivo engloba participação e cooperação tanto das partes no processo quanto de todo o Poder Judiciário; sendo assim, cria-se direito e deveres a serem cumpridos por todos os envolvidos nesse princípio. Diante do dispositivo acima, conclui-se sobre a importância desse princípio na aplicação do instituto das medidas coercitivas e outras encontradas no inciso IV do art. 139 do CPC-2015, conforme exemplo jurídico que se pode verificar a seguir. Imagine que há uma ação onde o Autor tem a sua energia cortada pela Ré, tendo aquele pago o sua fatura em data anterior ao vencimento, mas por um erro, a Demandada suspendeu o fornecimento de energia do imóvel. A parte Autora, no seu direito, adentrou com uma tutela antecipada judicialmente, visto que administrativamente o seu pedido de religação não fora atendido. Diante do exposto, o magistrado deferiu o pedido liminar e determinou que a Ré realizasse a religação, esta, mesmo intimada\citada, manteve-se inerte, tendo a parte autora se manifestado aclamando pela aplicação do inciso IV do art. 139 do CPC, com status de medida coercitiva para que o seu pedido liminar fosse atendido. Ante o caso exemplificativo acima, conclui-se que houve a boa-fé da parte autora em requerer o instituto da medida coercitiva, tendo em vista a transparência e demonstração do direito para que ocorra a religação da energia em seu imóvel. Conclui-se então, que o princípio da boa-fé tem uma correlação ao instituto o inciso IV do art.139 do CPC, sendo a sua aplicação perceptível e necessária. NNathallNaNathalNaNat

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Princípio da motivação das decisões judiciais ou princípio da fundamentação das decisões judiciais O princípio da motivação das decisões judiciais encontra-se inserido em vários dispositivos do ordenamento jurídico, bem como expressamente na Constituição Federal do Brasil, dispondo sobre o Estatuto da magistratura, conforme podemos constatar in verbis: “Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios: (...) IX - todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei, se o interesse público o exigir, limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes;”

Nos casos jurídicos apresentados, o magistrado ao decidir pela utilização do inciso IV do art. 139 do CPC, deverá motivar as suas decisões fundamentá-las e estudando cada caso concreto para a atualização deste dispositivo. Ou seja, assim como o Juiz fundamenta e motiva as suas decisões como, por exemplo, na sentença, terá também que motivar a utilização do dispositivo. O ilustre mestre italiano Piero Calamandrei3 entende que: “A fundamentação da sentença é sem dúvida uma grande garantia da justiça quando consegue reproduzir exatamente, como num levantamento topográfico, o itinerário lógico que o juiz percorreu para chegar à sua conclusão, pois se esta é errada, pode facilmente encontrar-se, através dos fundamentos, em que altura do caminho o magistrado se desorientou.”

Apesar de partir-se da premissa de que o Juiz tem discricionariedade em escolher uma interpretação, bem como a técnica para a aplicação no caso em sub judicie, conforme art. 371 do CPC, entende-se que essa liberdade fica limitada no sentido de que é necessário informar no processo qual foi o raciocínio utilizado, veja-se: 3  CALAMANDREI, Piero. Eles, os juízes, vistos por nós, os advogados, 2015, p. 78. NNathallNaNathalNaNat

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Art. 371. O juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento.

Conclui-se então, que este princípio resguarda as decisões do magistrados que têm como fundamentação o inciso IV do art. 139 do CPC, sendo estas motivadas e com base nas diversas provas documentais, orais, entre outras que esclareçam a decisão apresentada. Princípio da cooperação do juiz O inciso IV do art. 139 do CPC tem a sua relação junto ao princípio do art. 6º do CPC, onde consta que haverá cooperação das partes para que obtenha o êxito da decisão de mérito justa e efetiva, senão veja-se: Art. 6º Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.

Ou seja, ao juiz cabe trabalhar com cooperação dentro do processo, atingindo os âmbitos do esclarecimento, no sentido de requerer especificações dos fatos, realizações de diálogos para reconhecimento do contraditório, bem como atuar sempre com prevenção no sentido de advertir as partes e auxiliar a eliminação dos obstáculos. Com base no entendimento de Luiz Guilherme Marinoni4, há necessidade da cooperação nas relações judiciais tanto das partes quanto o juiz, senão veja-se: “encarar o processo civil como uma comunidade de trabalho regida pela ideia de colaboração, portanto, é reconhecer que o juiz tem o dever de cooperar com as partes, a fim de que o processo civil seja capaz de chegar efetivamente a uma decisão justa, fruto de efético ‘dever de engajamento’ do juiz no processo. Longe de aniquilar a autonomia individual e auto-responsabilidade das partes, a colaboração apenas viabiliza que o juiz atue para a obtenção de uma decisão justa com a incrementação 4 

MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de Processo Civil, 2008, p. 112.

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de seus poderes de condução no processo, responsabilizando-o igualmente pelos seus resultados. A colaboração não apaga obviamente o princípio da demanda e as suas consequências básica: o juízo de conveniência a respeito da propositura ou não da ação e a delimitação do mérito da causa continuar tarefas ligadas exclusivamente à conveniência das partes. O processo não é encarado nem como coisa exclusivamente das partes, nem como coisa exclusivamente do juiz – é uma coisa comum ao juiz e às partes (chose commune des parties et du juge)”

Desta forma, o Princípio da Cooperação norteia o inciso IV do art. 139 do CPC, tendo em vista que as partes têm o dever de colaborar entre si, além de cumprir com os comandados judiciais determinados com o fito de que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.

3. Do surgimento do inciso IV do art. 139 do Código de Processo Civil O nascimento do inciso IV do art. 139 do CPC deu-se quando as partes que saíam vitoriosas dos processos e tornavam-se credores, porém por muitas vezes não conseguiam obter a concretização do êxito judicial. Posto, que a parte vencida não cumpre com a obrigação imposta na sentença. A obrigação poderia tratar-se de pagar, fazer, não fazer, entre outros, perpetuando-se assim ao longo do processo judicial e que tinha como consequência o não cumprimento do objeto do direito, que é a dissolução dos problemas litigiosos e a satisfação da parte. Desta forma, o Código de Processo Civil/2015 ao verificar a necessidade para o cumprimento das ordens judiciais, inclusive nas ações que tenham por objeto prestações pecuniárias, por meio de lei, trouxe a inovação, permitindo que o magistrado determine medidas, que podem ser: indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias; necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, conforme disposto do art. 139, inciso IV do CPC: NNathallNaNathalNaNat

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Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: IV - determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária;

Esta nova regra jurídica faz com que o magistrado aplique uma medida bastante diversa da obrigação principal, podendo realizar, por exemplo, a apreensão de Carteira Nacional de Habilitação, bem como do passaporte; efetivar o bloqueio de cartões de crédito entre outros para “forçar” que ocorra o cumprimento do comando judicial contido na sentença e nas decisões no decorrer do processo. Salienta-se que o juiz tem que se basear nos princípios norteadores do direito para a aplicação do dispositivo, tendo em vista que serão impostas medidas diversas da obrigação principal, com o fito de que ocorra o cumprimento forçado pela parte que não efetuou no tempo determinando a sua obrigação. Ante o exposto, para que ocorra a aplicação do instituo do inciso IV do art. 139 do CPC, o magistrado deverá ter como base os princípios da proporcionalidade, a razoabilidade, da adequação ao processo, tendo em vista que cada caso deverá ter a medida indutiva, coercitiva, entre outras de um modo particular e ímpar, respeitando o art. 8º do código de Processo Civil/2015, veja-se: Art. 8o Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência.

Conforme destacado por Marinoni5, é extremamente lícita e permissível a necessidade da atividade executiva para o devido cumprimento por parte de um devedor, para que ocorra de fato a satisfação do direito existente, veja-se: 5 

MARINONI, Luiz Guilherme. Novo Curso de Processo Civil, 2015. p. 74-75.

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“[...] acontece que a sentença que reconhece a existência de um direito, mas não é suficiente para satisfazê-lo, não é capaz de expressar uma prestação jurisdicional efetiva, uma vez que não tutela o direito e, por isso mesmo, não representa uma resposta que permita ao juiz se desincumbir do seu dever perante a sociedade e os direitos. Diante disso, não há dúvida que a tutela jurisdicional só se aperfeiçoa, nesses casos, com a atividade executiva. Portanto, a jurisdição não pode significar mais apenas iuris dictioou dizer o direito como desejavam os juristas que enxergam na atividade de execução uma mera função administrativa ou uma “função menor”. Na verdade, mais do que direito à sentença, o direito de ação, hoje, tem como corolário o direito ao meio executivo adequado”.

Sendo assim, o Código de Processo Civil de 2015 previu a necessidade da obtenção de êxito nas ações que careciam de cumprimento efetivo das obrigações de pagar, fazer, não fazer entre outros, por parte dos devedores e outras situações em que estes se negavam a cumprir aos comandos judiciais, necessitando, então, medidas diversas da obrigação principal para que o objetivo fosse atingido.

4 Da aplicação do inciso IV do art. 139 do Código de Processo Civil no caso concreto Diversas têm sido as indagações a respeito do inciso IV do art. 139 do CPC, posto que alguns doutrinadores arguem que, determinações coercitivas, como, por exemplo, apreensão de Carteira Nacional de Habilitação, do passaporte, ou a efetivação do bloqueio de cartões de crédito, seriam um ataque ao Princípio da Dignidade Humana, ao direito de ir e vir e uma invasão aos princípios individuais. Além disso, alguns doutrinadores têm debatido que o juiz poderia decidir de forma arbitrária e, com certas atitudes, restringir os direitos fundamentais, tornando-se totalmente parcial e autoritarista, trazendo uma insegurança jurídica para o direito. NNathallNaNathalNaNat

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Por outro lado, outros doutrinadores argumentam que ao mesmo tempo em que o devedor não pode ter suas garantias e direitos fundamentais feridos, tampouco o credor pode ter os seus direitos também feridos no sentido de deixar de receber o crédito ou ao cumprimento da obrigação de fazer e não fazer contidos na decisão. Diante de tais fatos, a jurisprudência vem se manifestando a respeito da aplicação do inciso IV do art. 139 do CPC, trazendo esta como um malefício ou um benefício para as partes processualmente, inclusive para a satisfação e finalização do processo. Sendo assim, algumas decisões, no sistema jurídico, trazem a figura desse dispositivo como uma medida excepcional que não se justifica para o caso concreto, como, por exemplo, a decisão do Tribunal de São Paulo abaixo, em que a aplicação do dispositivo do art. 139, inciso VI CPC fora afastada, eis que o entendimento foi de que a medida excepcional não justificaria a sua aplicabilidade no caso concreto, veja-se: Agravo de instrumento – ação de execução de título extrajudicial – pretensão que visa afastar determinação de suspensão para dirigir e de utilização de cartão de crédito – inciso iv, do art 139, cpc – medida excepcional que não se justifica para o caso concreto - responsabilidade patrimonial do devedor – inteligência do art. 789, cpc - decisão afastada – recurso provido. (TJ SP-AI: 2030717682017826000 SP 203071768.2017.8.26.0000, Relator: Paulo Roberto De Santana Data De Julgamento: 23/05/2017, 23ª Camara De Direito Privado, Data De Publicação: 24/05/2017).

Na decisão acima o relator entendeu que tal medida (suspensão para dirigir e de utilização do cartão de crédito) estaria infringindo os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, além de ocorrer a violabilidade do inciso XV do art. 5º da CF/88 e que o devedor apenas tem que responder com os seus bens, conforme art. 789 do CPC/2015: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer NNathallNaNathalNaNat

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natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XV - é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens; Art. 789. O devedor responde com todos os seus bens presentes e futuros para o cumprimento de suas obrigações, salvo as restrições estabelecidas em lei.

Ademais, na visão desse julgador, há fortes limitações na aplicabilidade do dispositivo, principalmente por ferir princípios presentes na Constituição Federal do Brasil, decidindo que a aplicação traria um malefício. Ocorre que, nessa mesma decisão acima, há um voto vencido do Desembargador Sérgio Shimurra, que demonstra, em parte, o benefício na aplicabilidade do dispositivo do inciso IV do art. 139 do CPC ao caso concreto, com base e força no inciso XXXV do art. 5º da CF/88, art. 3º, 4°, 8º e art. 797 do CPC, conforme trechos abaixo6: [...]“a Constituição Federal dispõe que “não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito” (art. 5º, XXXV, CF/88; art. 3º, CPC/2015).”. [...]“se está havendo lesão ao direito do credor, marcadamente quando o devedor nem se digna a justificar a impossibilidade de cumprir a sua obrigação, é dever do juiz resguardar e aplicar o princípio da eficiência e efetividade do processo em prol do interesse do exequente (art. 8º c.c. art. 797, CPC/2015).” [...]“e a efetividade da jurisdição se conjuga com o direito da parte à “razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa” (art. 4º, CPC/2015; art. 5º, LXXVIII, CF/88).” [...]“é certo que a obrigação de pagar quantia certa deve ser cumprida com os bens do devedor (art. 789, CPC/2015; art. 391, 6  TJSP. Agravo de Instrumento: 2030717682017826000. Relator: Min. PAULO ROBERTO DE SANTANA. Dj: 23-05-2017. JusBrasil, 2017. Disponível em: . Acesso em: 18 fev. 2018. NNathallNaNathalNaNat

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Código Civil).” [... ] “No entanto, para forçar e estimular o devedor a pagar, é preciso que se adotem técnicas que atuem diretamente sobre sua vontade, para que cumpra a obrigação original ou principal.”

Desta forma, o Relator diverge em parte da decisão que afastou a aplicação do dispositivo do inciso IV do art. 139 CPC/2015/2015, demonstrando que o devedor deve ser estimulado e forçado por essa inovação, em razão de estar se esquivando de cumprir voluntariamente a obrigação principal e traz à luz, em favor do credor, o princípio que exclui ameaça ou lesão ao direito deste, além de o juiz aplicar o princípio da eficiência e efetividade do processo. Em outra decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo ocorreu a aplicação do inciso IV do art. 139 do CPC, na qual se obteve como embasamento que, após o esgotamento das tentativas da localização dos bens do devedor, incumbe ao juiz determinar todas as medidas indutivas e coercitivas: Execução – medidas executivas atípicas- medidas indutivas coercitivas – bloqueio de cartão de crédito – cabimento – o princípio constitucional da dignidade humana (art. 1º, iii, CF) deve ser analisado tanto da ótica do devedor como do credor – na aplicação do ordenamento jurídico, incumbe ao juiz resguardar a dignidade da pessoa humana, a razoabilidade e a eficiência (art. 8º, CPC/2015) – diante do esgotamento das tentativas de localização de bens do devedor, incumbe ao juiz determinar todas as medidas indutivas e coercitivas que assegurem o cumprimento da ordem. (TJSP; agravo de instrumento 2112371-77.2017.8.26.0000; relator(a): roberto maia; órgão julgador: 20ª câmara de direito privado; foro de piracicaba – 2ª vara cível; data do julgamento: 07/08/2017; data de registro: 11/08/2017)

Com a decisão acima, demonstra-se que o inciso IV do art. 139, no caso concreto, poderá ser aplicado quando a parte utilizar todos os requerimentos e vias ordinárias disponibilizadas ao credor como, por exemplo, o BACENJUD/RENAJUD, entre outros, não NNathallNaNathalNaNat

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sendo estes efetivos, ocasionando então a não satisfação do crédito, porque claramente o devedor, de forma ardilosa, pratica manobras para não cumprir com a obrigação principal. Ou seja, o instituto visivelmente poderá ser utilizado quando todas as vias cabíveis para o recebimento do crédito não forem satisfativas e o devedor, mesmo tendo ciência da situação, ocultar bens ou agir de má-fé para que não ocorra o recebimento por parte do credor. As decisões jurisprudenciais contêm bastante cautela dos magistrados, conforme acórdão acima, em que os julgadores utilizaram-se da cautela para aplicar o inciso IV do art. 139 do CPC, ou seja, conclui-se que a jurisprudência vem entendendo pela análise de cada caso concreto para a aplicação do artigo, demonstrando uma preocupação com a segurança jurídica das partes, bem como a transparência das decisões.

5 Conclusão O Código de Processo Civil de 2015, com o título Dos poderes, dos deveres e das responsabilidades do juiz, determina o que se espera da conduta do magistrado para a direção de um processo, com a novidade do inciso IV do CPC, bem como os demais incisos do art. 139, há o extenso rol de condutas. Sendo assim, o instituto do inciso IV do art. 139 do CPC fora uma inovação no Código de Processo Civil de 2015 e com ele trouxe, em favor das partes, assim como para o processo, a aplicação dos princípios da segurança jurídica, da razoabilidade e da proporcionalidade, além de atingir a celeridade processual. Baseando-se nas decisões apresentadas nesse artigo, percebe-se a cautela que vem sendo apresentada pelos magistrados, bem como do estudo realizado para aplicação e manejo processual do NNathallNaNathalNaNat

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Juízo, porém, ainda há relutância para a aplicação do instituto, com bastante precaução e em algumas decisões os magistrados entendem que são medidas excepcionais as quais não se justifica para o caso concreto. Observa-se que o inciso é bastante inovador e fornece poderes ao magistrado para determinar o cumprimento das obrigações determinadas nas decisões exaradas pelo douto magistrado. Ademais, não havendo como prever circunstâncias de determinado processo judicial, o magistrado terá que fazer uma análise profunda e minuciosa do caso concreto, ademais, as partes em colaboração podem motivar e embasar o pedido do inciso IV do art. 139 do CPC, demonstrando que a sua aplicação irá efetivamente assegurar o cumprimento de ordem judicial. Desta forma, percebe-se que a sua aplicação será em cada caso específico surgindo nas relações judiciais e da sua importância em cada aspecto. Conclui-se, então, que para cada caso concreto será estudada a aplicação do dispositivo, respeitando os princípios norteadores do Direito Processual Civil e da Constituição Federal de 1988.

6 Referências

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 2. ed. Coimbra: Almedina, 1998. CALAMANDREI, Piero. Eles, os juízes, vistos por nós, os advogados. São Paulo: Clássica Editora, 2015. DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil; 14ª ed. Salvador: JusPODIVM, 2015. MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil: teoria geral do processo. São Paulo: RT, 2008. MARINONI, Luiz Guilherme. Novo Curso de Processo Civil. São Paulo: Ed. RT. 2015.

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Princípios O rientadores do D ireito processual Civil: instrumentos utilizados para a prestação da efetiva tutela de mérito

Paulo Santana1

O presente artigo destina-se à análise dos principais princípios presentes no direito processual civil contemporâneo, que têm por finalidade uma prestação jurisdicional de qualidade, prestação essa que deve se pautar incessantemente e indubitavelmente na busca pela efetividade da jurisdição, que pressupõe: de um lado, a duração razoável do processo, pois como é de conhecimento, toda justiça lenta é injusta, todavia nem toda justiça rápida pode ser classificada como justa; e do outro, a maior proximidade do direito material no caso concreto (tutela de mérito). Faz-se esse estudo mencionando os principais princípios previstos no CPC/2015, entre eles, o da razoável duração do processo, o da inafastabilidade da jurisdição, o da cooperação e o da primazia do julgamento de mérito. A pesquisa analisa posicionamentos adotados pelos doutrinadores e especialistas, como também, os precedentes jurisprudenciais, a fim de obter o entendimento se foi proveitoso ou não o sistema principiológico adotado pelo CPC de 2015. Para que essa atividade seja desenvolvida de forma satisfativa, o estado-juiz deverá trilhar um caminho buscando aplicar o conjunto normativo de forma harmônica e observando as particularidades do caso concreto. Palavras-Chave: Princípios Orientadores – Processo Civil – Tutela de Mérito Sumário: 1. Introdução; 2. Valorização do Processo Principiológico; 3. Acesso à Justiça; 4. Contraditório dinâmico; 5. Celeridade Processual e Primazia do Julgamento do Mérito; 6. Conclusão; 7. Referências.

1 Introdução O Direito Processual Civil, assim como qualquer outro ramo do direito, depende de uma compreensão histórica, isto é, de uma análise do percurso histórico ocorrido pela figura do Estado para que se possa entender como vai dar-se a atuação estatal. Primordialmente, quando se tratava de Direito Processual era inexistente a figura do Estado, pois a resolução dos conflitos acontecia exclusivamente pela autotutela, ou seja, pela vingança privada. Diante 1  Bacharel em Direito pela Faculdade do Recife. Pós-graduando em Processo Civil Contemporâneo pela UFPE e em Direito Público pela UniNassau. PPaulPaPaulo

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disso cada pessoa resolvia seu conflito de forma isolada, sem que houvesse a mínima intervenção do Estado, pois este não estava preocupado com os conflitos privados de cada cidadão. Desse modo, não havia qualquer interesse do Estado em resolver estes problemas, cada pessoa ficava responsável para resolver seus próprios conflitos, o que ocasionava a prevalência do mais forte. Assevera Cintra, Grinover e Dinamarco (1999, p. 27) Nas fases primitivas da civilização dos povos, inexistia um estado suficientemente forte para superar os ímpetos individualistas dos homens e impor o direito acima da vontade das partes: por isso, não só existia um órgão estatal que, com soberania e autoridade, garantisse o cumprimento do direito, como ainda não havia sequer as leis (normas gerais e abstratas impostas pelo estado aos particulares). Assim, quem pretendesse alguma coisa que outrem o impedisse de obter haveria de, com sua própria força e na medida dela, tratar de conseguir, por si mesmo, a satisfação de sua pretensão.

Aos poucos, o Estado foi chamando para si essa figura arbitral, através da resolução dos conflitos, ou seja, pelo monopólio da jurisdição. A princípio, quando o Estado toma para si a função jurisdicional tem-se a figura do Estado liberal, isto é, ele vai assumindo aos poucos a função jurisdicional sem muito interesse de resolver os conflitos, de modo a tornar-se, conforme a expressão de Montesquieu, a boca da lei. O Estado é meramente responsável por ouvir os conflitos e aplicar a norma, pois não atua de forma criativa, proativa; ele não é um protagonista no processo jurisdicional, uma vez que, os “atores” nesse primeiro momento são as partes e os advogados. Posteriormente, na perspectiva de um Estado social, percebeu-se que o liberalismo jurídico ocasionou uma grande desigualdade social, visto que não permite que todos os jurisdicionados possam defender seus próprios direitos. Sendo assim, surge um Estado com a função de pacificar os conflitos, de trazer justiça e paz social. Neste diapasão, o Estado passou a assumir o protagonismo jurisdicional. PPaulPaPaulo

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Na lição de Cintra, Grinover e Dinamarco (1999, p. 31) [...] hoje, prevalecendo as idéias de Estado Social, em que ao Estado se reconhece a função de promover a plena realização dos valores humanos, isso deve servir, de um lado, para por em destaque a função jurisdicional pacificadora como fator de eliminação dos conflitos que afligem as pessoas e lhes trazem angústia; de outro, para advertir os encarregados do sistema, quanto à necessidade de fazer do processo um meio efetivo para a realização da justiça. Afirma-se que o objetivo-síntese do estado contemporâneo é o bem comum e, quando se passa ao estudo da jurisdição, é licito dizer que a projeção particularizada do bem comum nessa área é a pacificação com justiça.

Finalmente, chega-se ao Estado Democrático de Direito, quando há a superação do Estados liberal e social. Assim, o Estado passa a se preocupar com o devido processo legal, em outras palavras, um processo com as previsões constitucionais e legislativas, com observância do contraditório, da ampla defesa e com a efetiva participação das partes, e por fim, com a possibilidade de fiscalização por parte do povo, da atividade estatal. O atual Código de Processo Civil, Lei 13.105, de 16 de março de 2015, foi construído numa perspectiva de harmonização da lei processual com o texto constitucional, conforme se constata em seu art. 1°, que disciplina: “O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código”. Com esse olhar, o CPC/2015 buscou compatibilizar o processo com o Estado Democrático de Direito e ampliou o poder de participação das partes nas decisões jurisdicionais, inclusive permitindo a participação de terceiros como se verifica com a possibilidade de participação da figura do “Amicus Curiae2” prevista no art. 138 do Código de Processo Civil de 2015. O Diploma buscou uma ampla participação das partes, o efetivo processo legal, o contraditório, a 2  Amicus Curiae é uma expressão em latim que significa amigo da corte. Empregada para nomear instituições cuja finalidade é promover esclarecimentos no âmbito técnico com objetivo de subsidiar a decisão jurisdicional. PPaulPaPaulo

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ampla defesa, a primazia do julgamento do mérito, com a finalidade de atingir a eficaz e célere atividade satisfativa.

2 Valorização do Processo Princípiológico Os princípios processuais são mecanismos indispensáveis para a compreensão do processo, essenciais para o direcionamento da atividade jurisdicional. Esses elementos, não só no âmbito processual, como também em todo âmbito jurídico, possuem três funções, quais sejam: informativa, interpretativa e normativa. A função informativa tem relação com o auxílio dos princípios para esclarecer as ideias do legislador na hora da construção legislativa. A função Interpretativa, por sua vez, serve para o aplicador do direito interpretar a legislação, interpretar o direito. Já a função normativa servirá para todas as partes, interessados e também aos julgadores como norma, já que possuem o status de norma jurídica. Ao apreciar-se o art. 1° do Código de Processo Civil de 2015, é possível compreender que este diploma deve ser interpretado e aplicado em consonância com os valores e normas fundamentais previstas na carta constitucional, tais como o devido processo legal, a inafastabilidade do controle jurisdicional3, a efetividade, o contraditório e a ampla defesa, a isonomia, o juiz natural, a motivação das decisões judiciais, a publicidade processual, entre outros. É de conhecimento de toda comunidade jurídica que não só o CPC/2015, no que se refere a sua aplicação, como também qualquer normativo infraconstitucional, indubitavelmente, deve observância ao comando da Constituição Federal. Conforme menciona Neves (2016, p.1 e 2) Ainda que se possa elogiar o dispositivo legal por consagrar expressamente a força normativa do texto constitucional, o seu conteúdo não traz qualquer novidade ou mesmo inovação. Tra3  Trata-se de um princípio que tem por objetivo assegurar ao cidadão quando em um conflito de interesses obter sua resolução por meio do estado juiz. PPaulPaPaulo

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ta-se, insista-se, do óbvio, inclusive não sendo exclusividade da norma processual a exigência de que sejam construídas e interpretadas de acordo com a constituição federal, sendo essa uma realidade aplicável para qualquer espécie de norma legal.

Dessa forma, princípios constitucionais foram incorporados expressamente ao CPC/2015 com a finalidade de demonstrar a harmonia com o texto constitucional e o art. 1° da respectiva norma exige que as dúvidas interpretativas sejam resolvidas a favor da otimização dos valores e das normas fundamentais previstas no texto constitucional.

3 Acesso à Justiça O caput do art. 3° do CPC/2015 nos traz a seguinte redação: “Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito”. O chamado princípio da inafastabilidade da jurisdição, também conhecido como princípio do acesso à justiça ou da ubiquidade, remete à ideia de que o Poder Judiciário apreciará a lesão ou ameaça à direito. O Estado tem o dever de responder ao jurisdicionado, proferindo uma decisão, mesmo que negativa. Além disso, a garantia de recorrer à defesa estatal abrange duas perspectivas: 1) quando houver lesões já ocorridas, de modo que aquele que se sentir lesado poderá buscar reparação à violação perante o Poder Judiciário; 2) quando se verificar ameaça de lesão, podendo o cidadão buscar proteção jurisdicional a fim de evitar que haja lesão a direito. O princípio da indeclinabilidade ou inafastabilidade revela à garantia que a parte tem de pleitear, junto ao Poder Judiciário, uma determinada demanda e, além disso, de vê-la analisada. Assim, uma vez que o órgão jurisdicional competente for acionado para resolver determinado conflito não poderá se abster de julgar alegando lacuna na legislação. Nesta senda, uma vez visualizada a falta de norma abstrata e geral poderá o interprete incumbido da atividade jurisdicional se utiliPPaulPaPaulo

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zar de fontes alternativas, como por exemplo, a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito (DONIZETTI, 2016). Vale salientar que, como toda regra, essa também comporta exceções, como exemplo, podemos visualizar a figura de mecanismos de resolução consensual dos conflitos como a conciliação. Além disso, em razão da exagerada quantidade de demandas judiciais e com o objetivo de regulamentar o ingresso das partes no processo, é possível condicionar o acesso à jurisdição a prévio exaurimento da via administrativa. Nesse sentido, contempla-se a jurisprudência do STF, com relação aos requisitos necessários para a concessão de benefício previdenciário: “RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO E INTERESSE EM AGIR.1. A instituição de condições para o regular exercício do direito de ação é compatível com o art. 5º, XXXV, da Constituição. Para se caracterizar a presença de interesse em agir, é preciso haver necessidade de ir a juízo.2. A concessão de benefícios previdenciários depende de requerimento do interessado, não se caracterizando ameaça ou lesão a direito antes de sua apreciação e indeferimento pelo INSS, ou se excedido o prazo legal para sua análise. É bem de ver, no entanto, que a exigência de prévio requerimento não se confunde com o exaurimento das vias administrativas.3. A exigência de prévio requerimento administrativo não deve prevalecer quando o entendimento da Administração for notória e reiteradamente contrário à postulação do segurado.4. Na hipótese de pretensão de revisão, restabelecimento ou manutenção de benefício anteriormente concedido, considerando que o INSS tem o dever legal de conceder a prestação mais vantajosa possível, o pedido poderá ser formulado diretamente em juízo – salvo se depender da análise de matéria de fato ainda não levada ao conhecimento da Administração –, uma vez que, nesses casos, a conduta do INSS já configura o não acolhimento ao menos tácito da pretensão. [...]” (RE 631.240/ MG, Rel. Min. Luiz Roberto Barroso, j. 03.09.2014).

No que se refere aos mecanismos alternativos de solução de conflitos, parece contraditório falar em inafastabilidade da jurisdição. No entanto, a jurisdição é inafastável, portanto, é um direito do cidadão e PPaulPaPaulo

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um dever do Estado. Contudo, a jurisdição não é monopólio do órgão estatal. Os cidadãos podem e o ordenamento jurídico os incentivam na busca de instrumentos para resolução de seus conflitos.

4. Contraditório Dinâmico (princípios da cooperação e da boa-fé Processual) O princípio do contraditório está previsto no inciso LV do art. 5° da Constituição Federal, segundo o qual “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. O CPC de 2015 foi construído com o objetivo de que o processo se estabeleça como um elemento democrático de dimensionamento dos conflitos, ou seja, de forma cooperativa. Não se trata aqui de uma mera abertura para a participação das partes (contraditório em sua dimensão formal). Garante-se que as partes possam influenciar de maneira adequada o magistrado na solução de determinada lide (contraditório em sua dimensão material). Assim, em regra, o juiz não pode decidir nenhuma questão a respeito da qual não se tenha dado a oportunidade de a parte se manifestar, conforme prevê o caput do art. 9° do CPC, vejamos: “Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida”. Discorrendo sobre esse assunto, leciona Neves (2016, p. 22) Diante do exposto, não é feliz a redação do art. 9°, caput, do novo CPC, ao prever que o juiz não proferirá decisão contra uma das partes sem que esta seja previamente ouvida. Na realidade, não há qualquer ofensa em decidir sem que a outra parte tenha sido ouvida, já que a manifestação dela é um ônus processual. A única compreensão possível do dispositivo legal é de que a decisão não será proferida antes de intimada a parte contraria e concedida a ela uma oportunidade de manifestação. Afinal, a circunstância de poder ser ouvida, que não se confunde com efetivamente ser ouvida, já é o suficiente para se respeitar o princípio do contraPPaulPaPaulo

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ditório.

Conforme o explicitado, é possível verificar o dever de consulta do magistrado com previsão no art. 10, vejamos: “O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício”. Esse dever é, na realidade, uma ramificação, um consectário, do princípio do contraditório. Assim, o dispositivo prevê que o juiz, antes de decidir algo, deve conceder às partes oportunidade para se manifestar, mesmo que constitua um tema que deva ser decidido de ofício. É uma forma de o juiz possibilitar que as partes possam influenciar na decisão que será tomada, concretizando o princípio do contraditório e evitando decisões surpresas no curso do processo. Existem, contudo, exceções. O parágrafo único menciona que o disposto no caput não se aplica nas hipóteses de tutela provisória de urgência, nas hipóteses da tutela de evidência e no caso de evidencia do direito do autor da ação monitória, pois a prolação de decisões inaudita altera parte, por meio da técnica do contraditório postergado4 (ulterior) constitui uma exceção à regra. Trata-se de uma mudança de paradigma na aplicação do Direito, isto é, o novo modelo processual constitui-se em uma comunidade de trabalho, conforme prevê o art. 6° do CPC que diz: “Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”. Segundo Donizetti (2016, p. 42) “o dever de cooperação estaria voltado eminentemente para o magistrado, de modo a orientar sua atuação como agente colaborador do processo, inclusive como participante ativo do contraditório, não mais se limitando a mero fiscal de regras. Entretanto, não somente o juiz deve colaborar para a tutela efetiva, 4  Trata-se de garantia de defesa dada a parte em uma relação processual sendo posterior a uma medida cautelar deferida pelo juiz. PPaulPaPaulo

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célere e adequada. Todos aqueles que atuam no processo (juiz, partes, oficial de justiça, advogados, ministério público etc.) tem o dever de colaborar para que a prestação jurisdicional seja concretizada da forma que prescreve a carta de 1998. Nesse sentido, o CPC/2015 estabelece que “todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”.

O princípio da cooperação postula por um equilíbrio, sem preponderância das partes ou do magistrado (código policêntrico). Na realidade, todos os envolvidos no processo (partes, juiz, testemunhas, peritos, servidores, advogados) devem atuar de forma cooperativa, em respeito às regras de lealdade. Nesse aspecto, podemos afirmar que o princípio da cooperação se aproxima do princípio da boa-fé objetiva. Desse modo, ao se falar em cooperação não se pretende que autor e réu se ajudem mutuamente, o que é impossível, mas que ambos atuem com observância aos deveres de boa-fé prevista no art. 5° do CPC/2015 que dispõe: “Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé”. Sobre essa boa-fé processual vejamos a jurisprudência temática: Processual Civil. Tempestividade Da Apelação. Suspensão Do Processo. Homologação Antes De Ser Publicada A Decisão Recorrida. Impossibilidade Da Prática De Ato Enquanto Paralisada A Marchaprocessual. Hipótese Que Não Se Confunde Com A Alegada Modificação De Prazo Peremptório. Boa-Fé Do Jurisdicionado. Segurança Jurídica E Devido Processo Legal. Nemo Potest Venire Contra Factum Proprium. 1. O objeto do presente recurso é o juízo negativo de admissibilidade da Apelação proferido pelo Tribunal de Justiça, que admitiu o início da contagem de prazo recursal de decisão publicada enquanto o processo se encontra suspenso, por expressa homologação do juízo de 1º grau. 2. Cuida-se, na origem, de Ação Declaratória ajuizada pela recorrente contra o Município de Porto Alegre, tendo como objetivo a declaração de nulidade de processo administrativo que culminou na aplicação de penalidades pela instalação irregular de duas Estações Rádio Base (ERBs) naquela municipalidade. 3. O Tribunal a quo não conheceu da Apelação da ora recorrente, porquanto concluiu PPaulPaPaulo

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que se trata de recurso intempestivo, sob o fundamento de que a suspensão do processo teria provocado indevida modificação de prazo recursal peremptório. 4. Com base nos fatos delineados no acórdão recorrido, tem-se que: a) após a interposição dos Embargos de Declaração contra a sentença de mérito, as partes convencionaram a suspensão do processo pelo prazo de 90 (noventa) dias; b) o juízo de 1º grau homologou a convenção em 12.9.2007 (fl. 343, e-STJ); c) posteriormente, em 2.10.2007, foi publicada a sentença dos aclaratórios; d) a Apelação foi interposta em 7.1.2008. 5. Antes mesmo de publicada a sentença contra a qual foi interposta a Apelação, o juízo de 1º grau já havia homologado requerimento de suspensão do processo pelo prazo de 90 (noventa) dias, situação em que se encontrava o feito naquele momento, conforme autorizado pelo art. 265, II, § 3º, do CPC. 6. Não se trata, portanto, de indevida alteração de prazo peremptório (art. 182 do CPC). A convenção não teve como objeto o prazo para a interposição da Apelação, tampouco este já se encontrava em curso quando requerida e homologada a suspensão do processo. 7. Nessa situação, o art. 266 do CPC veda a prática de qualquer ato processual, com a ressalva dos urgentes a fim de evitar dano irreparável. A lei processual não permite, desse modo, que seja publicada decisão durante a suspensão do feito, não se podendo cogitar, por conseguinte, do início da contagem do prazo recursal enquanto paralisada a marcha do processo. 8. É imperiosa a proteção da boa-fé objetiva das partes da relação jurídico-processual, em atenção aos princípios da segurança jurídica, do devido processo legal e seus corolários – princípios da confiança e da não surpresa - valores muito caros ao nosso ordenamento jurídico. 9. Ao homologar a convenção pela suspensão do processo, o Poder Judiciário criou nos jurisdicionados a legítima expectativa de que o processo só voltaria a tramitar após o termo final do prazo convencionado. Por óbvio, não se pode admitir que, logo em seguida, seja praticado ato processual de ofício - publicação de decisão - e, ademais, considerá-lo como termo inicial do prazo recursal. 10. Está caracterizada a prática de atos contraditórios justamente pelo sujeito da relação processual responsável por conduzir o procedimento com vistas à concretização do princípio do devido processo legal. Assim agindo, o Poder Judiciário feriu a máxima nemo potest venire contra factum proprium, reconhecidamente aplicável no âmbito processual. Precedentes do STJ. 11. Recurso Especial provido. (STJ - REsp: 1306463 RS 2011/0227199-6, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 04/09/2012, T2 SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 11/09/2012). PPaulPaPaulo

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Observa-se, através da jurisprudência supracitada, que não apenas as partes devem se comportar de acordo com a boa-fé, mas também o magistrado, vedando assim o comportamento contraditório (conforme o enunciado 375 do FPPC, “O órgão jurisdicional também deve comportar-se de acordo com a boa-fé objetiva”). Portanto, o princípio da boa-fé objetiva processual é uma cláusula geral que impõe que as partes, como o Juiz, o perito, o advogado, a testemunha, observem durante todo o processo, seguindo os padrões éticos de conduta.

