ESCOLA/TRABALHO/MERCADO DE TRABALHO LUIZ ANTONIO CARVALHO FRANCO
CATALOGAÇÃO NA FONTE: COPAT/SIEFOR
Franco, Luiz Antonio Carvalho Escola, trabalho, mercado de trabalho / Luiz Antonio Carvalho Franco. - São Paulo : CENAFOR, 1984. 78 p. Inclui bibliografia. 1. Escola. 2. Ensino. 3. Trabalho. 4. Mercado de trabalho. I. CENAFOR. II. Titulo. CDU 37:331
ESCOLA/TRABALHO/MERCADO LUIZ ANTONIO CARVALHO FRANCO Do Corpo Técnico do CENAFOR
Maio/1985
DE
TRABALHO
©
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1a
Edição
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Impresso no Brasil Printed in Brazil
ou da
SUMÁRIO
Nota
7
Escola/Trabalho/Mercado de Trabalho
9
Citações Bibliográficas
71
Bibliografia
75
NOTA
Este artigo , com algumas alterações,
está ba
seado em três trabalhos escritos por mim em
mo
mentos distintos. São eles: 1)
Relações entre educação e trabalho: buição para um esboço teórico. São
contri Paulo ,
CENAFOR, 1983 (Série Reflexões; 27); 2)
A escola e o mundo do trabalho.
São Paulo,
CENAFOR, 1984 (Mimeografado) ; 3)
A especificidade da educação escolar. Paulo, CENAFOR, 1984 (Mimeografado) .
São
Este artigo tem como objetivo discu tir as relações entre escola/ trabalho/ mercado de trabalho. A compreensão das relações entre
os
referidos fenômenos só pode se dar na medida em que os mesmos sejam contextuados
historicamen
te, ou seja, a nível da formação
econômico-so
cial e do modo de produção em que se manifestam. Nesse sentido, o conhecimento da referida
pro
blemática implica em considerá-la como parte in tegrante e inseparável da sociedade capitalista em movimento, que se desenvolve e se cria atra vés da praxis humana.
0 capitalismo deve ser definido pe lo seu modo de produção e, como modo de
produ
ção singular, o seu primeiro caráter social e histórico distintivo reside no fato de ser uma produção mercantil, em que a produção se organi za em função de bens portadores de valor,
além
de serem bens úteis. Como produção de valor, o capitalismo se organiza tendo por base as
rela
ções entre trabalho assalariado e capital. Capi tal e trabalho assalariado se unem e se opõem,
sendo que esta relação constitui o alicerce so cial no qual repousa toda a produção capitalis_ ta. São estas relações fundamentais que determinam o modo como socialmente se combinam o traba lho humano (criador do valor) com os meios
de
produção (máquinas, matérias-primas, instrumen tos de trabalho, e t c ) , que funcionam como meios de valorização do capital.
O modo de produção capitalista constitui e se desenvolve quando
se
" o trabalho
passado, acumulado e materializado em meios de produção se transforma em capital, isto é,
em
potência social independente, em valor que
se
conserva, cresce e acumula pondo a seu
uso a
força de trabalho do trabalhador através do as salariamento" 1. 0 capital, como valor que menta pela apropriação e incorporação
au
do novo
valor que se cria no processo de produção, não pode ter existência isoladamente. Ao contrário, o capital que não é uma coisa, mas uma relação social definida e peculiar da sociedade
capita
lista, só pode existir socialmente em interação necessária e constantemente reproduzida
com o
trabalho assalariado. Ou seja, o capital existe
na medida em que existe uma relação
contradito
ria e de expropriação entre os proprietários dos meios de produção e aqueles que, pelo fato de não possuírem meios de produção, se vêem na contingência de venderem sua força de
trabalho
como mercadoria. É por esta razão que, ao mesmo tempo em que o capital vai se constituindo e se consolidando como uma força social, vão se crian do também as condições sociais e históricas de existência de trabalhadores livres, disponíveis ao capital, com os quais este irá
estabelecer
uma relação mercantil através da compra da ça de trabalho deles.
for
0 capitalismo implica,
pois, no surgimento do trabalho livre num duplo sentido2: em primeiro lugar, pelo fato do traba lhador ser despojado dos meios de produção e,em segundo lugar, pelo fato do trabalhador estar livre das peias jurídicas e, conseqüentemente, po der dispor livremente de sua força de trabalho, como única mercadoria que possui e cuja venda ao capitalista é condição essencial para sua sobre vivência. O capitalismo, como realidade histó rica singular, só pode ser compreendido em sua
estrutura-dinâmica e, portanto, através de seu movimento que atravessa diversos estágios manu fatureiros até chegar ã grande empresa moderna. 0 que se observa em seu surgimento e em sua evo lução é a tendência no sentido de converter as unidades de produção anteriormente
caracteriza
das por um emprego autônomo ou familiar, em ge ral artesanal, em trabalho assalariado. Eviden temente, nem todas as relações sociais de produ ção são transformadas em relações assalariadas, mas a tendência dominante aponta
inexoravelmen
te nesse rumo. No capitalismo, a dinâmica do ca pitai combina diferentes processos,
ou seja,
processos de dissolução, preservação e de
ins
tauração de novas relações de produção. No capitalismo, por exemplo, existem formas cuja carac terística principal ê a não utilização permanen te nem fundamental do trabalho assalariado.
Is_
to porque um dos traços marcantes do capitalis_ mo é o seu desenvolvimento desigual e combinado, ou seja, numa formação econômico-social concre ta convivem simultaneamente tanto as
relações
sociais típicas do modo de produção capitalista quanto aquelas relações denominadas "pre-capita listas", "arcaicas", e t c , que teimam em resis_
tir ao avanço do capital. Estas últimas são re definidas constantemente pelo movimento do capi tal, a ele subordinando-se, de sorte que seu ca ráter "pre-capitalista" ou "arcaico" se articu la de algum modo com as relações
propriamente
capitalistas em seu conjunto. A inserção dessas relações no sistema produtivo global lhes dá um contorno próprio, não como categoria dominante, apesar de que em números populacionais esse se tor ê bastante significativo. A importância nu mérica desse setor pode ser observada na grande quantidade de empresas familiares, nos trabalha dores por conta própria subordinados, no traba lho dos artesãos, etc. Essas relações de produ ção, no entanto, não podem ser entendidas como se fossem "marginais" ou como "não-incorporadas" ao modo de produção capitalista. É
necessário
perceber, por outro lado, que nesse processo de desenvolvimento desigual e combinado do capita lismo, o que predomina no momento é o capital monopolista. É esse fato que marca e dá contorno às relações de produção no país.
3
O processo de desenvolvimento do pitalismo, desde o seu período
ca
concorrencial
até a atual fase monopolista, sofreu profundas transformações, principalmente a nível da técnica, da ciência e da organização e controle processo de trabalho. Atualmente não se
do
trata
mais, como no período concorrencial, da empresa limitada pelo baixo volume de capital
disporá
vel- Ao contrário, a partir das duas ou três úl timas décadas do século XIX começa a se configu rar a era do capital monopolista, cujas caracte rísticas centrais podem ser resumidas
nas
soes, na concentração e centralização do tal, sob a forma dos primeiros trustes
fu
capi e car
téis, além da exportação de capitais.
Esse processo histórico, que culmina no surgimento dos grandes conglomerados
indus
triais, comerciais e financeiros, e na utiliza ção de tecnologias altamente sofisticadas, pro duzirá impactos sem precedentes na organização do processo de trabalho e, conseqüentemente, nos métodos, até então conhecidos, de pressão e con trole dos trabalhadores. 0 capital põe em práti ca o fracionamento incessante das tarefas,
em
indústrias, bancos, escritórios, etc. Com isso, transformam-se substancialmente a organização e
o processo de trabalho. A unidade tradicional do ofício é des_ truída e o produtor direto se vê subordinado ao capital não mais apenas através das relações me£ cantis (como ocorria na fase concorrencial), mas também através das novas relações técnicas
de
produção que se instauram. Como assinala BRAVER MAN, na primeira forma da divisão do trabalho o ofício é desmontado e restituído aos trabalhado res parcelado, de modo que o processo como
um
todo já não seja mais da competência de um so trabalhador individual. A partir daí, empreendese uma análise de cada uma das tarefas distribuí das entre os trabalhadores, com vistas a contro lar todas as operações individuais. A divisão do trabalho, sob o capital monopolista, faz com que aqueles que concebem o trabalho apoderem-se
de
todo o processo e controlem cada elemento dele. Ou seja, o controle do processo de trabalho pe la gerência não se dá apenas em um sentido mal, mas pelo controle e fixação de cada
for fase
do processo, inclusive seu modo de execução. No fundo, aquele que concebe novos objetos e novas idéias ê uma pessoa, grupo de pessoas ou
orga
nismos diferentes daquele que está encarregado de realizá-los. 0 trabalho, no capitalismo moder no, além de fragmentado em "migalhas", encontrase separado entre uma minoria que o concebe
e
uma maioria que o executa, fato este que refle te a separação mais ampla entre teoria e práti ca, pensamento e ação. 4 A principal conseqüência da divisão e do parcelamento das tarefas, decorrentes da for ma de organizar o trabalho em uma hierarquia de crescente complexidade, é a ausência de centro le do processo de trabalho pelo trabalhador.