5 Celeridade Processual e Primazia do Julgamento do Mérito O maior desejo daquele que busca a atividade jurisdicional nada mais é que a resolução de um conflito de interesses da forma mais ágil e efetiva possível. A CF/88 em seu art. 5°, inciso LXXVIII prevê: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”, explicitando, assim, o “princípio da razoável duração do processo”. Nesse prisma, o CPC preocupou-se com essa aspiração dos usuários e construiu o art. 4° que traz a seguinte redação: “As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa”. O dispositivo citado é fonte do princípio da razoável duração do processo e do princípio da primazia do julgamento do mérito. Vejamos a jurisprudência sobre o tema: Recurso De Apelação. Inexistência De Defeito De Representação. Substabelecimento Com Assinatura Digitalizada. 1. Não há falar em defeito de representação quando o recurso de apelação possui assinatura do advogado substabelecido. 2. Em razão da primazia da decisão de mérito, norma fundamental que passa a orientar o sistema processual brasileiro, deve o PPaulPaPaulo

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magistrado assegurar a correção do vício de forma pela parte antes de inadmitir qualquer recurso. 3. Recurso conhecido e provido. Maioria. (TJ-MA - AGR: 0615312015 MA 000093616.2013.8.10.0034, Relator: MARCELINO CHAVES EVERTON, Data de Julgamento: 15/03/2016, QUARTA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 22/03/2016).

Tem-se que ao princípio da primazia do julgamento do mérito decorre de um dos deveres previstos pelo princípio da cooperação inscrito no art. 6° do hodierno processo civil, qual seja, o dever de prevenção. Sendo assim, o juiz deve apontar as deficiências no que for postulado pelas partes facilitando para que possam ser supridas. Segundo Neves (2016, p. 11) pelas óbvias razões apresentadas, cabe ao juiz fazer o possível para evitar a necessidade de prolatar uma sentença terminativa no caso concreto, buscando com todo o esforço chegar a um julgamento do mérito. Essa é uma realidade incontestável, e bem representada pelo art. 282, § 2°, do novo CPC ao prever que o juiz, sempre que puder decidir o mérito a favor da parte a quem aproveite a declaração de nulidade, deve ignorar o vício formal e proferir decisão de mérito. É a prevalência do julgamento de mérito aliada ao princípio da instrumentalidade das formas.

Entende-se que o juiz vai conduzir o processo buscando a solução integral do mérito e, para tanto, ele deve observar o contraditório, de modo a permitir que o ato processual seja aperfeiçoado. Isto é, ele não julgará sem resolução do mérito sem antes dar oportunidade a parte de regularizar o ato processual. Nessa linha de pensamento, pode, ainda, o juiz desconsiderar uma nulidade quando for decidir a favor daquele que seria beneficiado, se a nulidade fosse reconhecida. Convém mencionar que a primazia do julgamento de mérito também tem como objetivo combater a famigerada jurisprudência defensiva, que são mecanismos criados pelos Tribunais com o intuito de não examinarem o mérito do recurso, como, a exemplo, a Súmula 115 do PPaulPaPaulo

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STJ, vejamos: “Na instancia especial é inexistente recurso interposto por advogado sem procuração nos autos”. É de grande valia ainda destacar, conforme o Enunciado 372 do FPPC, que o art. °4 em comento deve ser aplicado em todas as fases do processo e em todos os tipos de procedimento, inclusive em incidentes processuais e na esfera recursal, compelindo o órgão jurisdicional a facilitar o saneamento de vícios para examinar o mérito, sempre que seja possível a sua correção.

6 Conclusão A Constituição Federal é o centro da estrutura hierárquica do nosso ordenamento jurídico, de modo que, todas as demais normas que compõem ramos jurídicos específicos passam pelo filtro constitucional. Naturalmente, o Direito Processual Civil deve ser construído a partir dos valores e preceitos constitucionais. É necessário, portanto, estabelecer um diálogo interdisciplinar com a Constituição. A constituição fixa um modelo processual, o qual é desenvolvido pelas leis processuais. Assim o que for de encontro com a carta constitucional é inconstitucional. O Código de Processo Civil traz em seu capítulo introdutório as denominadas normas fundamentais do processo civil. O legislador pretendeu reunir, nos primeiros artigos, as regras e os princípios que orientam toda codificação. Embora não se confundam com as regras, os princípios possuem força cogente, possuem caráter vinculativo e podem servir como único fundamento para justificar uma decisão judicial. Ao contrário do que tínhamos há duas décadas, hoje, majoritariamente, tanto na doutrina e jurisprudência, como também na legislação, os princípios não são apenas considerados vetores interpretativos, são considerados como normas. Conclui-se que o legislador infraconstitucional buscou harmoniPPaulPaPaulo

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zar o Código de Processo Civil com a Carta da República e introduziu em seu texto princípios que irão orientar toda atividade jurisdicional do Estado, dentre eles, o da inafastabilidade da jurisdição, acesso à justiça, contraditório, cooperação, boa-fé, razoável duração do processo e primazia do julgamento de mérito. Esses princípios vinculam o poder judiciário no que tange à sua atividade típica de julgar e têm como objetivo, sempre que possível, a busca pela primazia do julgamento do mérito.

7 Referências CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DIMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 25. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1999. DONIZETTI, Elpídio. Curso Didático de Direito Processual Civil. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2016. NEVES, Daniel Amorim Assumpção (Ed.). Novo Código de Processo Civil Comentado. Salvador: Juspodivm, 2016.

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A constitucionalização do C ódigo de P rocesso Civil de 2015 através da incorporação dos

princípios e normas fundamentais e seu impacto para o novo modelo processual Paulo Roberto de Macêdo Brandão1

Esta publicação tem por desígnio analisar os objetivos do Código de Processo Civil de 2015 a partir do exame histórico da evolução do direito processual civil brasileiro, da incorporação dos princípios e normas fundamentais e seu impacto para o novo modelo processual. Tendo em vista a constitucionalização do processo, com a reconstrução do pensamento processualista, a fim de apontar a necessidade de uma alteração qualitativa e consciente na interpretação e na aplicação da legislação processual civil, necessitando acompanhar a sociedade, modernizando-se e evoluindo de acordo com as necessidades sociais, políticas, culturais e dos instrumentos à disposição para sua efetivação. Palavras-chave: Constitucionalização – Princípios e Normas - Código de Processo Civil Sumário: 1. Introdução; 2. Breves considerações sobre a evolução do processo civil brasileiro; 3. A constitucionalização do Código de Processo Civil de 2015 através da incorporação dos princípios e normas fundamentais e seu impacto para o novo modelo processual; 4. Conclusão; 5. Referências.

1 Introdução Muito embora a recepção de princípios no âmbito do processo civil seja tratada como uma novidade legislativa, desde os primórdios do Código de 1973, já se era possível vislumbrá-los ao longo dos seus dispositivos. Com o advento da Lei 13.105/2015, Código de Processo Civil, que passou a regulamentar a matéria processual, os princípios ganharam maior notoriedade, sobretudo, aqueles oriundos da Carta Constitucional, cuja reprodução na lei ordinária reforçou a importância e validade do instituto no mundo jurídico. 1  Advogado, Bacharel em Direito pelo Grupo Ser Educacional, Pós graduando em Direito Imobiliário pela EPD – Escola Paulista de Direito; Pós-graduando em Processo Civil Contemporâneo pela UFPE. PPaulPaPaulo PPaPaPauloPaPaulo

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Isso porque, o sistema legislativo é dotado de inúmeras lacunas, fato que, muitas vezes, dificulta a tarefa do julgador que, por outro lado, encontra nos princípios o caminho para granjear o mérito e satisfazer o direito das partes. Contudo, a finalidade do processo não se limita ao regozijo do mérito. Muito pelo contrário! O processo, em termos gerais, deve ser visto como uma trajetória para a solução de um conflito, onde as partes possuam paridade de armas e se mantenham em pé de igualdade perante a autoridade judicial, no que tange ao tratamento e aos meios de galgar o seu direito. Além de todas essas benesses proporcionadas pela aplicação dos princípios, há de se ressaltar também, que, a introdução deles no plano do direito processual, sem dúvida, foi a de exaltar a força normativa da Constituição e a necessidade de se garantir a efetividade dos direitos fundamentais ali esposados, conquanto, na concepção de alguns doutrinadores, essa reiteração legal seja desnecessária, já que as normas constitucionais são de respeito obrigatório erga omnes. Em contrapartida, há os que acreditam que, mesmo com os esforços do legislador em repisar os princípios constitucionais na conjuntura do atual Código de Processo Civil, ainda assim, não será suficiente para se culminar o fim que se almeja, qual seja, a concretização dos direitos fundamentais dentro do processo, tendo em vista a dificuldade para se abandonar decrépitas práticas errôneas e exageradas que sempre resultaram em pontos negativos para as partes e para o processo. Diante disso, o presente artigo tem a finalidade de averiguar a supremacia da Constituição frente a norma processual civil, e como a introdução de princípios constitucionais em seu contexto impactará o novo modelo processual, sobretudo, para às garantias processuais e a materialização do direito. PPaulPaPaulo PPaPaPauloPaPaulo

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2 Breves considerações sobre a evolução do Processo Civil brasileiro Inegável que toda relação humana esteja vulnerável a gerar interesses antagônicos que, muitas vezes, pode desencadear uma contenda. Mas também, é indiscutível que a sociedade evolui constantemente, e com isso, faz surgir a necessidade de se idealizar novos meios de resolução desses conflitos. Um dos mais famosos meios de exercício do direito na história foi a autotutela, marcado pelo direito natural e onde os indivíduos faziam justiça pelas próprias mãos, posteriormente substituído pelo Positivismo, ou seja, pela atuação do Estado-juiz que agia como um terceiro imparcial, substituindo a vontade das partes, na prestação da tutela jurisdicional. E é através de um conjunto de atos integrados, direcionados, segundo uma ordem, um modo e um tempo predeterminados, denominado de Processo, que o Estado-juiz proporciona a satisfação do direito material das partes. Também, é a partir daí que o processo abandona aquela concepção privatista, oriunda do direito civil, sustentada pelo direito romano até meados do século XIX, e passa a ganhar contornos publicista e de ciência jurídica independente do direito material. Oskar Von Bulow, ao divulgar sua teoria sobre a relação jurídica, explica que o processo é “uma relação de direito e obrigações recíprocos, ou seja, uma relação jurídica, e demonstrou que esta relação vinculativa do juiz e das partes é de Direito público e distinta da relação jurídica material”2. Contudo, na lição de Dinamarco e de acordo com o Princípio da Instrumentalidade, “o processo não deve ser compreendido como um fim em si mesmo, mas sim, como meio legalmente admitido de asse2 

CARMO, Wagner José Elias. Finalidade e natureza do processo.

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gurar um direito materialmente invocado”3. Com base nisso, é mister que o processo seja aplicado e interpretado em consonância com outros ramos das ciências jurídicas, justamente para se garantir a efetividade do direito, como aponta Ovídio Baptista4, ao lecionar que “o direito objetivo não constitui um conglomerado caótico de preceitos isolados. Os ramos da ciência jurídica, por conseguinte, embora autônomos, devem restar integrados em um sistema, formar um conjunto harmônico de normas coordenadas em interdependência metódica. Não se encontra um princípio isolado em ciência alguma”.

Na visão do jurista Alemão Erik Jayme, por meio da teoria intitulada de “Diálogo das Fontes”, a ideia de que as leis devem ser aplicadas de forma isolada umas das outras é afastada, de modo que o ordenamento jurídico deve ser interpretado de modo unitária5. A teoria surge para fomentar a ideia de que o Direito deve ser interpretado como um todo de forma sistemática e coordenada. Segundo a teoria, uma norma jurídica não excluiria a aplicação da outra, como acontece com a adoção dos critérios clássicos para solução dos conflitos de normas (antinomias jurídicas) idealizados por Norberto Bobbio. Pela teoria, as normas não se excluiriam, mas se complementariam. Nas palavras do professor Flávio Tartuce, “a teoria do diálogo das fontes surge para substituir e superar os critérios clássicos de solução das antinomias jurídicas (hierárquico, especialidade e cronológico). Realmente, esse será o seu papel no futuro”6. Durante a sua vigência, o Código de Processo Civil de 1973 buscou se servir de outros ramos do direito para perfazer o fim que se buscava no processo, porém, essa intenção estava bem distante da 3  Idem. 4  SILVA, Ovídio Araújo Baptista da Silva; GOMES, Fábio Luiz; SILVA, Jaqueline Mielke; BAPTISTA, Luiz Fernando. Teoria Geral do Processo. 5  PRADO, Sérgio Malta. Da teoria do diálogo das fontes. 6  Flávio Tartuce apud PRADO, Sérgio Malta. Da teoria do diálogo das fontes. PPaulPaPaulo PPaPaPauloPaPaulo

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realidade que se apresentava, tendo em vista o modelo processual ser nitidamente formalista e distante do interesse social, o que acarretava verdadeira deficiência na prestação jurisdicional. “A metodologia aqui evidenciada é tanto mais importante quando se constata objetivamente o grande número de Reformas do Código de Processo Civil. Que elas são necessárias, não há por que duvidar. O Estado, o jurisdicionado, suas necessidades e sua consciência de “acesso à justiça” de hoje não são os da década de sessenta, que viu o Código de Processo Civil ser promulgado em 1973, com entrada em vigor em 1974”7.

Hoje, a história não difere muito de antigamente quando o assunto é à aplicação unitária do ordenamento jurídico como caminho para se instrumentalizar a justiça e garantir direitos, ressaltando-se unicamente a força normativa da Constituição e sua estreita ligação com os institutos processuais, como reforço para a materialização do direito e observância das garantias processuais que a lei ordinária preconiza. “Nesta esteira, inaugurou-se o Código de Processo Civil de 2015 e com ele a constitucionalização do processo, passando-se a explicitar os princípios e as regras como espécies de normas de efeito vinculante e aplicabilidade aos casos concretos, reflexo dos tempos e das necessidades modernas, cujo início se deu com a cláusula do devido processo legal, considerada a norma-mãe, aquela que “gera” os demais dispositivos, e regras constitucionais do processo, acompanhada pelo Pacto de São José da Costa Rica, ratificado pelo Brasil através do decreto nº 678 de 1992, que prescrevia o direito a um processo com duração razoável, de onde se retira o princípio constitucional da efetividade, rumo à realização do direito material vindicado”8.

Com efeito, muito além de uma contraposição de interesses, o processo deve ser visto como instrumento apto à materialização de um direito e, para que isso seja possível, é imprescindível que o modelo processual em voga se certifique que as garantias processuais serão respeitadas, objetivo principal da constitucionalização do pro7  BUENO, Cássio Scarpinella. O modelo constitucional do Direito Processual Civil. 8  DESTEFENNI, Marcos. Curso de Processo Civil. PPaulPaPaulo PPaPaPauloPaPaulo

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cesso civil, e assim, o processo consiga, enfim, alcançar a sua finalidade precípua.

3 A constitucionalização do Código de Processo Civil de 2015 através da incorporação dos princípios constitucionais e seus impectos para o novo modelo processual civil “O renascimento do direito constitucional no Brasil se deu no ambiente de reconstitucionalização do país, por ocasião da discussão prévia, convocação, elaboração e promulgação da Constituição de 1988. Sem embargo de vicissitudes de maior ou menor gravidade no seu texto, e da compulsão com que tem sido emendada ao longo dos anos, a Constituição foi apta a promover, de forma bem-sucedida, a travessia do Estado brasileiro de um regime autoritário para um Estado democrático de direito”9.

E não foi apenas para a sociedade, mas também para o mundo jurídico, que a promulgação da Carta Maior se tornou um marco de acesso à justiça e ao exercício de direitos, de modo que, passados quase vinte anos da sua vigência, ela permanece como núcleo do direito contemporâneo e sinônimo de garantias. “Sob a Constituição de 1988, o direito constitucional no Brasil passou da desimportância ao apogeu em menos de uma geração. Uma Constituição não é só técnica, tem que haver, por trás dela, a capacidade de simbolizar conquistas e de mobilizar o imaginário das pessoas para novos avanços10. O surgimento de um sentimento constitucional no País é algo que merece ser celebrado. Trata-se de um sentimento ainda tímido, mas real e sincero, de maior respeito pela Lei Maior, a despeito da volubilidade de seu texto. É um grande progresso. Superamos a crônica indiferença que, historicamente, se manteve em relação à Constituição [...]”11. 9  GOMES, Marcelli Penedo Delgado Gomes. MENDONÇA, Samuel. A tendência de “constitucionalização” do processo civil moderno e a salvaguarda da efetividade processual. 10  Idem. 11  Idem.

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Atualmente, a Constituição Federal assume o papel de protagonista do ordenamento jurídico, ao passo que, as leis ordinárias, cada vez mais, tendem a enquadrar essas normas dentro do seu contexto e assim, garantir efetividade e segurança jurídica à prestação jurisdicional. Refletindo sobre esse traço constitucionalista adotado pelas leis infraconstitucionais, a Lei 13.105/2015, ao implementar o Código de Processo Civil de 2015, seguiu a mesma linha de raciocínio, embora para alguns estudiosos essa repetição tenha sido desnecessária, já que às regras estabelecidas pela Constituição Federal são de respeito geral e compulsório. Ainda assim, há quem aviste o constitucionalismo do processo como uma oportunidade de alterar o modo de pensamento e compreensão do atual modelo processual, elegendo-o como “programa de reforma e como método de pensamento” do direito processual civil12. Mas a constitucionalização do processo, é uma reconstrução do pensamento processualista que, a todo tempo, objetiva contrastá-lo com o “modelo constitucional”, verificando se e em que medida o “modelo” foi ou não alcançado satisfatoriamente. Cuida-se, vale a ênfase, de apontar a necessidade de uma alteração qualitativa e consciente na interpretação e na aplicação da legislação processual civil, que deve partir da Constituição Federal, que é o ponto de partida das demais normas brasileiras13.

O Direito Processual, como qualquer outro ramo do Direito, necessita acompanhar a Sociedade, modernizando-se e evoluindo de acordo com as necessidades sociais, políticas e culturais e dos instrumentos à disposição para sua efetivação14. E como não é demais lembrar, o extinto modelo processual de 1973, marcado pelo formalismo exacerbado, há muito, não satisfazia as necessidades das partes 12  Idem. 13  BUENO, Cássio Scarpinella. O modelo constitucional do Direito Processual Civil. 14  MIOTTO, Carolina Cristina. A evolução do Direito Processual Civil brasileiro. PPaulPaPaulo PPaPaPauloPaPaulo

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dentro do processo, sendo reputado como moroso e ineficiente, o que rendeu à tutela judicial a pecha de atividade desacreditada. Ponto que destoante da evolução social que, em contrapartida, clama por um jurisdicionado mais próximo do interesse coletivo e que proporcione maior isonomia entre as partes ao atuarem no processo, a fim de que o resultado seja satisfatório e realizado em tempo razoável. Nessa perspectiva, “o novo código, portanto, demonstra que o processo civil, além de (dever) ser um meio de concretização dos direitos fundamentais previstos na Constituição, deve ser interpretado nos moldes do texto constitucional. Verifica-se, de fato, uma positivação do “totalitarismo constitucional” – expressão que não deve ser vista de forma negativa, por ser louvável que todo o ordenamento jurídico orbite em torno da Constituição.”15 “[Na] parte propedêutica, o Novo Código aparentar [sic] ser mais racional, [...] pois os princípios envolvidos tanto prestigiam a segurança jurídica, (inércia da jurisdição, devido processo legal, ampla defesa, contraditório), quanto, asseguram a eficiência (celeridade, dignidade da pessoa humana, razoabilidade, moralidade, publicidade), portanto, [...] está em sintonia com a Constituição, entrementes, [...] não basta que que sejam assegurados formalmente, deve haver seu respeito materialmente, [contemplando-se o princípio da efetividade].”16

Como se vê, o ultrapassado “formalismo processual civil se transforma [expressamente] em um “formalismo-valorativo”, isto é, o processo será conduzido conforme as normas infraconstitucionais na medida em que os valores processuais constitucionalmente previstos se fizerem presentes em determinada hipótese [(caráter axiológico), cabendo ao intérprete da lei processual sempre] se pautar pelos princípios gerais do processo [(“linhas fundamentais”)] de modo a satisfazer as diretrizes da [CR/88, concedendo ao 15  DONIZETTI, Elpídio. Expressa constitucionalização do direito processual. 16  BRESSAN, Gabriel Barreira. A sintonia do processo com a Constituição Federal no novo CPC. PPaulPaPaulo PPaPaPauloPaPaulo

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jurisdicionado] uma justiça efetiva, célere e adequada [(processo justo)]”.17

4 Conclusão “Atendendo aos reclamos hodiernos de efetividade processual, mostra-se imprescindível que os novos dispositivos processuais alcancem os seus desideratos sem prejuízo ou risco aos direitos fundamentais e às garantias individuais, sobretudo sem qualquer afronta aos princípios processuais civis elencados na Constituição da República Federativa do Brasil”.18

Todavia, antes de se falar em “efetividade”, que é o fim a ser alcançado, impende mencionar a “justiça” como valor supremo e aquilo que se busca efetivar, bem como a dificuldade para concretizá-la, já que os instrumentos destinados ao seu exercício são precários, cabendo à constitucionalização do processo, assumir a justiça como fim último do Estado Democrático de Direito e resgatar o interesse social expresso no texto constitucional. Através desse instituto, enaltecido pela Lei 13.105 de 2015, “os princípios constitucionais deixaram de ser [mero norte a ser seguido e passaram a ser expressão de efetividade,] já que representam ditames dotados de normatividade e coercibilidade, [permitindo] o encontro do verdadeiro espírito das leis, razão pela qual são conhecidos como a “ponte de ouro” para a perfeita realização daquilo que foi objetivado originalmente pelo legislador”19. “De acordo com o dicionário Aurélio, a efetividade é produção de resultado real, positivo. Em uma definição mais apurada, considera-se a efetividade, em linhas mestras, como o alcance da finalidade precípua do processo, a tutela jurisdicional mais adequada, reconhecendo e realizando o direito material de forma célere, satisfatória e segura, tudo isso com comprometimento social e com a realização virtuosa do “justo”20. 17  DONIZETTI, Elpídio. Expressa constitucionalização do direito processual. 18  GOMES, Marcelli Penedo Delgado Gomes. MENDONÇA, Samuel. A tendência de “constitucionalização” do processo civil moderno e a salvaguarda da efetividade processual. 19  Idem. 20  Idem. PPaulPaPaulo PPaPaPauloPaPaulo

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“Em suma, a efetividade pode ser entendida como o direito a um processo rápido, seguro e eficaz, proporcionando às partes envolvidas no processo a tutela jurisdicional adequada. Mas não é só. Pode-se referir também como um verdadeiro princípio norteador do direito processual para realizar com eficiência a sua função instrumental dos direitos materiais, de forma justa a satisfatória. Ou seja, pode-se ainda concebê-la como um valor em si mesmo”21. “Ressalte-se, todavia, que a busca pela efetividade não pode se dar a qualquer custo, pois depende da preservação íntegra dos princípios gerais do direito [e aqueles de natureza processual. Nesse sentido,] não se pode perder de vista “que a efetividade é um princípio do ordenamento jurídico e não um fim a ser conquistado a custo de injustiça e do desrespeito aos demais princípios que sustentam o processo e o ordenamento jurídico”22.

Então, a tendência de “constitucionalização” dos princípios e garantias do processo civil é resultado da marcante busca pela efetividade processual, que deve ser perquirida sempre, mas nunca ser conquistada com o comprometimento dos princípios informadores e basilares da ciência processual, bem como do processo de valorização e reconhecimento da força normativa da Constituição Federal, ocorrido com o advento da Carta Magna de 1988. Sendo assim, importante “reconhecer o Direito Constitucional como supedâneo principal de todo o ordenamento jurídico, norma fundante de toda a dogmática, e de onde se extraem os princípios norteadores e se concretiza o espírito informador de toda a legislação infraconstitucional”23, tendência do atual cenário processualista que vê nesse instituto o instrumento para se pôr em prática às garantias processuais e atingir a finalidade da prestação jurisdicional, que é a concretização do direito material24.

21  Idem. 22  Idem. 23  Idem. 24  Idem. PPaulPaPaulo PPaPaPauloPaPaulo

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5 Referências BRESSAN, Gabriel Barreira. A sintonia do processo com a Constituição Federal no novo CPC. JusBrasil Artigos. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/35569/a-sintonia-do-processo-com-a-constituicao-federal-no-novo-cpc . Acessado em: 01.09.2017. BUENO, Cássio Scarpinella. O modelo constitucional do Direito Processual Civil: um paradigma necessário de estudo do Direito Processual Civil e algumas de suas aplicações. Disponível em: http://www.scarpinellabueno.com/ images/textos-pdf/016.pdf. Acessado em: 01.09.2017. CARMO, Wagner José Elias. Finalidade e natureza do processo. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26387. Acesso em: 18.09.2017. DESTEFENNI, Marcos. Curso de Processo Civil. Processo de Conhecimento e cumprimento de sentença. São Paulo: Saraiva, 2006. DONIZETTI, Elpídio. Expressa constitucionalização do direito processual civil (positivação do “totalitarismo constitucional”). JusBrasil Artigos. Disponível em: https://elpidiodonizetti.jusbrasil.com.br/artigos/121940194/expressa-constitucionalizacao-do-direito-processual-civil-positivacao-do-totalitarismo-constitucional . Acessado em: 01.09.2017. GOMES, Marcelli Penedo Delgado; MENDONÇA, Samuel. A tendência de “constitucionalização” do processo civil moderno e a salvaguarda da efetividade processual. Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIV, n. 89, jun 2011. Disponível em:
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critério normativo de distribuição aleatória como pressuposto jurídico - positivo do devido processo legal : considerações sobre a aplicabilidade da L ei de A cesso à I nformação junto ao S upremo T ribunal F ederal Rafael Rocha1

O presente artigo destina-se ao estudo do critério normativo de distribuição aleatória como requisito indispensável ao devido processo legal, inclusive no âmbito do STF, analisando a sua evolução em face da legislação atual. Nesse sentido, a conjugação entre o reconhecimento da aleatoriedade no CPC/2015 e a aplicabilidade da lei de acesso à informação junto ao STF desperta a necessidade de divulgação das informações que formam o algoritmo responsável pela distribuição aleatória na Suprema Corte. Palavras-Chave: Distribuição Aleatória – Lei de Acesso à Informação – Suprema Corte. Sumário: . Introdução; 2. O Critério Normativo de Distribuição Aleatória; 3. O Algoritmo e sua Função; 4. A Distribuição Processual no Supremo Tribunal Federal: escolha do destino ou destino escolhido?; 5. A Lei de Acesso à Informação e o Dever de Informar; 6. Considerações Finais; 7. Referências.

1 Introdução Reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal como condição intrínseca ao princípio do juiz natural, o critério normativo de distribuição aleatória constitui elemento importante do nosso ordenamento jurídico, havendo claro reconhecimento da jurisprudência quanto à nulidade dos atos praticados sem a sua observância. Embora por vezes despercebida, a aleatoriedade pode ser compreendida no mundo jurídico a partir de diferentes sentidos. De um lado, percebe-se a aleatoriedade como uma regra básica de distribuição processual, antagônica, portanto, ao instituto da distribuição por dependência. Nesse aspecto, a aleatoriedade é traduzida 1  Bacharel em Direito pela UFPE. Pós-graduando em Processo Civil Contemporâneo pela UFPE. RRafaeRaRafa

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como pressuposto normativo do devido processo legal e requisito de validade processual. Ainda em seu sentido jurídico-positivo, a aleatoriedade também pode ser observada como fundamento dos contratos aleatórios de natureza civil, além dos eventos econômicos extraordinários e extracontratuais no âmbito do direito administrativo. Todavia, uma terceira perspectiva busca conceituar a aleatoriedade a partir de um processo de transformação linguística, culminando na formação de um dado algoritmo, ou melhor, informações criadas a partir de uma linguagem algorítmica. Nesse contexto, após se incorporar ao mundo do “dever ser” e ganhar significado jurídico, a aleatoriedade é reproduzida a partir de códigos não jurídicos e informatizados (sorteios eletrônicos), acendendo intenso debate sobre a sua natureza jurídica e confiabilidade. Por outro lado, a aprovação da Lei nº 12.527/2011 inaugurou um novo período no controle de informações em nosso país, especialmente ao estabelecer a publicidade da informação como preceito geral e o sigilo como exceção, limitando em 25 anos o prazo de restrição de acesso às informações consideradas ultrassecretas. E foi por meio da Resolução nº 528/2014 que o Supremo Tribunal Federal regulamentou a Lei de Acesso à Informação no âmbito de sua competência administrativa, considerando informação quaisquer “dados, processados ou não, que podem ser utilizados para produção e transmissão de conhecimento, contidos em qualquer meio, suporte ou formato”. Houve também singular preocupação com o tratamento da informação, conforme o artigo 2º, I, da Resolução nº 528/2014 do STF, o qual foi definido como um conjunto de ações referentes à produção, recepção, classificação, utilização, acesso, reprodução, transporte, transmissão, distribuição, arquivamento, armazenaRRafaeRaRafa

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mento, eliminação, avaliação, destinação ou controle da informação. Desenham-se, portanto, os contornos de uma provocante discussão quanto à manutenção do sigilo das informações algorítmicas que condicionam a distribuição aleatória e a aplicabilidade da Lei de Acesso à Informação no âmbito do Supremo Tribunal Federal. Atualmente, o debate ganha musculatura, sobretudo, em face da existência de variantes legais, como a uniformidade na carga de trabalho dos magistrados, dos infelizes casos de direcionamento ilícito de processos no âmbito do Poder Judiciário, além do fenômeno de ampliação dos poderes do relator, inclusive em sede de controle de constitucionalidade.

2 O Critério Normativo de Distribuição Aleatória O sorteio de juízes como uma regra de fixação de competência é amplamente difundido entre os mais diversos operadores do direito. Não há exagero em afirmar, inclusive, que em determinadas situações o sorteio é o mais importante elemento de uma batalha jurídica. Afinal, saber previamente o entendimento do julgador pode significar um passo importante na busca da tutela jurisdicional, sobretudo nas hipóteses de provimento antecipatório. Apesar de figurar como regra para uma parcela considerável dos processos judiciais, os sorteios são dispensados em varas, juizados e seções judiciárias com a presença de um único magistrado. Nessas situações, não há distribuição livre (sorteio), mas somente o registro do processo, conforme previsão do artigo 284 do CPC/20152. 2  No caso dos plantões judiciários, a limitação ao critério de distribuição aleatória ocorre unicamente em relação aos pedidos reputados como urgentes, havendo distribuição no primeiro dia útil subsequente. Mesmo assim, houve a preocupação do legislador infraconstitucional em proibir o levantamento de valores ou liberação de RRafaeRaRafa

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Embora o artigo 286 do CPC/2015 traga a figura da distribuição por dependência, alvo de intensos debates, o objeto do presente estudo será a distribuição livre prevista no artigo 285: “A distribuição, que poderá ser eletrônica, será alternada e aleatória, obedecendo-se rigorosa igualdade”. Podemos conceber a alternatividade como requisito legal que objetiva respeitar a diversidade de pensamentos entre diferentes magistrados, evitando, com isso, que a distribuição de processos se concentre em um único juiz ou órgão julgador. Em função disso, a presença da alternatividade como requisito dos sorteios indica a necessidade de que todos os juízes competentes sejam sorteados constantemente, proibindo-se a exclusão prévia de magistrados como forma de reduzir o universo das probabilidades. Porém, a distribuição de processos unicamente alternada pode gerar acúmulo de trabalho ao longo do tempo, devendo ser observada a igualdade como forma de evitar a sobrecarga entre juízes igualmente competentes. É nesse sentido que os Códigos de Processo Civil de 1939 (Decreto Lei nº 39/1.608) e de 1973 (Lei nº 73/5.869) também previam a alternatividade e a igualdade como regras de distribuição processual, conforme dispunham os seus artigos 50 e 252, respectivamente: Art. 50. Os feitos serão obrigatoriamente distribuídos e registrados. § 1º A distribuição entre juízes e escrivães será alternada, nos termos da lei de organização judiciária, obedecendo a rigorosa igualdade. § 2º Distribuir-se-ão por dependência os feitos de qualquer natureza, que se relacionarem com outros já distribuídos; Art. 252. Será alternada a distribuição entre juízes e escrivães, obedecendo a rigorosa igualdade. bens apreendidos durante esse período (art. 905, parágrafo único, do CPC). RRafaeRaRafa

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Já no âmbito dos Tribunais, o CPC/1939 não somente assegurava a alternatividade na distribuição dos processos, assim como trazia o requisito da publicidade, disciplinando, inclusive, a forma como o sorteio manual era realizado: Art. 872. A distribuição far-se-á de acôrdo com o regimento interno do Tribunal, observados os seguintes princípios: I – distribuição obrigatória e alternada; II - quando forem dois ou mais os processos, a distribuição será feita em público, e antes de iniciada a sessão de julgamento, pelo presidente do Tribunal a que couber conhecer do recurso; III - verificados os números de ordem dos processos o presidente os escreverá em papéis destacados, colocando-os na urna; em seguida irá, por sorteio, distribuindo os que fôr retirando da urna, na ordem de antigüidade dos juízes que compuserem o Tribunal3.

Por outro lado, o artigo 548 do CPC/1973, na medida em que assegurava a publicidade, a alternatividade e o sorteio como princípios da distribuição processual, não se restringia a regulamentar o procedimento manual de escolha. Com o advento do Código de Processo Civil de 2015, além do reconhecimento dos sorteios eletrônicos (arts. 285 e 930) e da manutenção da possibilidade de fiscalização do procedimento pelas partes e procuradores (art. 289), houve a introdução da aleatoriedade como requisito a ser observado pela distribuição processual. Para o CPC/2015, não basta que a distribuição seja somente alternada e igualitária. É necessário que a distribuição de processos também seja aleatória (art. 285), sob pena de violação da garantia constitucional do juiz natural. 3  Redação dada pela Lei nº 1.661/52, substituindo o texto original: “II – quando fôrem dois ou mais os processos, a distribuição será feita, em público e antes de iniciada a sessão de julgamento, pelo presidente da Camara a que couber conhecer do recurso; III – verificados os números de ordem dos processos, o Presidente os escreverá em papéis destacados, colocando-os na urna; em seguida, irá, por sorteio, distribuindo os que fôr retirando da urna, na ordem de antiguidade dos juízes que compuserem a Câmara, ou turma. Parágrafo único. No caso de impedimento do juiz sorteado, o Presidente de novo distribuirá o feito, mediante compensação”. RRafaeRaRafa

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Originada do latim “aleatorius”, a palavra “aleatório” remete à ideia de incerteza do dado (alea), sendo chamadas por “aleatoris” as casas de jogos em Roma4. O seu sentido não se limita à incerteza como fenômeno singular (alea), mas também pode representar um verdadeiro estado de coisas, sendo utilizada usualmente pela língua portuguesa como sinônimo de casual, acidental, eventual, inesperado e incerto. Apesar de sua origem etimológica traduzir um sentido subjetivo, a aleatoriedade também pode ser investigada objetivamente a partir dos testes experimentais. Afinal, somente diante da inexistência de um padrão de comportamento é que se pode afirmar que uma determinada sequência é verdadeiramente aleatória. Como exemplo de impressão subjetiva da aleatoriedade, temos o movimento browniano, o qual foi observado a partir do deslocamento imprevisível dos gânglios dentro dos grãos de pólen, indicando uma força inerente à natureza, uma vez que haveria repetição aleatória mesmo sem a presença de vida5. Porém, descontruindo a impressão subjetiva de supostos movimentos aleatórios, Albert Einstein, em trabalho publicado em 1905, explica o fenômeno observado pelo biólogo Robert Brown, 4  Disponível em: https://www.dicionarioetimologico.com.br/aleatorio. 5  “Olhando através de sua lente, Brown observou que os grânulos dentro dos grãos de pólen pareciam se mexer. Embora seja uma fonte de vida, o pólen em si não é um ser vivo. Ainda assim, sob o olhar de Brown, o movimento jamais se interrompia, como se os grânulos possuíssem alguma energia misteriosa. Não se tratava de um movimento intencional; na verdade, parecia ser completamente aleatório. Muito entusiasmado, ele inicialmente pensou ter concluído sua busca, pois que outra energia poderia ser aquela a não ser a energia que move a própria vida? Numa série de experimentos que realizou cuidadosamente ao longo do mês seguinte, Brown observou o mesmo tipo de movimento ao suspender em água, e às vezes em gim, uma enorme variedade de partículas orgânicas que conseguiu obter: fibras de vitela em decomposição, teias de aranha “enegrecidas com a poeira de Londres” e até mesmo seu próprio muco. Então, no que foi um golpe de misericórdia para sua interpretação esperançosa da descoberta, Brown também observou o mesmo tipo de movimento em partículas inorgânicas – asbesto, cobre, bismuto, antimônio e manganês. Ele soube então que o movimento observado não se relacionava à questão da vida” (MLODINOW, 2009, p. 52) RRafaeRaRafa

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chegando à conclusão de que o movimento dos gânglios era ocasionado pelo choque de suas partículas com as moléculas do fluido, deslocando-se em função da temperatura e do número de moléculas (agitação térmica). Embora os ensinamentos do trabalho desenvolvido por Einstein não se limitem à conclusão acima formulada, o exemplo é importante para se distinguir a aleatoriedade em seu sentido subjetivo (aparente aleatoriedade ou pseudoaleatorieade), e a ausência comprovada de padrões de comportamento em seu sentido objetivo (verdadeira aleatoriedade). Uma demonstração mais simples do sentido subjetivo da aleatoriedade foi o problema enfrentado pela Apple na distribuição de músicas do iPod: A empresa Apple teve esse problema ao desenvolver o primeiro programa para embaralhar as músicas tocadas num iPod: a verdadeira aleatoriedade às vezes gera repetições, mas ao ouvirem uma música repetida, ou músicas do mesmo artista tocadas em sequência, os usuários acreditam que o embaralhamento não é aleatório. Assim, a companhia fez com que a função se tornasse “menos aleatória para que pareça mais aleatória”, nas palavras de seu fundador, Steve Jobs6.

Contudo, a pretensão do presente artigo não é demonstrar como nasce o conceito de aleatoriedade e suas implicações no campo da filosofia, da física ou da matemática. O objetivo central das indagações quanto à subjetividade na compreensão dos eventos aleatórios é contribuir na construção do seu sentido jurídicopositivo. Observe-se que o legislador ao definir “contrato aleatório” no âmbito do direito civil (art. 458 do CC), por dizer respeito a coisas ou fatos futuros dependentes de evento casual (álea), não traduz a compreensão de aleatoriedade para as ciências naturais. 6 

MLODINOW, 2009, p. 56.

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A aleatoriedade, nesse aspecto, possui um sentido próprio para a ordem jurídica, não sendo verificada, então, uma importação conceitual em abstrato, mas sim a incorporação concreta de um significado jurídico traduzido na ideia de (im)previsibilidade objetiva e subjetiva7. Nas lições de ÁVILA: De um lado a compreensão do significado como o conteúdo conceptual de um texto pressupõe a existência de um significado intrínseco que independa do uso ou da interpretação. Isso, porém, não ocorre, pois o significado não é algo incorporado ao conteúdo das palavras, mas algo que depende precisamente de seu uso e interpretação, como comprovam as modificações de sentidos dos termos no tempo e no espaço e as controvérsias doutrinárias a respeito de qual o sentido mais adequado que se deve atribuir a um texto legal. Por outro lado, a concepção que aproxima o significado da intenção do legislador pressupõe a existência de um autor determinado e de uma vontade unívoca fundadora do texto. Isso, no entanto, também não sucede, pois o processo legislativo qualifica-se justamente como um processo complexo que não se submete a um autor individual, nem a uma vontade específica. Sendo assim, a interpretação não se caracteriza como um ato de descrição de um significado previamente dado, mas como um ato de decisão que constitui a significação e os sentidos de um texto8.

Nesse sentido, podemos conceituar juridicamente a aleatoriedade como a existência de eventos não previsíveis capazes de produzir efeitos jurídicos, não se exigindo, dessa forma, a completa ausência de padrões de comportamento9. 7  “Ainda que inexista paralelismo lógico-gramatical, ainda que as formas lin�� guísticas não traduzam formas lógicas, todavia, como acentual Husserl (Husserl, Recherches Logiques, págs. 1/16, vol. II), as investigações lógicas tomam o fato da linguagem como ponto de apoio, se não como fim temático, pelo menos como índice temático para alcançar seu objeto próprio. A experiência da linguagem é o ponto de partida para a experiência das estruturas lógicas” (VILANOVA, 1997, p. 38-39). 8  ÁVILA, 2005, p. 23. 9  Propõe-se, ainda, uma reflexão quanto ao sentido lógico-jurídico da aleatorie��dade como fundamento de validade de institutos jurídicos que contenham a (im) previsibilidade como pressuposto normativo, a exemplo do caso fortuito, onerosidade excessiva dos contratos, álea econômica extraordinária e extracontratual, dolo eventual e culpa consciente. Somente a partir da compreensão da aleatoriedade RRafaeRaRafa

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Partindo desse pressuposto, observa-se que o critério normativo de distribuição aleatória não exige a produção de sequencias verdadeiramente aleatórias, mas somente a garantia de uma seleção imprevisível de juízes para o caso concreto, evitando, dessa forma, o direcionamento dos feitos e/ou a antecipação prematura do entendimento jurídico10. Assim, podemos conceber o critério normativo de distribuição aleatória como pressuposto jurídico-positivo do devido processo legal na medida em que se revela como requisito indispensável à garantia do juiz natural, inibindo, por meio dos sorteios, o direcionamento de processos e assegurando a presunção de imparcialidade da jurisdição11. como um estado de coisas (in)certas consideradas juridicamente é que seria possível entendê-los como eventos (im)previsíveis, ainda que de forma subjetiva. Afinal, o sentido fundamental da (im)previsibilidade como pressuposto normativo repousa na inexistência de padrões de comportamento perceptíveis no plano lógico-jurídico. Haveria, nesse caso, nas lições de Lourival Vilanova, “notória incorporação pelo universo jurídico de referências conceituais a fatos-do-mundo [...], sendo inegável a sua importância metodológica para o conhecimento jurídico-dogmático” (VILANOVA, 1997, p. 63-66). Frise-se, contudo, que o fundamento de validade dos eventos considerados de força maior não remete à concepção de aleatoriedade, mas sim ao império da força externa. Não interessa se há padrão de comportamento em determinados eventos naturais ou se havia possibilidade de sua previsão. A inevitabilidade do evento de força maior fundamenta, por si só, a exclusão de responsabilidade, mesmo que previsível o seu acontecimento. 10  Não há por parte da ordem jurídica a exigência de que o sorteio de juízes ou órgãos julgadores seja definido por sequencias verdadeiramente aleatórias, conceituadas a partir da ausência completa de padrões de comportamento. A melhor compreensão do instituto do critério normativo de distribuição aleatória indica que, para o ordenamento jurídico, basta um processo de “seleção” de magistrados imprevisível e seguro. 11  Esse também é o entendimento do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça quanto à necessidade de observância do critério normativo de distribuição aleatória, mesmo antes do advento do Código de Processo Civil de 2015: “EMENTA: 1. PROCESSO. Distribuição. Direcionamento injustificado da causa a determinado juízo. Ato não aleatório. Ofensa aos princípios do juiz natural e da distribuição livre, que asseguram a imparcialidade do juiz e integram o justo processo da lei. Nulidade processual absoluta. Desnecessidade de indagação de prejuízo. Recurso extraordinário conhecido e provido. Aplicação do art. 5º, XXXVII e LIV, da CF. Distribuição injustificada de causa a determinado juízo ofende o justo processo da lei (due process of law) e, como tal, constitui nulidade processual absoluta. 2. RECURSO. Embargos declaratórios. Efeito declaradamente infringente ou modificativo. Contradição inexistente. Conhecimento como agravo regimental. Recurso improvido. Devem ser recebidos e julgados como agravo regimental, embargos RRafaeRaRafa

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3. O Algoritmo e sua Função A introdução dos sorteios eletrônicos nos tribunais brasileiros representou, sem dúvida, um passo importante no processo de informatização e aprimoramento das regras de distribuição. Houve inegável avanço tecnológico, uma vez que possibilitou a inclusão de variantes objetivas, tentando uma maior uniformização da carga de trabalho entre os magistrados, ao passo em que também consolidou a sensação de segurança quanto à imprevisibilidade dos resultados. Ressalta-se, contudo, que esse sentimento de confiança é sedimentado no pressuposto lógico de reprodução fidedigna do conjunto de normas jurídicas em códigos não jurídicos e informatizados. Não há espaço para reticências ou dúvidas quanto à necessidade rígida de cumprimento das regras de distribuição processual, afinal, a legitimidade dos sorteios está diretamente relacionada à existência de algoritmos seguros. Atualmente, os algoritmos responsáveis por reunir as regras de distribuição e condicionar os sorteios vêm sendo uniformizado com a implantação do Processo Judicial Eletrônico (PJe). A Resolução nº 185/2013 do Conselho Nacional de Justiça é prova disso, e busca, sobretudo, consolidar uma única plataforma virtual para a prática de atos processuais, encerrando, assim, a pluralidade de sistemas operacionais12. declaratórios opostos com manifesto e infundado propósito modificativo. (STF - AI-ED: 548203 AL, Relator: CEZAR PELUSO, Data de Julgamento: 12/02/2008, Segunda Turma, Data de Publicação: 07-03-2008); EMENTA: PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. JUÍZO DESIGNADO. DISTRIBUIÇÃO. PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL. I - Segundo o Princípio do Juiz Natural, não pode um tribunal ou um juízo ser criado ou designado para o julgamento de um caso concreto (art. 5º, incisos XXXVII e LIII da Lex Fundamentalis). II - A inobservância do critério normativo de distribuição aleatória ofende o princípio do juiz natural, tornando nulo todos os atos praticados após a designação do juízo. Habeas Corpus concedido, para anular o processo ab initio, incluindo a denúncia. (STJ - HC: 12403 SE 2000/0019528-6, Relator: Ministro FELIX FISCHER, Data de Julgamento: 07/08/2001, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJ 10.09.2001)”. 12  É importante destacar que a Resolução nº 185/2013 é fruto de um grande esforRRafaeRaRafa

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No tocante às regras de distribuição processual, a Resolução nº 185/2013 consolida em seu artigo 5º a distribuição automática, insere variantes legais como forma de garantir uma maior uniformidade na carga de trabalho dos magistrados, além de reconhecer a aleatoriedade como elemento necessário aos sorteios eletrônicos, in verbis: Art. 5º A distribuição dos processos se realizará de acordo com os pesos atribuídos, dentre outros, às classes processuais, aos assuntos do processo e à quantidade de partes em cada polo processual, de modo a garantir uma maior uniformidade na carga de trabalho de magistrados com a mesma competência, resguardando-se a necessária aleatoriedade na distribuição. § 1º A atribuição dos pesos referidos no caput será realizada pelos Conselhos, Tribunais e/ou Corregedorias, no âmbito de suas competências, devendo ser criados grupos de magistrados de todas as instâncias para validação das configurações locais, sendo possível a atribuição de um peso idêntico para cada um dos aspectos passíveis de configuração. § 2º A distribuição em qualquer grau de jurisdição será necessariamente automática e realizada pelo sistema imediatamente após o protocolo da petição inicial. § 3º O sistema fornecerá indicação de possível prevenção com processos já distribuídos, com base nos parâmetros definidos pelo Comitê Gestor Nacional do PJE, cabendo ao magistrado analisar a existência, ou não, da prevenção. § 4º É vedado criar funcionalidade no sistema para exclusão prévia de magistrados do sorteio de distribuição por qualquer motivo, inclusive impedimento ou suspeição. § 5º Poderá ser criada funcionalidade para indicação prévia de possível suspeição ou impedimento, que não influenciará na distribuição, cabendo ao magistrado analisar a existência, ou não, da suspeição ou do impedimento.

Exige-se, portanto, que a distribuição processual busque uniformizar a carga de trabalho entre magistrados com a mesma comço nacional que nasce da assinatura dos Acordos de Cooperação Técnica nº 73/2009 e 43/2010, firmados entre o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e os Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiça dos Estados, respectivamente. RRafaeRaRafa

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petência, por meio de critérios não taxativos e com peso atribuído, assegurada a aleatoriedade e vedada a exclusão prévia de magistrados do sorteio por qualquer motivo. Desse modo, há de se reconhecer a plena compatibilidade e harmonia entre a referida resolução e o atual Código de Processo Civil. Embora anterior ao diploma processual vigente, houve na Resolução nº 185/2013 claro reconhecimento da alternatividade, da aleatoriedade e da igualdade previstos no artigo 285 do CPC/2015. Ao prever a impossibilidade de exclusão prévia de magistrados dos sorteios de distribuição, a Resolução nº 185/2013 assegura o respeito à diversidade de pensamentos, garantindo, com isso, a alternatividade na medida em que permite que todos os juízes competentes sejam sorteados constantemente. Por outro lado, a busca por uma maior uniformidade na carga de trabalho indica o reconhecimento de variantes capazes de garantir a igualdade e impedir um desequilíbrio na distribuição de processos a longo prazo. Apesar de inserir as classes processuais, os assuntos do processo e a quantidade de partes em cada polo processual, a resolução é clara quanto à possibilidade de novos critérios capazes de influenciar o algoritmo responsável pelos sorteios eletrônicos. Contudo, a resolução reconhece que a atribuição do peso de cada variante será definido pelos Conselhos, Tribunais e/ou Corregedorias, no âmbito de suas competências, devendo ser criados grupos de magistrados de todas as instâncias para validação das configurações locais, sendo possível a atribuição de um peso idêntico para cada um dos aspectos passíveis de configuração. Sendo assim, a aleatoriedade como mecanismo de seleção imprevisível de juízes ou órgãos julgadores para o caso concreto, deverá conter em sua fórmula ou algoritmo não somente a existência RRafaeRaRafa

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de uma sequência verdadeiramente aleatória ou pseudoaleatória, mas também uma série de variantes legais que devem ser integradas aos critérios do sorteio eletrônico. Em suma, é necessário que o comando sequencial respeite o peso atribuído a cada variante, assegure os critérios de alternatividade e igualdade, e, mesmo diante desses fatores, produza um algoritmo seguro e capaz de garantir a seleção imprevisível de juízes ou órgãos julgadores para o caso concreto. O algoritmo será, portanto, o instrumento responsável pela função de traduzir um conjunto de regras jurídicas em códigos não jurídicos e informatizados, identificado a partir de dados processados e capazes de produzir uma sequência que possibilite a alternatividade dos sorteios, uma maior uniformidade na distribuição dos trabalhos, além da necessária imprevisibilidade do resultado.

4 A Distribuição Processual no Supremo Tribunal Federal: escolha do destino ou destino escolhido? No âmbito do Supremo Tribunal Federal, o procedimento de seleção dos (as) ministros (as) nas turmas ou plenário é definido juridicamente pelo Regimento Interno (RISTF) e pela Resolução nº 558/2015. Paralelamente, o Sistema de Processamento Eletrônico do Supremo (e-STF) cumpre a tarefa de operacionalizar a distribuição por meio de comandos não jurídicos e informatizados13. 13  Embora já iniciada a implantação do Sistema Processo Judicial Eletrônico (PJe) na Suprema Corte, a atual Presidente do STF, Min. Carmen Lúcia, através da Resolução nº 594/2016, revogou a Resolução nº 578/2016, publicada na gestão do então Presidente Min. Ricardo Lewandowski, que instituiu o Sistema Processo Judicial Eletrônico (PJe) como o sistema informatizado de constituição e tramitação de processos judiciais em meio eletrônico, no âmbito do Supremo Tribunal Federal. O objetivo central da mudança era a padronização dos sistemas prevista pelo artigo 14 da Lei nº 11.419/2006, com a consequente racionalização de recursos a partir da adoção de uma plataforma tecnológica única para todo o Poder Judiciário. Outro aspecto relevante na tentativa de substituição do Sistema de Processamento Eletrônico (e-STF) pelo Sistema Processo Judicial Eletrônico (PJe) é o fato do PJe ter sido desenvolvido pelo Conselho Nacional de Justiça com a participação de Tribunais e da OAB., o que romperia com a atual dependência do STF em relação às empresas RRafaeRaRafa

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Segundo o artigo 66 do RISTF, a distribuição será feita por sorteio ou prevenção, mediante sistema informatizado, acionado automaticamente, em cada classe de processo, garantindo-se a aleatoriedade e publicidade do procedimento, in verbis: Art. 66. A distribuição será feita por sorteio ou prevenção, mediante sistema informatizado, acionado automaticamente, em cada classe de processo. § 1º O sistema informatizado de distribuição automática e aleatória de processos é público, e seus dados são acessíveis aos interessados. § 2º Sorteado o Relator, ser-lhe-ão imediatamente conclusos os autos.

Todavia, os artigos seguintes excluem do sorteio o Presidente do STF, ou Vice-Presidente quando estiver ocupando a Presidência, bem como nas hipóteses de cargo vago, Ministro (a) licenciado, em missão oficial, ou processo que diga respeito a ato praticado por determinado Ministro (a). Também não haverá distribuição de processos com medida liminar para o Ministro que ocupar a Presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE)14. Em contrapartida, o Regimento Interno traz a figura da compensação como forma de equilibrar, por exemplo, a ausência de distribuição a(o) Ministro(a) que estava licenciado(a), em missão oficial, em decorrência da vacância do cargo, ou, ainda, quando o Vice-Presidente do STF estiver ocupando a Presidência, conforme prevê o seu artigo 67. Já em relação à distribuição de processos por prevenção, conexão, continência, compensação ou impedimento de Ministro (a), a Resolução nº 558/2015 objetivou o aprimoramento da segurança e transparência na distribuição de processos no STF, sendo a mesma privadas terceirizadas para a manutenção e desenvolvimento do software. 14  Haverá também a exclusão do(a) Ministro(a) da distribuição de processo no qual se impugne ato praticado por ele durante o exercício da Presidência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). RRafaeRaRafa

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aprovada ainda durante a gestão do então Presidente Min. Ricardo Lewandowski. Entre as medidas de segurança adotadas pelo STF, destacamos: 1) a proibição de distribuição realizada por empregados (as) terceirizados e estagiários(as), restringindo-a somente aos(as) servidores(as) ocupantes de cargo efetivo ou de confiança; 2) a necessidade de justificativa, por escrito, acerca do critério adotado; e 3) a exigência de validação formal do Coordenador de Processamento Inicial ou do Secretário Judiciário: Art. 1º Esta Resolução regula o procedimento de distribuição de processos por prevenção, conexão, continência, compensação ou impedimento de Ministro, bem como das demais hipóteses previstas no Regimento Interno, ressalvada aquela feita de forma livre. Art. 2º A distribuição somente será realizada por servidor ocupante de cargo efetivo ou de confiança, com exclusão de empregados terceirizados e estagiários. Art. 3º O servidor responsável pela distribuição deverá justificar, em campo próprio do sistema informatizado, o dispositivo normativo em que ela se fundou, o número do processo e o(s) nome(s) do(s) Ministro(s) eventualmente dela excluído(s). Art. 4º O procedimento, antes de concluído, deverá conter, além da justificativa descrita no artigo anterior, a validação formal da distribuição pelo Coordenador de Processamento Inicial ou pelo Secretário Judiciário, salvos nas hipóteses previstas nos §§ 1º, 2º e 5º do art. 67 do Regimento Interno, situações em que tais informações já foram previamente aprovadas no sistema pelo Coordenador ou Secretário.

Observa-se, com isso, que no âmbito do Supremo Tribunal Federal houve claro reconhecimento da aleatoriedade e publicidade como critérios normativos da distribuição processual. Mas não há no STF a definição de como se dará a uniformização do trabalho entre os(as) ministros(as), não havendo regulamentação específica para o instituto da compensação.

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Diferentemente do que ocorre nos processos submetidos ao Sistema Processo Judicial Eletrônico (PJe), em que há, como já vimos, a atribuição de pesos a serem validados por grupos de magistrados de todas as instâncias, não podemos identificar no Sistema de Processamento Eletrônico do Supremo (e-STF) os critérios jurídicos formadores do algoritmo responsável pela distribuição de processos. Por sua vez, o Regimento Interno do STF prevê a possibilidade de exclusão prévia de ministros(as) da distribuição processual, havendo, portanto, um reconhecimento de alteração constante do algoritmo, seja para diminuir o âmbito do sorteio na exclusão de magistrados, seja para eventual compensação15. Não se trata de negar a importância da existência de mecanismos que possibilitem uma maior uniformização da carga de trabalho entre ministros e ministras do STF, mas os critérios devem ser claros e não podem ser delegados sob o argumento de que se trata de assunto de responsabilidade do Setor de Tecnologia da Informação da Suprema Corte. Afinal, como já vimos, os códigos não jurídicos que formam os algoritmos definidores da distribuição de processos são oriundos de normas jurídicas e possuem a função de traduzi-las em dados processados e informatizados de forma a garantir a imprevisibilidade do resultado e, no âmbito do STF, a compensação como forma 15  No que se refere à compensação na distribuição, o Tribunal Regional do Tra�� balho da 12ª Região negou provimento à reclamação administrativa movida por Juiz do Trabalho da 2º Vara do Trabalho de Balneário Camboriú/SC, com o objetivo alterar as regras de distribuição processual para fins de compensação, in verbis: “DISTRIBUIÇÃO PROCESSUAL. PROVIMENTO CR N. 01/2013. Os critérios de distribuição vigentes, previstos no Provimento CR n. 01/2013, são objetivos e uniformes para todas as unidades judiciárias, e não comportam a compensação conforme o grau de dificuldade das ações, na medida em que consideram tão somente o número de feitos a serem distribuídos, conforme a classificação dentro de cada grupo estabelecido no sistema a que pertence a ação (TRT - 12 Região - RecAdm 001011770.2015.5.12.0000. Rel. Des. Roberto Basilone Leite, Secretaria do Tribunal Pleno, Data de Publicação: 16/09/2015)”. RRafaeRaRafa

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de evitar a concentração de trabalho ao longo do tempo. Saber ao certo se a distribuição processual no âmbito da Suprema Corte é segura e imprevisível dependerá do grau de transparência com que o STF abordará o assunto, se o algoritmo responsável pela definição dos(as) ministros(as) reflete uma sequencia verdadeiramente aleatória ou pseudoaleatória, mas, sobretudo, se o algoritmo é capaz de impedir o direcionamento ilícito de processos, preservando, com isso, o devido processo legal16.

5 A Lei de Acesso à Informação e o Dever de Informar A introdução da Lei nº 12.527/2011 em nosso ordenamento jurídico representou um significativo avanço nas relações estabelecidas entre o Estado e a sociedade brasileira, particularmente pelo longo período de ditadura militar vivenciado nas últimas décadas. A perspectiva de um novo paradigma no controle de informações surge e redefine o papel do Estado quanto à transparência de suas ações e omissões. Conhecida como a Lei de Acesso à Informação, a Lei nº 12.527/2011 prevê em seu artigo 1º o objetivo de garantir o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5o, no inciso II do § 16  A presença de investigações sobre supostas fraudes, ou ainda a existência de falhas nos sistemas de distribuição de processos pelo país, alimentam a necessidade de um amplo debate sobre a transparência dos critérios e dos mecanismos de segurança adotados. Como exemplos, citamos: 1) A investigação iniciada no âmbito do TRT-2ª Região (https://www.conjur.com.br/2005-out-15/trt_paulista_investigado_suspeita_fraude); 2) A denúncia formulada pelo Ministério Público contra funcionários do TJPB que, supostamente, direcionavam ilicitamente processos no 2º grau (Processo nº 0038917-35.2005.815.2002); 3) A suspensão da distribuição de processos por prevenção determinada pela Corregedoria-Geral da Justiça Federal ao TRF-2ª Região (https://www.conjur.com.br/2016-jul-10/corregedoria-manda-trf-suspender-distribuicao-prevencao); e 4) O auto circunstanciado de inspeção preventiva do CNJ que constatou a paralisação das investigações de supostas fraudes na distribuição de processos no âmbito do 1º e 2º grau do TJAM (http://www. cnj.jus.br/noticias/67032-cnj-recomenda-instauracao-de-sindicancias-para-apurar-morosidade-na-justica-amazonense). RRafaeRaRafa

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3º do art. 37 e no §2º do art. 216 da Constituição Federal, subordinando os três poderes de República em todos os entes da federação, além do Ministério Público: Art. 1o Esta Lei dispõe sobre os procedimentos a serem observados pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, com o fim de garantir o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5o, no inciso II do § 3º do art. 37 e no § 2º do art. 216 da Constituição Federal. Parágrafo único. Subordinam-se ao regime desta Lei: I - os órgãos públicos integrantes da administração direta dos Poderes Executivo, Legislativo, incluindo as Cortes de Contas, e Judiciário e do Ministério Público; II - as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

Além disso, houve a preocupação do legislador em definir quais as diretrizes fundamentais à aplicação da Lei nº 12.527/2011, conforme dispõe o seu artigo 3º: Art. 3CPC/2015 Os procedimentos previstos nesta Lei destinam-se a assegurar o direito fundamental de acesso à informação e devem ser executados em conformidade com os princípios básicos da administração pública e com as seguintes diretrizes: I - observância da publicidade como preceito geral e do sigilo como exceção; II - divulgação de informações de interesse público, independentemente de solicitações; III - utilização de meios de comunicação viabilizados pela tecnologia da informação; IV - fomento ao desenvolvimento da cultura de transparência na administração pública; V - desenvolvimento do controle social da administração pública.

Sem dúvida, a prevalência da publicidade como preceito geral no tocante ao controle de informações redimensiona a relação RRafaeRaRafa

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entre a administração pública e o conjunto da sociedade brasileira, na medida em que restringe o sigilo da informação e inaugura uma nota etapa no processo de abertura democrática. Como bem asseverou Bernades em sua dissertação: Pode-se afirmar que a “cultura do segredo” e a “noção do secreto” já haviam sofrido uma sensível alteração desde a promulgação da Constituição Cidadã em 1988, sendo que em diversos trechos a carta magna estabelece que o agir do Estado Democrático de Direito brasileiro deve ser pautado pela transparência. Dessa forma, a lei 12.527/2011 não inova acerca da concepção do sigilo das informações públicas, já que a própria Constituição preconiza o direito fundamental de acesso à informação. Contudo, a administração pública passa a oferecer, com fulcro na Lei de Acesso à Informação, a efetiva possibilidade de acesso à informação aos cidadãos, e a consequente fiscalização dos atos realizados pelos agentes públicos, promovendo uma reafirmação e potencialização do acesso à informação, promovendo uma nova forma de se conceber o sigilo no âmbito da informação pública17.

Todavia, Barroso destaca a separação entre as liberdades de informação e expressão, reportando-se a garantias constitucionais diversas: A doutrina brasileira distingue as liberdades de informação e de expressão, registrando que a primeira diz respeito ao direito individual de comunicar livremente fatos, e ao direito difuso de ser deles informado; a liberdade de expressão, por seu turno, destina-se a tutelar o direito de externar ideias, opiniões, juízos de valor, em suma, qualquer manifestação do pensamento humano18.

Lançadas as considerações acima, a nova ordem jurídica no controle de informações não somente protege o direito fundamental de acesso à informação, como também cria, em contrapartida, o dever de informar por parte do Estado. Nesse sentido, a Lei nº 12.527/2011 também se preocupou em 17  BERNARDES, 2015, p. 103. 18  BARROSO, 2012, p. 58. RRafaeRaRafa

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definir diversos conceitos e características necessárias à identidade, tratamento, autenticidade, disponibilidade, integridade e origem da informação, a fim de viabilizar o pleno exercício do direito fundamental de acesso à informação e o cumprimento do dever de informar previsto em seu artigo 5º: Art. 4CPC/2015 Para os efeitos desta Lei, considera-se: I - informação: dados, processados ou não, que podem ser utilizados para produção e transmissão de conhecimento, contidos em qualquer meio, suporte ou formato; II - documento: unidade de registro de informações, qualquer que seja o suporte ou formato; III - informação sigilosa: aquela submetida temporariamente à restrição de acesso público em razão de sua imprescindibilidade para a segurança da sociedade e do Estado; IV - informação pessoal: aquela relacionada à pessoa natural identificada ou identificável; V - tratamento da informação: conjunto de ações referentes à produção, recepção, classificação, utilização, acesso, reprodução, transporte, transmissão, distribuição, arquivamento, armazenamento, eliminação, avaliação, destinação ou controle da informação; VI - disponibilidade: qualidade da informação que pode ser conhecida e utilizada por indivíduos, equipamentos ou sistemas autorizados; VII - autenticidade: qualidade da inedida, recebida ou modificada por determinado indivíduo, equipamento ou sistema; VIII - integridade: qualidade da informação não modificada, inclusive quanto à origem, trânsito e destino; IX - primariedade: qualidade da informação coletada na fonte, com o máximo de detalhamento possível, sem modificações. Art. 5CPC/2015 É dever do Estado garantir o direito de acesso à in�� formação, que será franqueada, mediante procedimentos objetivos e ágeis, de forma transparente, clara e em linguagem de fácil compreensão.

Noutra ponta, a Lei nº 12.527/2011 também buscou classificar as informações quanto a sua imprescindibilidade à segurança da RRafaeRaRafa

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sociedade ou do Estado, limitando em 25 anos o prazo para a manutenção do sigilo de informações consideradas ultrassecretas: Art. 23. São consideradas imprescindíveis à segurança da sociedade ou do Estado e, portanto, passíveis de classificação as informações cuja divulgação ou acesso irrestrito possam: I - pôr em risco a defesa e a soberania nacionais ou a integridade do território nacional; II - prejudicar ou pôr em risco a condução de negociações ou as relações internacionais do País, ou as que tenham sido fornecidas em caráter sigiloso por outros Estados e organismos internacionais; III - pôr em risco a vida, a segurança ou a saúde da população; IV - oferecer elevado risco à estabilidade financeira, econômica ou monetária do País; V - prejudicar ou causar risco a planos ou operações estratégicos das Forças Armadas; VI - prejudicar ou causar risco a projetos de pesquisa e desenvolvimento científico ou tecnológico, assim como a sistemas, bens, instalações ou áreas de interesse estratégico nacional; VII - pôr em risco a segurança de instituições ou de altas autoridades nacionais ou estrangeiras e seus familiares; ou VIII - comprometer atividades de inteligência, bem como de investigação ou fiscalização em andamento, relacionadas com a prevenção ou repressão de infrações. Art. 24. A informação em poder dos órgãos e entidades públicas, observado o seu teor e em razão de sua imprescindibilidade à segurança da sociedade ou do Estado, poderá ser classificada como ultrassecreta, secreta ou reservada. § 1CPC/2015 Os prazos máximos de restrição de acesso à informação, conforme a classificação prevista no caput, vigoram a partir da data de sua produção e são os seguintes: I - ultrassecreta: 25 (vinte e cinco) anos; II - secreta: 15 (quinze) anos; e III - reservada: 5 (cinco) anos.

No âmbito do Supremo Tribunal Federal, o acesso à informaRRafaeRaRafa

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ção previsto na Lei nº 12.527/2011 foi regulamentada pela Resolução nº 528/2014, a qual se limita ao fornecimento de informações de cunho administrativo e não jurisdicional. Houve também por parte da referida resolução a previsão de requerimentos administrativos na forma eletrônica e a interposição de recursos. Destaca-se o teor do artigo 4º da Resolução nº 528/2014, abaixo transcrito, o qual prevê um rol não exaustivo de informações que podem ser requisitadas à Suprema Corte: Art. 4º O acesso à informação de que trata esta Resolução compreende, entre outros, os direitos de obter: I – orientação sobre os procedimentos para a consecução de acesso, bem como sobre o local onde poderá ser encontrada ou obtida a informação almejada; II – informação contida em registros ou documentos, produzidos ou acumulados pelo Supremo Tribunal Federal, recolhidos ou não aos arquivos da Corte; III – informação produzida ou custodiada por pessoa física ou entidade privada decorrente de qualquer vínculo com o Supremo Tribunal Federal, mesmo que esse vínculo já tenha cessado; IV – informação primária, íntegra, autêntica e atualizada; V – informação sobre atividades exercidas pelo Supremo Tribunal Federal, inclusive as relativas à sua política, organização e serviços; VI – informação pertinente à administração do patrimônio público, utilização de recursos públicos, licitação, contratos administrativos; e VII – informação relativa: a) à implementação, acompanhamento e resultados dos programas, projetos e ações, bem como metas e indicadores propostos; b) ao resultado de inspeções, auditorias, prestações e tomadas de contas realizadas pela unidade competente do Supremo Tribunal Federal e pelos órgãos de controle externo, incluindo prestações de contas relativas a exercícios anteriores.

Como se pode observar no artigo 4º, incisos II e III, o acesso RRafaeRaRafa

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à informação abrange tanto a informação contida em registros ou documentos, produzidos ou acumulados pelo Supremo Tribunal Federal, assim como a informação produzida ou custodiada por pessoa física ou entidade privada decorrente de qualquer vínculo com o STF, mesmo que esse vínculo já tenha cessado. Dessa forma, mesmo no caso da manutenção e desenvolvimento do Sistema de Processamento Eletrônico do Supremo (e-STF) ser realizado por empresa privada, é assegurado o direito à informação ante a aplicabilidade da Lei nº 12.527/2011. No caso da distribuição processual eletrônica, a relação estabelecida entre as regras jurídicas e os códigos não jurídicos e informatizados a partir de um software administrado pelo setor de tecnologia do tribunal ou por uma empresa privada é indiferente quando se refere à incidência da Resolução nº 528/201419. Segundo Daniel Chada e Ivar A. Hartmann, engenheiro-chefe e coordenador do projeto Supremo em Números, não haveria risco na divulgação do algoritmo responsável pela distribuição de processos no STF, independente de se tratar de algoritmo verdadeiramente aleatório ou pseudoaleatório: Mas quando a semente usada é suficientemente complexa, mesmo algoritmos pseudo-aleatórios são praticamente impossíveis de quebrar. Se for desse tipo, o algoritmo de distribuição aleatória de processos do Supremo estaria vulnerável apenas a entidades com poder computacional semi-infinito, como o Google ou a NSA. Mesmo assim, seria necessário descobrir a semente. Ou seja, uma renovação periódica dela resolveria o problema. O algoritmo poderia ser divulgado sem risco. Existem também formas de um computador dar respostas verdadeiramente aleatórias. Nesses casos, nem todo o poder computacional do mundo permitiria prever para qual ministro o próximo processo seria distribuído. Esses algoritmos tornam a engenharia reversa impossível. Eles se baseiam em dados im19  A natureza jurídica das regras de distribuição processual é administrativa e não jurisdicional, mesmo reproduzidas a partir de códigos não jurídicos e informatizados. RRafaeRaRafa

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previsíveis da realidade, como o ruído atmosférico ou a temperatura ambiente. Há soluções online neste formato, como o site random.org. Neste caso, não importa qual o algoritmo usado, pois o resultado é aleatório independentemente do código-fonte. Qual dos dois o Supremo usa? Se o método depende do algoritmo é uma escolha muito perigosa, pois permite manipulação. A divulgação do algoritmo nesse caso é o menor dos problemas. Se não se baseia no algoritmo e sim em uma semente complexa ou em algo verdadeiramente aleatório, então o sigilo do código-fonte não faz diferença. De fato, muitos sistemas realmente seguros publicam voluntariamente seu algoritmo para corroborar sua segurança. Os tokens usados pelos clientes de bancos como o Itaú para gerar um número aleatório e garantir a segurança do internet banking são baseados em um algoritmo público. O Bitcoin, que já movimenta milhões no mundo inteiro, também tem seu código fonte divulgado ao público20.

Não há como negar, portanto, a aplicabilidade da Lei nº 12.527/2011 junto ao Supremo Tribunal Federal como forma de garantir a divulgação das informações responsáveis pelos sorteios eletrônicos e definidoras do critério normativo de distribuição aleatória. Somente o fornecimento do algoritmo responsável pela tradução das regras de distribuição processual em códigos não jurídicos e informatizados indicará o nível de segurança dos sorteios quanto à imprevisibilidade dos resultados.

6 Considerações finais O protagonismo atualmente desempenhado pelo Supremo Tribunal Federal impõe uma nova postura junto à sociedade, especialmente no que se refere à transparência de suas ações. A aplicabilidade da Lei de Acesso à Informação é um passo importante nessa direção, mas ainda esbarra na cultura de um Poder Judiciário preso aos resquícios de um passado não democrático. Nesse contexto, o recente fenômeno do ativismo judicial repo20 

CHADA e HARTMANN, 2017.

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siciona a separação dos poderes e coloca a Suprema Corte no centro das decisões mais importantes do país, especialmente quando o STF exerce o controle de constitucionalidade, definindo de forma soberana a extensão e os limites dos direitos fundamentais. Somado a isso, o crescimento dos poderes do(a) relator(a) e o enfraquecimento das decisões colegiadas acendem o debate quanto aos critérios de distribuição processual. Nesse sentido, a atual polarização ideológica dos ministros e ministras do STF, pública e notória, traz consigo a necessidade de expor de forma clara as normas jurídicas que definem os sorteios. Entretanto, esse conjunto de regras jurídicas passa por um processo de tradução informatizado e que culmina na formação de comandos eletrônicos quase sempre ignorados pelos operadores do direito. A zona cinzenta entre as normas jurídicas e o algoritmo responsável por comandar essas informações traduzidas foi o objeto do presente trabalho e direcionou as expectativas quanto à aplicabilidade da Lei de Acesso à Informação. Embora reconheça o caráter ácido com que o presente trabalho possa se apresentar para alguns setores, inclusive do Poder Judiciário, saber quais as regras que definem, por exemplo, a distribuição de processo relacionado ao exercício dos direitos fundamentais é uma informação de interesse público. Por outro lado, saber se o sistema de distribuição processual do STF é vulnerável ou previsível também se revela uma preocupação importante, na medida em que não há divulgação do algoritmo responsável por assegurar a aleatoriedade dos sorteios. Somente a garantia de imprevisibilidade do resultado garantirá a observância dos critérios de distribuição processual com a consequente preservação do devido processo legal. Fica claro, portanto, que a divulgação do algoritmo responsáRRafaeRaRafa

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vel pela distribuição de processos no STF durante os últimos anos é fundamental para consolidar a transparência na Suprema Corte e redimensioná-la como protagonista no processo de abertura do Poder Judiciário e como ativista de uma nova cultura judiciária marcada pela publicidade dos seus atos administrativos.

7 Referências ÁVILA, Humberto Bergmann. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 4ª ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2005. MLODINOW, L. O andar do bêbado, Rio de Janeiro: Zahar, 2009. VILANOVA, Lourival, As estruturas lógicas e o sistema do Direito Positivo, São Paulo: Editora Max Limonad, 1997. BERNADES, C.F.S. O direito fundamental de acesso à informação: uma análise sob a ótica do princípio da transparência. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2015. BARROSO, Luis Roberto. Colisão entre liberdade de expressão e direitos da personalidade. Critérios de ponderação. In GOZZO, Débora (coord.). Informação e direitos fundamentais: a eficácia horizontal das normas constitucionais. São Paulo: Saraiva, 2012. CHADA, Daniel. HARTMANN. Ivan. A distribuição dos processos no Supremo é realmente aleatória? Disponível em . Acesso em 10 de nov. de 2017.

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O P rincípio da C ooperação no C ódigo de Processo de 2015 como garantia à razoável duração do processo

Rafael Targino Falcão1

O presente artigo analisa a aplicabilidade de princípios processuais de natureza constitucional em razão do surgimento de um processo civil constitucionalizado no ordenamento jurídico pátrio. Para tanto, mister se fez uma análise sobre a influência e os reflexos da aplicação dos princípios no ordenamento jurídico, de forma específica ao processo civil em razão do advento do código de processo civil de 2015. Ao fim, expõe-se sobre os reflexos da utilização do princípio da cooperação no processo de natureza cível, de forma específica quanto a sua influência no que tange à possibilidade de prestação jurisdicional em tempo razoável, como determinam inclusive os dispositivos internacionais. A metodologia utilizada na elaboração deste escrito organiza-se em uma linha descritivo-analítica, desenvolvida por meio de pesquisas do tipo bibliográfica, pura no que se refere à utilização dos resultados, e de natureza qualitativa. Diante do que se observou, concluiu-se pela íntima relação entre os princípios da cooperação e da duração razoável do processo, uma vez que, por meio daquele, possibilita-se a prática de atos, por todos os sujeitos de direito envolvidos na relação, que visem a maior celeridade processual. Palavras-chave: Processo civil – direito civil-constitucional – princípios processuais – princípio da cooperação – princípio da duração razoável do processo Sumário: 1. Introdução; 2. Os Princípios no Código de Processo Civil de 2015; a. Considerações Iniciais; b. Princípios Processuais Constitucionais; 3. As inovações trazidas pela introdução do Princípio da Cooperação ao Processo Civil Pátrio; 4. Efetivação do Princípio da Duração Razoável do Processo por meio da aplicabilidade do Princípio da Cooperação; 5. Conclusão; 6. Referências.