0
trabalhador fica reduzido a uma pequena unidade participante de um processo relativamente
corn
plexo, cuja definição é dada por aqueles que con cebem o trabalho, pela tecnologia moderna,
pe
las normas e regulamentos e pelo poder disciplinar das empresas. Isso o leva a desconhecer
o
processo de trabalho em sua totalidade, ao con trário, por exemplo, do artesão que dominava to das as fases do processo, ou seja, concebia novos produtos, os produzia e, finalmente, os ven dia no mercado. Essa, no entanto, foi a maneira mais apropriada que o capitalismo encontrou pa
ra reduzir a autonomia do trabalhador no process so de trabalho e, ao mesmo tempo, aumentar
a
produtividade do trabalho. 0 capitalismo, assim, reduziu a autonomia do trabalhador pela divisão e organização do trabalho em formas
estritamen
te hierarquizadas, parcelando as tarefas ao ex tremo e intensificando o controle sobre o traba. lhador no seio da produção. A divisão do trabalho garante para o capital tanto a posse da téc nica quanto do trabalho intelectual, impedindo, por outro lado, que os trabalhadores deles
se
apoderem. Isso se realiza, entre outras coisas, reduzindo o trabalho do trabalhador a um
mero
trabalho manual de execução pura e simples,
im
pedindo a colaboração entre trabalho manual
e
trabalho intelectual, recusando aos trabalhado res a possibilidade de aproveitarem a experiên cia prática adquirida na produção para,
assim,
apoderarem-se da técnica e da ciência.
A organização do processo de
traba
lho no capitalismo tem implicado na centraliza ção cada vez maior do poder, ou seja, a organi zação do trabalho está indissoluvelmente ligada às técnicas de produção e de dominação
sobre
aqueles que trabalham. A organização do
traba
lho, com sua hierarquia, normas e papéis rigida mente estabelecidos e a inserção do trabalhador num processo de trabalho que ele não domina tem, de acordo com VELLOSO, duas conseqüências ime diatas: de um lado, a capacidade
de controle
que o empregador adquire sobre a produção e so bre o empregado e, de outro lado, tal controle permite extrair da mão-de-obra
empregada uma
quantidade de trabalho muito maior. 5 Nas pala vras de BRAVERMAN, tanto a fim de assegurar
o
controle pela gerência quanto para baratear
o
trabalho, concepção e execução devem tomar-se esferas separadas do trabalho e, para esse fim, o estudo dos processos do trabalho devem ser re servados à gerência e vedado aos trabalhadores, a quem seus resultados são comunicados sob a forma de funções simplificadas,
apenas orienta
das por instruções simplificadas que é seu
de
ver seguir sem pensar e sem compreender os
ra
ciocínios técnicos ou dados subjacentes.
6
Os grandes conglomerados industriais, financeiros, e t c , que formam a estrutura domi nante do modo de produção capitalista, na medi
da em que concebem e controlam o processo de tra balho, exercem a coordenação e subordinação básicamente através de dois mecanismos: o primei ro é aquele que permite controlar as
diversas
fases do processo, é a pirâmide hierárquica, a delegação dos poderes e de
responsabilidades,
com mecanismos financeiros ou de controle para garantir a subordinação; o segundo consiste em reduzir a importância das decisões individuais, de tornar cada vez mais automático o funcionamen to do sistema, predeterminando-o do alto, padro nizando as fases do seu processo, transformando cada fase em papel objetivo, nitidamente separa do dos outros, ou seja, aquilo que se denomina de organização "científica" do trabalho.
7
Em
verdade, a atual organização do trabalho e a sofisticação tecnológica que o acompanha, não tem necessidade do trabalhador qualificado. Ao con trário, tem implicado na crescente desqualifica ção do trabalhador e, conseqüentemente, na gradação do próprio trabalho.
A
de
qualificação
dos trabalhadores no capitalismo moderno, tanto da industria quanto de escritórios, não tem pas sado de um mito que BRAVERMAN destrói
completa
mente. A desqualificação da maior parte da for
ça de trabalho, por outro lado, tem sua contra partida na superqualificação de uns poucos.
A
desqualificação da execução corresponde a super qualificação dos que concebem a tecnologia e o processo de divisão técnica do trabalho. A pre paração da gerência dos técnicos
que prestam
serviços na área da concepção requer grandes in vestimentos em educação, em tempo destinado
ã
pesquisa, em análise de tempos e movimentos,etc. Estamos nos referindo à desqualificação de
um
ponto de vista das técnicas de trabalho, na me dida em que não se necessita mais do
artesão,
ou seja, daquele que detinha o conhecimento e o controle de todo o processo de trabalho.
Essas
considerações não implicam em afirmar que novas qualificações não devam estar sendo necessárias. Ao contrário, é possível, por exemplo, que
as
novas qualificações sejam as que exigem habili dades de cunho mais geral (ler, escrever, deco dificar dígitos e símbolos, etc.). Essas novas formas de qualificação, no entanto, não
fazem
com que a separação radical entre concepção
e
execução desapareça. Ao contrário, o capitalis_ mo tem feito com que ela aumente.
O
trabalha
dor, mesmo com essas qualificações, é obrigado
a se submeter a um trabalho repetitivo, monóto no e alienante.
Esboçamos até aqui, em linhas gerais, as relações fundamentais
do capitalismo dando
ênfase à relação contraditória fundamental entre capital e trabalho. Além disso, procuramos mos_ trar como o desenvolvimento do capitalismo tem contribuído para a degradação do trabalho, toman do-o monótono e repetitivo.
O desenvolvimento deste trabalho
te
rã como pano de fundo as características bási_ cas da sociedade capitalista arroladas mais aci_ ma e obedecerá aos seguintes critérios:
1) as
relações entre escola/trabalho/mercado de traba lho serão compreendidas a partir da especifici_ dade da educação escolar, dos limites e alcan ces da escola para lidar com a questão do traba lho e do mercado de trabalho; 2) as relações en tre as citadas instâncias serão discutidas
a
partir das relações de reciprocidade que estabe lecem entre si e com a totalidade social em que tais fenônemos se manifestam, ou seja, a socie_ dade capitalista.
* * *
Comecemos pela questão da escola. O que é escola? Qual o significado dessa institui ção nas sociedades capitalistas? Qual a especificidade da educação escolar?
A escola, como de resto qualquer ins tituição social, não pode ser pensada como se_ existisse autônoma e independentemente da reali_ dade histórico-social da qual é parte. Não pode ser pensada como se estivesse isolada por uma "muralha" do conjunto das demais práticas
so
ciais, mesmo quando os saberes transmitidos são vagos, abstratos, assumindo a aparência de independência frente aos condicionantes sociais. Ao contrário, a escola é parte integrante e inseparável do conjunto dos demais fenômenos que corn põem a totalidade social. A escola, bem como a sociedade que a inclui, "não é algo dado e aca bado e sim o produto de relações sociais, o pro duto da prática social de grupos e de classes.
Por isso mesmo ela pode ser transformada. Resta saber o grau, a natureza e a direção dessa trans formação possível da escola".
8
la como produto das atividades
Perceber a esco historicamente
condicionadas dos homens implica em reconhecer que ela pode ser transformada. Significa, ainda, que agir dentro da escola, modificar as atuais práticas pedagógicas, é contribuir
simultânea
mente tanto para a transformação da escola quan to da sociedade.
Essa postura implica em considerar a escola concomitantemente como reprodução/ trans_ formação da realidade histórico-social
existen
te, ou seja, a escola é e não é reprodução, é e não é transformação. A escola, de um lado, não pode ser reduzida ã pura reprodução
mecânica,
direta e linear da estrutura social vigente. De outro lado, não pode ser considerada como
ala
vanca principal na construção de uma sociedade igualitária, justa, com renda melhor distribuí da, etc. A escola, ao contrário, deve ser enten dida como uma instância que interage mente corn a estrutura social enquanto
dialética prática
específica, mediadora. Isto significa que a es_
cola, como elemento determinado, não deixa de influenciar os elementos determinantes, "na me dida em que há uma determinação partes entre si e com o todo".
9
recíproca das 0 fato dos
nômenos sociais existirem em dependência
fe recí
proca, contudo, não deve levar ao equívoco
de
concebê-los como equivalentes, como se tivessem forças idênticas na modificação da ordem social existente. Nas sociedades capitalistas existe, de fato, o primado da economia e da política so bre os demais fenômenos sociais. Parafraseando SAVIANI poderíamos dizer que existe uma subordi_ nação relativa, mas real, da escola diante economia e da política.
da
10
Concretamente a escola desempenha um papel preponderante no sentido de
conservação
da estrutura social vigente, ainda que,
como
foi assinalado, seu papel não se restrinja a is so. A escola, em verdade, desempenha um
impor
tante papel no sentido de formar ( e aprimorar) a força de trabalho, ratificar as desigualdades sociais, inculcar a ideologia dominante, ou se ja, no sentido de difundir crenças, idéias, va lores, e t c , compatíveis com a ordem social es
tabelecida. A maneira como isso se dá, no entan to, não está imune a certas contradições e, por isso, entra em choque com a própria perpetuação das condições sociais existentes. Em poucas pala vras: se a escola reproduz a força de trabalho, ela, ao mesmo tempo, propicia o aumento da compe tência técnica e teórica do trabalhador; se a es_ cola difunde a ideologia dominante, ela ao mesmo tempo, socializa o saber e propicia a quem os re cebe compreender de maneira menos "mística"
e
"mágica" a natureza e a sociedade; a transmissão dos saberes escolares, que não são pura mistifi_ cação, é um caminho indispensável para que deles se apropriam, para que os
aqueles
indivíduos
possam fazer opções conscientes acerca dos rumos que buscam imprimir às transformações sociais. A escola se opõe, ainda, ã própria estrutura relações sociais capitalistas, a saber: a
das
divi-
são entre proprietários dos meios de produção e proprietários da força de trabalho, na medida em que torna possível a apropriação coletiva do saber, quando este deveria ser propriedade exclusiva daqueles que detêm a posse dos meios de produ ção.11 Estão presentes, assim, no interior da es_ cola, as contradições imanentes da sociedade ca
pitalista, os diferentes interesses sociais
em
jogo. A escola, assim, contribui para a manuten ção da ordem social e, ao mesmo tempo, contribui para a sua transformação. É um espaço
legítimo
de disputa pela apropriação do saber. Não ê
ex
clusivamente nem o palco indisputado dos interes ses dominantes e nem o principal motor das trans formações sociais. Como assinala CHARLOT, "a es_ cola está, ao mesmo tempo, em ruptura e em
con
tinuidade com a sociedade".12
Qual a função social da escola? Que papel cabe ã instituição escolar, do ponto de vis_ ta de uma pedagogia progressista?
A escola cabe "a difusão de
conheci
mentos como tarefa primordial. Não conteúdos abstratos, mas vivos, concretos e, portanto, indis sociáveis das realidades sociais".13
0 papel da escola, pois, é fundamen talmente transmitir, de maneira lógica, coerente e sistemática, os conhecimentos acumulados histó ricamente pelo homem, ou seja, os conhecimentos científicos, tecnológicos, filosóficos,
cultu
rais, e t c , indissoluvelmente ligados ã experiên cia dos alunos e às realidades pias. A escola,
sociais mais
am
assim, deve ser um instrumento
para "situar o cidadão no âmbito da sua atualida de. E, ao fazer isto, possibilita aos indivíduos desenvolver habilidades, que lhes permitem o de sempenho de atividades, capazes de garantir con dições de sobrevivência a si, ã sua família e ao grupo social ao qual pertencem".14
Para a transmissão dos conhecimentos indispensáveis ã sobrevivência material e espiri tual do homem, a escola conta, entre outras cci sas, com professores, grades curriculares, seria. ção, disciplinas que são pré-requisitos para ou tras, e assim por diante.
Essas características
são, num primeiro momento, suficientes para dis_ tinguir a educação escolar (educação sistemática) de outras formas de educação (educação assistemática) que ocorrem em outras esferas do social, ou seja, em todas as situações em que a intera ção humana se faça presente.
Isso é suficiente
também para mostrar que o trabalho escolar não pode ser confundido com aquilo que a família a igreja, a fábrica, o sindicato, os partidos políticos e outras instituições sociais realizam. Co
mo vimos, a educação escolar não pode ser pensa. da independentemente
das demais
práticas
so
ciais, mas, ao mesmo tempo, não se confunde com elas.
A transmissão dos conhecimentos his_ toricamente acumulados pelo homem ê necessária mas não suficiente para compreender a verdadei_ ra função da escola. A educação escolar não po de ser reduzida ã pura transmissão de conheci_ mentos. Os conhecimentos transmitidos devem ser "vivos e concretos", e não conhecimentos abstratos, autônomos, como se os mesmos tivessem vida própria, independentemente das condições histó rico-sociais. Estar atento para esse fato é con dição sine qua non para que a prática educacio nal não caia na mistificação. Isto porque, como assinala CHARLOT, "a educação preenche uma fun ção política mistificadora,
menos
difundindo
idéias falsas do que veiculando idéias verdadei_ ras que, destacadas das realidades econômicas, sociais e políticas das quais emanam, apresen tam-se como autônomas e são recuperadas por um empreendimento, consciente ou inconsciente, de camuflagem da realidade".15
Os conhecimentos
devem ser, antes de tudo, reflexão sobre o pro prio modo de vida social e não mera assimilação, por parte do aluno, de conhecimentos concebidos como autônomos e colocados como culturais em si mesmos. Os conhecimentos transmitidos pela esco la devem estar, assim, diretamente articulados com os comportamentos humanos e as formas como as sociedades concretas se organizam e, particularmente, devem estar articulados com a experiên cia de vida dos alunos. * * * Essa maneira de entender o papel da escola aponta necessariamente para a modificação das escolas existentes, principalmente das esco las públicas de 19 e 29 graus. Em geral, essas escolas não vêm cumprindo com o papel que lhes é reservado, ou seja, o de ensinar e instruir, de maneira sólida e duradoura, os alunos que por elas passam. Os problemas dessas escolas, grosso modo, podem ser assim sintetizados:
• os professores, em geral, não têm um domínio sólido e competente dos conteúdos que transirá tem, se bem que isto seja o que melhor conhe_ çam;
• os professores, em geral, não conseguem rela_ cionar os conhecimentos que transmitem ã expe_ riência de vida dos alunos e ã realidade
so
cial mais ampla; • os alunos, em geral, não tem se apropriado so lida e duradouramente dos conhecimentos trans mitidos pela escola: não desenvolvem o racio cínio aritmético e matemático e, assim, não aprendem as quatro operações fundamentais; não dominam corretamente a leitura e a escrita e, assim, saem da escola sem um conhecimento básico de idioma; não desenvolvem o raciocínio histórico e geográfico; não desenvolvem o ra ciocínio científico propiciado, basicamente, • pelo estudo das ciências físicas
e biológi_
cas; os alunos, enfim, passam pela escola sem conseguirem superar os conhecimentos dados pela experiência imediata, rumo a um conhecimen to mais sistemático e científico acerca da na tureza e da sociedade;
• a remuneração do professor é baixa, o que o obriga a ter vários empregos, fato
este que
tem graves conseqüências para o processo ensi no-aprendizagem;
• os professores, em geral, têm lidado
com o
aluno "ideal", com o aluno "padrão", como se todos fossem homogêneos, tivessem o mesmo rit mo de aprendizagem, e não com o aluno concre to; • a maneira como a escola organiza o seu traba lho pedagógico tem contribuído para o aumento da evasão, da repetência; • a divisão técnica do trabalho no interior da escola tem feito com que o trabalho pedagógi co se fragmente cada vez mais; • os conhecimentos transmitidos pela escola não são remetidos ã sua historicidade; • as condições materiais das escolas, em geral, são extremamente precárias, o que tem contrí buído negativamente para o trabalho do profes_ sor e a aprendizagem do aluno, etc.