1 Introdução Com o advento do Código de Processo Civil, sendo aplicado desde março de 2015, muitas foram as mudanças observadas no ordenamento jurídico brasileiro. Isto porque, conquanto seja o direito, sensivelmente o processual, também reflexo das mudanças culturais de uma sociedade, é sabido que se passaram mais de 40 anos até a edição 1  Advogado. Bacharel em Direito pela UFPB. Pós-graduando em Processo Civil Contemporâneo pela UFPE. RRafaeRaRafaelRaRafae

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de um código com escopo de regulamentar tal aspecto jurídico. Diante de uma realidade de constitucionalização de vários âmbitos do direito, não foi diferente com o processo civil. Inclusive, quando da elaboração do Código de Processo Civil, atentou o legislador ao prisma neoconstitucionalista a ser adotado, motivo pelo qual, logo em seu primeiro artigo, dispôs sobre a necessidade de concordância daquilo que era aplicado ao processo com os valores e princípios constitucionais. Motivo da elaboração de um novo código foi a necessidade de se buscar uma solução para o crescimento do número de processos a serem julgados, assim como uma tentativa de efetivar a prestação jurisdicional em tempo razoável, conforme determina o Pacto de San José da Costa Rica, aspectos que, em reiteradas vezes, são indissociados. Para tanto, pretendeu o legislador, quanto ao número de processos, priorizar a utilização de meios extrajudiciais para resolução, seja pela mediação, conciliação ou, até mesmo, a arbitragem, de modo a diminuir, de forma significativa, as demandas efetivamente processualizadas. Quanto à procura de uma prestação jurisdicional feita em tempo razoável, buscou o legislador a utilização de princípios, como o da cooperação, a fim de que, por meio da participação efetivas das partes, bem como do juiz competente, possibilite-se uma maior celeridade processual. No presente escrito, haverá a apresentação das mudanças percebidas no ordenamento jurídico brasileiro em decorrência da aplicação de princípios constitucionais ao processo civil pátrio, de modo especial o princípio da cooperação, com escopo de demonstrar a íntima relação entre a aplicabilidade deste e seu reflexo na garantia da prestação jurisdicional em tempo razoável, uma vez que importa, necessariamente, em maior celeridade processual. RRafaeRaRafaelRaRafae

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2 Os Princípios no Código de Processo Civil de 2015 Considerações Iniciais Os princípios são entendidos, no ordenamento jurídico brasileiro, como fundamento de uma norma jurídica. Isto porque, conquanto, por vezes, não esteja definido em nenhum diploma legal, são basilares para a aplicação, a integração e até mesmo a elaboração de novas normas. É como aduz Miguel Reale2, veja-se: Princípios são enunciações normativas de valor genérico, que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico, a aplicação e integração ou mesmo para a elaboração de novas normas. São verdades fundantes de um sistema de conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas, mas também por motivos de ordem prática de caráter operacional, isto é, como pressupostos exigidos pelas necessidades da pesquisa e da práxis.

Percebe-se, pois, que são mais que simples regras, tanto que estabelecem limitações ao exercício do direito na sociedade, além de fornecer diretrizes que são responsáveis por embasar a ciência jurídica, isto é, justificar a criação e a aplicabilidade de determinada lei ou norma. Hodiernamente, é cristalino que os princípios possuem uma importância dantesca, tanto que servem como padrões teleológicos do sistema, com base nos quais poderá ser obtido o melhor significado das regras, conforme defendem Cláudio Bonatto e Paulo Moraes3. Apresentam-se como sendo, portanto, o grande embasamento da ordem jurídica. Resta clarividente que muitas são as funções dos princípios no ordenamento jurídico, seja a de servir como embasamento interpretativo, isto é, conferir as diretrizes básicas para que se possa interpretar 2  REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito, 2003, p. 37. 3  BONATTO, Cláudio; MORAES, Paulo Valério Dal Pai. Questões Controvertidas no Código de Defesa do Consumidor, 2009, p. 28. RRafaeRaRafaelRaRafae

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determinada norma ou a de servir, de forma subsidiária, à aplicação do direito em casos práticos, caso não haja regulamentação expressa. Ainda, é evidente a função fundamentadora que possuem, tanto que, como entende Celso Antônio Bandeira de Mello4, se apresentam como sendo “disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência”. Depreende-se do exposto que, quanto a sua função fundamentadora, os princípios acabam por garantir que a norma jurídica seja aplicada de acordo com sua motivação primeira, sem que haja decisões pautadas na vontade particular do jurista ou do operador do direito, tanto que tais decisões devem ser, obrigatoriamente, fundamentadas em dispositivo legal. Conquanto abranjam o ordenamento jurídico como um todo, mister se faz destacar que há princípios inerentes a cada ramo estudado, isto é, específicos ao direito constitucional, ao que se refere ao processo trabalhista, ao direito processual penal, bem como ao direito processual civil. Diante da constitucionalização do direito brasileiro, percebe-se que os princípios inseridos na Constituição Federal, vez que se referem às normas fundamentadoras do ordenamento pátrio, são aplicáveis a todo e qualquer processo judicial, devendo ser seguido por todos os participantes da relação jurídica. Com o advento do Código de Processo Civil de 2015, o legislador dispôs de forma expressa sobre a aplicabilidade dos princípios constitucionais ao Direito Processual Civil, com escopo de “densificar o direito de ação como direito a um processo justo e, muito especialmente, como um direito à tutela jurisdicional adequada, efetiva e tem4  BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo, 2003, pp. 817-818. RRafaeRaRafaelRaRafae

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pestiva dos direitos”, como dispôs Daniel Mitidiero e Luiz Guilherme Marinoni5. Inclusive, o artigo 1º do Código de Processo Civil dispõe, expressamente, sobre a obrigatoriedade de que todo o processo civil seja ordenado, disciplinado e interpretado segundo a Carta Magna, de modo que, mesmo os princípios constitucionais que não tenham sido expressos no Código, devem ser utilizados, caso se faça pertinente. Princípios Processuais Constitucionais O Código de Processo Civil traz, no decorrer dos seus 12 (doze) primeiros artigos, os princípios fundamentais à execução do processo civil no ordenamento jurídico pátrio, a observar, de forma especial, as regras e princípios constitucionais. Embora haja a disposição de alguns desses princípios, é clarividente que não se trata de rol exaustivo, uma vez que, como já exposto, o processo reflete, também, as realidades sociais, que podem sofrer alterações. Um exemplo de princípio de origem constitucional que passou a ser aplicado ao processo civil, agora com amparo legal expresso, foi o do devido processo legal. Isto porque, como assegura o rol do artigo 5º da Constituição Federal, é garantido a todo sujeito de direito, no Brasil, o direito fundamental a um processo devido; seja ele no âmbito legislativo, administrativo ou jurisdicional. Tal garantia é necessária para evitar o exercício abusivo do poder. Seu significado modifica-se, no decorrer do tempo, visto que se trata de cláusula geral, de modo que oscila a depender das modificações verificadas na sociedade. Sua essência, entretanto, a saber, a de proteção contra o abuso do poder, remota ao Édipo de Conrado II, em 1.037, oportunidade em que, pela primeira vez, dispôs-se, de forma escrita, que até mesmo o Imperador está submetido às leis do Império. 5  MARINONI, Luiz Guilherme. MITIDIERO, Daniel. O Projeto do CPC. Crítica e propostas, 2010, p. 16. RRafaeRaRafaelRaRafae

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Ainda que se modifique durante o tempo, é inegável que alguns aspectos, isto é, garantias mínimas, foram incorporadas à ideia de devido processo legal, tanto que a Carta Magna passou a estabelecê-los, de modo a se perceber, no ordenamento pátrio, um modelo constitucional do processo. A importância do presente princípio é hercúlea, tanto que dele decorrem outros importantes aspectos do processo, como o da adequação, da boa-fé processual e da efetividade. Percebe-se, como destaca Fredie Didier Jr., que além de público, paritário e tempestivo, o processo, para ser devido, deve ser adequado, legal e efetivo6. Não por outra razão, aspectos como a obrigatoriedade de obediência à legalidade, por exemplo, também decorrem da aplicabilidade do devido processo legal. Há que se destacar que entendem alguns doutrinadores que diversos são os modelos de direito processual e que todos eles podem ser considerados em conformidade com o princípio do devido processo legal, uma vez que, como já exposto, o conceito de devido processo legal pode diferir, a depender do espaço e do tempo em que seja aplicado. Diante disto, percebe-se que a doutrina identifica dois modelos de estruturação do processo, conquanto haja severas discussões quanto a essa dicotomia7, sendo eles: modelo adversarial e modelo inquisitivo. Tal divisão decorre da análise do papel do juiz na problemática, como discorre José Carlos Barbosa Moreira8: Falar dos poderes do juiz importa enfrentar problema central de política jurídica, a cujo respeito todo o sistema processual é chamado a definir-se: o problema da ‘divisão de trabalho’ entre o órgão judicial e as partes. 6  DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil, 2016, p. 125. 7  DAMAKA, Mirjan R. The faces of justice and State Authority, 1986, pp. 3-segs; CHASE, Oscar G. A ‘excepcionalidade’ americana e o direito processual comparado, 2003, p. 122. 8  MOREIRA, José Carlos Barbosa. Os poderes do juiz na direção e na instrução do processo, 1989, p. 45-46. RRafaeRaRafaelRaRafae

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O primeiro deles, adversarial, organiza-se como uma disputa entre dois adversários9, qual seja, as partes, realizada diante de um órgão jurisdicional relativamente passivo, representado pela figura do juiz, cuja principal função é decidir o caso10. Já o modelo inquisitorial, ou não adversarial, é aquele que se organiza como uma pesquisa oficial, sendo o órgão jurisdicional o grande protagonista do processo. Em razão das mudanças sociais observadas em todo o mundo, sensivelmente no Brasil, e a observar os ditames de um processo civil constitucionalizado, o legislador, quando da elaboração do Código de Processo Civil de 2015 acabou por criar um novo modelo a ser analisado: o processo cooperativo, abordado a seguir.

3 As Inovações Trazidas pela Introdução do Princípio da Cooperação ao Processo Civil Pátrio Por meio do advento do Código Civil de 2002, em atenção ao processo de constitucionalização do direito pátrio, especificamente com escopo de viabilizar a efetivação da prestação jurisdicional em tempo razoável, conforme a seguir será demonstrado, o legislador dispôs, em seu artigo 6º, sobre o princípio da cooperação. No referido dispositivo, dispôs que “todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”, caracterizando tal disposição como norma fundamental, razão pela qual deve ser seguido e respeitado por todos os envolvidos na relação processual. Oriundo dos princípios constitucionais do contraditório e da boa-fé processual (tanto que já era considerado como implícito por alguns doutrinadores), o princípio da cooperação é considerado como sendo o meio pelo qual se busca a efetivação do princípio do devido processo 9  DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil, 2016, p. 126. 10  JOLOWICZ, J.A. Adversarial na inquisitorial approaches to civil litigation, 2000, p. 177. RRafaeRaRafaelRaRafae

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legal, uma vez que determina como deve se estruturar o processo no direito brasileiro, em atenção ao novo modelo cooperativista. Percebe-se, por meio da aplicabilidade do supramencionado princípio, haver um redimensionamento do princípio do contraditório, uma vez que se expande o direito de diálogo processual às partes e também ao órgão jurisdicional, afastando-se a ideia do juiz como mero espectador, como no modelo adversarial, como também do papel de protagonista da lide, como ocorria no modelo inquisitorial. Busca-se com tal redimensionamento, portanto, conferir tanto ao juiz quanto as partes, com previsão legal, posição apta para que possam buscar sanar qualquer dúvida e incerteza que exista, de modo a evitar as situações de insegurança processual e se obter a solução do litígio de forma justa, efetiva e em prazo razoável. Destaca-se que, apesar de, em um primeiro momento, ser o princípio da cooperação utilizado para prolação da decisão, isto é, no processo de conhecimento, sua aplicabilidade não se restringe a tal fase. Isto porque é aplicável, também no processo de execução, tanto no que tange a indicação de bens a serem penhoráveis, bem como apresentar o meio de execução menos oneroso e mais favorável. O modelo cooperativo, viabilizado por meio da aplicabilidade do princípio da cooperação, é visto como sendo o mais adequado para uma democracia, isto porque, como determina Dierle José Coelho Nunes11, “a comunidade de trabalho deve ser revista em perspectiva policêntrica e comparticipativo, afastando qualquer protagonismo e se estruturando a partir do modelo constitucional de processo”. Diante de tal realidade, surgem deveres de conduta tanto para as partes quanto para o órgão jurisdicional. Isto porque, diferente do que ocorria no processo civil orientado pelo Código de Processo Civil de 1973, o papel das partes (a incluir o órgão jurisdicional) passa a ser 11  NUNES, Dierle José Coelho. Processo jurisdicional democrático, 2008, p. 215. RRafaeRaRafaelRaRafae

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“paritário”, como defende Daniel Mitidiero12. Mister se faz destacar que tal paridade de participação durante o processo não se estende ao momento da decisão, isto porque trata de função exclusiva do órgão jurisdicional. O que ocorre é que tal decisão decorre de um processo estabelecido sob as normas da cooperação, isto é, resulta das discussões percebidas durante o decorrer do processo. Em suma, percebe-se que “a atividade cognitiva é compartilhada, mas a decisão é manifestação do poder, que é exclusivo do órgão jurisdicional” 13. Ao perceber que o processo é um feixe de relações jurídicas, uma vez que se estabelece entre os mais diversos sujeitos de direito, a incluir, o órgão jurisdicional, é clarividente que tal princípio deve abranger, também, todas as relações ali percebidas. Isto é, utilizar-se-á o princípio da cooperação seja na relação autor-réu, juiz-réu, autor-réu-juiz, juiz-perito e quantas outras se verificarem no decorrer do processo, inclusive ente terceiros interessados que venham a fazer parte da lide. Conquanto não haja disposição legal sobre sua forma de implementação, não se pode afastar a aplicabilidade do princípio da cooperação no processo civil, uma vez que sua eficácia normativa independe da existência de regras jurídicas expressas. Trata-se de princípio responsável, fundamentalmente, por integrar o sistema jurídico. Sistematizar os deveres que decorrem da aplicabilidade do princípio em questão se mostra matéria de grande discussão na doutrina pátria, isto porque o legislador não o fez de forma expressa, de modo que, de forma analógica ao princípio da boa-fé, entende ser os deveres da cooperação divididos em deveres de esclarecimento, lealdade e proteção14 ou esclarecimento, prevenção, consulta e auxílio15. 12  MITIDIERO, Daniel. Colaboração no processo civil, 2009, pp. 102-103. 13  DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil, 2016, p. 127. 14  DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil, 2016, p. 128. 15  MOUZALAS, Rinaldo. Processo Civil volume único, 2016, p. 60. RRafaeRaRafaelRaRafae

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O dever de esclarecimento tem como escopo primeiro evitar situações de insegurança jurídica em que o juiz profira sua decisão com base em informação incompleta e frágil. Preza-se, pois, pela fidedignidade dos fatos, de modo a obter uma decisão coerente e justa. Inclusive, o legislador conferiu ao juiz o poder de decretar inépcia em face daquele que, de alguma forma, desrespeitar tal dever. Destaca-se que, quando em face de petições que possuam obscuridade do pedido ou da causa de pedir, por exemplo, não deve haver o indeferimento antes de se solicitar o devido esclarecimento pelo demandante ou seu procurador, de modo a possibilitar a economia dos atos processuais. É faceta do dever de esclarecimento o dever de consulta ou de informar, isto é, não pode “o órgão jurisdicional decidir com base em questão de fato ou de direito sem que sobre elas sejam as partes intimadas a manifestar-se” 16, como assegura o artigo 10º do Código de Processo Civil. Depreende-se do exposto que o princípio da cooperação se apresenta como sendo concretização do princípio do contraditório, uma vez que assegura aos litigantes o poder de influenciar na solução da controvérsia de forma significativa, por meio da aplicação do dever de esclarecimento. Quanto ao dever de lealdade, o princípio da cooperação se mostra como garantia à efetivação do princípio da boa-fé processual, e de proteção no sentido de que não pode a parte causar danos à parte adversária, como no caso de responsabilização objetiva do exequente quando em casos de execução injusta, assegurado pelo artigo 520, I e 776 do Código de Processo Civil. O dever de prevenção se aplica quando o êxito da ação ou da de-

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DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil, 2016, p. 130.

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fesa possa ser frustrado pelo uso inadequado do processo17, visivelmente em quatro situações, sendo elas: explicitação de pedidos pouco claros, o caráter lacunar da exposição dos fatos relevantes, a necessidade de adequar o pedido formulado à situação concreta e a sugestão de certa atuação. Tal dever encontra seu marco no direito conferido pelo artigo 321 do CPC que confere ao demandante o direito de emendar a petição inicial, se o órgão jurisdicional considerar que lhe falta algum requisito, de modo que não é permitido o indeferimento da petição inicial sem que se confira a oportunidade de correção do defeito18, fato que corrobora com a tese de que é o princípio da cooperação garantidor da celeridade processual, bem como do respeito à economicidade dos atos processuais. Resta evidente que a aplicabilidade do princípio da cooperação acaba por garantir outros princípios processuais e, também, de ordem constitucional ao direito processual pátrio, a exemplo do princípio do contraditório, da economicidade dos atos processuais e também, de forma sensível, do princípio da celeridade processual.

4 Efetivação Do Princípio Da Duração Razoável Do Processo Por Meio Da Aplicabilidade Do Princípio Da Cooperação Como já elucidado, a aplicabilidade de um devido processo legal é de fundamental importância para o ordenamento jurídico, em todas as suas facetas, a incluir, portanto, a razoável duração do processo. Não por outro motivo, o Código de Processo Civil, em seu artigo 4º, dispôs expressamente tal garantia, veja-se: “Art. 4º: As partes têm direito de obter em prazo razoável a solução integral da lide, incluída a atividade satisfativa”. 17  SOUSA, Miguel Teixeira de. Estudos sobre o novo processo civil, 1997, p. 66. 18  GRASSI GOUVEA, Lucio. Cognição Processual Civil, 2007, p. 52. RRafaeRaRafaelRaRafae

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Tal regulamentação constitucional decorreu do fato de ser o Brasil signatário do Pacto de San José da Costa Rica, tendo este sido promulgado e incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro com hierarquia de norma constitucional, como defende Flávia Piovesan19. O referido pacto, introduzido ao ordenamento jurídico como Decreto nº 678/92 traz em seu artigo 8º, 1, a obrigatoriedade de implementação do presente princípio, conferindo a este status de norma fundamental, veja-se: Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.

Entende a Corte Europeia dos Direitos do Homem que, respeitadas as exceções, três são os aspectos a serem observados para que se determine se houve, ou não, atenção ao princípio em questão, a saber, a complexidade do assunto, o comportamento dos litigantes e de seus procuradores ou da acusação e da defesa no processo e a atuação do órgão jurisdicional. Destaca-se o fato de que a garantia é a de que haja uma razoável duração do processo, fato que não importa, necessariamente, em uma celeridade processual, uma vez não deve o processo ser rápido/célere: “o processo deve demorar o tempo necessário e adequação à solução do caso submetido ao órgão jurisdicional”20. Para que se obtenha a implementação deste, o legislador dispôs de instrumentos que podem servir para concretização deste direito fundamental, seja a possibilidade de representação por excesso de prazo ou, ainda, a determinação do artigo 93 da CF que estabelece que 19  PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional, 2000, p. 79-80. 20  DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil, 2013, pg. 69. RRafaeRaRafaelRaRafae

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“não será promovido o juiz que, injustificadamente, retiver autos em seu poder além do prazo legal, não podendo devolvê-los ao cartório sem o devido despacho ou decisão”. Percebe-se, pois, que houve a aplicabilidade de tal princípio tanto aos atos das partes como aos atos do órgão jurisdicional e ainda aos serventuários da justiça e aos advogados das partes, de modo a comprovar a indissociabilidade dos sujeitos de direito quando da prestação jurisdicional. Além dos instrumentos acima dispostos, estabeleceu o legislador a necessária aplicabilidade do princípio da cooperação ao processo civil pátrio, como já exposto. Sendo este, também, meio de concretização do princípio ora em questão, uma vez que, por meio da cooperação das partes, bem como do órgão jurisdicional, dos serventuários cartorários e dos advogados, faz-se possível o andamento processual em duração razoável. Isto porque, ao determinar que devam todos os sujeitos de direito envolvidos no caso em questão cooperarem, o legislador acaba, também, por garantir que não haja a litigância de má-fé por meio de atos que visem a lentidão do processo, sob pena de aplicabilidade de sanções. Como expõe Álvaro de Oliveira21, a partir da aplicabilidade do princípio da cooperação dos sujeitos de direito às lides, perceber-se-á uma busca, tanto pelas partes quanto pelo órgão jurisdicional, por uma solução alcançada em tempo razoável, isto porque, a lide passará a ser participativa, de modo que os interesses das partes, bem como a real situação fática causadora do ajuizamento da ação serão mais rapidamente percebidos e, consequentemente, analisados. Outro aspecto que demonstra a aplicabilidade do princípio da co21  OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro de. A garantia do Contraditório, 2003, p. 253. RRafaeRaRafaelRaRafae

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operação como meio de efetivação da duração razoável do processo diz respeito ao disposto a partir do artigo 35 do Código de Processo Civil, a saber, a cooperação internacional. Por meio da aplicabilidade do princípio da cooperação, também no âmbito internacional, a exemplo do melhor – e mais efetivo – cumprimento das cartas rogatórias que possuam condão decisório, nota-se a clarividente efetivação do princípio da duração razoável do processo. Isto porque, sem a regulamentação trazida pelo Código de Processo Civil de 2015, tais decisões, proferidas em Estados diversos, passavam por um longo e burocrático processo, que se perdurava no tempo, fato que se contrapunha sensivelmente ao interesse de haver a concretização dos processos em tempo razoável. Percebe-se, portanto, que a aplicabilidade do princípio da cooperação entre os sujeitos de direito da relação processual se mostra, cristalinamente, como meio de efetivação daquilo que se busca quanto à temporalidade do processo: sua razoável duração.

5 Conclusão Depreende-se do amplamente exposto no decorrer do presente escrito que, por meio das inovações trazidas pelo Código de Processo Civil de 2015, sensivelmente no que se refere à aplicabilidade do princípio da cooperação, passa-se a garantir a prestação jurisdicional em tempo razoável, em consonância com as disposições internacionais as quais se submete o Brasil. Diante de tal realidade, percebe-se que os princípios constitucionais passam, cada vez mais, a regulamentar também o direito processual, em seus mais diversos âmbitos, de forma especial o da esfera cível, de modo que se verifica a existência de um processo civil constitucionalizado. RRafaeRaRafaelRaRafae

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A existência de um processo civil constitucionalizado comprova a existência de um ordenamento jurídico mais coerente quanto as suas funções e objetivos. Isto porque, hodiernamente, impossibilita-se que determinado ramo funcione de forma contraposta às determinações constitucionais, que regulam todas as relações jurídicas verificadas no Brasil. Não por outra razão, percebe-se que a aplicabilidade dos princípios constitucionais ao direito processual faz com que se verifique um processo mais atento, também, a dignidade da pessoa humana, por exemplo, sensivelmente no aspecto temporal da duração do processo. Conclui-se, portanto, que a tendência evolutiva do processo civil, em razão, principalmente, da sua constitucionalização por meio da aplicabilidade de princípios constitucionais, assegura um ordenamento mais coerente e, também, mais efetivo quanto as mais diversas controvérsias a serem resolvidas. Fato possível, principalmente, pela aplicabilidade do princípio da cooperação que, por ter alterado, de forma significativa, as funções dos sujeitos de direito envolvidos, vez que passou a conferir a todos o dever de cooperar com a mais célere resolução da lide, acaba por efetivar o princípio do devido processo legal.

6 Referências Bibliográficas ALEXY, Robert. Constitucionalismo Discursivo. Livraria do Advogado. ÁVILA, Humberto. Teoria Geral dos Princípios da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 4ª Ed. Malheiros Editores Ltda, São Paulo – 2004. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 16. ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2003. BONATTO, Cláudio; MORAES, Paulo Valério Dal Pai. Questões Controvertidas no Código de Defesa do Conumidor: principiologia, conceitos, contratos atuais. 5. Ed. Rev. Atual. E ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. DAMAKA, Mirjan R. The faces of justice and State Authority. New Haven: Yale University Press, 1986, p. 3 e segs; CHASE, Oscar G. “A ‘excepcionalidade’ americana e o direito processual comparado”. Revista de Processo. São Paulo: RT, 2003, n. 110. DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao diRRafaeRaRafaelRaRafae

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constitucionalização processual e a nova face do contraditório no CPC de 2015 Renata Arcoverde1

O presente artigo propõe analisar a nova interpretação processual endossada pela mudança legislativa recente, trazida pela Lei nº 13.105/15. A abordagem do tema foi realizada através da pesquisa teórica, com a utilização do método dedutivo e procedimento técnico de análise textual, temática e interpretativa, além da análise de conteúdo de leis existentes no ordenamento jurídico brasileiro. A constitucionalização do processo civil resgatou a centralização da Constituição no ordenamento jurídico, comprometendo o conjunto normativo com a democratização das fontes de poder, assim como possibilitou a garantia do contraditório substancial, fundado na participação ampla das partes para a efetiva solução jurídica, com inexistentes ou mínimas decisões surpresas, de forma integrada com os princípios da boa-fé, cooperação e primazia do mérito, de foma a fomentar a democracia no processo, através do diálogo e equilíbrio dos sujeitos processuais. Palavras-chave: Neoprocessualismo – Processo colaborativo – Contraditório Sumário: 1. Introdução; 2. A constitucionalização do processo; 3. A nova face do contraditório; 4. Conclusão; 5. Referências.

1 Introdução Com o fenômeno pós-segunda Guerra Mundial, denominado de neoconstitucionalismo, vivenciamos mudanças de paradigmas que colocaram a Constituição Federal de 1988 como centro da hermenêutica jurídica. A passagem do Estado Liberal de Direito, o qual se fundava na igualdade e na liberdade individual, para o Estado Democrático de Direito, cuja principal função é a equiparação formal dos interesses sociais e econômicos, ocorreu por meio de um modelo baseado na força normativa dos princípios e na consolidação de uma justiça substancial. 1  Advogada, especialista em Direito Público pelo ATF cursos Jurídicos em convênio com a Universidade Maurício de Nassau, estudante do curso de Especialização em Direito Judiciário e Magistratura do Trabalho, ESMATRA da 6º Região, estudante do curso de Especialização em Processo Civil Contemporâneo pela UFPE. RRenatReRenata A

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Nesse contexto, o poder judiciário deixou de ser um mero repetidor de lei, da voz do poder legislativo, e passou a ter uma postura diferente, interpretativa, com a consolidação da teoria dos direitos fundamentais, da força normativa da Constituição, especialmente por meio de seus princípios, e da expansão da jurisdição constitucional. Tais características repercutiram em diversos ramos do direito, inclusive no processo civil, tendo em vista que a Constituição Federal de 1988, seja por dispositivos originários, seja por dispositivos acrescidos por Emenda Constitucional, apresenta uma série de comandos aplicáveis ao processo. Assim, verifica-se que também houve no ramo processual uma evolução iniciada pela compreensão do processo a partir dos valores da Constituição. Nesse sentido, surgiu a necessidade de que as esferas de atuação do direito também fossem democratizadas e, consequentemente, a necessidade de mudanças no Processo para acompanhar os valores de Estado Democrático de Direito contidos na Constituição Federal. Nesse passo, em 2015, foi promulgado o Código de Processo Civil de 2015, o qual se apresenta revestido de dispositivos que asseguram a aplicação de princípios constitucionais, incorporados ao Processo Civil. Verifica-se expressamente na exposição de motivos do Novo Código o interesse em elaborá-lo com o objetivo de “estabelecer expressa e implicitamente verdadeira sintonia fina com a Constituição Federal”. Nesse contexto, os dispositivos iniciais do Novo CPC foram elaborados no intuito de alinhar o novo diploma legal aos princípios constitucionais vigentes, especialmente o artigo 1º. In Verbis: Art. 1º O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código. RRenatReRenata A

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Ademais, a garantia do contraditório, prevista constitucionalmente, foi amplamente salvaguardada no novo conjunto normativo processual brasileiro. Nesse contexto, verifica-se que todas as questões de mérito, sejam questões de fato ou de direito, passaram a exigir um prévio debate entre os litigantes, evitando-se, destarte, a decisão surpresa, e, consequentemente, a nulidade do julgamento. No mesmo sentido, foi consagrado o Princípio da Isonomia, sendo almejado o tratamento igual para os iguais e desigual para os desiguais, na medida de suas desigualdades, de forma a restabelecer o equilíbrio entre as partes, possibilitando a sua livre e efetiva participação no processo. Observa-se claramente tais considerações nos artigos 7º, 9º e 10º do CPC/2015, in verbis: Art. 7º É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório. Art. 9º Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida. Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica: I - à tutela provisória de urgência; II - às hipóteses de tutela da evidência previstas no art. 311, incisos II e III; III - à decisão prevista no art. 701. Art. 10º O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.

Note-se, dessa forma, que o protagonista do processo deixa de ser o representante estatal que vai exercer a atividade jurisdicional, abrindo espaço para a inserção das partes como peças fundaRRenatReRenata A

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mentais na evolução do processo, o qual passará a se desenvolver mediante contraditório e ampla atuação das partes, de forma a interferir e construir de forma participativa a decisão que se busca no judiciário. Nesse diapasão, no presente trabalho abordar-se-á a nova interpretação processual, bem como será analisada a importância da constitucionalização processual como forma de adequação ao Estado Democrático de Direito, e como meio para alcançar uma maior efetividade da aplicação do direito material almejado.

2 A constitucionalização do processo Composto por um conjunto de procedimentos, o direito processual é marcado por quatro fases distintas: praxismo ou sincretismo, caracterizado pela ausência de diferenciação quanto ao processo e ao direito material; processualismo, no qual já se reconhece as diferenças quanto ao direito processual e material; instrumentalismo, em que os direitos processual e material se relacionam de forma interdependente, no qual, a ocorrência do primeiro garante o exercício do segundo;e, finalmente, o neoprocessualismo ou formalismo-valorativo, composto por um direito processual de acordo com as normas e princípios constitucionais e que remete ao fenômeno do neoconstitucionalismo2. O neoprocessualismo pode ser definido como a influência que o constitucionalismo contemporâneo – calcado na força normativa da Constituição e na ascensão de valores fundamentais que passam a ocupar o centro de todo o sistema normativo – exerceu e exerce sobre o processo civil. Trata-se de verdadeira constitucionalização da ciência processual, cuja instrumentalidade passa a ser interpretada à luz da axiologia constitucional3. 2  DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de direito processual civil, 2015. p. 44-46. 3  MEIRA, Marcos. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo no novo CPC, RRenatReRenata A

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Verifica-se que a multiplicidade de situações sociais contemporâneas levou a existência cada vez mais frequente de uma legislação emergencial, desenfreada e excessiva, fenômeno denominado de inflação legislativa. Nesse cenário, as Constituições representaram, e continuam a representar, um núcleo mais elevado e de força obrigatória para todos, sobretudo para os legisladores e componentes do poder Judiciário, bem como uma forma de controle aos efeitos desagregadores desse crescimento desenfreado de dispositivos legais, os quais devem estar em plena sintonia com as diretrizes constitucionais, seus princípios fundamentais e o acesso à justiça. A referida ideia de supremacia constitucional, que consoante diversos doutrinadores, teve início com o clássico julgado Marbury vs. Madison, da Suprema Corte Americana, é inerente a Estados democráticos que utilizam a Constituição como centro irradiador do Direito. Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, foi evidente a sobreposição da Constituição aos demais atos infraconstitucionais, fenômeno que Konrad Hesse havia denominado de “Força normativa da Constituição”. Barroso sintetiza os fatos históricos preponderantes para a construção da supremacia constitucional. Veja-se: A reconstitucionalização da Europa, imediatamente após a 2º Grande Guerra e ao longo da segunda metade do século XX, redefiniu o lugar da Constituição e a influência do direito constitucional sobre as instituições contemporâneas. A aproximação das ideias de constitucionalismo e de democracia produziu uma nova forma de organização política, que atende por nomes diversos: Estado democrático de direito, Estado constitucional de direito, Estado constitucional democrático).4

Nessa esteira, o Poder Judiciário, ao exercer a função jurisdicional, deve não apenas cumprir as regras e princípios constitucio2015. 4  BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição, 2003. p. 01. RRenatReRenata A

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nais de natureza procedimental, tais como acesso à justiça, devido processo legal, contraditório e ampla defesa, juiz natural, duração razoável do processo, motivação e publicidade das decisões judiciais, etc, mas aplicar adequadamente a jurisdição constitucional, garantindo, destarte, a observância da Constituição Federal, de todos os direitos fundamentais, relacionados diretamente ou não com o direito processual, bem como a organização judiciária e as funções essenciais à Justiça, afim de se realizar os objetivos de efetividade, celeridade e justiça intrínsecos ao Estado Democrático de Direito. Segundo Dinamarco, o pleno acesso à justiça depende, sobretudo, da implantação de “uma nova mentalidade no processo”, destinada a envolver não apenas o legislador, mas, sobretudo, os doutrinadores e os sujeitos do processo5. E, dessa forma, as leis processuais, instrumentos para se alcançar a tutela jurisdicional, jamais poderiam se opor às regras e princípios traçados pela ordem constitucional. Consequentemente, o Código de Processo Civil de 2015 refletiu exatamente os ideais neoprocessuais, sendo verificado já no seu art. 1º a influência constitucional no processo, com grandes avanços em sua aplicação prática e objetivando, sobretudo uma plena prestação jurisdicional.

3 A nova face do contraditório O princípio do contraditório encontra guarida expressa na Constituição Federal vigente, no artigo 5º, LV, nos seguintes termos: Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes 5  DINAMARCO, Cândido R. Fundamentos do processo civil moderno. colocar em negrito, 1986. p. 255. RRenatReRenata A

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Tal princípio, ao longo de sua existência, sofreu diversas alterações na sua interpretação. Ele apresenta uma dupla dimensão: formal, que garante às partes o direito de participar do processo, de serem ouvidas me juízo, e substancial, que garante às partes aquilo que se chama de “poder de influência”. Segundo Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino, por contraditório entende-se o direito que tem o indivíduo de tomar conhecimento e contraditar tudo o que é levado pela parte adversa ao processo6. Em outras palavras, seria o direito de resposta e a verdade evidenciada pelas partes litigantes, em suas teses contrapostas. E assim foi entendido o contraditório por bastante tempo, sob um caráter mais formal, no qual as partes discutiam apenas os fatos. Esse pensamento formalista se acentuou nos séculos XIX e XX, com a prevalência das ideias de Franz Klein, para quem o processo deveria ser estruturado de modo a oferecer uma participação mais intensa do juiz, dotado de valores sociais privilegiados, com amplos poderes para influir ativamente no curso do processo. Contudo, no período pós-Segunda Guerra Mundial, o processo destitui-se do conceito arcaico de procedimento meramente formal e singelamente lógico-dedutivo, sobrepondo-se ao direito material, tendo início uma grande mudança de rumo do processo, que assumiu um caráter mais instrumental na realização e tutela dos direitos e garantias constitucionais como reflexo dos pensamentos constitucionalistas que eram o alicerce do Estado Democrático de Direito. Contrapondo-se ao estado de Direito, no qual imperavam as características de respeito ao ordenamento jurídico, à legalidade, à segurança jurídica e à isonomia, no Estado Democrático de Direito se destacam as ideias de legalidade como juridicidade, de obser6  PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito constitucional descomplicado, 2015. p. 191. RRenatReRenata A

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vância do ordenamento jurídico de formal global, abarcando as leis e todas as normas. Nesse contexto, o Código de Processo Civil de 2015 foi elaborado de acordo com os ideais democráticos e buscando tornar o processo mais eficiente e efetivo, com uma intensa liberdade e participação dos sujeitos processuais. Surgiu, portanto, o direito ao contraditório reconstruído, perdendo a característica de ser tão somente um direito de resposta, de contraposição de fatos, mas assumindo um aspecto de poder de influência e diálogo, de manifestação de exercício democrático. Assim, verifica-se, especialmente nos artigos 9º e 10º do CPC/2015, que o intuito do diploma legal foi a plena inserção das partes como protagonistas do processo, como colaboradores e atuantes no convencimento do juiz, o qual tem o dever de ouvir todos os interessados nas questões apresentadas ao Judiciário. Ressalte-se que, o debate entre os sujeitos processuais é indispensável, mesmo em relação às questões que anteriormente poderiam ser decididas de ofício pelo magistrado, afim de não promover a chamada decisão surpresa, ou de terceira via, como é denominada em alguns países. Destarte, as partes serem surpreendidas com uma decisão pela qual não tiveram a chance de contribuir na sua formação, não se aproxima do ideal democrático da modernidade, na qual os elementos democráticos devem estar presentes no curso do processo, haja vista que se distanciaria da dimensão substancial do princípio do contraditório. Nesse sentido, o legislador prestigiou a ética no processo, com enfoque na boa-fé e cooperação das partes, bem como revestiu o Código de características de instrumentalidade, com a busca primordial da prevalência do mérito e a efetividade e eficiência do judiciário. RRenatReRenata A

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É interessante observar que, ao lado do contraditório, nessa sua nova dimensão, paralelamente, também foi se implementando a chamada boa-fé objetiva, que atualmente apresenta-se como um grande pilar do direito processual, que ganha novos contornos. A boa-fé está relacionada ao comportamento de lealdade, transparência, de conduta coerente dos sujeitos processuais. Outrossim, cumpre destacar que o princípio da boa-fé gera também deveres secundários, anexos, que são chamados de deveres de cooperação das partes. Assim, o processo cooperativo seria aquele no qual as funções são bem repartidas e as partes, Ministério Público e auxiliares se apresentam como protagonistas, corresponsáveis pelo processo, e o juiz, por seu turno, não se limitaria apenas à aplicação de leis e atos burocráticos, seria um participante ativo do contraditório. Dessa forma, se está diante de um processo colaborativo, no qual o princípio do contraditório apresenta-se estritamente interligado com os princípios de cooperação e boa-fé, devendo ser observados conjuntamente pelo juiz, prevenindo, assim, eventuais injustiças, além de dar celeridade ao processo, uma vez que minimiza a perda de tempo com possíveis nulidades e recursos.

4. Conclusão O neoprocessualismo sofreu grande influência dos ideais neoconstitucionalistas, levando a uma nova hermenêutica na ciência processual. Nesse modelo processual contemporâneo, o eixo da jurisdição deixou de estar centrado na figura do julgador, tendo em vista que na nova conjuntura, não é possível a simples subsunção do fato à norma, pois os sujeitos processuais tornam-se coparticipes na formação do Direito. Nesse sentido, o CPC/2015 foi elaborado em plena consonância com a Constituição Federal, buscando também a efetividade RRenatReRenata A

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dos princípios constitucionais processuais, independentemente de previsão legal expressa, bem como a democratização do processo, privilegiando o direito material em detrimento de sua forma, com o incremento dos poderes instrutórios do juiz na busca pela verdade real. Consequentemente, o princípio do contraditório foi reinterpretado sob o seu aspecto substancial, de maneira a afastar o protagonismo processual centrado no magistrado e permitindo que partes participem ativamente no processo, exercendo o poder de influência na decisão final, havendo uma maior preocupação com os princípios da boa-fé e cooperação processual, servindo, assim, o processo como instrumento para se alcançar os ideais do Estado Democrático de Direito. Verifica-se, destarte, que o Judiciário, como motor da democracia, depende do modelo cooperativo e deve se manter comprometido com a cidadania, sendo imprescindível a efetiva participação da sociedade, a qual tem o direito de influenciar as decisões finais, e o empenho dos magistrados no simétrico debate das questões suscitadas, para que de forma mais célere e justa a justiça prevaleça.