Esses são alguns dos problemas
pre
sentes, hoje, nas escolas públicas de 19 e 29 graus. A preocupação fundamental que deve
nor
tear a ação dos educadores, realmente empenhados
com a melhoria do ensino e com a
transformação
social, é a de lutar pela transformação das es colas existentes, lutar pela superação dos pro blemas que fazem parte do seu cotidiano. Não é possível situar o aluno na realidade histórica presente, se os educadores não
redirecionarem
as atuais práticas escolares. O caminho, pois, deve ser no sentido de uma real recuperação dos conteúdos do ensino e das finalidades da insti tuição escolar. Os educadores, nesse processo, têm uma importância muito grande. É preciso que os educadores compreendam que a melhoria do en sino depende, em parte, deles mesmos. É pensável nesse caminhar, entre outras
indis_ coisas,
que os educadores trabalhem de maneira mais in tegrada; que os educadores tenham um domínio so lido e competente dos conteúdos que transmitem; que os conteúdos transmitidos sejam, de apropriados pelos alunos;
que os
fato,
educadores
aprendam a lidar com o aluno concreto e não com o aluno que gostariam de ter, e assim por dian te.
Os problemas arrolados mais acima es_ tão intimamente ligados à maneira como a escola
tem organizado e desenvolvido o seu trabalho. A maneira como a escola organiza e executa o seu trabalho traz conseqüências diretas para o agra vamento ou para a superação dos seus problemas. SAVIANI, referindo-se à escola elementar, diz o seguinte: "o ano letivo começa na segunda quin zena de fevereiro e já em março temos a semana da revolução; em seguida, a semana santa, a se_ mana do índio, depois a semana das mães, as fes_ tas juninas, a semana do soldado, semana do folclore, semana da pátria, jogos da primavera, se mana da criança, semana da asa... e nesse momen to já estamos em novembro. 0 ano letivo se
en
cerra e estamos diante da seguinte constatação: fez-se de tudo na escola; encontrou-se tempo pa ra toda espécie de comemoração, mas muito pouco tempo foi destinado ao processo de transmissãoassimilação de conhecimentos sistematizados. Is_ to quer dizer que se perdeu de vista a ativida de nuclear da escola, isto ê, a transmissão dos instrumentos de acesso ao saber elaborado".
16
Isso tudo é feito em nome de uma visão equivoca da e ingênua de currículo, ou seja, de que cur riculo é o conjunto geral das atividades
desen
volvidas na escola, tanto as atividades
intra
classe quanto as extraclasse. SAVIANI argumenta que "se tudo o que acontece na escola é currícu lo, se se apaga a diferença entre curricular e extracurricular, então tudo acaba adquirindo o mesmo peso; e abre-se o caminho para toda sorte de tergiversações, inversões e confusões terminara por descaracterizar o
que
trabalho esco
lar. Com isso, facilmente o secundário pode to mar o lugar daquilo que é principal,
deslocan
do-se, em conseqüência, para o âmbito do aces sório aquelas atividades que constituem a razão de ser da escola".17 0 que deve, então, ser en tendido por currículo? Nas palavras de SAVIANI, "currículo é o conjunto das atividades
nuclea
res desenvolvidas pela escola".18 E o que as atividades nucleares senão
o processo
são de
transmissão-assimilação dos conhecimentos siste matizados? A escola, nesse sentido, deve organi zar-se de tal sorte que o processo de transmis são-assimilação de conhecimentos ocorra da
me
lhor maneira possível.
A maneira como a escola tem organiza. do o seu trabalho pedagógico não é uma fatalida de histórica. Isto porque o trabalho
escolar
não está inteiramente subordinado às condições sociais existentes e, nesse sentido, não basta atribuir toda a responsabilidade, pelos proble mas escolares, aos fatores externos ã
escola.
Que os fatores externos são determinantes e in terferem no trabalho escolar parece-nos
inques
tionável. Não há como negar que os
sucessivos
equívocos das diferentes políticas
educacio
nais, a extrema desigualdade social, e t c , têm contribuído para agravar cada vez mais os
pro
blemas da educação escolar. Aceitar pura e sim plesmente essa realidade, no entanto, é cair na resignação, na impotência, no imobilismo, e re eusar o desafio. 0 homem é um ser condicionado socialmente, mas, ao mesmo tempo, modifica
in
tencionalmente as condições sociais herdadas das gerações passadas. Isso significa que a organi zação do trabalho escolar, a modificação e
me
lhoria do ensino, dependem também da "vontade", socialmente condicionada, dos próprios res, Dependem da competência
educado
profissional e do
compromisso do educador com a formação sólida e duradoura dos alunos, principalmente dos alunos provenientes das camadas populares, ou seja, da queles que mais precisam da escola. 0 fato
do
aluno dominar ou não os conhecimentos transmiti dos, relacionar ou não os conhecimentos ã reali dade social em que vive, implica em que ele te nha maiores ou menores chances de sobrevivência de participar e de fazer opções mais
conscien
tes acerca das transformações sociais em curso.
Os educadores comprometidos com uma pedagogia progressista não podem recusar os
de
safios colocados pela escola existente, a esco la que aí está. Enfrentar os desafios significa enfrentar barreiras, práticas escolares, muitas vezes, cristalizadas e fossilizadas,
repetiti
vas e monótonas. Enfrentar esse desafio, por ou tro lado, significa assumir um compromisso com a transformação social, com a melhoria do ensino e com a própria formação do aluno, razão de ser última da escola. É urgente, pois, para uma prática pedagógica coerente e eficaz,
que
os
educadores repensem o seu trabalho. Não se tra ta de "repensar por repensar", repensar abstra tamente. O trabalho escolar deve ser repensado, como já assinalamos, em função do
compromisso
do educador com a formação do aluno e transformação social.
com
a
Para a tarefa de reorganização do tra balho escolar, em consonância com as reais neces sidades sociais e dos alunos, não pode haver lu gar para educadores isolados. Essa tarefa cabe ao conjunto dos educadores e,
principalmente,
aos professores e especialistas do ensino (orien tadores educacionais, supervisores
escolares,
etc.). A tarefa de trabalhar conjuntamente, no entanto, nem sempre ê fácil. Os professores, de um lado, tendem a rejeitar a colaboração dos es_ pecialistas. Os especialistas do ensino, por ou tro lado, tendem a cair num "especialismo"
in
conseqüente que pouco ou nada traz em benefício da melhoria do ensino. Senão vejamos. Os orien tadores educacionais, em geral, se preocupam ex clusivamente com os problemas dos alunos,
como
se os problemas dos alunos não fossem também dos professores. Os supervisores escolares, em ge ral, se preocupam apenas com os professores, co mo se os problemas dos professores não
fossem
de responsabilidade também dos orientadores educacionais.
19
Enquanto perdurarem essas
separa
ções estanques é impossível pensar na importân cia dos especialistas para a melhoria do proces_ so ensino-aprendizagem. Os especialistas normal
mente esquecem um fato fundamental: sua existên cia só se justifica na medida em que
contribui
para a melhoria qualitativa do ensino.