5 Referências BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de direito processual civil. 17. ed., rev. ampl. e atual. Salvador, BA: Juspodivm, 2015. DINAMARCO, Cândido R. Fundamentos do processo civil moderno. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1986. MEIRA, Marcos. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo no novo CPC. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 20, n. 4278, 19 mar. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/36710/o-neoconstitucionalismo-e-sua-inf luencia-sobre-a-ciencia-processual-algumas-ref lexoes-sobre-o-neoprocessualismo-e-o-projeto-do-novo-codigo-de-processo-civil. Acesso em: 15 out. 2017. PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito constitucional descomplicado. 14. ed. rev. atual. São Paulo: Método, 2015. RRenatReRenata A

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constitucionalidade do deslocamento de competência

incidente

de

Romero Solano de Oliveira Magalhães1

Este artigo aborda o Incidente de Deslocamento de Competência, instituto previsto no artigo 109, §5º, da Constituição Federal. Através dele, casos de graves violações a direitos humanos que originalmente tramitam na Justiça Estadual são deslocados para a Justiça Federal. Estuda-se a definição do incidente, finalidades, processamento, os cinco casos em que o deslocamento foi suscitado e a sua compatibilidade com a ordem constitucional vigente. Palavras-Chave: Incidente de Deslocamento de Competência –Direitos Humanos – Constitucionalidade. Sumário: 1. Introdução; 2. Incidente de Deslocamento de Competência; 2.1 Conceito e finalidades; 2.2 Processamento; 2.3 Os cinco IDCs suscitados; 3. Alegações de inconstitucionalidade do IDC; 4. Constitucionalidade do IDC; 4.1 Segurança jurídica; 4.2 Juiz natural; 4.3 Devido processo legal, contraditório e ampla defesa; 4.4 Soberania do júri popular; 4.5 Pacto federativo; 5. Conclusão; 6. Referências.

1 Introdução Nos termos do artigo 1º, III, da Constituição Federal, a dignidade da pessoa humana é fundamento da República Federativa do Brasil. Nesse mesmo sentido, a prevalência dos direitos humanos, o repúdio ao terrorismo e ao racismo e a cooperação entre os povos para o progresso da humanidade são princípios pelos quais o Brasil rege suas relações internacionais, conforme preceitua o artigo 4º da Carta Política. Ocorre que, não obstante os dispositivos citados, existem tristes casos na história do Brasil de graves violações a direitos humanos. Lembra-se, nesse sentido, dos famosos massacres do Carandiru e do Eldorado dos Carajás, ocorridos em 1992 e 1996, respectivamente. 1  Advogado, Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e Pós-Graduando em Direito Processual Civil pela UFPE. RRomerRoRomerRRoRoRomero RoRomero S

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O primeiro deles, Massacre do Carandiru, se deu quando uma intervenção da Polícia Militar do Estado de São Paulo para conter uma rebelião na Casa de Detenção de São Paulo causou a morte de 111 detentos. A intervenção foi liderada pelo Coronel Ubiratan Guimarães que, apesar de condenado em 1ª instância, foi absolvido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. Ficou conhecido como Massacre do Eldorado dos Carajás, por sua vez, a morte de dezenove sem-terra pela Polícia Militar do Estado do Pará no Município de Eldorado do CarajásCPC/2015 Tais mortes decorreram de confronto em protesto pelos sem-terra contra a demora da desapropriação de terras. Muitos dos 155 policiais que participaram da operação permaneceram impunes por não terem tido suas condutas individualizadas, já que não houve perícia em boa parte das armas e projéteis que atingiram as vítimas. Diante desse cenário, surgiu a necessidade do estabelecimento de nova vertente processual para a defesa dos direitos da pessoa humana, em consonância com a internacionalização do direito humanitário. Estudar-se-á adiante, nesse sentido, o Incidente de Deslocamento de Competência (IDC), sua definição, finalidades, processamento, casos suscitados e a constitucionalidade do instituto.

2 Incidente de Deslocamento de Competência Conceito e finalidades Em 1996, idealizou-se no Brasil o 1º Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH), com o objetivo de consolidar orientações para promover a defesa dos Direitos Humanos. Tal programa apresentou uma série de propostas de ações governamentais de caráter administrativo, legislativo e político-cultural visando identificar os principais obstáculos à promoção e proteção dos referidos direitos. Dentre um amplo rol de 228 propostas, foi a seguinte a de núRRomerRoRomerRRoRoRomero RoRomero S

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mero 28, integrante do grupo das medidas a serem tomadas a “curto prazo”: “Atribuir à Justiça Federal a competência para julgar (a) os crimes praticados em detrimento de bens ou interesses sob a tutela de órgão federal de proteção a direitos humanos (b) as causas civis ou criminais nas quais o referido órgão ou o Procurador-Geral da República manifeste interesse”. Nesse sentido, ainda em 1996, o então Presidente da República Fernando Henrique Cardoso encaminhou ao Congresso Nacional o projeto de emenda constitucional (PEC) de n° 368/96, para acréscimo ao art. 109 da Constituição Federal de dois incisos. Eis o teor deles: “Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: (...) XII – os crimes praticados em detrimento de bens ou interesses sob a tutela de órgão federal de proteção aos direitos humanos; XIII – as causas civis ou criminais nas quais órgão federal de proteção aos direitos humanos ou Procurador Geral da República manifeste interesse”.

Conforme explana Medeiros2, a PEC n° 368/96 justificava em sua exposição de motivos a necessidade da federalização devido ao fato de que, historicamente, por fatores sociais, econômicos e culturais, os Estados membros terem desenvolvido uma postura mais distante do respeito aos direitos humanos e que a adoção desse instrumento poderia significar um combate à impunidade e um maior controle dos conflitos sociais, de maneira a evitar a violência generalizada. Soma-se ao alegado o fato de Justiça e Ministério Público Federal se encontrarem mais distantes de forças locais e suas influências, o que, nos termos de Castilho, facilitaria a “garantia de imparcialidade na condução das investigações de graves violações aos direitos humanos”3. 2  MEDEIROS, Gilmara Joane Macêdo de. O incidente de deslocamento de competência: história e aspectos conceituais. 3  CASTILHO, Ela Wiecko Volkmer apud MEDEIROS, Gilmara Joane Macêdo de. RRomerRoRomerRRoRoRomero RoRomero S

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A transcrita proposta original de redação dos incisos, entretanto, sofreu modificações quando da incorporação da PEC n° 368/96 à de n° 96/92, posteriormente transformada na Emenda Constitucional 45/2004, a qual trouxe uma ampla reforma do Poder Judiciário. Tal Emenda Constitucional, ao acrescentar o parágrafo 5º ao artigo 109 da Constituição Federal, instituiu no Ordenamento Jurídico brasileiro o Incidente de Deslocamento de Competência (IDC). Dispõe o referido dispositivo: “Art. 109, § 5º, CF: Nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o Procurador-Geral da República, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal”.

Conforme se depreende, o texto final do parágrafo difere do inicial em vários aspectos, como a legitimação exclusiva do Procurador Geral da República para propor o IDC, a necessidade de “grave violação a direitos humanos” e de risco de responsabilização internacional do Brasil pela violação cometida. Com propriedade, Aras define o Incidente de Deslocamento de Competência: “instrumento político-jurídico, de natureza processual penal objetiva, destinado a assegurar a efetividade da prestação jurisdicional em casos de crimes contra os direitos humanos, previstos em tratados internacionais dos quais o Estado brasileiro seja parte. Cuida-se de ferramenta processual criada para assegurar um dos fundamentos da República: a dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III, CF) e para preservar um dos princípios pelos quais se guia o País nas suas relações internacionais e obviamente também no plano interno: a prevalência dos direitos humanos (artigo 4º, II, CF)”4.

Trata-se o IDC, portanto, de instituto por meio do qual se feO incidente de deslocamento de competência. 4  ARAS, Vladimir. Federalização de crimes só é válida em último caso. RRomerRoRomerRRoRoRomero RoRomero S

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deralizam graves violações aos direitos humanos, possuindo natureza jurídica de garantia à efetividade da prestação jurisdicional e funcionando como resguardo da responsabilidade do Estado soberano perante a comunidade internacional, em função de tratados de proteção à pessoa humana firmados pela União. Processamento Conforme dito, o único legitimado para propor o IDC é o Procurador-Geral da República (PGR), chefe do Ministério Público Federal. Outras autoridades que desejam o deslocamento devem provocar o PGR, o qual, por sua vez, deverá diligenciar no sentido de observar se os pressupostos para o incidente estão preenchidos e, se for o caso, suscitá-lo perante o Superior Tribunal de Justiça (STJ). A competência do STJ para julgamento do IDC explica-se pelo disposto no artigo 105, I, “d”, da Constituição Federal. Estabelece tal dispositivo que compete ao STJ processar e julgar, originariamente, os conflitos de competência entre juízes vinculados a tribunais diversos. Aras explica: “é exatamente uma espécie de ‘conflito’ de competência que o STJ decide quando julga o incidente de deslocamento, pois, nos casos de grave violação a direitos humanos previstos em tratados internacionais, há uma competência virtual ou potencial da Justiça Federal que se pospõe à competência tradicional da Justiça Estadual, para esses mesmos delitos, caso esta se revele ineficiente”.5

Não há, entretanto, regulamentação do procedimento a ser adotado no IDC. Objetivando suprir tal lacuna legislativa, tramita desde 2006 no Congresso Nacional o projeto de lei nº 6.647/2006, que exige, em seu artigo 2º, que a petição inicial contenha a exposição do fato ou situação que constitua grave violação de direitos humanos, a indicação do tratado internacional, cujas obrigações 5  ARAS, Vladimir. Federalização de crimes só é válida em último caso. RRomerRoRomerRRoRoRomero RoRomero S

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pretendem-se assegurar e as razões que justifiquem o deslocamento de competência para a Justiça Federal. O mencionado projeto estabelece ainda, no artigo 4º, que o Ministro-relator, no STJ, deve requisitar informações por escrito ao Tribunal de Justiça, à Procuradoria-Geral de Justiça e à Secretaria de Segurança do Estado onde ocorreu a grave violação dos direitos humanos, devendo, o inquérito ou o processo, ter prosseguimento regular perante as autoridades estaduais enquanto não for julgado o incidente. Caso o STJ decida pelo deslocamento, não há motivo para que não sejam aproveitados, sempre que possível, os atos praticados no juízo de origem, em nome dos princípios celeridade, da economia e da conservação, sabendo-se que o instrumento também visa a dar maior rapidez à persecução. Os cinco IDC’s suscitados Atenta Cazzeta que o IDC é uma medida excepcional, de forma que “há de se agregar um elemento diferencial, que demonstre a inação ou a inadequação da apreciação de tais lides em seu locus de competência original” 6. A inexistência de tal inércia dos órgãos estaduais, inclusive, foi o motivo pelo qual o STJ indeferiu o IDC nº 1, suscitado em maio de 2005, no caso da morte da freira norte-americana, naturalizada brasileira, Dorothy Stang. Dorothy Stang atuava em movimentos sociais no interior do Pará, objetivando minimizar os conflitos fundiários, melhorar a qualidade de vida dos agricultores e buscando o desenvolvimento sustentável. Foi assassinada a mando de grileiros e madeireiros da região. O então PGR Cláudio Fonteles suscitou o IDC argumentando 6  CAZZETA, Ubiratan. Direitos Humanos e Federalismo: o incidente de deslocamento de competência, 2009, p. 154. RRomerRoRomerRRoRoRomero RoRomero S

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que houve omissão das autoridades do Estado do Pará para lidar com o conflito fundiário na área e proteger possíveis vítimas de homicídio e tortura. Baseou-se no aspecto de “morte anunciada” do crime e o fato de ter a vítima denunciado várias vezes as ameaças sofridas. O STJ, porém, não acolheu tais argumentos, destacando a atuação dos órgãos paraenses na busca por responsabilizar os envolvidos, conforme a seguinte ementa: “(...) as autoridades estaduais encontram-se empenhadas na apuração dos fatos que resultaram na morte da missionária norte-americana Dorothy Stang, com o objetivo de punir os responsáveis, refletindo a intenção de o Estado do Pará dar resposta eficiente à violação do maior e mais importante dos direitos humanos, o que afasta a necessidade de deslocamento da competência originária para a Justiça Federal, de forma subsidiária, sob pena, inclusive, de dificultar o andamento do processo criminal e atrasar o seu desfecho, utilizando-se o instrumento criado pela aludida norma em desfavor de seu fim, que é combater a impunidade dos crimes praticados com grave violação de direitos humanos. O deslocamento de competência – em que a existência de crime praticado com grave violação aos direitos humanos é pressuposto de admissibilidade do pedido – deve atender ao princípio da proporcionalidade (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito), compreendido na demonstração concreta de risco de descumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais firmados pelo Brasil, resultante da inércia, negligência, falta de vontade política ou de condições reais do Estado-membro, por suas instituições, em proceder à devida persecução penal. No caso, não há a cumulatividade de tais requisitos, a justificar que se acolha o incidente”. (STJ. IDC nº -1PA, Terceira Seção, Relator: Ministro Arnaldo Esteves Lima, julgado em 06/10/2005).

Registra-se que, de fato, já em 2007, os envolvidos na morte de Dorothy Stang foram condenados. Situação diversa do IDC nº 1 foi observada pelo STJ no IDC nº 2. Neste, os fatos que motivaram o pedido de deslocamento deduzido pelo PGR foi o assassinado do advogado e vereador pernambucano Manoel Bezerra de Mattos Neto, em 2009, no Município de RRomerRoRomerRRoRoRomero RoRomero S

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Pitimbu/PB, em decorrência de sua persistente e conhecida atuação contra grupos de extermínio que agem impunes na divisa dos Estados da Paraíba e de Pernambuco. No caso, o STJ considerou que: “A existência de grave violação a direitos humanos, primeiro pressuposto, está sobejamente demonstrado: esse tipo de assassinato, pelas circunstâncias e motivação até aqui reveladas, sem dúvida, expõe uma lesão que extrapola os limites de um crime de homicídio ordinário, na medida em que fere, além do precioso bem da vida, a própria base do Estado, que é desafiado por grupos de criminosos que chamam para si as prerrogativas exclusivas dos órgãos e entes públicos, abalando sobremaneira a ordem social” (STJ. IDC nº 2 DF 2009/0121262-6, Relator: Ministra Laurita Vaz, Data do Julgamento: 27/10/2010, Terceira Seção, Data da Publicação: 22/11/2010).

Nesse sentido, o STJ concluiu ser oportuno e conveniente a entrega das investigações e do processamento da ação penal aos órgãos federais. No caso, ações estatais firmes e eficientes fizeram-se necessárias, as quais as autoridades locais não foram capazes de adotar, mesmo porque, envolveu zona limítrofe entre Pernambuco e Paraíba, o que dificultara a coordenação entre os órgãos dos dois Estados. Deslocado o feito para a 2ª Vara Federal da Seção Judiciária da Paraíba, os réus foram levados a júri popular em 2015, tendo sido dois deles condenados, os quais se encontram presos em regime fechado. O TRF da 5ª Região, recentemente, manteve, por decisão unânime, as penas dosadas em 1ª instância, 25 e 26 anos de prisão. De modo semelhante, em 2014, o STJ deferiu o IDC nº 5, que tratou da morte do promotor de Justiça do Estado de Pernambuco Thiago Faria Soares. Havia indícios de que o assassinato também resultara de ação de grupos de extermínio do interior do referido Estado, tendo Thiago Faria Soares atuado em caso relacionado a crimes de pistolagem. Nesse caso, o STJ identificou problemas nas investigações, conforme se depreende julgado a seguir: “(...) A falta de entendimento operacional entre a Polícia Civil e o Ministério Público estadual ensejou um conjunto de falhas na RRomerRoRomerRRoRoRomero RoRomero S

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investigação criminal que arrisca comprometer o resultado final da persecução penal, com possibilidade, inclusive, de gerar a impunidade dos mandantes e dos executores do citado crime de homicídio. (...) Encontram-se devidamente preenchidos todos os requisitos constitucionais que autorizam e justificam o pretendido deslocamento de competência, porquanto evidenciada a incontornável dificuldade do Estado de Pernambuco de reprimir e apurar crime praticado com grave violação de direitos humanos, em descumprimento a obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil é parte (...)” (STJ. IDC nº 5 - PE 2014/0101401-7. Relator: Ministro Rogerio Schietti Cruz. Data do Julgamento: 13/08/2014).

A tônica do IDC nº 3, de 2013, por sua vez, foi a violência policial em Goiás, no exercício da função propriamente policial, com uso indevido da força, levando a homicídios, tortura e desaparecimentos. O STJ decidiu que estavam presentes os requisitos do IDC em apenas parte dos casos suscitados pelo PGR, atentando para as situações nas quais as instâncias e autoridades locais demonstraram não ter capacidade de oferecer respostas à sociedade diante das violações aos direitos humanos. Quanto ao IDC nº 4, anota-se que não foi proposto pelo PGR, mas sim por membro do TCU/PE, de modo que, por esse motivo, a ele foi negado seguimento por decisão monocrática do ministro do STJ Rogerio Schietti Cruz.

3 Alegações de inconstitucionalidade do IDC Em maio de 2005, logo após, portanto, a Emenda Constitucional 45/2004, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) ajuizou no Supremo Tribunal Federal (STF) Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), autuada sob o nº 3486, em face do parágrafo 5º do artigo 109 da Constituição Federal, que criou o IDC. Em síntese, a AMB alegou que a possibilidade de deslocar a competência da Justiça Estadual para a Federal nos casos de grave violação a Direitos Humanos, com a finalidade de assegurar o RRomerRoRomerRRoRoRomero RoRomero S

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cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, fere a segurança jurídica, já que se cria “competência cujos critérios de determinação são vagos e ambíguos”; fere a cláusula pétrea do Juiz Natural, vez que cria “competência cuja fixação é estabelecida após a fixação dos fatos e de acordo com a discricionariedade do PGR”; afronta o devido processo legal; e viola “a cláusula pétrea que estabelece as competências do júri popular, somente excepcionadas pelo constituinte originário”. Também em maio de 2005, foi ajuizada no STF outra ADI, autuada sob nº 3493, contra o mesmo artigo 109, §5º da Constituição Federal, dessa vez pela Associação Nacional dos Magistrados Estaduais (ANAMAGES). Além dos argumentos listados trazidos pela AMB, a ANAMAGES defendeu que o IDC é inconstitucional por violar o pacto federativo e pela ausência de ampla defesa e contraditório. A ADI nº 3493 foi distribuída por prevenção à ADI nº 3486, já que possuem o mesmo objeto impugnado. Segundo consulta ao sítio eletrônico do STF, elas ainda não foram julgadas, encontrando-se conclusas ao Ministro-relator Dias Toffoli. Várias entidades como a Associação dos Juízes Federais (AJUFE), Associação Nacional dos Procuradores da República, Conecta Direitos Humanos e Centro de Direitos Humanos ingressaram nos feitos como amicus curiae.

4 Constitucionalidade do IDC Segurança jurídica O princípio da segurança jurídica é básico no Estado de Direito, possuindo diversas aplicações, como a proteção ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada e a fundamentação da prescrição e decadência. No que toca ao IDC, o suposto desrespeito à segurança jurídica está relacionado à inexistência de definição RRomerRoRomerRRoRoRomero RoRomero S

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legal do que seriam as graves violações a direitos humanos, de modo que o instituto violaria a estrita legalidade. É de se atentar, porém, que os crimes que constituem graves violações a direitos humanos são penalmente típicos, isto é, preexistem no Ordenamento Jurídico em relação ao deslocamento. No tocante à abertura da expressão “grave violação” e indefinição do seu real alcance, o STJ entendeu, quando da análise do IDC nº 1, que tal delimitação poderia prejudicar o uso do instrumento, limitando seu uso futuro em possíveis casos não elencados. Veja-se trecho do voto do Ministro-relator Arnaldo Esteves Lima: “(...) dada a amplitude e a magnitude da expressão ‘direitos humanos’, é verossímil que o constituinte derivado tenha preferido não definir o rol desses crimes que passariam para a competência da Justiça Federal, sob pena de restringir os casos de incidência do dispositivo (CF, art. 109, § 5º), afastando-o de sua finalidade precípua, que é a de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais firmados pelo Brasil sobre a matéria (...)” (STJ. IDC nº 1-PA, Relator: Ministro Arnaldo Esteves Lima, julgado em 06/10/2005).

Nesse contexto, defende-se que o artigo 109, §5º, da Constituição Federal, possui eficácia plena, sendo, pois, autoaplicável e produzindo efeitos sem a necessidade de lei ou regulamentação própria. Até porque, nos termos do Ministro-relator do IDC nº 1, Arnaldo Esteves Lima, “as normas que definem os direitos e garantias fundamentais, em cujo elenco, indiscutivelmente, se encontram inseridos os ‘direitos humanos’, têm aplicação imediata, por força do disposto no § 1º do art. 5º da Carta Política”. Não há o que se falar, portanto, que o IDC ofende a segurança jurídica, já que, conforme expõe Castro, a discricionariedade advinda da indefinição legal do que seria “graves violações a direitos humanos” faz-se necessária como forma de dar efetividade ao IDC, “adaptando-o ao cumprimento de seus propósitos e às exigências da realidade, tal qual se apresenta”. Assim, para que haja o desloRRomerRoRomerRRoRoRomero RoRomero S

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camento, deve ser analisado o caso concreto, levando-se em conta “a gravidade do crime, aliada a premissas diversas, como por exemplo, a repercussão, o clamor público e o propósito dos agentes delitivos, geralmente ligado a questões sociais”7. Juiz natural O princípio do juiz natural consagra o direito de ser processado pelo magistrado competente (Art. 5º, LIII, CF - ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente) e a vedação constitucional à criação de juízos ou tribunais de exceção (Art. 5º, XXXVII, CF- não haverá juízo ou tribunal de exceção). Nos termos de Távora, “tal princípio impede a criação casuística de tribunais pós-fato, para apreciar determinado caso”8. Entendido o princípio, resta evidente que o deslocamento de competência da Justiça Estadual para a Federal nos casos de graves violações a direitos humanos não o fere, já que, conforme defende Castro: “A possibilidade de modificação da competência foi inserida em nosso sistema por meio idôneo, qual seja, emenda constitucional, e não visou de forma alguma minar a imparcialidade do julgador. Não há a designação de magistrados ou tribunais para casos particulares e sim o deslocamento da competência fundamentado em determinados critérios (...)” 9

Recorda-se, ainda, que existem no Ordenamento Jurídico pátrio outras possibilidades de modificação da competência original, como se depreende do enunciado 150 da súmula do STJ: “Compete à Justiça Federal decidir sobre a existência de interesse jurídico que justifique a presença, no processo, da União, suas autarquias ou empresas públicas”. 7  CASTRO, Marcela Baudel de. A constitucionalidade do incidente de deslocamento de competência, 2013. 8  TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal, 2014, p. 72. 9  CASTRO, Marcela Baudel de. A constitucionalidade do incidente de deslocamento de competência, 2013. RRomerRoRomerRRoRoRomero RoRomero S

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Assim, ingressando um ente federal em certo feito e modificada a competência para a Justiça Federal, há simples alteração do juiz anteriormente tido como competente. Tal simples modificação também ocorre nos casos de graves violações aos direitos humanos, em que não há, evidentemente, criação de tribunal específico para um determinado caso. Devido processo legal, contraditório e ampla defesa Távora ensina que o princípio do devido processo legal consagra um processo tipificado, sem a supressão e/ou desvirtuamento de atos essenciais, de maneira que “a pretensão punitiva deve perfazer-se dentro de um procedimento regular, perante a autoridade competente, tendo por alicerce provas validamente colhidas, respeitando-se o contraditório e a ampla defesa”10. Ampla defesa, nesse contexto, é a garantia assegurada ao réu de produzir livremente as provas que necessite para defender-se, influenciando no convencimento do julgador, enquanto que o contraditório é a exteriorização da ampla defesa, impondo a condução bilateral do processo, diante da qual uma parte toma conhecimento do argumento da outra e pode contraditá-lo. Nessa toada, pode-se pensar que o IDC desvirtua o regular desenvolvimento do processo, configurando desrespeito aos princípios citados. Ocorre que, na prática, vê-se que o STJ tem chamado os órgãos estaduais envolvidos para prestarem os devidos esclarecimentos, isto é, para que demonstrem, ou não, que o Estado possui condições reais, por suas instituições, em proceder à devida persecução penal. Astolfi e Lagatta11 defendem, inclusive, que o determinante para os ministros deferirem o IDC é a posição favorável das insti10  TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal, 2014, p. 75. 11  ASTOLFI, Roberta Corradi; LAGATTA, Pedro. Os desafios para caracterizar o conceito de graves violações de direitos humanos... RRomerRoRomerRRoRoRomero RoRomero S

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tuições estaduais de competência originária, optando os ministros, relatores e votantes, por não enfrentar a questão sobre o que constitui grave violação a direitos humanos. No IDC nº 1, por exemplo, o Ministério Público e Tribunal de Justiça (do Pará) apresentaram forte oposição ao deslocamento, tendo sido este indeferido. No IDC nº 2, por sua vez, o Ministério Público da Paraíba e os governos da Paraíba e de Pernambuco concordaram com a federalização, enquanto que o Ministério Público de Pernambuco e os Tribunais de Justiça dos dois Estados se manifestaram de forma neutra, sendo o incidente deferido. Já no IDC nº 5, o próprio Ministério Público de Pernambuco foi quem representou junto ao PGR solicitando o deslocamento, o qual também foi deferido. Nesse mesmo sentido, como visto, o citado projeto de lei nº 6.647/2006, ainda em tramitação no Congresso Nacional, prevê a exigência que o Ministro-relator, no STJ, requisite informações por escrito ao Tribunal de Justiça, à Procuradoria-Geral de Justiça e à Secretaria de Segurança do Estado onde ocorreu a grave violação dos direitos humanos. Soberania do júri popular A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso XXXVIII, reconhece a competência do júri para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, assegurados a plenitude de defesa, o sigilo das votações e a soberania dos vereditos. Lecionando sobre os fundamentos do tribunal do júri, Távora12 explica que a ideia do tribunal popular é a de que os casos importantes sejam julgados pelos pares do réu, ou seja, que o julgamento se dê por pessoas que formam a comunidade a qual pertence o acusado. A competência do tribunal do júri é absoluta, não sendo, para tanto, possível de modificação pelas partes. Apesar de o homicídio, 12  TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal, 2014, p. 974. RRomerRoRomerRRoRoRomero RoRomero S

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crime contra a vida, constituir violação a direito humano, inexiste, com o IDC, desrespeito à competência do júri popular. Isso porque, com o deslocamento, há apenas a alteração do juiz competente para conduzir o processo até que se instaure o julgamento perante o Conselho de Sentença. Aras explica: “(...) não há um povo “estadual” e um povo “federal”. O povo é um só. Nos crimes dolosos contra a vida eventualmente deslocados por meio de IDC, o “povo” que julgará o fato será o mesmo, o da comarca estadual ou da subseção federal em que se deu o fato, conforme o critério territorial. Enfim, nada se tira do júri (art. 5º, XXXVIII, da CF)”13.

O Conselho de Sentença do júri, portanto, é formado por representantes do povo tanto na Justiça Estadual quanto na Federal, de modo que não há violação à soberania do júri popular com o IDC. Pacto federativo Estabelece o artigo 21, I, da Constituição Federal, que compete à União manter relações com Estados estrangeiros e participar de organizações internacionais. Assim, ela é responsável em nome do Estado brasileiro pelas regras estipuladas em tratados internacionais, inclusive no que concerne ao respeito aos direitos humanos, não cabendo invocar a autonomia dos entes federados: Estados, DF e municípios, para justificar o desrespeito aos preceitos internacionalmente firmados. Nesse contexto, no IDC nº 1, o STJ estabeleceu, como estudado, que a incapacidade (oriunda de inércia, negligência, falta de vontade política, de condições pessoais, materiais etc.) de o Estado-membro, por suas instituições e autoridades, levar a cabo a persecução penal, é requisito essencial para o deslocamento de competência previsto no art. 109, parágrafo 5º da Constituição Federal. Afinal, 13 

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“do contrário haveria indevida, inconstitucional, abusiva invasão de competência estadual por parte da União Federal, ferindo o Estado de Direito e a própria federação, o que certamente ninguém deseja, sabendo-se, outrossim, que o fortalecimento das instituições públicas – todas, em todas as esferas – deve ser a tônica, fiel àquela asserção segundo a qual, figuradamente, “nenhuma corrente é mais forte do que o seu elo mais fraco”. Para que o Brasil seja pujante, interna e externamente, é necessário que as suas unidades federadas – Estados, DF e Municípios –, internamente, sejam, proporcionalmente, também fortes e pujantes” (STJ. IDC nº 1-PA, Terceira Seção, Relator: Ministro Arnaldo Esteves Lima, julgado em 06/10/2005).

Reafirma-se, assim, a excepcionalidade do IDC, cabível apenas quando se observa, além da incapacidade dos Estados, a possibilidade de punição do Brasil por organismos internacionais por desrespeito a tratados assinados. No IDC nº 2, por exemplo, a Ministra-relatora Laurita Vaz, em seu voto pelo deferimento do deslocamento, levou em consideração a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, com diversos precedentes apontando a responsabilidade estatal pela demora na investigação de fatos relacionados ao desrespeito ao direito à vida decorrente da atuação de grupos paramilitares. Conforme pontua Castro14, não há o que se falar em desrespeito ao pacto federativo, pois o IDC cumpre a função de possibilitar à União assegurar, em âmbito nacional, o respeito aos direitos humanos, em realização ao que foi pactuado por ela nos tratados internacionais, sem que se necessite da medida drástica da intervenção federal.

5 Conclusão Configura o Incidente de Deslocamento de Competência importante instrumento de proteção aos direitos humanos, já que estimula os tribunais estaduais a responderem de forma eficaz às violações e, não havendo tal resposta, assegura a atuação da União, por meio da Justiça Federal. Também corresponde a um mecanis14  CASTRO, Marcela Baudel de. A constitucionalidade do incidente de deslocamento de competência, 2013. RRomerRoRomerRRoRoRomero RoRomero S

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mo de preservação da responsabilidade internacional do Estado brasileiro perante órgãos internacionais. O IDC presta-se à sociedade, à própria vítima e aos autores dos crimes. Isso porque serve à sociedade e à vítima no intuito de buscar reparação e segurança, enquanto que, para os autores, resguarda, no interesse deles, a razoável duração do processo. Não obstante a ausência de regulamentação legal acerca do IDC, o STJ, nos casos em que os deslocamentos foram requeridos, esclareceu vários contornos do instituto, compatibilizando-o com a ordem jurídica vigente. Ante a ausência de violação aos princípios da segurança jurídica, juiz natural, devido processo legal, contraditório, ampla defesa, soberania do júri popular e pacto federativo, espera-se que o STF declare, nas ADIs em tramitação, a constitucionalidade desse importante incidente.

6 Referências ARAS, Vladimir. Federalização de crimes só é válida em último caso. Disponível em: < https://www.conjur.com.br/2005-mai-17/federalizacao_crimes_valida_ultimo > Acesso em: 05 nov. 2017. ASTOLFI, Roberta Corradi; LAGATTA, Pedro. Os desafios para caracterizar o conceito de graves violações de direitos humanos a partir da análise dos julgamentos de deslocamento de competência de 2005 a 2014. Disponível em: < http://www.revistaliberdades.org.br/site/outrasEdicoes/outrasEdicoesExibir. php?rcon_id=231 > Acesso em: 2 nov. 2017. CASTILHO, Ela Wiecko Volkmer. apud MEDEIROS, Gilmara Joane Macêdo de. O incidente de deslocamento de competência: história e aspectos conceituais. Disponível em: < http://www.ambitojuridico.com.br/site/index. php/%3Fn_link% 3Drevista_artigos_leitura%26artigo_id%3D11520%26revista_caderno%3D25?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11392&revista_caderno=9 >. Acesso em: 31 out. 2017. CASTRO, Marcela Baudel de. A constitucionalidade do incidente de deslocamento de competência (IDC). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3638, 17 jun. 2013. Disponível em: . Acesso em: 1 nov. 2017. CAZZETA, Ubiratan. Direitos Humanos e Federalismo: o incidente de deslocamento de competência. São Paulo: Editora Atlas S.A, 2009. MEDEIROS, Gilmara Joane Macêdo de. O incidente de deslocamento de competência: história e aspectos conceituais. Disponível em: http://www. ambitojuridico.com.br/site/index.php/%3Fn_link%3Drevista_artigos_leitura%26artigo_id%3D11520%26revista_caderno%3D25?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11392&revista_caderno=9. Acesso em: 31 out. 2017. TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. 9 ed. Salvador: Jus Podium, 2014.

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O N ovo P rocesso de J urisdição Voluntária: do CPC de 2015 à nova fórmula de homologação de acordo extrajudicial inserido na CLT Sergio Torres Teixeira1

A polêmica discussão acerca da natureza da atividade do juiz no exercício da jurisdição voluntária assume posição de destaque na doutrina processual há décadas. A Lei nº 13.467 de 2017, intitulada de Reforma Trabalhista, inseriu no corpo da CLT o “processo” de jurisdição voluntária de homologação de acordo extrajudicial. Processo ou procedimento? O presente trabalho almeja desenvolver a análise da jurisdição voluntária exercida pela Justiça do Trabalho quando provocada para fins de chancelar uma solução consensual materializada fora do Judiciário, mas cujo aperfeiçoamento por meio da homologação judicial interessa aos respectivos sujeitos. Precisar a índole da respectiva judicial, examinar a fórmula procedimental concretizada e expor as razões do recurso a tal via alternativa à jurisdição contenciosa serão as metas perseguidas. Nesse contexto, serão examinados criticamente os dispositivos da Lei nº 13.467 de 2017 que disciplinam esse novo “processo de jurisdição voluntária”, com o objetivo de descrever as novas técnicas colocadas à disposição dos sujeitos da relação de emprego para dirimir seus conflitos individuais. Ao final, será enfatizada a importância da participação dos juízes e dos mediadores no fortalecimento da Justiça do Trabalho. Palavras-Chave: Justiça do Trabalho – Jurisdição Voluntária – Vias Alternativas à Jurisdição Contenciosa Trabalhista – Homologação de Acordo Extrajudicial. Sumário: 1. Morfologia da Jurisdição Voluntária; 2. Jurisdição Voluntária no Código de Processo Civil de 2015; 3. Exercício da Jurisdição Voluntária pela Justiça do Trabalho; 4. O Novo Processo de Jurisdição Voluntária Instituído pela Lei nº 13.467 de 2017; 5. Jurisdição Voluntária e Processo de Homologação de Acordo Extrajudicial; 6. Conclusões; 7. Referências.

1 Morfologia da Jurisdição Voluntária A Jurisdição implica, necessariamente, na solução de um conflito? A origem etimológica da expressão Iuris dictio, dizer ou declarar o direito, traduz uma noção de uma situação primitivamente 1  Desembargador do TRT6. Doutor em Direito. Professor Adjunto da FDR/UFPE e da UNICAP. Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho. SSergiSeSergiSeSergio

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indefinida, incerta, sugerindo a prévia existência de alguma espécie de conflito. O caráter de contenciosidade, contudo, não é uma característica imprescindível à jurisdição. O conceito de jurisdição consagrado na obra de Giuseppe Chiovenda, ao enaltecer a sua posição de função estatal, não apresenta o elemento lide como essencial à sua constituição, mas deixa claro o caráter substitutivo da respectiva atividade: Função do Estado que tem por escopo a atuação da vontade concreta da lei por meio da substituição, pela atividade de órgãos públicos, da atividade de particulares ou de outros órgãos públicos, já no afirmar a existência da vontade concreta da lei, já no torná-la, praticamente, efetiva. (CHIOVENDA, 1998, p. 8). Por meio da jurisdição, destarte, o Estado-Juiz substitui aqueles que, originalmente, integram a respectiva relação material da qual surgiu o interesse para a provocação da intervenção estatal, com a consequente substituição da atividade particular entre os mesmos por uma atividade pública desenvolvida pelo Estado. Dentro desse contexto, conforme ressalta Alexandre Freitas Câmara, a presença do conflito não é indispensável à atuação jurisdicional: Para buscar definir jurisdição, é preciso, em primeiro lugar, dizer o que ela não é. A jurisdição não é uma função estatal de composição de lides. Em primeiro lugar, porque nem sempre existe uma lide (assim entendido o conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida) para compor. A lide não é elemento essencial à jurisdição, mas um elemento que lhe é meramente acidental. Em outras palavras, até pode haver uma lide subjacente ao processo, mas não é essencial que isto ocorra. É que existem casos de jurisdição sem lide, como se dá, por exemplo, quando é proposta uma ´demanda necessária´ (assim entendida aquela demanda que se propõe nos casos em que o direito só pode ser efetivado através do processo jurisdicional, SSergiSeSergiSeSergio

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como, por exemplo, no caso de anulação de casamento, em que o resultado só pode ser obtido através de um processo jurisdicional, mesmo que não exista uma lide entre os interessados. (CÂMARA, 2017, p. 32).

A atividade jurisdicional do Estado-Juiz, portanto, pode ser materializada por meio de dois caminhos distintos. Por uma das vias, ocorre a imposição de solução a um conflito de interesses submetido ao exame do Judiciário. Por outro itinerário, a jurisdição é concretizada mediante a atuação do juiz dentro de uma relação que não alberga uma lide, quando então passa a executar uma atividade de gestão com nítida feição administrativa. Nesse sentido, a doutrina processual costuma classificar a jurisdição, quanto à sua finalidade, em duas categorias, a jurisdição contenciosa e a jurisdição voluntária (também conhecida como jurisdição graciosa, jurisdição administrativa ou jurisdição integrativa). Na primeira modalidade, como evidencia a respectiva nomenclatura (contenciosa deriva da expressão “contender”, no sentido de disputar ou litigar), se pressupõe uma contenda a ser solucionada, ou seja, uma lide que lhe serve de objeto, buscando uma resolução a ser decretada pelo Estado-Juiz de forma a pôr fim à disputa. A jurisdição contenciosa, portanto, almeja impor (e não compor, uma vez que a composição naturalmente exige a participação imediata das partes) uma definição a uma relação litigiosa, materializando uma solução por meio de uma decisão diante de um conflito de interesses. (BERMUDES, 1996, p. 21). Na segunda espécie, ocorre o exercício de atribuições de gestão pública, sem a premissa de um conflito a solucionar. O magistrado, em vez de atuar diante de uma relação conflituosa com a missão de resolver a lide, cumpre uma missão de administrador ou gestor de SSergiSeSergiSeSergio

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interesses privados aos quais o legislador impõe essa tutela especial do Judiciário, quando então o juiz passa a operar dentro dos limites do respectivo caso como um verdadeiro tutor na administração de interesses particulares, cumprindo uma função simultaneamente de fiscalização/vigilância e de integração/constituição. O juiz, no exercício da jurisdição voluntária, pratica atos subjetivamente judiciais, mas substancialmente administrativos. Qual o motivo que levou o legislador a confiar, em hipóteses cada vez mais numerosas, a administração de interesses privados ao Poder Judiciário? Por que não os confiou, como seria teoricamente mais adequado, a órgãos do próprio Poder Executivo? As razões são muitas. E uma parte, a tradição histórica, dos tempos em que se não reconhecia a separação dos Poderes, e as atividades jurisdicionais e administrativas não eram devidamente discriminadas; de outra parte, a conveniência em confiar certos atos, de intervenção nos negócios e situações dos particulares, a pessoas dotadas de imparcialidade, e experientes na aplicação do direito. A intervenção do Judiciário, aliás, é também fator valioso para reforçar a ´prevenção´ de eventuais futuras lides, que poderiam com mais facilidade surgir se a intervenção fosse realizada por agentes de outro Poder. (CARNEIRO, 1997, p. 34).