Para is_
so, no entanto, é necessário trabalhar com aqui Io que é fundamental no currículo da escola, ou seja, com o processo de transmissão-assimilação dos conhecimentos historicamente acumulados
pe
lo homem. Essa é a única maneira dos especialistas e professores se convencerem acerca da rele vância do seu trabalho. Em poucas palavras:
é
indispensável que os educadores superem as "bri guinhas miúdas" e a competição que têm
tomado
grande parte do seu tempo na escola. Nas vras de RODRIGUES, "essa competição afeta
pala pro
fundamente e, às vezes, irremediavelmente a pra tica pedagógica. Ela se revela não apenas no âm bito da sala de aula, mas também na verdadeira guerra que os professores e os vários
especia
listas travam no interior da escola para a
de
marcação de suas áreas de poder. Lutam entre si orientadores e professores, professores e super visores, supervisores e orientadores
e todos
contra diretores e inspetores. Se, ao invés da competição entre proprietários privados de uma parcela do saber, estas especialidades e compe
tências fossem colocadas ao serviço coletivo e cooperativo da atividade educacional, elas transformariam em frente real de poder".
se
20
Ora, o que seria de se esperar fren te a essa situação de deterioração crescente da instituição escolar? O que se poderia
esperar
frente a todos esses problemas que, hoje, fazem parte do cotiadiano da maioria das escolas
pú
blicas brasileiras? Seria de se esperar, eviden temente, uma política clara, a curto, médio longo prazos, no sentido de superar os
e
proble
mas apontados anteriormente, único caminho para recuperar o real papel da escola. Isso, no tanto, não tem ocorrido. As diferentes
en
politi
cas educacionais têm se pautado exatamente por uma ausência de política concreta para superar os problemas básicos da escola pública brasilei_ ra. Por outro lado, o que tem ocorrido freqüên temente, inclusive com a anuência dos
poderes
públicos, é que "a escola tem sido afetada
de
maneira radical por uma desordenada
de
teia
idéias, projetos, pesquisas, métodos de ensino, que produziram, nos últimos anos, enorme
anar
quia nas atividades básicas do ensino. Os profes
sores se tomaram profissionais mais ou
menos
confusos em relação àquilo que realmente
devem
objetivar no processo de ensino".
21
Concreta
mente o que se tem observado é que essa desorde nada teia de idéias, métodos de ensino,
etc,
não têm propiciado ao aluno o domínio da língua nacional, o saber escrever, contar e fazer cál culos simples, ou seja, não têm instrumentaliza do o aluno com o mínimo indispensável para
so
breviver na sociedade moderna. Não têm
contri
buído para que o aluno supere o "senso
comum",
o conhecimento mais fragmentado e incoerente co lhido no meio ambiente, rumo a uma maneira mais coerente, lógica, moderna e científica de
com-
preender o mundo. Não têm contribuído, ainda, pa ra propiciar ao aluno as condições mínimas para a compreensão da realidade histórica em que
vi
ve e poder fazer opções conscientes acerca das múltiplas alternativas históricas que a socieda de oferece.
As idéias, métodos de ensino,
etc.
que têm invadido a consciência dos educadores, em geral, têm contribuído para operar um
"des
vio" daquilo que deveria ser o cerne das preocu
pações dos educadores, ou seja, o processo
de
transmissão-assimilação de conhecimentos. Se o que ê fundamental na escola tem sido objeto de tão pouca atenção, por que a preocupação predo minante com o acessório, com o secundário? Nas palavras de SNYDERS, "a escola e os seus
mes
três representam hoje, para muitos, um rival a abater e a suplantar".
22
Outros autores,
rindo-se a essa questão, assinalam que
refe existe
uma verdadeira "conspiração", uma "ofensiva obs_ curantista" contra a esoola, os saberes transirá tidos e os professores.
23
Com relação ã escola
é freqüente ouvirmos expressões como estas: ins tituição fútil e obsoleta; templo sagrado do sa ber; para que escola se existem máquinas de en sinar, se existe a televisão e outros meios de comunicação de massas; para que esoola se o que importa é a auto-educação, etc. Com relação aos saberes escolares a situação não é muito
dife
rente: os saberes aprendidos na "vida" são mais importantes; os saberes transmitidos pela esco la são alienantes, etc. Mas quem tem sofrido as maiores críticas são os professores. comum, atualmente, expressões como
Tornou-se as que se-
guem: ninguém educa ninguém; todos são educado
res; para que professor se o saber não pode ser transmitido, etc. Essas idéias todas acerca da escola, do saber e do professor, no fundo, têm confundido a escola que aí está (e que precisa ser transformada) com a própria finalidade
da
instituição escolar. Essa postura, ainda que se apresente como progressista, ê extremamente con servadora. Ela ê mais preocupante, ainda, na me dida em que as camadas populares cada vez mais têm acesso ã escola.
* * * Nesse conjunto de idéias que têm tomado de assalto a cabeça dos
confusas educado
res está aquela que se refere à questão do tra balho. Em geral, parece-nos que é mais um "des_ vio" dos reais problemas que afetam a educação escolar brasileira. Parece que se a escola
li_
dar adequadamente com a questão do trabalho, to dos os seus problemas estarão superados. As di ferentes políticas educacionais, no que se refe_ re a essa questão, não têm levado em conta
os
seguintes aspectos: 1) o que ê o trabalho na nossa sociedade de ti
po capitalista - esse "esquecimento" tem fei_ to com que o trabalho seja tratado de
manei_
ra abstrata, a-histórica; 2) a questão do trabalho não tem sido tratada a partir da especificidade da escola,
daquilo
que lhe ê próprio; 3) não tem sido levado em conta, ainda,
que
questão do trabalho não pode ser tratada
a ã
revelia dos problemas enfrentados pelas esco las.
0 fato de não se levar em conta
ne
nhuma dessas questões tem feito com que as poli cas educacionais incorram num empirismo grossero que, ao invés de esclarecer a questão,
con
tribui muito mais para semear a confusão e
con
fundir mais ainda os educadores. Esse empirismo pode ser constatado numa série de slogans
va
zios de sentido, tais como: qualificação para o trabalho; iniciação para o trabalho; preparação para o trabalho; integração escola-empresa;
es_
colas de produção; introdução do trabalho produ tivo na escola, etc. Esse conjunto de idéias,no fundo, representa um esforço inútil, além
de
gastos inúteis, que em nada tem contribuído
pa
ra a melhoria das escolas. Representam, ainda, uma maneira de deixar as coisas como estão, de não tocar no cerne dos problemas da educação escolar. O que as políticas educacionais
preten-
dem com a criação de "escolas de produção", "in trodução do trabalho produtivo na escola"?
Es
sas "soluções" buscam edificar uma escola bases da no trabalho produtivo, tentar unir na escola o que a estrutura social separa e reúne dialeti camente (trabalho manual/trabalho intelectual). 0 que é preciso deixar claro ê que a
divisão
trabalho manual/trabalho intelectual é
estrutu
ral, sendo que essa divisão cinde não apenas a estrutura da sociedade, a escola, mas também os próprios homens. A escola, no capitalismo, não tem condições de superar a dicotomia
trabalho
manual/trabalho intelectual. Pensar que a esco la pode superar a dicotomia trabalho manual/tra balho intelectual não passa de uma
ingenuidade
idealista. 0 que se pode observar nas
tentati
vas de unir ensino e produção nas unidades esco lares pode ser sintetizado da seguinte maneira: 1) o que se chama de "produção" não tem passado de um trabalho artesanal, arcaico, que nada tem a ver com o trabalho realizado na
fábri
ca (seria isto preparar para o trabalho?); 2) essas tentativas têm contribuído mais ainda para a deterioração dos conteúdos do ensino. Não se quer com essas observações, evidentemente, ignorar o trabalho como um ele mento que possui um conteúdo educativo extremamente importante. 0 trabalho, ao contrário,
é
uma dimensão fundamental da existência humana, na medida em que ê pelo trabalho que o
homem
produz tanto as condições materiais quanto condições espirituais de sua existência.
as Isto
porque o trabalho está na base da vida do homem e deve ser entendido como a mediação através da qual o homem transforma o mundo que
o
rodeia,
humanizando-o. É pelo trabalho que o homem fazse a si mesmo, adapta-se à natureza e constrói o mundo em que vive. 0 trabalho,
no
entanto,
não possui apenas essa dimensão libertadora pa ra o homem, na busca constante de
modificação
tanto das condições naturais quanto
daquelas
herdadas das gerações passadas. 0 trabalho tem sido também um elemento de alienação do próprio homem, na medida em que o produto do
trabalho
tem sido apropriado por outro, na medida em que
o produto do trabalho ganha uma existência autônoma e independente em relação ao sujeito que o produziu. Dessa forma, o trabalho, como categoria estrutural, deve ser tratado
concomitante
mente COITO libertação-alienação, ou seja, diale_ ticamente, como uma categoria que permeia toda a existência humana.
Como, a partir da especificidade da escola, lidar com a questão do trabalho? Como a partir da transmissão-assimilação de conhecimen tos lidar com a "preparação para o trabalho"? É o que passaremos a discutir em seguida.