A jurisdição voluntária, por conseguinte, se destina à administração pública de interesses privados socialmente relevantes, cuja gestão a Lei atribui ao magistrado por razões históricas, como também em virtude do interesse do Estado em submeter esses interesses particulares ao controle de agentes públicos capacitados a exercer uma tutela gerencial preventiva, de modo a evitar abusos, desvios e arbitrariedades exatamente em virtude da importância de tais interesses. Não há lide, e, tampouco, partes litigantes. Existe, isso, sim, um interesse privado (objeto de ato ou negócio jurídico) envolvendo sujeitos interessados. Tais características levam alguns doutrinadores a criticar a SSergiSeSergiSeSergio

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denominação “jurisdição voluntária”, sustentando que a respectiva atividade não seria “jurisdição” e, muito menos, “voluntária”. (THEODORO JÚNIOR, 2017, p. 119; DIDIER JÚNIOR, 2015, p.186). Segundo essa linha de pensamento, por corresponder a uma atividade que não se destina a solucionar um conflito mas sim administrar interesses privados, não poderia ser chamada de “jurisdição”. E por ser obrigatória a submissão a essa gestão estatal para se obter os efeitos jurídicos almejados de acordo com a Lei, não seria adequado denominar a mesma de “voluntária”. Os atos praticados no exercício da jurisdição voluntária são atos judiciais, porque praticados por juízes; mas não são atos jurisdicionais, pois ao praticá-los, o juiz não está aplicando o direito com vista a eliminar um conflito de interesses, mas sim com o propósito de influir em um negócio privado ou em uma situação jurídica. (CARNEIRO, 1997, p. 34).

As críticas são compreensíveis dentro de uma visão formal acerca da função tradicional do Judiciário, quanto à sua atividade principal de julgar demandas. Mas apenas dentro de tal contexto, enquanto restrito a uma concepção “clássica”. (GRECO, 2003, p. 23). Conforme acima destacado, a ideia de que a solução de lides é absolutamente essencial à jurisdição, no sentido de que não há jurisdição sem lide, é uma tese ultrapassada. Jurisdição é a função do Judiciário se, quando devidamente provocado, este declarar o direito aplicável ao caso concreto submetido à sua apreciação ... e tal atividade jurisdicional ocorre tanto diante de uma lide, como na jurisdição contenciosa, como em face a uma situação envolvendo interesses privados que, necessariamente, precisam ser tutelados pelo Estado mediante uma atividade administrativa/integrativa prevista em Lei como imprescindível à válida constituição de um ato, providência ou negócio jurídico. SSergiSeSergiSeSergio

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Tanto uma como outra se revela necessária à obtenção aos efeitos previstos pela legislação aplicada, no melhor sentido do devido processo legal. A jurisdição voluntária assim, é tipificada pelo legislador como atividade própria do Poder Judiciário, sendo abrangida pela sua função jurisdicional em uma esfera que vai além daquela própria da sua atividade natural de processamento e julgamento de processos litigiosos. Ao magistrado incumbe exercer dentro de sua função jurisdicional, além de atos típicos de resolução de conflitos, outras atribuições como aquelas de índole administrativa que integram a gestão pública de interesses particulares materializada na jurisdição voluntária. Hodiernamente, não faz sentido a distinção que no passado se buscava estabelecer para excluir a natureza jurisdicional da atividade do juiz no âmbito das suas atribuições não-contenciosas, como aquelas próprias das demandas necessárias anteriormente apontadas. (CÂMARA, 2017, p. 32). O adjetivo “voluntária”, por sua vez, não é utilizado pelo legislador no sentido de consagrar uma “faculdade” do interessado a submissão do interesse privado à tutela jurisdicional administrativa do Estado. A submissão a essa gestão pública pelo magistrado é necessária e exigida para se obter os efeitos legalmente previstos e almejados pelos interessados. Nesse contexto, a jurisdição voluntária é tão necessária e inevitável quanto a jurisdição contenciosa. A submissão dos interessados a essa função gestora e integradora do magistrado, pois, corresponde a um requisito de validade dos negócios jurídicos decorrentes. A respectiva expressão foi adotada pelo legislador (ao qual a doutrina proporciona os adjetivos alternativos de “graciosa”, “administrativa” e “integrativa”) apenas em virtude de inexistir uma lide a ser solucionada mas apenas um interesse privado a ser adSSergiSeSergiSeSergio

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ministrado pela autoridade judiciária. A expressão “voluntária” foi contraposta à expressão “contenciosa” ... não foi colocada como contraponto à expressão “obrigatória”. Compreendida a jurisdição voluntária dentro dessas diretrizes quanto à sua nomenclatura e sua natureza de atividade jurisdicional, incumbe agora proceder a uma breve exposição da sua disciplina legal no principal diploma processual pátrio, o Código de Processo Civil (Lei nº 13.105 de 2015), que serve como a mais relevante fonte subsidiária e supletiva do modelo processual trabalhista. E este será o objeto de análise da próxima seção.

2 Jurisdição Voluntária no Código de Processo Civil de 2015 De grande relevância para a Justiça do Trabalho considerando as lacunas na legislação processual trabalhista e o recurso ao processo comum como fonte subsidiária e supletiva ao processo do trabalho (artigos 769 da Consolidação das Leis do Trabalho e 15 do próprio diploma processual civil), o Código de Processo Civil de 2015 (Lei nº 13.105 de 2015 introduziu uma série de inovações no modelo processual brasileiro, tanto no âmbito institucional, como na esfera estrutural do próprio sistema. Mesmo o corpo do diploma apresentou uma nova organização, com uma Parte Geral composta de seis Livros e uma Parte Especial constituída por outros quatro Livros. O Capítulo XV do Título III do Livro I da Parte Especial do respectivo álbum processual, por meio dos artigos 719 a 770, contém os dispositivos que regulam os procedimentos especiais de jurisdição voluntária no âmbito do processo civil. Intitulado Dos procedimentos de jurisdição voluntária, o respectivo capítulo congrega as regras processuais que disciplinam a atividade dos juízes em sede SSergiSeSergiSeSergio

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de jurisdição voluntária, fixando as diretrizes para a atuação do magistrado na gestão de interesses privados aos quais o legislador impôs a administração pelo Estado-Juiz como forma de fiscalizar atos e negócios particulares relevantes e assim os prevenir de desvios. Após estabelecer as disposições gerais acerca da jurisdição voluntária na Seção I (artigos 719 e 725), o capítulo elenca outras onze seções envolvendo procedimentos especiais de institutos legalmente submetidos à tutela administrativa do Estado-Juiz, dentre os quais a notificação e interpelação (artigos 726 a 729), o divórcio e a separação consensuais (artigos 731 a 734), os testamentos e codicilos (artigos 732 a 737), a interdição (artigos 747 a 758) e a tutela e a curatela (artigos 759 a 763). O artigo 724 do Código de Processo Civil, por seu turno, estabelece que mesmo não estando sujeito a ritos processuais peculiares como aqueles afetos aos institutos relacionados nominalmente nas seções II a XII do respectivo Capítulo XV, devem ser processados por meio do procedimento especial “padrão” disciplinado na seção especial pedidos como a emancipação, a alienação de bem de incapaz, a expedição de alvará judicial e o objeto do inciso XIII do citado artigo: Art. 725. Processar-se-á na forma estabelecida nesta Seção o pedido de: VIII – homologação de autocomposição extrajudicial, de qualquer natureza ou valor.

Como a atividade de jurisdição voluntária envolvendo a homologação de autocomposição extrajudicial corresponde a temática intrinsecamente ligada ao objeto do presente trabalho, a temática será revisitada mais adiante, em outra seção. Importante anotar, apenas, que a jurisdição voluntária que tem por objeto tal providência judicial se sujeita às normas do procedimento especial “paSSergiSeSergiSeSergio

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drão” previstas na Seção I do Capítulo XV, que agora será alvo de uma análise descritiva. Na mencionada Seção I, ao disciplinar as disposições gerais, o legislador de 2015 destaca no artigo 720 que a provocação do Estado-Juiz para exercer a jurisdição voluntária dentro de um desses procedimentos deve ser materializada por meio de uma fórmula simples de manifestação do direito de ação. Segundo o respectivo dispositivo, incumbe ao interessado (ou ao Ministério Público ou à Defensoria Pública) apresentar um pedido de tutela jurisdicional voluntária, com a definição da espécie de providência judicial que se almeja obter por meio da jurisdição administrativa, instruído com os documentos indispensáveis à demonstração da respectiva causa de pedir: Art. 720. O procedimento terá início por provocação do interessado, do Ministério Público ou da Defensoria Pública, cabendo-lhes formular o pedido devidamente instruído com os documentos necessários e com a indicação da providência judicial.

Os dois artigos subsequentes se dedicam a assegurar a plena transparência do procedimento de jurisdição voluntária, estabelecendo a exigência de promover a citação de todos os interessados, inclusive e especialmente a Fazenda Pública se for o caso, para que tenham ciência do desenvolvimento da respectiva atividade e, querendo, se pronunciem acerca da questão dentro de um prazo específico (de 15 dias para os interessados “comuns”; de 30 dias para a Fazenda Pública e outros interessados com prerrogativa processual semelhante). Art. 721. Serão citados todos os interessados, bem como intimado o Ministério Público, nos casos do art. 178, para que se manifestem, querendo, no prazo de 15 (quinze) dias. Art. 722. A Fazenda Pública será sempre ouvida nos casos em que tiver interesse.

É importante destacar que a imposição da citação dos SSergiSeSergiSeSergio

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interessados não corresponde a uma manifestação típica da garantia constitucional do contraditório, assegurado no artigo 5º, inciso LV, da Constituição da República. Na realidade, como não há litigantes mas sim “interessados”, não há a materialização do contraditório típico da jurisdição contenciosa, na qual se assegura aos adversários o direito de ciência acerca dos atos processuais praticados para permitir aos mesmos o exercício do direito à ampla defesa consagrado no mesmo dispositivo constitucional. A preocupação do legislador, manifestada nos artigos 721 e 723, se harmoniza com o ideal de proporcionar ampla transparência ao procedimento de modo a permitir a todos os interessados possam contribuir para o adequado desenvolvimento da respectiva atividade jurisdicional. O caput do artigo 723 do Código de Processo Civil, por seu turno, estabelece um prazo para o magistrado proceder à sentença por meio da qual será concedida (ou não) a providência jurisdicional pretendida pelo interessado que provocou o Estado-Juiz. Não há menção a qualquer produção probatória mas é evidente que, em entendendo necessária a produção de provas para melhor firmar a sua convicção, o magistrado poderá proceder a um incidente cognitivo envolvendo a apresentação de provas de toda natureza (depoimentos dos interessados, oitiva de testemunhas, exibição de documentos, realização de perícias, etc.), seguindo as diretrizes gerais da fase probatória prevista para o procedimento comum do processo civil. O prazo de dez dias, previsto pelo legislador, assim, naturalmente terá o seu começo condicionado à necessidade ou não de produção de provas, devendo ser iniciado o prazo apenas após a conclusão de eventual incidente instrutório, se for o caso. Questão de grande relevância se encontra exposto no parágrafo único do citado artigo 723, que estipula a admissibilidade do SSergiSeSergiSeSergio

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julgamento por equidade do magistrado. Segundo as suas linhas, o juiz não está vinculado aos estritos limites da legislação quando da definição do acolhimento ou rejeição do pedido de tutela jurisdicional voluntária. Art. 723. O juiz decidirá o pedido no prazo de 10 (dez) dias. Parágrafo único. O juiz não é obrigado a observar critério de legalidade estrita, podendo adotar em cada caso a solução que considerar mais conveniente ou oportuna.

Diante de tal autorização legal, o juiz dispõe de maior liberdade ao apreciar a pretensão do requerente da providência de jurisdição voluntária, sem estar adstrito aos limites típicos do texto legal acerca da matéria. Tal forma de julgamento por equidade, entretanto, não torna o magistrado um “déspota” ou “tirano” processual, pois em que pese o maior campo de liberdade para firmar a sua convicção, o juiz ainda assim se encontra sujeito à imposição de sua imparcialidade e à sua submissão às demais exigências naturais do seu ofício como órgão judicante (notadamente, a atuação de boa-fé e o uso do simples “bom senso”). A hipótese do parágrafo único do artigo 723 do diploma processual civil, de qualquer modo, constitui uma exceção à regra da vedação do julgamento por equidade consagrado no parágrafo único do artigo 140 do mesmo álbum processual. O pronunciamento do juiz, pelo qual ocorrerá o acolhimento ou a rejeição da pretensão à providência judicial pleiteada, constitui verdadeira sentença judicial, e, como consequência, revela-se recorrível, conforme exposto no artigo 724 do Código de Processo Civil: Art. 724. Da sentença caberá apelação.

Nada mais natural, pois se trata de uma decisão judicial que resulta na entrega de uma prestação jurisdicional, encerrando uma fase cognitiva própria de um procedimento judicial tipificado pelo SSergiSeSergiSeSergio

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legislador. E cabe ação rescisória de uma sentença proferida em procedimento de jurisdição voluntária? O tema é polêmico, tanto no âmbito dos tribunais como na doutrina. Os que defendem o descabimento da ação rescisória como meio de desconstituição de sentença proferida em sede de procedimento de jurisdição voluntária, usualmente levantam como principal argumento a tese de que a jurisdição voluntária não produz a coisa julgada material, podendo a sentença ser modificada posteriormente pelo juiz em caso de circunstâncias supervenientes mesmo após exaurido o prazo recursal. Como, por exemplo, no caso de uma simples petição informando o restabelecimento da vida em comum de um casal que, em um procedimento de jurisdição voluntária, anteriormente obteve sentença homologatória do pedido de separação, nos moldes previsto no artigo 46 da Lei 6.515 de 1977: Art. 46. Seja qual for a causa da separação judicial, e o modo como esta se faça, é permitido aos cônjuges restabelecer a todo o tempo a sociedade conjugal, nos termos sem que fora constituída, contanto que o façam mediante requerimento nos autos da ação de separação.

Em outras palavras, como não ocorre no âmbito da jurisdição voluntária a qualidade de imutabilidade que caracteriza a sentença de mérito proferida no âmbito da jurisdição contenciosa, tal decisão não seria rescindível. Ao defender a natureza jurisdicional da jurisdição voluntária, entretanto, Fredie Didier Júnior deixa clara a admissibilidade da ação rescisória para hostilizar a sentença oriunda de procedimento (DIDIER JÚNIOR, 2015, p. 193 a 194). E tal entendimento tem especial relevo em casos de procedimentos de jurisdição voluntária que envolvem típica atividade negocial. SSergiSeSergiSeSergio

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Em obra anterior à vigência do Código de Processo Civil, Athos Gusmão Carneiro expôs uma divisão dos procedimentos de jurisdição voluntária em três modalidades: 1) “intervenção estatal na formação de sujeitos jurídicos”, cujo exemplo típico é o registro do estatuto de um partido político perante o Tribunal Superior Eleitoral; 2) “intervenção do Judiciário na integração da capacidade jurídica das pessoas e no status quo das pessoas”, como nos casos de divórcio consensual, adoção, habilitação para casamento e interdição; e 3) “intervenção do Judiciário em negócios jurídicos”. (CARNEIRO, 1997, p. 36 e 37). Humberto Theodoro Júnior, mesmo entendendo que a atividade envolvendo jurisdição voluntária não revela o mesmo caráter substitutivo que caracteriza a jurisdição na visão clássica de Chiovenda, enfatiza essa índole negocial da respectiva atividade ao descrever a natureza da jurisdição voluntária: Não se apresenta como ato substitutivo da vontade das partes, para fazer atuar impositivamente a vontade concreta da lei (como se dá na jurisdição contenciosa). O caráter predominante é de atividade negocial, em que a interferência do juiz é de natureza constitutiva ou integrativa, com o objetivo de tornar eficaz o negócio desejado pelos interessados. A função do juiz é, portanto, equivalente ou assemelhada à do tabelião, ou seja, a eficácia do negócio jurídico depende da intervenção pública do magistrado. (THEODORO JÚNIOR, 2017, p. 118).

Nessa linha de raciocínio, a jurisdição voluntária implica em uma atividade negocial na qual a atuação gestora do magistrado é necessária para fins de validação do objeto em foco, seja um ato, uma providência, ou, de fato, um negócio jurídico. Exatamente por resultar, dentro dessa categoria de procedimentos de jurisdição voluntária que têm por objeto um negócio jurídico, em uma sentença judicial constitutiva/integrativa do próprio negócio jurídico, essencial à validade deste, fica em clarividência a natureza jurisdicional da respectiva atividade e, como SSergiSeSergiSeSergio

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consequência, a imprescindibilidade de atribuir a essa “chancela” um efeito além daquele que poderia ser obtido por alguma via extrajudicial caso o interessado tivesse optado por tal caminho alternativo ... exatamente o “manto” da coisa julgada material por meio do qual a definição obtida através da jurisdição se torna “imutável” e atacável apenas por meio de outro processo judicial agora, agora contencioso. Mas seria mesmo uma ação rescisória? Ou suficiente seria uma ação anulatória (?), nos moldes do artigo 496, §4ª, do Código de Processo Civil: § 4CPC/2015Os atos de disposição de direitos, praticados pelas partes ou por outros participantes do processo e homologados pelo juízo, bem como os atos homologatórios praticados no curso da execução, estão sujeitos à anulação, nos termos da lei.

Tal discussão assume contornos especiais quando discutido no âmbito do processo do trabalho, considerando entendimento sedimentado no âmbito da jurisprudência sumulada do Tribunal Superior do Trabalho. E, assim, será objeto de uma análise específica em outra seção do presente trabalho.

3 Exercício da Jurisdição Voluntária pela Justiça do Trabalho A análise da evolução história da legislação constitucional e infraconstitucional disciplinadora da competência material da Justiça do Trabalho deixa claro o menosprezo do legislador pátrio pelo caminho de atribuir a tal instituição a execução de atividades administrativas típicas de jurisdição voluntária. O exame de certos dispositivos encontrados de modo avulso, inclusive em alguns desses mesmos diplomas legais já analisados, por outro lado, revelam um legislador tímido, mas ao menos não SSergiSeSergiSeSergio

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completamente inerte. Ainda que aparentemente desconectados com questões próprias de delimitação jurisdicional, disciplinam atribuições afetas a uma atuação não contenciosa do juiz do trabalho, envolvendo atividade de homologação de atos de interesse de ambos os sujeitos da relação de emprego. Nesse sentido, os artigos 500 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), artigo 1º da Lei nº 5.107 de 1966, o artigo 9º, §4º, da Lei nº 7.064 de 1982 e artigo 233 da Constituição da República (este último posteriormente revogado pela Emenda Constitucional nº 20 de 1998). O artigo 500 da CLT, que disciplina a solenidade exigida pelo legislador para a validade do ato por meio do qual um empregado portador de estabilidade (originalmente a antiga estabilidade decenal do artigo 492 do respectivo diploma laboral) formaliza a terminação do seu contrato por livre e espontânea vontade unilateral do obreiro, impondo que a demissão voluntária seja submetida à assistência de entidade legitimada para chancelar a respectiva cessação do contrato de emprego no qual o obreiro estaria alcançado pela proteção estabilitária. A redação primitiva do respectivo dispositivo, por sua vez, se encontra a seguir transcrita: Art. 500. O pedido da demissão do empregado estável só será válido quando feito com a assistência do respectivo sindicato e, se não o houver, perante autoridade local competente do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio ou da Justiça do Trabalho.

A Lei nº 5.584 de 1970 alterou de forma “cosmética” o texto original, sem modificar a sua essência, mudando apenas o nome da entidade ministerial alcançada pela sua previsão: Art. 500 O pedido de demissão do empregado estável só será válido quando feito com a assistência do respectivo Sindicato e, se não o houver, perante autoridade local competente do SSergiSeSergiSeSergio

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Ministério do Trabalho e Previdência Social ou da Justiça do Trabalho.

As letras do dispositivo em qualquer uma das duas redações, entretanto, evidenciam que, caso a assistência formal exigida para a validade da demissão voluntária do empregado portador de estabilidade no emprego não fosse prestado pela entidade sindical do obreiro ou pela autoridade local do Ministério do Trabalho, restaria aos interessados (o empregado e o empregado) levar o instrumento no qual estaria materializado o pedido de demissão para a Justiça do Trabalho para obter a assistência de um juiz do trabalho. E este, numa cerimônia simples mas solene, chancelaria o ato resilitório do empregado, após logicamente confirmar que era esta mesma a sua vontade, usualmente pelo mero registro de sua homologação no corpo do mencionado instrumento. Tal atuação do magistrado diante de uma situação não contenciosa, portanto, corresponde a uma atividade típica de jurisdição voluntária. Afinal, ambos, empregado e empregador, apenas desejam o reconhecimento da validade do pedido de demissão voluntária. E, ainda, a questão envolve um interesse particular de inegável relevância, pois, em última análise, o objetivo é validar a terminação de um contrato emprego de um empregado ungindo com a proteção máxima que a legislação trabalhista pode proporcionar (a estabilidade no emprego), por suposta vontade livre e espontânea desse mesmo hipossuficiente juridicamente protegido. Tal despojamento praticado voluntariamente pelo empregado, resilindo unilateralmente o contrato de emprego mesmo protegido pela estabilidade decenal, constitui algo não usual, atípico e até “estranho”. Tal “estranheza” merece (na visão do legislador) ser objeto de uma tutela preventiva como essa assistência ... correspondente a uma jurisdição administrativa na qual o magistrado fiscaliza a prática do ato de desligamento e, ao homologar o respectivo instrumento, aperfeiçoa a resilição, (des) constituindo uma relação SSergiSeSergiSeSergio

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contratual até então íntegra e regular. Não se revela apta a refutar tal constatação o argumento segundo o qual, se fosse jurisdição voluntária, então o sindicato e o representante do Ministério do Trabalho também estariam exercendo uma jurisdição administrativa quando prestando assistência nos moldes do artigo 500 da CLT. Nem o Ministério do Trabalho, nem qualquer entidade sindical, exercem a jurisdição , exatamente por não integrarem o Poder Judiciário. Quando a homologação for feita pelo sindicato ou pelo auditor-fiscal do trabalho nos moldes do artigo 500 da CLT, há intervenção estatal na administração de interesses privados, mas não por meio da jurisdição voluntária. Athos Gusmão Carneiro (CARNEIRO, 1997, p. 33) admite expressamente a existência de múltiplas vias de intervenção do Estado na gestão de interesses privados, citando exemplos outros além da jurisdição voluntária, como a intervenção por órgãos alheios ao Poder Judiciário (atuação da Junta Comercial na aquisição de personalidade jurídica de sociedade empresariais) e a intervenção por meio de órgãos sob o controle e fiscalização do Poder Judiciário (como é o caso dos tabelionatos e Ofício de Registro Civil). Apenas no âmbito do Poder Judiciário, entretanto, tal intervenção assume a forma da jurisdição voluntária. Quando um juiz do trabalho executa tal atividade tipicamente administrativa de homologar um pedido de demissão de empregado estável, prestando assistência aos sujeitos de um contrato de emprego quando um obreiro estabilitário deseja espontaneamente encerrar o pacto laboral, chancelando o instrumento no qual tal livre vontade do empregado estável é manifestada, é inequívoca que tal atuação do magistrado se enquadra como atribuição propriamente graciosa no sentido de uma jurisdição não contenciosa. Em SSergiSeSergiSeSergio

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outras palavras, uma jurisdição voluntária. E tal atuação não pode ser ignorada, mesmo considerando que em termos quantitativos há reduzida expressão prática, uma vez que usualmente tal homologação sempre foi formalizada no âmbito dos sindicatos profissionais. Mesmo que em números pouco expressos, ao menos corresponde a uma atuação inequívoca da Justiça do Trabalho no âmbito da jurisdição voluntária, para além dos limites expressamente traçados nos dispositivos que disciplinavam a sua competência material até o advindo da Emenda Constitucional nº 45 de 2004. Atuação de idêntica natureza jurisdicional integrativa foi disciplinada pela Lei nº 5.107 de 1966, a chamada “Lei do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço” (FGTS). Dispunha o seu artigo 1º, caput e §§ 1º e 3º: Art. 1º Para garantia do tempo de serviço ficam mantidos os Capítulos V e VII do Título IV da Consolidação das Leis do Trabalho, assegurado, porém, aos empregados o direito de optarem pelo regime instituído na presente Lei. § 1º O prazo para a opção é de 365 (trezentos e sessenta e cinco) dias, contados da vigência desta Lei para os atuais empregados, e da data da admissão ao emprêgo quanto aos admitidos a partir daquela vigência. § 3º Os que não optarem pelo regime da presente Lei, nos prazos previstos no § 1º, poderão fazê-lo, a qualquer tempo, em declaração homologada pela Justiça do Trabalho, observandose o disposto no Art. 16.

Posteriormente, o Decreto-Lei nº 20 de 1966 acrescentou ao mesmo artigo 1º da Lei nº 5.107 de 1966 o seu §4º: § 4º O empregado que optar pelo regime desta lei, dentro do prazo estabelecido no § 1º e que não tenha movimentado a sua conta vinculada, poderá retratar-se desde que o faça no prazo de 365 dias a contar da opção, mediante declaração homologada pela Justiça do Trabalho, não se computando para efeito de contagem do tempo de serviço o período compreendido entre SSergiSeSergiSeSergio

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a opção e a retratação.

Nos parágrafos 3º e 4º do artigo 1º da Lei do FGTS, assim, o legislador expressamente atribuiu à Justiça do Trabalho a incumbência de homologar declarações em duas hipóteses de reconsideração do obreiro: a) o empregado “não-optante” pelo regime do Fundo de Garantia posteriormente reconsidera a sua escolha primitiva e deseja posteriormente formalizar sua opção pelo sistema; b) o empregado que originalmente fez a opção pelo regime do FGTS reconsidera sua escolha e, condicionado ao exercício do seu arrependimento dentro do prazo de 365 dias da escolha primitiva, manifesta sua vontade de se retratar e retornar ao regime da CLT. A Lei nº 7.839 de 1989 revogou a Lei nº 5.107 de 1966, mas poucos meses após o início de sua vigência, aquela foi sucedida pela Lei nº 8.036 de 1990, que prossegue disciplinando o sistema do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço até os dias atuais. E a previsão da homologação da opção continua a existir, conforme prevista no §4º do artigo 14 da Lei nº 8.036 de 1990: §4º Os trabalhadores poderão a qualquer momento optar pelo FGTS com efeito retroativo a 1º de janeiro de 1967 ou à data de sua admissão, quando posterior àquela.

Nessa atuação de homologação de atos declaratórios de reconsideração quanto a opções relacionadas ao regime do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, o juiz do trabalho está evidentemente exercendo a jurisdição voluntária, pois a respectiva atividade constitui uma fórmula de administração pública de interesses particulares, mediante o qual o magistrado está fiscalizando a regularidade do ato de reconsideração manifestado pelo empregado e ao chancelar a respectiva declaração com a sua homologação, está integrando e constituindo o negócio jurídico entre os respectivos sujeitos da relação de emprego envolvendo a aplicabilidade ou não das regras do regime do FGTS ao respectivo contrato entre as parSSergiSeSergiSeSergio

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tes. A intervenção estatal, na hipótese, é imposta pelo legislador em virtude da necessidade de proporcionar segurança aos “interessados”, empregado e empregador, diretamente alcançado pelos efeitos de tal declaração de reconsideração, uma vez que a submissão ou não ao regime do FGTS afeta ambas as partes quanto a questões “sensíveis”, desde a estabilidade no emprego até o direito de despedir. O Tribunal Superior do Trabalho, inclusive, reconhece não apenas a relevância de tal negócio jurídico-processual cuja validade depende da homologação de um juiz do trabalho, como a imprescindibilidade de se obter a anuência do empregador para proceder a tal chancela estatal. Nesse sentido, em 27.11.1998, por meio da Orientação Jurisprudencial nº 146 da Seção Especializada em Dissídios Individuais 1 (SDI-1), posteriormente (20.03.2005) cancelada em 20 de abril de 2005 em face a sua conversão na Orientação Jurisprudencial Transitória nº 39, da Subseção Especializadas em Dissídios Individuais-1 (SBDI-1), consagrou-se o seguinte entendimento, exigindo a anuência do outro “interessado” para a validade da respectiva homologação: FGTS. OPÇÃO RETROATIVA. CONCORDÂNCIA DO EMPREGADOR. NECESSIDADE.

À semelhança do verificado quanto à atuação em sede de jurisdição voluntária na hipótese do artigo 500 da CLT, a atividade dos juízes do trabalho no exercício de tal fórmula de jurisdição voluntária não é expressiva em termos quantitativos. Reconsiderações relacionadas às opções (ou não) pelo FGTS ocorreram e as consequentes declarações foram homologadas por juízes de trabalho no exercício de uma jurisdição voluntária da Justiça do Trabalho, mas não em números de grande destaque. SSergiSeSergiSeSergio

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Uma outra hipótese de jurisdição voluntária da Justiça do Trabalho se encontra prevista no artigo 9º da Lei nº 7.064 de 1982. De incidência ainda mais rara que as hipóteses anteriores, a atividade jurisdicional voluntária tipificada neste último dispositivo envolve um procedimento de homologação, por juiz do trabalho, de instrumento autorizando o levantamento pelo empregador de depósitos do FGTS recolhidos em uma conta vinculada de um empregado transferido para o exterior, para fins de dedução de eventual pagamento previsto na legislação do país no exterior no qual ocorreu a prestação de serviços, em caso dessa mesma legislação alienígena considerar o período laboral durante a transferência como objeto de um contrato autônomo ao final do qual terá que ocorrer a “liquidação” de direitos decorrentes da respectiva cessação. Apesar de estar alicerçada no seu §4º, é oportuna a transcrição da íntegra do artigo: Art. 9º O período de duração da transferência será computado no tempo de serviço do empregado para todos os efeitos da legislação brasileira, ainda que a lei local de prestação do serviço considere essa prestação como resultante de um contrato autônomo e determine a liquidação dos direitos oriundos da respectiva cessação. § 1º Na hipótese de liquidação de direitos prevista neste artigo, a empresa empregadora fica autorizada a deduzir esse pagamento dos depósitos do FGTS em nome do empregado, existentes na conta vinculada de que trata o art. 2º da Lei nº 5.107, de 13 de setembro de 1966. § 2º Se o saldo da conta a que se refere o parágrafo anterior não comportar a dedução ali mencionada, a diferença poderá ser novamente deduzida do saldo dessa conta quando da cessação, no Brasil, do respectivo contrato de trabalho. § 3º As deduções acima mencionadas, relativamente ao pagamento em moeda estrangeira, serão calculadas mediante conversão em cruzeiros ao câmbio do dia em que se operar o pagamento. § 4º O levantamento pelo empregador, decorrente da dedução acima prevista, dependerá de homologação judicial. SSergiSeSergiSeSergio

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O legislador brasileiro, assim, criou um procedimento de jurisdição voluntária por meio do qual o empregador, se desejar economizar nas despesas relacionadas ao empregado transferido, pode obter a autorização judicial para proceder ao levantamento de um valor extraído da conta do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço do empregado transferido, para fins de dedução do montante que, eventualmente, tiver que pagar ao respectivo trabalhador na hipótese de previsão na lei do local da prestação de serviço. E, merece ser destacado, o recurso a tal via alternativa à jurisdição contenciosa não é simplesmente decorrente da vontade espontânea do empregador, mas uma verdadeira imposição do legislador na hipótese da entidade patronal desejar diminuir os custos da operação envolvendo o empregado transferido ao exterior quando prevista na lei estrangeira tal figura contratual mencionada no caput do artigo 9º da Lei nº 7.064 de 1982. A única forma de obter a autorização para o levantamento do valor depositado na conta vinculada do empregado, para fins de dedução da quantia devida pela liquidação do contrato autônomo eventualmente previsto na legislação do país no qual o serviço for prestado, é exatamente tal caminho de jurisdição administrativa. O juiz do trabalho, com a homologação, desenvolve uma atuação jurisdicional sem a presença de um conflito, mas imprescindível à obtenção do efeito almejado pelo empregador. Em outras palavras, uma atividade jurisdicional necessária, mas sem lide. Apesar de servir com um exemplo perfeito da natureza jurisdicional da jurisdição voluntária, a utilidade prática da respectiva fórmula é evidentemente limitada em termos quantitativos, pois poucos são os empregados cuja transferência para o exterior geraria o quadro necessário à aplicabilidade da regra legal. Corresponde, assim, a uma hipótese peculiar de jurisdição voluntária raramente concretizada na prática dos tribunais do trabalho. SSergiSeSergiSeSergio

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Um “experimento” de ainda menor aplicabilidade prática, ou de maior “insucesso” em termos numéricos, ocorreu com o artigo 233 do texto original da Constituição da República. Revogado pela Emenda Constitucional nº 28 de 2.000, o respectivo dispositivo estabelecia a seguinte disciplina: Art. 233. Para efeito do art. 7º, XXIX, o empregador rural comprovará, de cinco em cinco anos, perante a Justiça do Trabalho, o cumprimento das suas obrigações trabalhistas para com o empregado rural, na presença deste e de seu representante sindical. § 1ºUma vez comprovado o cumprimento das obrigações mencionadas neste artigo, fica o empregador isento de qualquer ônus decorrente daquelas obrigações no período respectivo. Caso o empregado e seu representante não concordem com a comprovação do empregador, caberá à Justiça do Trabalho a solução da controvérsia. § 2ºFica ressalvado ao empregado, em qualquer hipótese, o direito de postular, judicialmente, os créditos que entender existir, relativamente aos últimos cinco anos. § 3º A comprovação mencionada neste artigo poderá ser feita em prazo inferior a cinco anos, a critério do empregador.

O legislador constituinte de 1986-1988, assim, criou um procedimento típico de jurisdição voluntária, envolvendo a comprovação em juízo do cumprimento de obrigações trabalhistas por meio do qual o empregador rural poderia provocar a Justiça do Trabalho para, diante do respectivo empregado rural e do seu representante sindical, obter a chancela judicial de quitação das respectivas obrigações patronais derivadas do contrato entre as partes. Era uma hipótese de atuação em sede de jurisdição administrativa, pois no início do procedimento não havia conflito e a provocação do Estado-Juiz para demonstrar o correto cumprimento das obrigações tinha por objeto interesses privados submetidos a uma gestão pública materializada mediante uma fiscalização preventiva do Estado. SSergiSeSergiSeSergio

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Caso surgisse, no curso do procedimento, um conflito de interesses, então caberia a qualquer um dos “agora” litigantes promover uma ação judicial de jurisdição contenciosa (ação de consignação em pagamento, pelo empregador; reclamação trabalhista típica, pelo empregado) para que a Justiça do Trabalho solucionasse a contenda. A ideia original, assim, seria proporcionar ao empregador rural uma fórmula não contenciosa para demonstrar a quitação de suas dívidas trabalhistas a cada período de cinco anos e assim evitar a comprovação posterior de obrigações antigas, considerando que à época ao trabalhador rural se aplicava somente a prescrição bienal iniciada com o término do contrato de emprego entre as partes ... o que podia levar o empregador a ter que demonstrar em juízo o cumprimento de obrigações relativas a décadas atrás quando diante de um rurícola com contrato de emprego de longa data. A equiparação feita pela Emenda Constitucional nº 28 entre os empregados urbanos e rurais quanto à prescrição, estendendo aos rurícolas a prescrição quinquenal incidente durante o curso do contrato, acabou por tornar obsoleto o procedimento de jurisdição voluntária criado pelo legislador constituinte ... daí a consequente revogação do artigo 233 pela mesma Emenda. Mas mesmo antes da Emenda Constitucional nº 28, o procedimento do artigo 233 era de uso quase que inexistente por um problema simples: o procedimento já nasceu obsoleto. Como o § 2º do respectivo artigo assegurava o direito do empregado rural de, a qualquer tempo, judicializar a questão dentro de um processo contencioso, a opção pelo procedimento de jurisdição voluntária de revelou pouco atrativo. Qual o incentivo de provocar o Estado e se submeter, dentro de um procedimento de jurisdição administrativa, à demonstração SSergiSeSergiSeSergio

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do cumprimento de obrigações trabalhistas se, ao final, não haverá nenhum efeito liberatório decorrente de tal comprovação, (em que pese as letras do §1º) a não ser iniciar um prazo prescricional de cinco anos para o empregador poder propor uma ação para pleitear créditos que entender devidos? Ao permitir ao empregado demandar posteriormente, dentro do prazo de cinco anos, os créditos que entender existir, o legislador constituinte acabou por desestimular o empregador rural. O interesse deste, naturalmente, estaria vinculado à ideia de que, uma vez comprovado o cumprimento das obrigações e obtido uma “chancela” do Estado-Juiz, a respectiva quitação não mais estaria sujeito a discussão. De forma bem objetiva, na visão natural do empregador, o interesse estaria em obter os efeitos de uma coisa julgada material. Como o §2º do artigo ressalvou o direito de ação do empregado rural, o recurso ao procedimento de jurisdição voluntária foi visto como pouco proveitoso e até “atrevido” ou mesmo “perigoso”, pois poderia provocar a reação de um empregado originalmente “dócil”. Não era, ainda, a iniciativa ideal para incentivar uma atuação mais consistente da Justiça do Trabalho no exercício da jurisdição voluntária. Mas a promulgação da Lei nº 13.467 de 2017 parece ter sido um passo em tal direção. Como será abordado na próxima seção.