Em primeiro lugar, é preciso
reco
nhecer que a escola é produto do trabalho do ho mem. A escola reproduz a divisão fundamental en tre trabalho manual/trabalho intelectual, no po lo do trabalho intelectual. A escola, assim, é por excelência um dos polos do trabalho intelec tual. Isto significa principalmente que o traba lho encontra-se presente no interior da unidade escolar. Mais ainda: o próprio trabalho manual, direta ou indiretamente, também encontra-se pre sente na escola.
É preciso ressaltar, contudo,
que
não existe trabalho puramente manual ou puramen te intelectual. Como assinala RIBEIRO,
"o que
distingue e, assim sendo, caracteriza a ação hu mana ê o fato de nela haver sempre certo
grau
de intervenção da consciência. Ela, pois, não i uma ação cega e absolutamente mecânica. É diri_ gida por finalidades, finalidades estas que são produtos da atividade da consciência. E mais, é uma ação marcada pela intenção de realizar tais finalidades".
24
A mesma autora prossegue dizen
do que "desta forma, a afirmação de que não
e
xiste atividade humana puramente prática ou teo rica não deve levar ã interpretação de que, tão, as duas se confundem, ou, ainda,
en
de que
uma acaba por se reduzir à outra".25 0 trabalho escolar é, assim, prioritariamente intelectual, na medida em que a educação escolar "constituise num processo de educação de consciência
e
que, como tal, é uma atividade teórica",26ainda que não se limite a ela.
De que forma o trabalho se manifesta no interior da escola? Qual a especificidade do trabalho escolar?
Inicialmente podemos dizer que
os
professores trabalham, os especialistas do ensi no também trabalham. São todos trabalhadores in telectuais assalariados. Os professores e espe cialistas do ensino trabalham, fundamentalmente, com o currículo da escola. Mais ainda:
o pro
prio trabalho manual, direta ou indiretamente , também encontra-se presente na escola. Isto por_ que a maioria dos alunos trabalham e são filhos de trabalhadores (manuais ou intelectuais). 0 trabalho está presente
também na
escola em sua forma artesanal, ou seja, em tra balhos com tecelagem, argila, madeira, sucata, etc. Essa presença artesanal e arcaica do traba lho no interior da esoola não pode ser confundi da com o papel específico que a escola tem para lidar com a questão do trabalho. Em verdade, es_ sas formas de trabalhar manualmente não passam de diletantismo, divertimento, e t c , tão a gos_ to das pedagogias novas. Nas palavras de FRIGOT TO, "enquanto na indústria e mesmo nos serviços se observa uma crescente automação do processo de trabalho e se inicia a introdução do robô no processo produtivo, a esoola brinca de
inicia.
ção para o trabalho,
de profissionalização me
diante rudimentos de
trabalho manual defasado
no tempo - um artesanato deformado".27
A "orientação vocacional
e profis_
sional" ê também uma maneira de manifestação do trabalho no interior da escola. contestar é a forma como isso
0 que se pode
tem sido realiza
do até agora. Normalmente a "vocação"
tem sido
tratada como algo inato ao homem e não como al gama coisa que muito tem a ver com o meio familiar e cultural, com o grupo e a classe social a que o indivíduo pertence. orientação vocacional e
Isso tem levado a
profissional a
não al
trapassar o nível abstrato na discussão do tra balho.
A presença
mais marcante
lho no interior da escola,
do traba
todavia, se dá atra
vês da transmissão dos conhecimentos acumulados historicamente pelo homem e, principalmente, dos conhecimentos científicos e tecnológicos. De um lado, porque o ensino, o estudo, a transmissão dos saberes, constituem
formas
de
trabalho.
GRAMSCI assinala que, "deve-se convencer a mui-
ta gente que o estudo é também um trabalho, e muito fatigante, próprio,
com um tirocínio particular
não só muscular-nervoso mas intelec-
tual: ê um processo de adaptação,
é um hábito
adquirido com esforço, aborrecimento e mesmo so frimento".28 De outro lado, os saberes transirá tidos pela escola são históricos e,
portanto,
fruto das relações que os homens estabelecem en tre si e com a natureza. Os saberes escolares, nesse sentido, são fruto do trabaho,
isto
é,
"as diversas disciplinas que compõem o currícu10 de 19 e 29 graus são decorrência da atual fa se do desenvolvimento científico e, portanto, do conhecimento da natureza e da sociedade que o homem produziu com seu trabalho". cimentos transmitidos pela escola,
Os
conhe
assim, sur
gem e se desenvolvem para dar respostas concre tas aos problemas enfrentados pelo homem em seu caminhar histórico. Nesse sentido,
a história
da ciência, da tecnologia, etc. é a própria his_ tória do trabalho. Mais: foi a partir do domí nio da ciência e da tecnologia (portanto do tra balho) que o homem tornou possível não só a com preensão mas também a transformação condições sociais de existência.
das
suas
Discutir o trabalho a partir das di_ ferentes formas que assume no interior da esco la não seria um caminho seguro para que os
edu
candos tivessem uma visão mais concreto do sig_ nificado do trabalho na sociedade moderna? Não se trata, evidentemente, de discutir o trabalho que se manifesta na escola como se fosse algo isolado e independente da estrutura social exis_ tente. Trata-se, isto sim, de discutir o t r a b a lho intelectual que a escola desenvolve como al go inseparável das outras formas de trabalho e xistentes na sociedade. Para isso, não é neces_ sário sequer que se crie uma disciplina específica para esse fim, mas, ao contrário, que os educadores, a partir das diferentes disciplinas discutam com os educandos o significado do tra balho na vida do homem. A preparação para o tra balho, assim, passa a ser preocupação do
currí
culo escolar, da forma como a escola organiza e executa o seu trabalho. Algumas perguntais mere cem ser levantadas. Os professores estão prepa_ rados para isso? Não existem coisas mais
impor
tantes a serem feitas nas escolas? Assinalamos anteriormente que os professores, em gerail, não estão adequadamente preparados sequer p a r a trans
mitir os conteúdos indispensáveis ã
sobrevivên
cia material e espiritual dos alunos. Mostramos também que os problemas das escolas
são
inúme
ros e que não existe uma política educacional clara para superá-los. A questão do
trabalho
pensada isoladamente, sem levar em conta a ne cessidade de superação dos problemas
das esco
las que aí estão, pode cair num esforço em vão, inútil. Mais do que isso,
pode se constituir
num falso problema.
Procuramos mostrar que o
trabalho
está presente na escola, que não é estranho às atividades escolares, na medida em constituem uma forma de trabalho. pois, a afirmação freqüentemente
que estas Não
cabe,
repetida de
que ê preciso trazer o trabalho para dentro da escola, porque ela estaria "desvinculada"
do
trabalho, da vida, do mundo, etc. Essa postura, no fundo, omite o fato objetivo de que o trabalho sempre se fez presente no interior da esco la. Subjacente ã ênfase na idéia de que a esco la está "desligada" do trabalho está a idéia da ausência do trabalho na escola, a idéia de que
o trabalho so pode ter lugar fora da escola. Qual a relação do trabalho
escolar
com o trabalho produtivo que ocorre fora da escola, principalmente nas fábricas?
A escola não pode ser pensada
inde
pendentemente do modo de vida e de produção das condições de existência em seu conjunto, ou seja, de uma estrutura social determinada,
contradito
ria e em movimento. Deve ser pensada sempre ten do como referência a sociedade concreta da qual é parte integrante e inseparável, isto é, o con junto das relações sociais próprias do capitalis_ mo.
A escola, enquanto instituição espe cífica, não tem um vínculo direto, mecânico e li_ near com a produção capitalista e, ao mesmo tem po, não pode ser pensada como se existisse à"mar gem" das relações sociais próprias do capitalis mo. De acordo com FRIGOTTO, "tanto os que buscam um vínculo linear entre educação e estrutura eco nômico-social capitalista, quanto aqueles que de fendem um "desvinculo" linear, enviesam a análi
se pelo fato de nivelarem práticas sociais natureza distinta e de estabelecerem uma
de liga
ção mecânica entre infra-estrutura e superestru tura, e uma separação estanque entre
trabalho
produtivo e improdutivo".30
0 exemplo mais típico do mecanicis mo, que procura estabelecer um vínculo
direto
entre escolaridade e produção capitalista,
nos
é fornecido pela teoria do capital humano. Para essa teoria é possível detectar altos coeficien tes de correlação entre crescimento econômico, distribuição de renda e nível educacional.
De
acordo com os teóricos do capital humano, as di ferenças na formação da renda pessoal e da pro dutividade são fruto do nível de educação adqui rido pelo indivíduo. Quando aplicada ã questão da pobreza, por exemplo, a teoria do capital hu mano simplesmente sugere que os pobres são
po
bres porque lhes faltam conhecimentos e habili_ dades, isto é, capital humano. Nesse
sentido,
uma forma de resolver o problema da pobreza se_ ria criar programas que pudessem fornecer
uma
qualificação ocupacional a cada pobre. Para os defensores dessa teoria, as habilidades e conhe
cimentos de uma pessoa constituem-se em uma ma de capital na medida em que, através
for
dessas
qualidades, o indivíduo aumentaria sua produtivi dade, o que acabaria rendendo-lhe benefícios eco nômicos. As habilidades e os conhecimentos de uma pessoa constituem uma forma de capital,
porque
tais qualidades aumentam sua produtividade,
ren
dendo-lhe benefícios econômicos. Esse raciocínio, levado ao extremo, acaba considerando os
traba
lhadores como verdadeiros capitalistas, pois atra vés de investimentos na aquisição de habilidades e conhecimentos eles têm posse de capacidades eco nomicamente valiosas. 0 que essa teoria tem buscado ê esta belecer uma relação de causa e efeito entre
au
mento do nível educacional e ganhos em produtivi dade. Esse raciocínio, além de mecanicista, peca também por ingenuidade. Isto porque a própria evo lução do capitalismo, na medida em que, por um lado, desenvolve a ciência e sofistica a tecnolo gia e, por outro, desqualifica os agentes da pro dução, nos fornece elementos para refutar o sim plismo dos argumentos da teoria do capital huma no. No capitalismo, a produtividade do trabalho
está mais condicionada pelo cargo ocupado pelo trabalhador, pela tecnologia utilizada e
pela
divisão técnica do trabalho adotada do que pelo nível educacional do trabalhador, pelas qualificações. Essas observações não
suas
implicam
em negar a própria articulação que a escola es_ tabelece com a produção capitalista e,
particu
larmente, com o desenvolvimento econômico. O que queremos enfatizar é que a educação escolar não gera crescimento econômico em geral e
tampouco
se reverte em taxa de retorno individual,
auto
mática e mecanicamente. Para compreender as re lações da escola com a produção capitalista
ê
necessário buscar relações não-unívocas nem li neares, isto é, é necessário compreender a esco la como mediação, como instância inseparável da totalidade social, mas que, ao mesmo tempo, não está inteiramente subordinada ã produção. Se a teoria do capital humano procu ra estabelecer uma relação de causa e efeito en tre escolaridade e ganhos em produtividade, exis_ tem também tendências que procuram mostrar que existe um "desvinculo" entre escola e produção no capitalismo. A escola, nessa perspectiva, é
uma instituição que existe à "margem" do proces so produtivo. SALM, por exemplo, argumenta
que
"nem a escola é capitalista, nem o capital preci sa dela, como existe, para preparar o 31
dor".
trabalha
LETTIERI também procura mostrar o
"des_
vínculo" entre escola e produção nas sociedades capitalistas avançadas: "não há vínculo entre es_ cola e fábrica, entre a necessidade de mudar
a
natureza e a organização do trabalho e o que
a
escola ensina"; "a crise da escola decorre direta mente de sua separação do mundo da produção"; "a escola torna-se, em certo sentido, função de si mesma".32 Para LETTIERI, a função da escola
no
capitalismo seria contribuir para o não asfixia. mento do processo produtivo, na medida em que absorve a força de trabalho excedente,
esteriliza
as energias produtivas que o sistema capitalista não pode utilizar.
As colocações de SALM e LETTIERI des_ vinculam o fato objetivo de que as condições da produção material de existência não se encontram separadas e tampouco existem paralelamente às con dições da produção no material de existência, on de se localiza a escola. A totalidade social
ê
constituída de fenômenos organicamente
articu
lados que estabelecem entre si relações de re ciprocidade. A escola, nesse sentido, é parte orgânica da totalidade social e não alguma coi sa que existe a parte, ã margem,
independente
mente dos demais fenômenos sociais. Assim,
a
afirmação de que existe um desvinculo entre es_ cola e processo produtivo não tem procedência. As colocações de SALM, no entanto, representam um avanço frente às ingenuidades da
teoria do
capital humano. Nas palavaras de FRIGOTTO, "o trabalho de SALM, é preciso frisar, sob o
as-
pecto específico da relação entre processo pro dutivo imediato e processo de qualificação re presenta uma desmistificação do vínculo direto, linear, entre produção e qualificação - idéiaforça da teoria do capital humano".
33
Essas
observações valem também para o trabalho de LET TIERI.
SALM e LETTLEF1, todavia, insistem na tese de que o capital não necessita da esco la para se reproduzir, que há um desvinculo en tre escola e processo produtivo. É preciso re conhecer que a escola, de fato, não desempenha
um papel fundamental na reprodução do
capital.
Mas ê preciso reconhecer, também, que as escolas existem e o capital tem se beneficiado delas pa ra satisfazer as suas necessidades. 0 fato da es_ cola não desempenhar um papel fundamental na re produção do capital, deixa em aberto aquilo que lhe é específico na reprodução do capital. É pos sível que seja pouco, mas de peso específico né cessário. Para dimensionar esse peso, é necessá. rio buscar relações não-unívocas nem lineares. As possíveis expressões dessa relação podem ser iden tificadas. Quando a escolaridade básica cresce e começa a atingir parcelas cada vez mais significativas das classes trabalhadoras, inicia-se um movimento no sentido de exigir uma pedagogia no va, uma pedagogia "ativa". A "atividade", tal co mo é proposta, substitui o "conteúdo", a abstra ção, mesmo porque as classes trabalhadoras
não
permanecem na escola o tempo suficiente para com pletar o processo do "empírico" ao
"abstrato".
Considerando o momento histórico-social que
se
instaura no país a partir de 1930, e que se ace lera na década de 50 (industrialização, urbaniza ção, etc.), pergunta-se: não seria esta nova pe dagogia uma proposta de formação do novo
traba
lhador? Mais tarde, a organização do currículo pela Lei 5692/71 prevê que a "experiência" esco lar, em termos didáticos, iria da "experiência" vivida pelo aluno ã "disciplina" passando pela "área de estudo". 0 que estaria inspirando esse empirismo grosseiro? Ao invés do
conhecimento
ser tomado como reflexão e oomo crítica dos
da
dos da experiência, ele aparece como mera conti nuação equilibrada e ordenada daquilo que a ex periencia imediata fornece dispersa e fragmenta riamente. Além disso, essas atividades e áreas de estudo nada mais são do que uma outra manei ra de diluir o conteúdo da aprendizagem dos alu nos, com especial prejuízo daqueles
oriundos
das classes trabalhadoras.
É inegável, pois, que a escola não se encontra à margem das relações de produção e que tem alguma importância para o capital na for mação de determinadas habilidades básicas, entre as quais podemos destacar: ler, escrever, tar, fazer cálculos simples, etc. A
con
pedagogia
que aí está tem como principal objetivo formar tais habilidades e, ao mesmo tempo, dificultar o prosseguimento da carreira escolar e o acesso
ao saber mais abstrato, principalmente dos
alu
nos das classes trabalhadoras. Existe, pois, um vínculo entre escola e mundo da produção
mate
rial na sociedade existente. A escola, assim, con tribui sempre, seja direta, seja indiretamente, para o próprio desenvolvimento do processo produ tivo. Ou seja, o capital tem se beneficiado das escolas, em todos os seus níveis, para incremen tar a produção e também para melhor selecionar a mão-de-obra que lhe interessa. Afinal, não é
a
escola, principalmente em seus níveis superiores, que tem transferido o saber técnico e o
conheci
mento científico indispensáveis à própria evolu ção da tecnologia de produção? 0 que os dados e pesquisas mais recentes têm desmentido é o pensa mento mecanicista que procura enfatizar a depen dência direta ou o desvinculo da empresa
frente
ã escola ou vice-versa.