4 O Novo Processo de Jurisdição Voluntária Instituído pela Lei nº 13.467 de 2017. A Reforma Trabalhista promovida pela Lei nº 13.467 de 2017 tem sido alvo de incessantes críticas negativas e positivas das mais diversas ordens. Como o presente artigo envolve uma análise acerSSergiSeSergiSeSergio

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ca de uma de suas inovações no plano processual, o exame a será desenvolvido da forma mais técnica possível, reconhecendo eventuais defeitos e virtudes dentro de uma perspectiva propriamente institucional. A Lei nº 13.467 de 2017 instituiu um acréscimo importante ao Título X da CLT (Do processo judicial do trabalho), apresentando um novo capítulo, o III-A, intitulado Do processo de jurisdição voluntária para homologação de acordo extrajudicial, com os artigos 855-B a 855-E. O legislador de 2017, destarte, expressamente inseriu por meio da denominada Reforma Trabalhista dispositivo tratando de um processo de jurisdição voluntária, ou seja, de uma fórmula alternativa à jurisdição contenciosa exercida pela Justiça do Trabalho. Foi uma opção do legislador que, apesar desde a tramitação do projeto enfrentar ruídos de oposição por parte daqueles contrários ao uso de caminhos alternativos à jurisdição estatal contenciosa para a solução de conflitos individuais do trabalho, decidiu enfrentar a resistência e insistir nas medidas inovadoras. A chave para o funcionamento adequado de qualquer via alternativa à jurisdição contenciosa da Justiça do Trabalho, na realidade, reside em algo que legislador algum pode impor por mais que formalize a imposição no texto da lei como fez o legislador de 2015 no artigo 5º do Código de Processo Civil: a exigência de um alto padrão ético para todos os envolvidos, desde as partes interessadas (empregado e empregador) e seus respectivos representantes (como os advogados), até o terceiro que intervém na relação com o objetivo de promover um resultado final satisfatória a todos. Estabelece o citado artigo 5º do diploma processual civil: Art. 5o - Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé. SSergiSeSergiSeSergio

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É desconfortável reconhecer que o legislador de um país sentiu a necessidade de expressar na letra da Lei que todos os participantes de um processo judicial, seja de jurisdição contenciosa ou voluntaria, têm o dever de agir de acordo com algo que, em uma nação civilizada, se pressupõe como inato a um cidadão. Ser honesto. Atuar de forma leal. Agir de boa-fé. Elementos que devem sempre nortear o caminho de um indivíduo e de uma coletividade. Se a Constituição da República estabeleceu logo no seu artigo 1º, dentre os fundamentos da República Federativa do Brasil, a cidadania, a dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho, é por meio de um caminho percorrido com ética e boa-fé que o brasileiro conseguirá alcançar esses valores essenciais à sociedade pátria. Sem uma atuação pautada em valores morais intrínsecos a uma vida escorreita, não há como materializar esses objetivos, seja dentro ou fora de um processo judicial. Sem ética, não haverá como promover acesso à justiça, em qualquer uma de suas dimensões. Em havendo uma atuação com alto padrão ético por parte dos envolvidos em qualquer fórmula alternativa à jurisdição contenciosa, não haverá motivo de preocupação com fraudes, com abusos, com ilicitudes. Dentro de tal contexto, a fórmula de acordos extrajudiciais (e sua posterior homologação em um procedimento de jurisdição voluntaria) deve ser sempre bem-vindo como forma de acesso à justiça ... em uma visão de uma “Justiça Multiportas”. (ZANETI JÚNIOR e CABRAL, 2017). É a partir dessa premissa que deve ser pautada a defesa da SSergiSeSergiSeSergio

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admissibilidade dessa via alternativa à jurisdição contenciosa da Justiça do Trabalho, consubstanciada em uma fórmula de jurisdição voluntária destinada à homologação de acordo extrajudicial. Deve o magistrado, ao exercer essa nova atribuição, partir do pressuposto da crença na boa-fé das partes. Mas ser absolutamente intolerante com a má-fé. Se existir uma fraude, uma tentativa de sonegar direitos e simular um acordo, deve o magistrado agir com rigor para evitar a concretização do desvio e para sancionar os responsáveis. Ações de tal natureza devem ser combatidas com vigor pela Justiça do Trabalho. E o juiz do trabalho deverá estar atento a tais condutas nocivas, pois, como será examinado adiante, no exercício da jurisdição voluntária dentro da nova fórmula processual, a sua atuação não se resume a ser um equivalente a um mero “certificante”. Agora, a premissa não pode ser no sentido que sempre haverá tal intuito perverso. Presunção de boa-fé, punição à má-fé. Esta deve ser a diretriz. Feitas essas considerações de bases éticas, a análise da nova fórmula faz surgir uma série de constatações de grande interesse processual. Para alguns doutrinadores, o processo de homologação de acordos extrajudiciais representa uma das propostas mais ambiciosas do legislador de 2017. (SILVA, 2017, p. 165). A primeira providência do legislador de 2017, para evitar qualquer problema envolvendo questões de competência, foi inserir a alínea “f” no elenco do artigo 652 da CLT: Art. 652. Compete às Varas do Trabalho: ... f) decidir quanto à homologação de acordo extrajudicial em SSergiSeSergiSeSergio

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matéria de competência da Justiça do Trabalho.

Além de incluir o novo dispositivo, o legislador igualmente promoveu uma mudança no caput do artigo 652, substituindo a expressão “Juntas de Conciliação e Julgamento” pela nomenclatura mais moderna de “Varas do Trabalho”. Mas, mesmo com essa “modernização” de nomenclaturas, persiste uma incoerência técnica no texto do respectivo artigo. Uma Vara do Trabalho não exerce competência jurisdicional. Esta atribuição no primeiro grau é exclusiva do juiz do trabalho. A terminologia adotada pelo legislador, assim, não foi a mais adequada, uma vez que as Varas do Trabalho são unidades judiciárias nas quais atuam os juízes do trabalho, estes sim órgãos da Justiça do Trabalho segundo o artigo 111, inciso III, da Constituição da República, e, assim, como tais, investidos na jurisdição e com competência para processar e julgar ações. É da competência do juiz do trabalho de primeiro grau, assim, proceder à atividade judicante envolvendo a prolação de sentenças homologatórias de transações celebradas extrajudicialmente em questões que se enquadram dentro da competência material da Justiça do Trabalho. O legislador de 2017 atribuiu tal atividade jurisdicional aos órgãos de primeiro grau e não aos tribunais regionais ou ao Tribunal Superior do Trabalho, delimitando o alcance da competência em termos funcionais, em virtude da nova alínea “f” ter por objeto o acordo extrajudicial celebrado em sede das relações individuais de trabalho. Não quis o legislador, assim, incluir dentro de tal âmbito de atuação jurisdicional a homologação de eventual acordo extrajudicial celebrado pelas partes em matéria que, caso judicializada, seria da competência originária dos tribunais. E agiu bem o legislador, seja em virtude de não ser razoável conceber a existência de SSergiSeSergiSeSergio

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interesse (e muito menos de necessidade) de submeter à homologação judicial acordos extrajudiciais envolvendo temas típicos de mandado de segurança ou de ação rescisória, seja em face à evidente prescindibilidade de qualquer tutela jurisdicional integrativa de tal natureza diante de instrumentos oriundos de negociação coletiva, já revestidos de sua eficácia própria. Nada impede, entretanto, que o relator de um recurso ordinário no âmbito de um tribunal regional (ou mesmo no Tribunal Superior do Trabalho), interposto contra a sentença do juiz do trabalho no processo de jurisdição voluntária, venha a proceder à homologação do acordo extrajudicial. Mas em assim agindo, estará no exercício de uma competência funcional derivada, em consequência da sua atuação na fase recursal do processo. (CASSAR e BORGES, 2017, p. 141). A expressão “em matéria da competência da Justiça do Trabalho” constante da mencionada alínea “f”, por sua vez, deixa evidente que o respectivo acordo extrajudicial pode envolver questões além dos limites do inciso I do artigo 114 da Constituição da República, anteriormente examinado. Em outras palavras, a respectiva atividade jurisdicional pode ter por objeto da homologação de um acordo extrajudicial envolvendo obrigações relativas a um contrato de empreitada entre um empreiteiro operário ou artífice e seu tomador de serviço, nos moldes permitidos pelo inciso IX do citado artigo 114 em combinação com o artigo 652, alínea “a”, inciso III, da Consolidação das Leis do Trabalho. E mais: pode até envolver outras situações alcançadas pelos demais incisos do artigo 114 da Carta Magna. Como, por exemplo, alguma disputa pertinente ao exercício do direito de greve (inciso II) ou um conflito entre sindicato e trabalhador ou entre sindicato e empregador (inciso III). Desde que o acordo extrajudicial envolva interesses que posSSergiSeSergiSeSergio

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sam ser objeto de uma transação e cuja matéria se encontra dentro do âmbito dos limites estabelecidos pelos incisos do artigo 114 da Carta Política de 1988, será da competência material dos juízes do trabalho o exercício da respectiva atividade jurisdicional nova introduzida pela Lei nº 13.467 de 2017. Com tal medida, o legislador deixou em clarividência que o juiz do trabalho agora tinha ampliado a sua esfera de atuação para incluir mais essa manifestação de jurisdição voluntária da Justiça do Trabalho. (SOUZA JÚNIOR et al, 2017, p. 347). Algo perfeitamente admissível não apenas considerando as experiências anteriores envolvendo os procedimentos previstos nos artigos 500 da CLT, 1º da Lei nº 5.107, 9º da Lei nº 7.064 de 1982 e 233 do texto primitivo da Constituição de 1988, mas especialmente considerando a alteração promovida pela Emenda Constitucional nº 45 de 2004 ao texto do artigo 114 da mesma Constituição. Ao estabelecer a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar ações oriundas da relação de trabalho, o texto do artigo 114 não deixa dúvidas quanto a admissibilidade de atividade jurisdicional dos juízes do trabalho em sede de jurisdição voluntária, administrando interesses privados numa função de gestão de natureza integrativa própria da jurisdição graciosa. Mas atuação do juiz do trabalho no exercício da jurisdição voluntária peculiar ao procedimento de homologação de acordo extrajudicial vai além de uma função meramente “certificante”. Como será abordada na próxima sessão.

5 Jurisdição Voluntária e Processo de Homologação de Acordo Extrajudicial A Lei nº 13.467 de 2017 introduziu um novo capítulo, o Capítulo III-A, ao Título X da CLT, destinado a disciplinar o “PROCESSSergiSeSergiSeSergio

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SO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA PARA HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO EXTRAJUDICIAL”. Interessante a opção terminológica do legislador: “Processo” de jurisdição voluntária. Para aqueles que negam o caráter jurisdicional à jurisdição voluntária, apontando que a mesma se materializa apenas por meio de um procedimento e não por intermédio de um processo jurisdicional, surge um novo argumento a desafiar. Mera falha parlamentar na escolha da nomenclatura, como ocorreu na redação do texto do caput do artigo 652 ao utilizar a expressão “Varas” ao invés de “Juízes”? Talvez ... Mas é evidente que se apresenta como mais atrativo o entendimento de que, no caso particular do título do novo Capítulo III-A, houve um acerto na terminologia e uma consequente evolução no texto legal no tratamento dispensado à jurisdição voluntária. Ao menos para os que reconhecem como jurisdicional que todo o complexo de atribuições do magistrado diante de lides e de demandas necessárias mas não contenciosas. Dentro de tal contexto, destarte, acertou o legislador de 2017 ao utilizar a expressão “Processo de Jurisdição Voluntária”, indo além do legislador de 2015, que no Código de Processo Civil preferiu utilizar a expressão “procedimentos de jurisdição voluntária”. Conforme já defendido em seções precedentes, a jurisdição graciosa, mesmo sem ter por objeto uma lide, é sim jurisdição do Estado-Juiz. O conflito não é absolutamente essencial à atividade jurisdicional. Não há dúvida de que a jurisdição contenciosa ocupa o posto de principal foco de atenção do Judiciário. Mas a jurisdição não contenciosa e integrativa também representa uma relevante SSergiSeSergiSeSergio

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atribuição dos órgãos jurisdicionais. Como exposto em passagens anteriores, assim, a jurisdição voluntária é atividade jurisdicional exercida pelo juiz. E, deve ser destacado ainda, a “necessidade” dessa nova fórmula alternativa à jurisdição contenciosa nem sempre decorre da vontade espontânea dos sujeitos que celebraram o acordo no âmbito extrajudicial, fato que acentua ainda mais o seu caráter jurisdicional. Em algumas hipóteses, o recurso à jurisdição voluntária pode derivar de uma imposição legal decorrente de situação alheia à vontade dos interessados, conforme já demonstrado na análise da hipótese do artigo 9º da Lei nº 7.064 de 1982. Pode ocorrer a necessidade de se obter a homologação de um acordo extrajudicial celebrado pelo empregador com os sucessores legais de um empregado falecido, por exemplo, simplesmente para se obter a autorização judicial do levantamento de valores anteriormente depositados em nome do de cujus, uma vez que a simples transação extrajudicial não implicará automaticamente em tal liberação. (SOUZA JÚNIOR et al, 2017, p. 441). Há, por conseguinte, um autêntico processo de jurisdição voluntária dentre as novas atribuições da Justiça do Trabalho oriundas da Lei nº 13.467 de 2017. Quanto ao rito processual disciplinado nos novos artigos 855B a 855-E da Consolidação das Leis do Trabalho, a estrutura do modelo é bastante simplificado. O caput do artigo 855-B estabelece apenas as exigências para a instauração do processo, exigindo que a peça vestibular seja uma petição conjunta apresentada e que as partes estejam representadas por advogados, vedando o ius postulandi: Art. 855-B – O processo de homologação de acordo extrajudicial terá início por petição conjunta, sendo obrigatória a represenSSergiSeSergiSeSergio

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tação das partes por advogado. A imposição legal da representação judicial por meio de profissional devidamente habilitado, evidentemente, decorreu a preocupação do legislador em exigir maior solenidade à fórmula de jurisdição voluntária, com o intuito de prevenir desvios e abusos com a presença de quem a Constituição da República de 1988 elevou ao status de agente indispensável à administração da justiça. E, por mais que venham a surgir críticas no sentido de que tal exigência é insuficiente para assegurar a lealdade dos interessados e que a nova fórmula servirá apenas para legitimar fraudes, a premissa da boa-fé deve prevalecer. Ou seja, deve o juiz partir do pressuposto da crença na boa-fé das partes, mas ser intolerante com a má-fé. Os dois parágrafos do artigo 855-B, por seu turno, estabelecem que cada parte deve constituir seu próprio advogado, sendo proibida a atuação de um mesmo causídico para representar ambas as partes, e que, se o empregado assim optar, poderá ser assistido pelo advogado da entidade sindical da sua categoria: § 1CPC/2015 As partes não poderão ser representadas por advogado comum. § 2CPC/2015Faculta-se ao trabalhador ser assistido pelo advogado do sindicato de sua categoria. Na disciplina dos respectivos dispositivos, novamente se torna visível uma certa cautela do legislador, que impôs a presença de advogados distintos para as partes e vedou a representação de ambos por um advogado comum, como forma de garantir a higidez das manifestações de vontade dos interessados e assegurar, caso venha a surgir diferenças, maior independência na defesa dos interesses de cada um dos sujeitos. SSergiSeSergiSeSergio

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Apesar do legislador não especificar qualquer proibição explícita, o bom senso e o alto padrão ético desejável recomendam averiguar em cada caso se existe ou não alguma forma de sociedade ou parceria eventual entre os causídicos, para evitar simulações e fraudes. Quanto aos requisitos intrínsecos e extrínsecos dessa petição conjunta, o legislador de 2017 nada esclareceu no texto do novo capítulo. Como consequência lógica, a disciplina de tais exigências de regularidade devem ser os mesmos previstos para uma petição inicial trabalhista típica. Devem acompanhar a respectiva peça vestibular do processo, por conseguinte, os documentos necessários à propositura da ação, bem como os instrumentos de mandato outorgando poderes aos respectivos advogados. O conteúdo da petição, por seu turno, deve conter os elementos exigidos pela nova redação do artigo 840, §1º, da Consolidação das Leis do Trabalho, inclusive com a identificação dos valores de cada pedido envolvendo prestação pecuniária. A exigência de tal quantificação é natural. Se no acordo se almeja obter a quitação de dívidas, as respectivas obrigações devem ser identificadas e os valores das prestações expressamente indicados. O artigo 855-C, por sua vez, apenas deixou claro que o processo de homologação de acordo extrajudicial em nada afeta os prazos do §6º e a multa do §8º do artigo 477 da CLT: O disposto neste Capítulo não prejudica o prazo estabelecido no § 6CPC/2015do art. 477 desta Consolidação e não afasta a aplicação da multa prevista no § 8CPC/2015art. 477 desta Consolidação. O processo de jurisdição voluntária de homologação de acordo extrajudicial, deve ser enfatizado, não serve apenas para composições envolvendo empregados cujos contratos foram encerrados. SSergiSeSergiSeSergio

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Mas se o caso for este, a disciplina do artigo 855-C certamente estimulará o empregador a proceder, simultaneamente, com a homologação do termo de resilição contratual ou, ao menos, proceder ao depósito do valor dos títulos decorrentes da terminação contratual como forma de evitar a incidência da sanção pecuniária prevista no §8º do artigo 477. (SILVA, 2017, p. 167). É no artigo -855D, no entanto, que apresenta a essência do rito especial do processo de homologação de acordo extrajudicial: No prazo de quinze dias a contar da distribuição da petição, o juiz analisará o acordo, designará audiência se entender necessário e proferirá sentença. O procedimento, de simplicidade aparente mas que pode se desenvolver com alguma complexidade dependendo das peculiaridades do caso, estabelece o seguinte protocolo a ser cumprido dentro do prazo (exíguo) de apenas 15 dias: Distribuída a petição, que deverá conter no seu corpo ou em anexo o instrumento do acordo cuja homologação é pretendida, o magistrado exerce um juízo de admissibilidade sobre a ação e, sendo admitida, em seguida procede a um exame acerca do teor do pacto extrajudicial; analisado o instrumento, o magistrado passa a ter três opções: a) pode proferir sentença indeferindo o pedido de homologação, caso que entenda que haja motivo para a rejeição, devendo fundamentar de modo claro e preciso a sua decisão; b) pode proferir sentença homologando o acordo, caso entenda que todos os requisitos de validade do negócio jurídico foram atendidos; e c) pode designar audiência de justificação e eventual instrução, caso entenda necessária diligências de tal natureza para melhor esclarecer a matéria objeto do acordo, e, em seguida, proferir uma sentença nos moldes de uma das letras anteriores.

Rito processual em princípio simples, mas que pode se tornar complexo, dependendo do caso. Apenas 15 dias para cumprir todas as etapas? Na prática será SSergiSeSergiSeSergio

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muito, muito difícil atender à postura otimista do legislador quando à celeridade do protocolo judicial. Durante o curso do processo de jurisdição voluntária, o juiz do trabalho deve sempre proceder com cautela, ponderação e dinamicidade. Cautela para prevenir qualquer tentativa de fraude. Deve o magistrado examinar cuidadosamente a petição conjunta e, se entender adequado, convocar os interessados para uma audiência para prestar esclarecimentos. Incumbe ao juiz fiscalizar a regularidade da peça vestibular e do próprio acordo, com o objetivo de não deixar passar incólume qualquer defeito ou vício de vontade. Ponderação no sentido de atuar com o objetivo de, com sensibilidade e dentro de limites de razoabilidade, conduzir os interessados na missão de alcançar a finalidade proposta pelo legislador e permitir a homologação de um acordo celebrado extrajudicialmente. Sem exageros formalistas e com bom senso. E dinamicidade no sentido de agir de forma pró-ativa, inclusive em cooperação com os interessados, de modo a suprir eventual empecilho que esteja impedindo o prosseguimento do processo, seja o obstáculo um simples defeito sanável na petição conjunto, seja o problema a necessidade de readequar os termos do acordo a limites legais. O magistrado deve auxiliar os interessados para que o objetivo comum dos mesmos seja alcançado. A atuação do juiz no processo de jurisdição voluntária, assim, não é de natureza meramente certificante. Há uma atuação ativa do magistrado tanto no exame do objeto do processo (o acordo judicial), para aferir a presença e validade dos elementos constitutivos e a ausência de defeitos aptos a comprometer a validade do respectivo negócio jurídico, como também para ajudar as partes a proceder ao desenvolvimento regular da respectiva relação proSSergiSeSergiSeSergio

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cessual de modo a viabilizar a entrega da prestação jurisdicional almejado por ambos os interessados. O receio daqueles que visualizam essa nova fórmula de jurisdição voluntária como uma via expressa para a fraude, assim, deve ser superado pela constatação do papel que o juiz do trabalho exercerá durante toda a tramitação da respectiva demanda necessária, executando simultaneamente atos de fiscalização e de integração, como é próprio de uma função jurisdicional tão relevante. Em obra sobre a Lei nº 13.467 de 2017, os autores Antônio Umberto de Souza, Fabiano Coelho de Souza, Ney Maranhão e Platon Teixeira de Azevedo Neto enfatizam exatamente a importância de tal papel do juiz do trabalho: Seja sobre o objeto, seja sobre a forma e seja sobre os sujeitos envolvidos, cabe ao juiz, independentemente de qualquer provocação, avaliar a juricidade e eticidade do pedido que lhe é dirigido. (SOUZA JÚNIOR et al, 2017, p. 441). Efetivamente, o juiz do trabalho não estará obrigado a homologar o acordo extrajudicial a ele submetido (CLT, art. 855-E, parágrafo único). Cumprirá verificar as circunstâncias do negócio jurídico entabulado e, em especial, ter certeza da ausência de qualquer vício de vontade na manifestação dos transatores – em especial da pessoa mais frágil naquele instante. Afinal, se a fragilidade é um dado sociológico inerente à generalidade dos empregados, ela estará sensivelmente agravada no momento imediatamente à dispensa, pois a incerteza do futuro, o medo do ócio involuntário e as necessidades materiais prementes podem formar um campo fértil para a prática de abusos patronais, com ofertas de quitação rescisória que sejam ruinosas para o trabalhador. A presença do estado de perigo, da lesão, da coação ou até mesmo da simulação (viabilizada por qualquer dos vícios anteriores) deve ser afastada no exame do pedido de homologação.(SOUZA JÚNIOR et al, 2017, p. 448). SSergiSeSergiSeSergio

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Incumbirá ao juiz do trabalho, em cada caso, exercer as múltiplas atribuições desse novo papel no âmbito da jurisdição voluntária. Se entender que há algum vício formal ou material insuperável, deverá indeferir o pedido de homologação, proferindo uma sentença de improcedência e, se evidenciado nos autos, aplicar as sanções próprias da litigância de má-fé agora constantes da legislação processual trabalhista, em face à inserção na Consolidação das Leis do Trabalho dos artigos 793-A, 793-B e 793-C pela Lei nº 13.467 de 2017. Será possível homologar apenas parte do acordo? Em princípio sim ... mas dentro de determinados parâmetros de razoabilidade. O magistrado pode, assim, não homologar uma parte do acordo que envolva alguma ilicitude (uma cláusula dispensando o empregador de anotar a CTPS do empregado, por exemplo) ou que dar quitação de um contrato de dez anos de vigência mediante o pagamento de uma quantia evidentemente desproporcional ... mas não será razoável, por outro lado, o juiz homologar apenas as cláusulas do acordo que favorecem uma das partes e negar a homologação das cláusulas que favorecem a outra, quando é óbvio que as partes fizeram concessões recíprocas para chegar a um denominador comum ... Na medida do possível deve o juiz do trabalho buscar o diálogo com e entre as partes para promover um acerto dentro dos limites da licitude que permitirá a obtenção da desejada homologação judicial. De qualquer modo, o magistrado deverá sempre fundamentar a sentença, expondo os motivos que o levaram a deferir ou indeferir o pedido de homologação, inclusive observando as exigências do §1º o artigo 489 do CPC de 2015. E, caso haja indeferimento total ou parcial do pedido de homoSSergiSeSergiSeSergio

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logação, caberá recurso ordinário de tal decisão, a ser interposto por qualquer das partes interessadas. Em ocorrendo a homologação do acordo conforme postulado na petição que deu início ao processo de jurisdição voluntária, somente caberá recurso em uma única hipótese: apelo do Instituto Nacional de Seguridade Social, à semelhança do previsto no artigo 831, parágrafo único da CLT, para o termo de conciliação judicial, uma vez que a autarquia previdenciária poderá constatar, após ser devidamente intimada da sentença homologatória da quitação de créditos de natureza indenizatória, a existência de irregularidades envolvendo recolhimentos previdenciários. O último artigo do Capítulo III-A, por fim, se limita a tratar dos efeitos do processo de homologação de acordo extrajudicial sobre a prescrição, estabelecendo eu haverá a suspensão do prazo prescricional quanto aos direitos discriminados no negócio jurídico, retornando o seu fluxo normal no dia útil subsequente ao do trânsito em julgado da sentença que negou a pretensão homologatória. Art. 855-E. A petição de homologação de acordo extrajudicial suspende o prazo prescricional da ação quanto aos direitos nela especificados. Parágrafo único. O prazo prescricional voltará a fluir no dia útil seguinte ao do trânsito em julgado da decisão que negar a homologação do acordo. O parágrafo único igualmente destaca, merece ser destacado, que após o exaurimento do prazo recursal haverá o trânsito em julgado da sentença. O efeito da res iudicata certamente será almejado por ambos os interessados na homologação, uma vez que estabelece a imutabilidade da decisão homologatória, que então somente poderá ser desconstituída em outro processo judicial, agora SSergiSeSergiSeSergio

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de jurisdição contenciosa. E a via processual adequada será uma ação anulatória ou uma ação rescisória? Antônio Umberto de Souza, Fabiano Coelho de Souza, Ney Maranhão e Platon Teixeira de Azevedo Neto (SOUZA et al, 2017, p. 450), defendem que o artigo 966, §4º, do Código de Processo Civil de 2015 teria superado o entendimento sedimentado na Súmula nº 259 do Tribunal Superior do Trabalho, e, assim, defendem que a ação anulatória seria o instrumento a utilizar para impugnar uma sentença homologatória do acordo extrajudicial. Entretanto, os mesmos autores defendem que será a ação rescisória o remédio processual a ser utilizado para hostilizar sentença que tenha indeferido o pedido de homologação. O caminho mais em sintonia com as peculiaridades, antigas e novas, do modelo processual trabalhista, entretanto, conduzem à ideia de que a ação rescisória se revela mais adequada para postular a invalidação da sentença proferida em sede de processo de jurisdição voluntária de homologação de acordo extrajudicial na Justiça do Trabalho. Já no segundo ano de vigência do Código de Processo Civil de 2015, o Tribunal Superior do Trabalho ainda mantém intacto texto da sua Súmula 259, que consagra a ação rescisória como o meio de impugnação do termo de conciliação judicial, ressalvada a hipótese de recurso ordinário interposto pela Fazenda Pública quanto a questões previdenciárias. O texto do parágrafo único do artigo 855-E, por sua vez, ao enfatizar que ocorre o “trânsito em julgado da decisão que negar a homologação do acordo”, deixa em clarividência a existência da espécie de coisa julgada material típica da pretensão rescindenda da ação rescisória. SSergiSeSergiSeSergio

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E admitir duas vias distintas para a impugnação da sentença, dependendo do deferimento ou não do pedido de homologação, seria seguir por um caminho processual tortuoso e confuso para as partes ... e isso sem considerar que, em tese, na hipótese de uma possível uma sentença que deferisse em parte o pedido de homologação, um capítulo seria impugnável pela via da rescisória e outro capítulo teria que ser hostilizado por meio de uma ação anulatória. Mas simples e adequado ao modelo processual do trabalho, assim, concentrar na via ação rescisória o caminho para impugnar a sentença oriunda do processo de jurisdição voluntária envolvendo a homologação de acordo extrajudicial, seja qual for o teor do respectivo julgado. Ao menos no atual estágio de evolução do processo trabalhista. O processo de jurisdição voluntária de homologação de acordo extrajudicial é, indiscutivelmente, uma fórmula inovadora diante de grandes expectativas. Como o respectivo processo permite a obtenção dos efeitos da coisa julgada mediante a homologação por sentença do acordo, haverá um natural estímulo àqueles que não desejam passar pelo tormento de um processo contencioso mais longo. Mas funcionará? Haverá harmonia entre juízes e interessados em obter a chancela judicial? Serão parceiros ou adversários? Dependerá de dois fatores subjetivos de grande relevância ... Um alto padrão ético das partes interessadas (e de seus respectivos advogados), que assim podem se tornar importantes aliados dos juízes do trabalho. E a receptividade destes últimos à respectiva via alternativa à jurisdição contenciosa. Se os magistrados trabalhistas compreenderem o seu papel definidor na reconquista da legitimidade de sua atuação perante SSergiSeSergiSeSergio

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toda a sociedade, hoje abalada pela incapacidade de enfrentar um volume colossal de demandas litigiosas ... aí sim a Justiça do Trabalho estará fortalecida para enfrentar qualquer ameaça ... e com a resiliência capaz de superar qualquer adversidade.

6 Primeiras Conclusões Por meio da Lei nº 13.467 de 2017, o legislador introduziu no modelo processual trabalhista uma nova fórmula jurisdicional não contenciosa, consubtanciada em um processo de jurisdição voluntária para homologação de acordos extrajudiciais. Incluindo tal atribuição dentro da competência dos órgãos de primeiro grau da Justiça do Trabalho mediante a inclusão da nova alínea “f” do artigo 652 da Consolidação das Leis do Trabalho, e disciplinando o respectivo rito processual nos novos artigos 855-B a 855-E do mesmo diploma, a chamada Lei da Reforma Trabalhista ampliou a dimensão da atuação jurisdicional dos juízes do trabalho. Essas inovações legislativas trazidas pela Lei nº 13.467 de 2017 podem contribuir para o fortalecimento do Judiciário Trabalhista. É inegável a existência de uma forte resistência às vias alternativas à jurisdição contenciosa da Justiça do Trabalho, como o processo judicial para homologação de acordos extrajudiciais. Para o funcionamento adequado da nova fórmula alternativa, o mais importante é a exigência de um alto padrão ético por parte de todos os sujeitos participantes dessa técnica. A introdução do processo de jurisdição voluntária de homologação de acordo extrajudicial certamente dará um impulso à mediação de conflitos individuais trabalhistas. E com uma vantagem sobre a disciplina envolvendo outras vias alternativas como a arbitragem privada: ao condicionar a formação da coisa julgada mateSSergiSeSergiSeSergio

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rial à homologação pelo juiz do trabalho, instituiu um mecanismo de controle sobre o negócio jurídico e seus sujeitos. Com um procedimento em princípio bastante simples, o procedimento de homologação é iniciado com a exigência de instauração por uma petição conjunta, mas a representação judicial de cada parte terá que ser por advogado próprio. Em seguida, são desenvolvidas uma fase de admissibilidade da pretensão e outra de análise do acordo com a possibilidade de ser designada sessão de audiência para fins de esclarecimentos de eventuais dúvidas do magistrado, finalizando com uma etapa decisória na qual o juiz sentenciará definindo se homologará ou não o acordo, com o dever de fundamentar adequadamente essa decisão. A sentença, por fim, poderá ser desafiada por meio de recurso ordinário por qualquer das partes se não ocorrer a homologação ou se esta for parcial, e, excepcionalmente, poderá ser hostilizada pelo INSS em caso afeto às contribuições previdenciárias. Uma vez transitada em julgada, a sentença formará a coisa julgada almejada pelas partes como forma de garantia de segurança jurídica quanto aos termos do acordo homologado, sendo desafiada apenas por meio de ação rescisória. Nova técnica, novo procedimento processual. E talvez uma realidade diferente para a Justiça do Trabalho na sua árdua missão de solucionar um número verdadeiramente impressionante de conflitos trabalhistas. Como será a solução de conflitos individuais trabalhistas com essas inovações trazidas pela Lei 13.467 de 2017? Difícil afirmar com precisão, mas uma certeza existe: o sucesso dessa fórmula alternativa à jurisdição contenciosa da Justiça do Trabalho está diretamente vinculada ao grau de consciência que os protagonistas terão de seus respectivos papéis nesse quadro institucional contemporâneo. SSergiSeSergiSeSergio

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O juiz do trabalho, acima de tudo, terá que ser perspicaz e astuto, compreendendo o momento delicado pelo qual passa a Justiça do Trabalho em virtude da ameaça à sua legitimidade institucional diante da sociedade. Compreender o processo de jurisdição voluntária para homologação de acordos extrajudiciais como uma fórmula que pode efetivamente auxiliar o Judiciário Trabalhista na sua missão de solucionar conflitos trabalhistas, sempre dentro da linha de um alto padrão ético e da atuação em boa-fé, representará um ganho e não uma perda para todos que compõem a Justiça do Trabalho. São esses os caminhos a seguir.

7 Referências BERMUDES, Sergio. Introdução ao Processo Civil. 2ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 1996. CÂMARA, Alexandre Freitas. O Novo Processo Civil Brasileiro. 3ª edição. São Paulo: Atlas, 2017. CARNEIRO, Athos Gusmão Carneiro. Jurisdição e Competência. 8ª edição. São Paulo: Saraiva CASSAR, Vólia Bomfim e BORGES, Leonardo Dias. Comentários à Reforma Trabalhista. São Paulo: Método, 2017. CHIOVENDA, Giussepe. Instituições de Direito Processual Civil. Volume II. 1ª edição (tradução do original italiano). Campinas: Bookseller, 1998. DALAZEN, João Oreste. Competência Material Trabalhista. São Paulo: LTr, 1994. DIDER JÚNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Volume 1. 17ª edição. Salvador: JusPodium. 2015. GRECO, Leonardo. Jurisdição Voluntária Moderna. São Paulo: Dialética, 2003. SILVA, Homero Batista Mateus da. Comentários à Reforma Trabalhista: análise da Lei 13.467/2017 – artigo por artigo. Sâo Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. SOUZA JÚNIOR, Antônio Umberto de; SOUZA, Fabiano Coelho de; MARANHÃO, Ney; e AZEVEDO NETO, Platon Teixeira de. A Reforma Trabalhista: análise comparativa e crítica da Lei nº 13.467/2017. São Paulo: Rideel, 2017. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Volume I. 58ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2017. ZANETI JÚNIOR, Hermes e CABRAL, Trícia Navarro Xavier. Justiça MulSSergiSeSergiSeSergio

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tiportas: mediação, conciliação, arbitragem e outros meios de solução adequada para conflitos. Salvador: JusPodium. 2017.

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O CPC/2015 e o rompimento do rigor da doutrina de L iebman sob a perspectiva da legitimidade e do interesse de agir

Victor Rizzo Carneiro da Cunha1

A eliminação da categoria “condições da ação” do Código de Processo Civil de 2015 rompe definitivamente com o rigor da doutrina de Liebman. Com o Código de Processo Civil de 2015 foram eliminados alguns entraves criados até então pela adoção da teoria do doutrinador italiano para apreciação do mérito dos processos. É sobre esse tema que o presente trabalho se centra. Palavras-chave: condições da ação – Liebman – teoria da asserção – CPC/2015 Sumário: 1. Introduçãp; 2. Breves considerações sobre a influência da teoria da ação de Liebman no CPC/1973; 4. Interesse de agir; 5. Considerações finais; 6. Referências.

1 Introdução Este trabalho tem por escopo apresentar a influência da Teoria de Liebman no CPC de 1973, que previa as condições da ação, sendo abordados ainda os efeitos da retirada dessa categoria do CPC/2015, especialmente do ponto de vista da aplicação da Teoria da Asserção no exame dos atuais pressupostos processuais (antigas condições da ação), legitimidade para agir e interesse de agir. Para atingir tal intento, primeiramente se expõe a Teoria da Ação do doutrinador italiano, sua previsão no CPC 1973, como tais condições foram previstas no CPC/2015 e a sua visível ruptura. Posteriormente, examina-se a legitimidade para agir e o interesse processual de acordo com o ordenamento. Desta forma, sem qualquer pretensão de esgotar o tema, busca-se à guisa de conclusão, ainda que sem delinear com precisão os desdobramentos, vislumbrar possíveis consequências dessa alteração legislativa, impressa no CPC de 2015.

1  Bacharel em Direito pelas Faculdades Integradas Barros Melo. Pós-graduando em Direito Processual Civil pela Universidade Federal de Pernambuco. Advogado da União. VVictoViVictViVictor VViViVict

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2 Breves considerações sobre a influência da Teoria da Ação de Liebman no CPC/1973 As diversas Teorias da Ação que surgiram ao longo da história sofreram a influência das características do ordenamento jurídico, bem como dos valores do Estado e da cultura em que foram concebidas. A teoria apresentada por Enrico Tullio Liebman na Universidade de Turim em 1949 define ação como direito ao processo e a um julgamento de mérito, sendo satisfeita com uma sentença favorável ou desfavorável ao autor. Todavia, o doutrinador defendeu que, para a existência da ação, é necessária a presença das suas condições, quais sejam: legitimidade de agir, interesse de agir e possibilidade jurídica do pedido, sendo esta última abolida posteriormente e deslocada para o interesse de agir.23 Liebman apresentou uma posição intermediária entre os doutrinadores que defenderam que a ação depende da obtenção de uma sentença favorável e aqueles que sustentaram que a ação é um direito de agir completamente abstrato. Para o autor italiano, as condições da ação são requisitos da sua existência. Quando não se faz presentes há carência da ação. Assim, segundo ele, somente haverá direito a uma decisão de mérito (favorável ou desfavorável) quando se fizerem presentes tais condições.4 O CPC de 1973 foi marcado pela doutrina de Liebman, conforme se infere do seu art. 267, IV, que autorizava a extinção do processo sem resolução de mérito quando ausente qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual. A carência de ação era mencionada no art. 301, inciso X, como matéria de defesa do réu. Diversas críticas se faziam à categoria adotada. A principal objeção 2  Na 3ª edição do seu Manual de Processo Civil, o autor passou a abordar a im�� possibilidade jurídica do pedido como parte do interesse de agir. 3  MARINONI, Luiz Guilherme. Novo Curso de Processo Civil: Teoria do Processo Civil, 2017, p. 149. 4  MARINONI, Luiz Guilherme. Novo Curso de Processo Civil: Teoria do Processo Civil, 2017, p.155/156. VVictoViVictViVictor VViViVict

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citada por Didier5 dizia respeito à existência de apenas dois juízos que eram feitos pelo órgão jurisdicional (juízo de admissibilidade e juízo de mérito), não havendo sentido em se criar uma terceira espécie de questão. No CPC atual a categoria “condições da ação” foi eliminada. A legitimidade e o interesse de agir passaram a ser tratados como pressupostos processuais, nos termos do art. 17, de tal forma que, constatando a ausência da legitimidade ou interesse, o juiz deverá indeferir a inicial, consoante o art. 330, II e III. Caso a verificação seja posterior à fase inicial, o art. 485, VI, do CPC/2015 autoriza a extinção do processo sem resolução do mérito. Por sua vez, a possibilidade jurídica do pedido passou a integrar questão de mérito, como há muito defendido pela doutrina, inclusive, como visto, pelo próprio Liebman. De fato, se o pedido é juridicamente impossível, na verdade, o que se tem é que ele não encontra respaldo no ordenamento jurídico, enfrentamento que encerra questão de mérito, motivo pelo qual a questão deve ser apreciada e a demanda julgada improcedente. Com isso, o órgão julgador continua examinando o que se denominava “condições da ação”, mas agora como pressupostos processuais ou como questões de mérito. A nosso ver, a eliminação tem como uma das suas consequências a flexibilização da adoção da teoria de Liebman, tão marcante e ao mesmo tempo criticada em nosso país. Conforme aponta Marinoni6, segundo Liebman, as condições da ação não poderiam ser examinadas com base na afirmação do autor, cabendo inclusive instrução probatória para sua verificação. Tal rigor estimulava a extinção do processo sem resolução do mérito, postura completamente desestimulada pelo ordenamento. Nem sempre a ausência de legitimidade e interesse conduzem à extinção do processo sem resolução do mérito, pois a análise de tais ques5  JR. DIDIER FREDIE. Curso de direito processual civil, 2017, p.345. 6  MARINONI, Luiz Guilherme. Novo Curso de Processo Civil: Teoria do Processo Civil, 2017, p.161. VVictoViVictViVictor VViViVict

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tões deve ser feita à luz das afirmações do demandante contidas na petição inicial, aplicando-se a Teoria da Asserção. Na lição de Câmara: “Deve o juiz raciocinar, admitindo, provisoriamente, e por hipótese, que todas as afirmações do autor são verdadeiras, para que se possa verificar se estão presentes as condições da ação”.7 Destarte, a verificação dos requisitos processuais dispensaria a dilação probatória. Não há necessidade de provar legitimidade ou interesse. Essa verificação deve ser feita conforme a afirmação do autor. Adiante, examina-se a legitimidade e o interesse à luz do CPC/2015.