Resta, por fim, fazermos alguns
co
mentarios acerca das relações da escola com o mercado de trabalho. As considerações feitas a
se
guir estão intimamente relacionadas com a discus_
são feita anteriormente sobre as relações da es cola com a produção capitalista. É freqüente, hoje, ouvirmos expres_ sões como as que se seguem: a escola deve aten der às demandas do mercado de trabalho; a esco la precisa adequar-se às necessidades do merca do de trabalho, local ou regional; o currículo da escola deve adequar-se àquilo que a empresa necessita, etc. Essas expressões não levam
em
conta, pelo menos, dois fatos: 1) as características do mercado e,
particular
mente, do mercado de trabalho em sociedades de tipo capitalista; 2) a escola oomo mediação, ou seja, como insti tuição que não está totalmente
subordinada
às exigências do mercado de trabalho.
Em verdade, o que há é
uma visão
confusa e ingênua do mercado de trabalho na so ciedade capitalista. O mercado de trabalho, em sociedades de livre empresa, obedece ao caráter cíclico da economia, estando, pois, sujeito
a
constantes flutuações, o que torna o mercado de
trabalho praticamente imprevisível. O capital se gue uma lógica própria em busca de atividades lu crativas, não estando, portanto, sujeito a regu lamentações, a planos pré-estabelecidos, etc. O mercado de trabalho, além disso, "num país como o Brasil onde as migrações inter-regionais
são
extremamente intensas, fazendo com que os merca dos de trabalho não sejam de modo algum fechados, em termos geográficos".34 Isto faz com que o mer cado de trabalho "de uma determinada área
pode
ser 'perturbado' pelas migrações, tornando-o saturado, provocando elevação ou diminuição dos va lores do salário, diminuindo o prestígio de cer tas ocupações".35 0 mesmo autor prossegue dizen do que o profissional "não consegue saber de to das as oportunidades existentes. Além de não ser transparente, o mercado de trabalho não funciona como uma praça onde se encontram apenas ofertas de competências e demandas de competências".36
A escola, sem dúvida, deve levar em conta o mercado de trabalho, deve levar em conta as suas características fundamentais numa socie_ dade determinada. Deve levar em conta o mercado de trabalho não para procurar atrelar-se mecani
camente a ele, não para colocar-se a serviço de suas supostas demandas. Mesmo porque reduzir a função da escola a isso ê empobrecê-la. De açor do com RODRIGUES, "a escola não pode ser uma a gência formadora de mão-de-obra para os setores produtivos considerados prioritários. Seu obje_ tivo central deve ser: formar o educando
como
homem e cidadão, e não apenas prepará-lo para o exercício de funções produtivas nas empresas, pa ra ser consumidor competente dos produtos dispo níveis no mercado".37
As relações da escola com o mercado de trabalho não são estreitas, racionais,
sim
ples, unidirecionais, de causa e efeito,
mas
sim dialéticas, onde a escola não se inteiramente subordinada às leis
encontra
e mecanismos
de funcionamento do mercado de trabalho. As ten tativas de adequar a escola ás exigências
do
mercado de trabalho não têm passado de um esfor co em vão. No fundo, as análises que têm procu rado caracterizar o mercado de trabalho têm re pousado em pressupostos falsos, ou seja, de que o mesmo ê estático, homogêneo, fechado, a-histó rico, quando, em verdade, o mercado de trabalho
é uma realidade histórica, socialmente determina da, e que obedece ã movimentação desordenada do capital. A não compreensão desses fatos tem leva do os educadores a atribuir todas as
dificuida
des de colocação do aluno no mercado de trabalho ao próprio funcionamento da escola. A escola tam bém passa a ser responsabilizada pela ida do alu no à universidade, e assim por diante. Os educa dores, com isso, acabam por desconhecer as
pró
prias aspirações dos alunos que nem sempre coin cidem com aquilo que a escola apregoa e tampouco com as supostas demandas do mercado de trabalho. 0 meio familiar, de classe, o grupo
de amigos,
etc., desempenham um importante papel no futuro do aluno. Dificilmente a escola poderia
conven
cer um aluno de classe média ou de classe social alta a vestir macacão e se tomar um técnico de nível médio. As aspirações desses alunos, condi cionadas pelo meio social em que vivem,
normal
mente são muito mais altas. Ê interessante assinalar também que os próprios alunos das
camadas
sócio-econômicas menos favorecidas aspiram ao en sino superior, porque vêm nesse nível de ensino uma maneira de melhorar de vida. Afinal a socie_ dade em que vivemos não tende a valorizar exata
mente o trabalho intelectual frente ao trabalho manual?
Essas observações não implicam em a firmar que inexiste articulação entre escola e mercado de trabalho. As habilidades e
conheci
mentos transmitidos pela escola estão, sem dúvi da, articulados com determinados requisitos dos postos de trabalho existentes nos mercados
lo
cal ou regional. Os requisitos ocupacionais, no entanto, não são fixos e não correspondem exata mente ao que a escola pode oferecer. Isso ê vá lido, inclusive, para o ensino técnico. As esco las técnicas, de fato, são escolas que
profis_
sionalizam. Isso, no entanto, não tem
evitado
que essas escolas deixem de encontrar inúmeras dificuldades para adequar os seus objetivos pro fissionalizantes às necessidades do mercado de trabalho. A maioria dos alunos formados por es_ ses escolas se encaminham para a universidade , outra parte só consegue encontrar emprego emocu pações para as quais não foram formados, enquan to que uma terceira parte consegue, de fato, e_ xercer a função de técnico de acordo com a habilitação escolhida. Essa impossibilidade de a es_
cola adequar linearmente transmite às reais
as
qualificações que
necessidades
do mercado de
trabalho coloca, para a escola, a necessidade de recuperar o seu real papel. Coloca para os educa dores a necessidade de repensar o que é próprio da escola, sua especificidade e seus limites para formar profissionalmente os indivíduos.
A escola não tem a obrigação de for mar, de qualificar, de preparar o aluno para aque les requisitos indispensáveis a uma adaptação às condições de trabalho exigidas pela empresa.
E
não poderia ser diferente numa sociedade fundada na livre iniciativa. Não apenas porque é impossí vel à escola acompanhar e colocar
ã
disposição
dos alunos os equipamentos utilizados na empresa, mas, principalmente, porque os objetivos da esco la e da empresa diferem profundamente.
Enquanto
a escola deve ter como preocupação a promoção do homem, a preocupação de formar o cidadão, a em presa se preocupa basicamente com o lucro. A preocupação da escola deve ser com a transmissão dos conhecimentos, inteiramente relacionados às con dições de vida dos homens. Conhecimentos articu lados com o estágio de desenvolvimento econômico-
social e político da sociedade,
de acordo com
estágio atual do desenvolvimento
cientifico e
tecnológico e dos seus significados na socieda de moderna. A transmissão, pois, dos saberes do minantes é a forma privilegiada da escola preparar, de fato, o homem para a vida, para o traba lho, para o mercado de trabalho, ou seja, é a maneira mais adequada da escola contribuir para situar o homem em seu tempo.
A educação escolar, assim, não garan te a priori um posto de trabalho especifico ao aluno, mas pode, por outro lado, propiciar conhe cimentos que o ajudem a encontrar o seu emprego, dentre as múltiplas alternativas oferecidas pelo "mundo do trabalho". Nesse sentido, tanto a for mação geral quanto a transmissão dos
saberes
técnicos aparecem como pré-requisitos
indispen
sáveis não só para a compreensão do significado do trabalho, mas também de preparação para o tra balho. Ou seja: a sólida formação científica e tecnológica é a melhor forma da escola preparar o homem para o trabalho.
Isto porque
a sólida
formação científica, a compreensão da cultura e no significado da tecnologia do mundo moderno,
são condições imprescindíveis para que o
homem
eleve seu nível de compreensão sobre a natureza e a sociedade e, particularmente, do trabalho co mo dimensão fundamental de sua existência. Assim, do ponto de vista de uma pedagogia progressista, cabe lutar para que os educandos se apropriem so lida e duradouramente dos conhecimentos
acumula
dos historicamente pelo homem, para que, independentemente da classe social a que pertencem, não apenas compreendam as leis que regem a natureza e a sociedade em que vivem, mas possam
partici
par como sujeitos conscientes das próprias trans_ formações das condições sociais de sua cia.
existên
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. Datilografia Lilian Domênico - COP . Paginação e Capa COPAT/MTM . Impressão Gráfica CENAFOR