3 Legitimidade para agir O princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição não garante a qualquer pessoa discutir em juízo qualquer caso. Conforme a clássica lição de Buzaid8, a legitimidade ad causam “é a pertinência subjetiva da ação”. Para demandar (legitimidade ativa) e ser demandado (legitimidade passiva) em juízo, portanto, é necessária a presença de vínculo entre os sujeitos da demanda e a situação jurídica afirmada. A principal classificação deste pressuposto processual leva em conta a relação entre o legitimado e o objeto litigioso do processo. Há legitimidade ordinária quando se discute em juízo direito próprio em nome próprio, o que corresponde à maioria das demandas. Já a legitimidade extraordinária (ou substituição processual) ocorre quando se discute direito alheio em nome próprio. Assim, na legitimação extraordinária não se verifica identidade entre as partes da demanda e as partes do litígio.9 Segundo o CPC/2015 (art. 18), “ninguém poderá pleitear direito alheio em nome próprio, salvo quando autorizado pelo ordenamento jurídico”. 7  CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil, 2002, v. 1, p. 127. 8  BUZAID, Alfredo. Agravo de petição no sistema do Código de Processo Cívil, 1956, p. 388. 9  JR. DIDIER FREDIE. Curso de direito processual civil, 2017, p.345. VVictoViVictViVictor VViViVict

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Assim, embora a legitimidade extraordinária continue sendo excepcional, é evidente que a sua autorização com base no “ordenamento jurídico” (ao invés do termo “lei” utilizado pelo código anterior) restou mais ampla. Um exemplo de legitimação extraordinária é a atuação dos sindicatos na defesa dos interesses da categoria que representam, nos termos do art. 8º, inciso III, da Constituição Federal, tendo o Supremo Tribunal Federal decidido no Recurso Extraordinário (RE) 883642 que tal legitimidade abrange, inclusive, as execuções e liquidações de sentença, independentemente da autorização dos substituídos. O substituto processual atua na condição de parte, e não de representante, motivo pelo qual fica submetido ao regime jurídico de parte. Embora os efeitos da decisão judicial repercutam diretamente na esfera jurídica do substituído, o substituto está sujeito ao ônus da sucumbência (custas e honorários advocatícios), bem como às sanções processuais, tal como a multa pela litigância de má fé.10 Feitas tais considerações, é necessário perquirir se a ausência de legitimidade sempre deve levar à extinção do processo sem resolução de mérito, nos termos do art. 485, VI, do CPC. Entende-se que não, pois a falta de legitimidade ordinária se confunde com a ausência de titularidade do direito discutido, hipótese de improcedência do pedido, nos termos do art. 487, inciso I.11 Veja-se que nos casos de legitimidade ordinária a parte afirma ser titular da situação jurídica litigiosa. Se a afirmação é improcedente, o juízo declarará que a situação jurídica litigiosa não lhe pertence, hipótese na qual examinará o mérito da causa, devendo julgar improcedente o pedido formulado, nos termos do art. 487, I, do CPC. Um exemplo torna a questão mais fácil de visualizar. Suponha-se que X, afirmando ser proprietário de determinado imóvel, ajuíza ação reivin10  JR. DIDIER FREDIE. Curso de direito processual civil, 2017, p.392. 11  JR. DIDIER FREDIE. Curso de direito processual civil, 2017, p.400/402. VVictoViVictViVictor VViViVict

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dicatória contra Y. Suponha-se ainda que o juízo verifique que X não é o proprietário do imóvel. Neste caso, deve o juízo julgar improcedente o pedido, resolvendo o mérito da causa, por ausência de titularidade do direito à proteção da propriedade. É nesse sentido que Fredie Didier12 afirma que: “Se a parte não for titular da situação jurídica litigiosa, a decisão é necessariamente de mérito: o órgão jurisdicional examina o mérito da causa (situação jurídica litigiosa), para reconhecer que a parte não titulariza a posição jurídica afirmada (a posição de credor ou possuidor, por exemplo).”

Marinoni13destaca a ausência completa de “lógica e utilidade” na prolação de uma sentença sem resolução do mérito quando o juízo pode reconhecer que o autor não é titular do direito material (legitimidade para a causa). Com efeito, com o CPC/2015 primando em seu art. 4º, expressamente, pela resolução do mérito, não há mais razão para simplesmente deixar de resolver o mérito da causa nos casos em que se verifica que o autor não é titular do direito material. Espera-se, nesta senda, uma modificação gradual do entendimento majoritário da doutrina brasileira no sentido de seguir as lições tradicionais de Liebman, que tenta separar o exame da legitimidade ativa do exame do mérito da causa. A situação muda em caso de legitimação extraordinária, na qual a parte afirma situação litigiosa pertencente a outro sujeito. Se a afirmação for procedente, a parte autora será reconhecida como legitimada para conduzir o processo. Se a afirmação for improcedente, o juízo declarará que a parte não tem autorização para condução do processo. Note-se que a situação litigiosa nesta hipótese não foi apreciada, não havendo exame de mérito. Assim, via de regra, a extinção do processo sem resolução do mérito 12  Idem, ibidem. 13  MARINONI, Luiz Guilherme. Novo Curso de Processo Civil, 2017, p.162. VVictoViVictViVictor VViViVict

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por ausência de legitimidade prevista no art. 485, VI, do CPC/2015, é aplicável nos casos de ausência de legitimidade extraordinária14, pois, como visto, a ausência de legitimidade ordinária é caso de improcedência do pedido, na forma do art. 487, I, do CPC.15

4 Interesse de agir O interesse de agir deve ser analisado pela perspectiva da necessidade e da utilidade do provimento jurisdicional, sendo certo que ambas as perspectivas devem ser analisadas à luz do caso concreto. Há utilidade quando o processo tiver a aptidão de trazer ao demandante algum proveito. A tutela jurisdicional será útil quando “por sua natureza, verdadeiramente se revele - sempre em tese - apta a tutelar, de maneira tão completa quanto possível, a situação jurídica do requerente”.16 Assim, não há interesse, por exemplo, quando o réu cumpre a obrigação pleiteada antes da citação, o que tipicamente é conhecido como “perda do objeto” da demanda, diferentemente do cumprimento da obrigação após a citação, situação que revela o reconhecimento da procedência do pedido. 17 No mesmo sentido, não há utilidade na execução quando, devido ao ínfimo valor do crédito, este é absorvido pelas custas do processo de execução, nos termos do art. 836 do CPC. Outro exemplo é o do ferroviário que pleiteia complementação de aposentadoria em face da União, nos termos da Lei nº 8.186/91, mas permanece no serviço ativo. Se estiver no serviço ativo, logicamente não há aposentadoria a ser complementada. Muito embora, nesses casos, enten14  Não obstante isso, parcela da doutrina já defende que em homenagem ao princípio da primazia da resolução do mérito consagrado pelo novo CPC, deve o juízo, sempre que possível, ao invés de extinguir o processo sem resolução do mérito, tentar realizar a sucessão processual, trocando-se o sujeito pelo legitimado ordinário ou extraordinário. 15  JR. DIDIER FREDIE. Curso de direito processual civil, 2017, p.402. 16  MOREIRA, José Carlos Barbosa. Ação declaratória e interesse, 1971, p. 17. 17  JR. DIDIER FREDIE. Curso de direito processual civil, 2017, p.405. VVictoViVictViVictor VViViVict

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demos que a demanda deve ser julgada improcedente, pois, em verdade, o Juízo estaria apreciando o mérito. Nesta senda, leciona Didier que nas ações condenatórias a configuração do interesse deve ser examinada com base na afirmação do autor, pois a verificação da existência ou não da lesão é questão de mérito.18 Há necessidade da jurisdição quando inexistir meios para satisfação voluntária da obrigação. Parte-se da premissa que a intervenção do poder judiciário deve ser a última forma de solução da controvérsia. Por exemplo, no julgamento do RE nº 631.240, em 27/08/2014, o Supremo Tribunal Federal decidiu pela necessidade de prévio requerimento administrativo antes de o segurado recorrer à justiça para a concessão de benefício previdenciário, pois sem o prévio requerimento não há interesse de agir: “RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO E INTERESSE EM AGIR. 1. A instituição de condições para o regular exercício do direito de ação é compatível com o art. 5º, XXXV, da Constituição. Para se caracterizar a presença de interesse em agir, é preciso haver necessidade de ir a juízo. 2. A concessão de benefícios previdenciários depende de requerimento do interessado, não se caracterizando ameaça ou lesão a direito antes de sua apreciação e indeferimento pelo INSS, ou se excedido o prazo legal para sua análise. É bem de ver, no entanto, que a exigência de prévio requerimento não se confunde com o exaurimento das vias administrativas. 3. A exigência de prévio requerimento administrativo não deve prevalecer quando o entendimento da Administração for notória e reiteradamente contrário à postulação do segurado. 4. Na hipótese de pretensão de revisão, restabelecimento ou manutenção de benefício anteriormente concedido, considerando que o INSS tem o dever legal de conceder a prestação mais vantajosa possível, o pedido poderá ser formulado diretamente em juízo – salvo se depender da análise de matéria de fato ainda não levada ao conhecimento da Administração –, uma vez que, nesses casos, a conduta do INSS já configura o não acolhimento ao menos tácito da pretensão. 5. Tendo em vista a prolongada oscilação jurisprudencial na matéria, 18 

JR. DIDIER FREDIE. Curso de direito processual civil, 2017, p.407.

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inclusive no Supremo Tribunal Federal, deve-se estabelecer uma fórmula de transição para lidar com as ações em curso, nos termos a seguir expostos. 6. Quanto às ações ajuizadas até a conclusão do presente julgamento (03.09.2014), sem que tenha havido prévio requerimento administrativo nas hipóteses em que exigível, será observado o seguinte: (i) caso a ação tenha sido ajuizada no âmbito de Juizado Itinerante, a ausência de anterior pedido administrativo não deverá implicar a extinção do feito; (ii) caso o INSS já tenha apresentado contestação de mérito, está caracterizado o interesse em agir pela resistência à pretensão; (iii) as demais ações que não se enquadrem nos itens (i) e (ii) ficarão sobrestadas, observando-se a sistemática a seguir. 7. Nas ações sobrestadas, o autor será intimado a dar entrada no pedido administrativo em 30 dias, sob pena de extinção do processo. Comprovada a postulação administrativa, o INSS será intimado a se manifestar acerca do pedido em até 90 dias, prazo dentro do qual a Autarquia deverá colher todas as provas eventualmente necessárias e proferir decisão. Se o pedido for acolhido administrativamente ou não puder ter o seu mérito analisado devido a razões imputáveis ao próprio requerente, extingue-se a ação. Do contrário, estará caracterizado o interesse em agir e o feito deverá prosseguir. 8. Em todos os casos acima – itens (i), (ii) e (iii) –, tanto a análise administrativa quanto a judicial deverão levar em conta a data do início da ação como data de entrada do requerimento, para todos os efeitos legais. 9. Recurso extraordinário a que se dá parcial provimento, reformando-se o acórdão recorrido para determinar a baixa dos autos ao juiz de primeiro grau, o qual deverá intimar a autora – que alega ser trabalhadora rural informal – a dar entrada no pedido administrativo em 30 dias, sob pena de extinção. Comprovada a postulação administrativa, o INSS será intimado para que, em 90 dias, colha as provas necessárias e profira decisão administrativa, considerando como data de entrada do requerimento a data do início da ação, para todos os efeitos legais. O resultado será comunicado ao juiz, que apreciará a subsistência ou não do interesse em agir.”

Neste sentido, via de regra, a ausência de interesse de agir, verificada inicialmente, levará à extinção do processo sem resolução de mérito, nos termos do art. 485, VI, do CPC/2015. Não obstante, conforme visto, entendemos que o seu exame deve ser feito com base nas afirmações do autor, no início do procedimento, pois a correspondência entre a afirmação do autor e a realidade é questão de mérito. VVictoViVictViVictor VViViVict

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Assim, por exemplo, não há lógica na prolação de uma sentença sem resolução de mérito ao final do processo, quando o juiz reconhecer que o autor não pode exigir o pagamento de uma dívida por ela estar vencida ou, no exemplo dado anteriormente, quando o ferroviário que pleiteia a complementação de sua aposentadoria ainda não estiver aposentado.19

5 Considerações finais Ao eliminar a legitimidade e interesse como condições da ação, o CPC/2015 reforça a ideia de que o exame de tais pressupostos deve ser feito com base nas afirmações do autor. Nos casos de ausência de legitimidade ordinária, o juízo declarará que o autor não é titular da situação jurídica litigiosa, hipótese na qual examinará o mérito da causa, devendo julgar improcedente o pedido formulado, nos termos do art. 487, I, do CPC. A situação muda em caso de legitimação extraordinária, hipótese na qual o juízo declarará que a parte não tem autorização para condução do processo, devendo extingui-lo sem resolução do mérito, nos termos do art. 485, VI, do CPC/2015. Por outro lado, quando verificada a ausência de interesse de agir nas ações condenatórias, por vezes restará constatada a ausência da lesão, motivo pelo qual deve haver uma sentença de improcedência, e não a extinção sem resolução do mérito. Não há sentido, sobretudo com o CPC/2015, em admitir a extinção sem resolução do mérito, por exemplo, quando o juiz pode reconhecer que o autor não é titular do direito pleiteado (legitimidade) ou que o autor não pode exigir o pagamento de uma dívida por ela não estar vencida (interesse). Embora tais questões já fossem recorrentes na doutrina, entende-se que o CPC/2015 deu uma espécie de gatilho para os juízes se pronunciarem mais sobre o mérito, eliminando os entraves ainda remanescentes 19 

MARINONI, Luiz Guilherme. Novo Curso de Processo Civil, 2017, p.162.

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em decorrência da adoção da teoria de Liebman, que, diga-se de passagem, foi de suma importância para o amadurecimento da teoria da ação no direito brasileiro. Assim, a eliminação da categoria “condições da ação”, bem como o princípio da primazia da resolução do mérito, expostos no ordenamento, rompem definitivamente com o rigor da doutrina de Liebman, tão enraizada em nossa cultura jurídica, dando o gatilho para aplicação da Teoria da Asserção, cujo desdobramento não é possível prever. Acredita-se, todavia, que a opção legislativa em referência, trazida pelo CPC de 2015, ensejará a prolação de mais decisões de mérito em casos que tipicamente se extinguia o processo sem a sua resolução.

6 Referências BUZAID, Alfredo. Agravo de petição no sistema do Código de Processo Cívil. 2a ed. São Paulo: Saraiva, 1956. CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 8 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002. JR. DIDIER FREDIE. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. 19. ed. Salvador: Ed. Jus Podivm, 2017. MARINONI, Luiz Guilherme. Novo Curso de Processo Civil: Teoria do Processo Civil. 3 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017. MOREIRA, José Carlos Barbosa. Ação declaratória e interesse. Direito processual civil (ensaios e pareceres). Rio de Janeiro: Borsoi, 1971.

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Princípio da tutela jurisdicional efetiva : análise

contemporânea dos elementos para sua real efetivação Vitória Regina Mergulhão1

O presente artigo analisará, através da técnica de revisão de literatura, o princípio da tutela jurisdicional efetiva, problematizando sua interpretação e sua importância dentro do ordenamento processual. No tópico segundo será analisada a tutela efetiva como direito fundamental, sua presença no acesso à justiça. Nos tópicos seguintes, serão problematizados os elementos necessários para que a tutela jurisdicional seja efetivada. Analisar-se-á o elemento temporal no tópico terceiro, seguindo para o tópico quarto onde será abordada a tutela adequada. No tópico quinto a importância da tutela justa no processo e por fim o resultado útil da tutela, desta forma esperando-se que os tópicos tenham um diálogo em si, para que possa ser observada a importância da aplicação dos quatro elementos na tutela jurisdicional a fim de que ela possa ser efetiva integralmente. Palavras-chave: tutela jurisdicional – princípios – efetivação Sumário: 1. Introdução; 2. A tutela jurisdicional efetiva como direito fundamental e breves considerações; 3. A tutela jurisdicional e seu fator temporal; 4. A tutela adequada para a efetividade jurisdicional; 5. O Processo Justo para a efetivação da tutela; 6. A tutela jurisdicional efetiva e seu aspecto útil; 7. Conclusão; 8. Referências.

1 Introdução Os princípios são a base de todo o ordenamento, sendo eles indispensáveis em qualquer ramo do direito; são o percurso a ser utilizado para obter na aplicação das normas analisadas seu “estado de coisa ideal”2. Deles surgem um dos principais parâmetros para interpretação, aplicação e criação do Direito. No saber de Cármem Lúcia Antunes Rocha “no princípio repousa a essência de uma ordem, seus parâmetros fundamentais e direcionadores do sistema normado”3. 1  Advogada. Bacharela em Direito pela ASCES-UNITA. Pós-graduanda em Processo Civil Contemporâneo pela UFPE. 2  THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil, 2014, p.24. 3  ROCHA, Cármem Lúcia Antunes. Princípios Constitucionais da Administração Pública, 1994, p. 21. VVitóriViVitórViVitória

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Assim entende sobre a indispensabilidade dos princípios o doutrinador Jones Figueiredo Alves que: “Diante da importância dos princípios, mormente tendo em vista a colocação publicística do processo, o juiz os tenha sempre em mente para deles se servindo, em cooperação com a índole dialética do processo, possibilite de fato a justa composição da lide. Esta somente resultará possível da coerência de aplicação dos princípios informadores do processo que hão de ser observados para ensejar tal alcance”4.

Há uma grande diversidade de princípios, os quais diante das suas peculiaridades e grande importância para o sistema jurídico, demandam estudos individualizados, neste estudo será abordado o princípio da tutela jurisdicional efetiva analisando as suas diversas faces, abordando não só o seu aspecto temporal, mas analisando seu aspecto de direito fundamental que garante não somente uma razoável duração do processo, mas também o acesso à justiça, bem como as garantias da tutela justa, adequada e útil, que são necessárias para que se tenha a real efetividade da tutela jurisdicional. Iniciamos o estudo abordando a efetividade5 da tutela jurisdicional como direito fundamental previsto na constituição. Ademais, abordamos algumas características necessárias sobre o direito de ação e acesso à justiça, diferenciando tutela jurisdicional de pretensão jurisdicional a fim de facilitar o entendimento no decorrer do artigo. Finalizadas as considerações iniciais, começa-se a abordar os elementos essenciais para a efetivação da tutela jurisdicional. O objetivo aqui pretendido é abordar a tutela jurisdicional efetiva além do seu aspecto temporal, entender que para uma real efetivação faz-se necessário um conjunto de elementos indispensáveis, de modo 4  ALVES, Jones Figueirêdo. Da aplicação dos princípios processuais – uma proposta de estudo. Recife, 1990, p. 14. 5  Em todo o texto serão repetidamente utilizadas as efetivo e efetividade, desta forma, é primordial a compreensão do leitor do seu conceito jurídico. Efetividade, refere-se à capacidade de atingir seu objetivo com qualidade, de forma satisfatória, que seu direito seja efetivo, ou seja, executável. VVitóriViVitórViVitória

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que a tutela jurisdicional, para ser realmente efetiva, precisa ser mais que célere, além de ser justa, útil e adequada, não podendo afastar-se da presença cumulativa desses elementos.

2 A tutela jurisdicional efetiva como direito fundamental e breves considerações O Processo Civil possui princípios constitucionais que auxiliam no desenvolvimento processual eficaz, previstos especialmente no artigo 5º da Constituição Federal, sendo dessa forma garantidores de direitos fundamentais e possuidores de eficácia plena independente de normas infraconstitucionais. Como forma de assegurar sua eficácia o Código de Processo Civil de 2015, no artigo 1º, determina que “o processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código”. As indecisões abarcadas pelas situações de litígios acarretam diversos contextos desagradáveis para as partes que os compõem, sendo a procrastinação da resolução do conflito traumática, além do provimento jurisdicional final tardio. Na sociedade contemporânea, não é suficiente a simples resolução da ação declarativa6; as pessoas anseiam pela efetividade da tutela jurisdicional, hoje devidamente assegurada pelo ordenamento brasileiro. A tutela jurisdicional efetiva recepcionada pela Constituição Brasileira de 1988 no artigo 5º, XXXV, o qual prevê que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, encontra sua efetividade na esfera processual. Neste sentido ao se falar do direito fundamental da tutela jurisdicional efetiva há uma necessidade de fazer uma ligação com o direito de ação e o acesso à justiça, posto que 6  Se faz necessário explanar que quando nos referimos a ação declarativa, temos o intuito de direcionar o leitor as ações que tem como proposito obter sentença que apenas declare a existência de um determinado direito ou de um fato. E sua insuficiência refere-se à necessidade de ter mais que o seu direito declarado, que o direito arguido seja realmente efetivado. VVitóriViVitórViVitória

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através deles ela encontra sua efetividade. O tema acesso à justiça ganhou força e disseminação mundial diante da obra de Mauro Cappelleti e Bryan Garth, intitulada de “Acesso à Justiça”, a qual versa sobre as principais ondas do acesso à justiça. Defendia os autores uma perspectiva diversa ao que se verificava no período do Estado Liberal. O primeiro aspecto trabalhado por eles seria o acesso ao judiciário pelo cidadão, as dificuldades por ele enfrentadas na busca da prestação judicial. No segundo aspecto já fora trabalhada a efetividade do acesso, que buscou estudar o desenvolvimento de uma prestação jurisdicional justa por parte do Estado. Definida na obra, para os autores o termo “acesso à Justiça” é: “Reconhecidamente de difícil definição, mas serve para determinar duas finalidades básicas do sistema jurídico – o sistema pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direitos e/ou resolver seus litígios sob as auspícios do Estado. Primeiro, o sistema dever ser igualmente acessível a todos; segundo, ele deve produzir resultados eu sejam individualmente e socialmente justos.”7

O direito ao acesso à justiça deve ser garantido de forma ampla, não apenas o direito ao processo puro e simplesmente, mas um direito que garante ao cidadão buscar uma tutela jurisdicional efetiva. Neste contexto a Constituição assegura ao cidadão acesso a um sistema que antes de tudo será justo. Sendo este acesso garantido a todos, independentemente de pretensões devidamente fundamentadas ou não, aqueles que realmente fazem jus a uma tutela jurisdicional merecem a garantia não apenas ao acesso à justiça, mas também a uma tutela jurisdicional efetiva, com todos os seus pressupostos, os quais serão abordados no devido momento. O direito de ação confere a todos a possibilidade de postular em juízo tutela jurisdicional, seja ela de natureza preventiva ou reparatória, podendo versar sobre qualquer direito. Esse direito vai além da garan7 

CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça, 1988, p. 8.

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tia de movimentar o sistema judiciário por meio do processo, mas, garante também o direito de obter uma tutela jurisdicional. Conforme o entendimento de Nery Junior: “Podemos verificar que o direito de ação é um direito cívico e abstrato, vale dizer é um direito subjetivo à presença tout court, seja essa de acolhimento ou de rejeição da pretensão, desde que preenchidas as condições da ação. A realização de um direito subjetivo é alcançada quando se consegue o objeto desse mesmo direito. Como o objeto do direito subjetivo de ação é a obtenção da tutela jurisdicional do Estado, deve entender-se por realizado o direito subjetivo de ação, assim que pronunciada a sentença, favorável ou não ao autor.”8

Observar-se-á de forma mais clara a importância da efetivação da tutela jurisdicional ao diferenciá-la da prestação jurisdicional. A tutela jurisdicional tem o intuito de satisfazer, cumprir uma obrigação explica Sergio Torres Teixeira que “trata-se, pois, da satisfação do direito à resolução da lide, isto é, da definição ou concretização da norma abstrata em face da concreta”9 A prestação jurisdicional pode ser relacionada ao direito de ação em seu sentido amplo, sendo comum a todos que integram o processo, as partes ou terceiros, ou seja, “é simplesmente a atividade estatal de solucionar o litígio apresentado pelas partes, cumprindo com o dever do Estado de decidir questão (definir o mérito da causa), para entregar aos litigantes o provimento jurisdicional adequado”10 Nesse contexto também diferencia Humberto Theodoro Junior: “Urge não confundir tutela com prestação jurisdicional; uma vez que se tem como abstrato o direito de ação, a garantia de acesso do litigante à justiça lhe assegura um provimento jurisdicional, capaz de proporcionar a definitiva solução para o litígio, mesmo quando o autor não detenha de fato o direito que afirma violado ou ameaçado pelo réu. Na satisfação do 8  NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal, 1999, p. 96-97. 9  TEIXEIRA, Sergio Torres. Tutela jurisdicional e reintegração de emprego: enquadramento da tutela reintegratória, 2006, p. 343. 10  Idem. VVitóriViVitórViVitória

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direito à composição do litígio (definição ou atuação da vontade concreta da lei diante do conflito instalado entre as partes) consiste a prestação jurisdicional. Mas, além dessa pacificação do litígio, a defesa do direito subjetivo ameaçado ou a reparação da lesão já consumada sobre o direito da parte também incumbe à função jurisdicional realizar, porque a justiça privada não é mais tolerada (salvo excepcionalíssimas exceções) pelo sistema de direito objetivo moderno. Assim, quando o provimento judicial reconhece e resguarda in concreto o direito subjetivo da parte, vai além da simples prestação jurisdicional e, pois, realiza a tutela jurisdicional. Todo litigante que ingressa em juízo, observando os pressupostos processuais e as condições da ação, tem direito à prestação jurisdicional (sentença de mérito ou prática de certo ato executivo); mas nem todo litigante faz jus à tutela jurisdicional.”11

Realizadas as considerações iniciais a respeito da tutela jurisdicional e seu aspecto de direito fundamental, passamos a analisar os elementos que devem estar presentes para que seja efetivada.

3 A tutela jurisdicional e seu fator temporal O direito à razoável duração do processo é algo consagrado no Brasil e em diversos documentos internacionais, assegurado pelos Direitos Humanos e almejados por todos aqueles que buscam um provimento judicial. Tema bastante discutido universalmente, a morosidade no sistema jurídico é um problema comum enfrentado por tribunais de todo o mundo, o que demanda diversos estudos e teorias que surgem na tentativa de aprimorar os procedimentos, para que possa ser alcançada a tutela jurisdicional efetiva. Essa preocupação é plenamente cabível, já que essa situação gera um grande empecilho para que o processo consiga obter seus objetivos e efetivação. A morosidade pode acarretar no perecimento das pretensões, dispêndios econômicos desnecessários e danos psicológicos seja nas partes ou operadores do direito. Diante da lentidão do judiciário, o que gera uma grande inadequa11  THEODORO JÚNIOR, Humberto. Tutela jurisdicional de urgência, 2001, p 2. VVitóriViVitórViVitória

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ção para a realização de uma composição justa, tem-se como consequência a insatisfação da parte, que por vezes se sente injustiçada diante da morosidade e da justiça tardia, mesmo quando consegue a procedência do pleito, haja vista que essa situação se encaixa mais como denegação de justiça e não como justiça propriamente dita. No que se refere ao entendimento da duração razoável, esta não se refere a um prazo fixo. Para Marinoni há confusão no entendimento, e interpretação de que haveria um prazo fixo ou determinado “não se trataria de duração razoável, mas de duração legal, ou do simples dever de o juiz respeitar o prazo fixado pelo legislador para a duração do processo”12 Compreende-se assim que, a concepção de razoável duração do processo há de ser analisada em caso concreto, dado as peculiaridades, contradições e problemas que cada um demanda. Destarte, não resta dúvida que a celeridade processual é uma forma de garantir a efetividade na esfera jurídica, mas isto ocorre em conjunto com outros elementos. Neste sentido podemos perceber a importância do fator temporal na efetivação da tutela jurisdicional, sendo o aspecto mais discutido atualmente a fim de garantir essa efetivação. Ocorre que em inúmeras situações a duração do processo ganha o protagonismo na busca pela efetivação da tutela e acaba que os demais elementos são deixados a parte, não sendo incluídos como essenciais para tanto, o que de fato não poderia ocorrer, pois para uma tutela jurisdicional efetiva se faz necessária a junção entre eles, os quais veremos a seguir.

4 A tutela adequada para a efetividade jurisdicional A técnica processual adequada integra o leque de direitos para 12 

MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do Processo, 2008, p. 223.

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uma efetiva tutela jurisdicional, sendo a adequação indispensável para a materialização da efetividade. Decorrente ainda da insuficiência da simples prestação jurisdicional, a adequação vem para fomentar a efetivação da tutela jurisdicional, nas palavras de Rafael Estevez: “A elevação da questão do tempo do processo – tanto administrativo como judicial – ao nível de garantia fundamental deu-se em razão da insatisfação da sociedade com a prestação jurisdicional, entendendo que a jurisdição não deve apenas ser prestada, devendo, ainda, ser efetiva, tempestiva e adequada, sendo função do Estado atingir este objetivo.”13

Analisando a jurisdição pode-se observar que ela não se restringe a pura aplicação da lei, mas requer uma aplicação ampla do direito, uma vez que o instrumento para aplicar os efeitos da justiça no fato concreto é o processo, assim, a resolução legal para o caso será adequada, entretanto, em algumas circunstâncias, surgem situações das quais inicialmente não há solução, situação que compele o magistrado a agir por meio de análise de casos afim de encontrar a solução mais adequada, decidindo inclusive contra legem, contudo, não pode decidir jamais contra o direito. Nas palavras de Marinoni, “por efetiva tutela jurisdicional, deve-se entender a efetiva proteção do direito material, para a qual são imprescindíveis a sentença e o meio executivo adequados”14. A necessidade da efetividade da tutela forçou os processualistas a estudar tutelas jurisdicionais diferenciadas, ou seja, tutelas que se adequassem às peculiaridades das situações de direito substancial. Nesse sentido, o estudo de procedimentos que comportem a concretização do direito mediante cognição sumária, ou seja, o juiz decidirá com embasamento no juízo da probabilidade da existência do direito (análise do fumus boni iuris e do periculum in mora). 13  ESTEVEZ, Rafael. A aplicação da lei 11.382/06 à execução Fiscal, 2008. 14  MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de Processo Civil, 2007. p. 220. VVitóriViVitórViVitória

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Seria assim a tutela jurisdicional adequada aquela em que o Estado atribui ao jurisdicionado de forma que cumprir adequadamente os objetivos pleiteados. É a garantia do indivíduo do provimento jurisdicional que mais se adeque a situação conflitante, com a finalidade de resolver satisfatoriamente a lide. Desta forma, não seria suficiente a simples tutela jurisdicional; sendo assim, não basta que o Estado através da jurisdição determine uma solução, é fulcral que a resolução seja realmente adequada aos clamores daquele que dela necessita. Diante dos argumentos expostos, teria a tutela jurisdicional adequada o objetivo de garantir a prestação jurisdicional que solucionará o conflito na esfera do direito material, o Estado tem como intuito não fornecer meramente um caminho para a solução, mas realmente findar o problema a ele imposto de forma adequada e justa.

5 O Processo Justo para a efetivação da tutela Judicial É indispensável abordar inicialmente alguns incisos do artigo 5º da Constituição Federal que versam sobre garantias constitucionais, as quais são indispensáveis na aplicação de um processo justo, sendo eles: o inciso XXXV que prevê a inafastabilidade da tutela jurisdicional, o inciso LIV que aborda o devido processo legal e o LV, que traz a garantia da ampla defesa e o contraditório. A evolução do direito ao longo da história findou com a justiça “olho por olho e dente por dente”, quando se proíbe o indivíduo de fazer justiça por conta própria, recaindo sobre o Estado a obrigação de solucionar os conflitos que não se resolvem sem a sua intervenção. As formas de resolução dos conflitos sofrem diversas mudanças no decorrer do tempo diante das variantes que envolvem os litígios que estão em constante mutação em decorrência da evolução do interesse VVitóriViVitórViVitória

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da coletividade e do próprio direito. Como exemplo do que alhures fora abordado, a insuficiência da simples resolução da ação declarativa, o surgimento de um olhar humanizado que buscasse não a simples declaração ou reconhecimento pelo Judiciário, mas a concretização do direito substancial almejado. Desta forma, o processo perde o protagonismo na ação, passando a ser analisado como um instrumento para obter o que realmente se pretende, ou seja, a efetivação do direito material tutelado. Ademais, garantir a tutela jurisdicional não se limita à simples aplicação da lei pelo juiz. A tutela jurisdicional efetiva deve garantir que o processo foi estruturado devidamente, no qual as partes tiveram no decorrer da discussão do direito paridade de armas, caracterizada pelo contraditório para que ao final da lide tenha-se uma resolução jurisdicional justa. “[...] que a grande equação reside, essencialmente, em conciliar valores e todas as consequências que dele advêm, com a obtenção de decisão que represente uma composição do litígio consonante com a verdade, e em que se respeite amplamente o regramento do contraditório e todas as garantias de defesa, pois só assim se logrará uma decisão acertada no âmbito do processo justo.”15

6 A tutela jurisdicional efetiva e seu aspecto útil Sendo o último tópico a ser abordado, o que não ocorre por demérito, este é tão importante quanto os demais abordados. O resultado útil da tutela jurisdicional é indispensável para sua eficácia, se este não for garantido de nada valerá. O direito pleiteado deve ser introduzido ao final, deve ter sua devida efetivação. Neste sentido, não só o autor deve ter seu direito a prestação jurisdicional salvaguardado, mas também o réu; ambos têm como objetivo o resultado útil do processo. Enquanto o autor almeja a procedência da demanda, com a devida decisão que reconheceria que o direito lhe 15 

TUCCI, José Rogério Cruz e. Tempo e processo, 1997, pág. 29.

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assiste, o réu, todavia, almeja a declaração em sentido oposto. Tendo ambos os mesmos direito e garantias, não podendo haver tratamento desigual, de outro modo a busca pela prestação jurisdicional não seria justa. Entende Candido Rangel Dinamarco que: “O resultado útil do processo civil de conhecimento é a tutela jurisdicional consistente em julgar as pretensões e com isso definir o preceito a ser observado pelos litigantes em relação ao bem da vida sobre o qual controvertem.”16

Hoje há diversas formas de assegurar o efeito útil da pretensão, como por exemplo a produção de prova antecipada, que tem como objetivo garantir a produção de prova previamente, quando está na iminência de torna-se impossível, sendo uma típica providência cautelar que busca a efetivação útil da tutela jurisdicional. Vale destacar que o efeito útil se aplica aos diversos meios processuais acessórios da ação principal, que são também destinados a garantir os direitos e interesses das partes. A necessidade de uma ação adequada quando para a demanda do particular, quando sozinha, pode se tornar uma pretensão ilusória caso não consiga garantir o efeito útil da pretensão. Pode-se dizer assim, que não adianta a existência de uma ação satisfativa no que se refere à pretensão do particular se não possuírem formas de resguardar os objetivos almejado com a sua propositura. É por meio dessa necessidade de garantia da pretensão útil que surge as diversas medidas cautelares que podem ser aplicadas ao processo, posto que não há possibilidade de exaurir todas as formas que serão necessárias para assegurar o efeito útil da pretensão.

7 Conclusão Após a exposição feita no decorrer do presente trabalho, pode-se 16  DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil, 2005, v. 3, p. 194. VVitóriViVitórViVitória

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concluir que o direito à tutela jurisdicional efetiva é um direito fundamental do cidadão, que por vezes é negligenciado em sua aplicação, posto que quando aplicada observando-se apenas seu aspecto temporal esta não terá a plenitude de sua eficácia. Não restam dúvidas que o acesso à justiça deve ser garantido a todos independentemente da fundamentação de sua pretensão. Entretanto, não basta garantir o acesso à justiça e o direito de ação, àqueles que buscam uma pretensão e que ao final têm os mecanismos processuais direcionados para sua pretensão, por fazerem jus à tutela jurisdicional, deve ter garantido o acesso a uma tutela jurisdicional efetiva. Entre os elementos que integram a tutela jurisdicional com a finalidade de torná-la efetiva encontra-se não somente a celeridade processual. A tutela deverá ser também justa, adequada e útil, pressupostos que são, sem dúvida, o cerne da efetividade da tutela jurisdicional. Assim, não se confunde a tutela jurisdicional adequada, justa, útil e célere com a mera prestação jurisdicional; vai muito além, posto que esses efeitos fazem com ele essa seja realmente efetivada. Consequentemente, mesmo que o seu aspecto mais discutido no cotidiano para uma efetiva tutela jurisdicional seja a curta duração do processo, este, isoladamente, se torna inútil, assim também se colocam qualquer dos outros elementos, posto que de nada vale a adequação da tutela sem que ela ocorra em tempo hábil, ou que a tutela seja justa, mas não consiga ser útil. Conseguir distinguir a tutela jurisdicional da tutela dos direitos é um grande ponto, visto que a tutela jurisdicional é forma utilizada pela tutela dos direitos para ser prestada, não podendo ser garantida sempre, o oposto da primeira citada. A concessão da prestação jurisdicional deve ocorrer na sua totalidade, de forma que satisfaça e possa se exaurir o direito pleiteado pela parte perante o judiciário. Diante da incumbência que recai sobre o EsVVitóriViVitórViVitória

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tado para que garanta a satisfação do direito pleiteado percorra uma trajetória com um tempo razoável, de forma justa, pelos meios adequados e que seja útil. A tutela jurisdicional quanto não for célere, útil, adequada e justa será ineficaz, não tendo sua necessária efetivação. Portando, a efetiva tutela jurisdicional é muito mais que uma garantia, sendo também um direito fundamental, sendo necessária a garantia de sua eficácia para garantir a própria dignidade humana, na esfera processual a composição de princípios e regras devem ser postos cumulativamente com a finalidade de obter uma ampla efetividade para que se tenha uma dimensão prática maior e redução no custo na proteção aos direitos dos cidadãos. O Estado deve garantir aos cidadãos não somente o devido processo legal, deve ir além garantir uma verdadeira satisfação no processo, a tutela jurisdicional deve ser garantida na sua forma composta, ampla, onde seus efeitos são efetivados, desenvolvidos em tempo razoável, de forma justa, adequada e que seja útil.

8 Referência

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