Economia e Ética Autores: Prof. Maurício Felippe Manzalli Profa. Regina Meira Aguiar
Professores conteudistas: Maurício Felippe Manzalli/Regina Meira Aguiar Maurício Felippe Manzalli Economista pela Universidade Paulista – UNIP (1995) e mestre em Economia Política pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2000). Atualmente é professor da UNIP nos cursos de Ciências Econômicas e Administração e também coordenador do curso de Ciências Econômicas na mesma universidade. Regina Meira Aguiar Possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (1981) e mestrado em Ciências da Religião pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2000). Tem larga experiência na área de Educação em Humanidades, atuando principalmente nos seguintes temas: sociedade da informação, ética profissional, globalização da economia, pós-modernidade, desencantamento de mundo, entusiasmo, reencantamento do mundo, inclusão social e tolerância.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) M296e
Manzalli, Maurício Felippe. Economia e ética. / Maurício Felippe Manzalli, Regina Meira Aguiar. – São Paulo: Editora Sol, 2015. 56 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ano XX, n. 2-055/14, ISSN 1517-9230. 1.Informática e tecnologia educacional 2.Informática I.Título 681.3
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Material Didático – EaD
Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dra. Divane Alves da Silva (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Dra. Valéria de Carvalho (UNIP) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Carla Moro Lucas Ricardi
Sumário Economia e Ética APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................................................7 INTRODUÇÃO............................................................................................................................................................8 Unidade I
1 ÉTICA GERAL....................................................................................................................................................... 13 1.1 O conceito de ética............................................................................................................................... 13 1.2 O conceito de ética e sua relação com a moral........................................................................ 14 1.3 O conceito de valor.............................................................................................................................. 16 1.4 A história da ética − gênese da ética: a noção de justiça e bem comum..................... 17 2 FORMAÇÃO DA ÉTICA: LIBERDADE, IGUALDADE E FRATERNIDADE............................................ 19 2.1 A evolução da ética.............................................................................................................................. 20 3 AS TEORIAS SOBRE A ÉTICA......................................................................................................................... 24 4 A CLASSIFICAÇÃO DA ÉTICA........................................................................................................................ 25 4.1 Ética empírica......................................................................................................................................... 25 4.1.1 Ética anarquista (subjetiva)................................................................................................................. 26 4.1.2 Ética utilitarista........................................................................................................................................ 26 4.1.3 Ética ceticista............................................................................................................................................ 26
4.2 Ética dos bens......................................................................................................................................... 26 4.3 Ética formal............................................................................................................................................. 27 4.4 Ética valorativa....................................................................................................................................... 27 Unidade II
5 ÉTICA NO MUNDO ECONÔMICO................................................................................................................ 31 6 A ÉTICA EMPRESARIAL................................................................................................................................... 34 7 ÉTICA PROFISSIONAL...................................................................................................................................... 39 7.1 As origens da ética profissional....................................................................................................... 41 7.2 A competência como valor fundamental da ética profissional......................................... 42 8 CONSTRUIR UMA VIDA ÉTICA PROFISSIONAL FACTÍVEL.................................................................. 46 8.1 Os desafios e propostas para a prática da ética profissional.............................................. 47
APRESENTAÇÃO
Este livro-texto destina-se aos alunos que estão aprimorando seus estudos sobre a ética. Procurando distanciar-se dos jargões bastante específicos da área, mas não incorrendo na questão da simplicidade, apresentamos os principais conceitos, abordagens e desdobramentos do estudo da área para que se possa entender a importância da ética, não somente no âmbito da academia e da vida discente, mas também diante de todos os ambientes em que a vida nos permite transitar, incluindo o profissional. Trata-se também de material de apoio à disciplina Economia e Ética. Como o objetivo é introduzir o conhecimento com as questões da ética, nossa preocupação não é a de aprofundar demasiadamente cada assunto relacionado, mas apresentá-los de forma mais geral, ficando ao leitor a incumbência do aprofundamento e uso quando necessário. Note que o livro-texto está dividido em duas unidades. Em cada uma delas você encontrará: • textos explicativos que elucidam a matéria; • resumos do conteúdo estudado; • indicações de leitura obrigatória a partir do acesso à biblioteca virtual; • tópicos para refletir, em que convidamos você a pensar sobre assuntos da atualidade; • a seção Saiba Mais, em que indicamos livros e demais leituras que, de alguma forma, complementam os temas investigados. Não deixe de explorar essas sugestões; garantimos que você irá ampliar seu conhecimento sobre os temas apresentados e que isso será extremamente útil, não apenas na questão específica da disciplina, mas na sua vida profissional; • Lembretes, anotações pontuais que remetem a alguma informação já conhecida, e Observações, apontamentos que chamam sua atenção para algum ponto destacado sobre o assunto em desenvolvimento são recursos que reforçam algumas questões que quisemos salientar. Na Unidade I abordaremos questões iniciais da ética a partir da filosofia: conceito de ética e sua relação com a moral e conceito de valor. Apresentaremos a história da ética e sua gênese, continuando com a discussão da formação da ética num sentido de liberdade, igualdade e fraternidade. Em seguida, na Unidade II, mapearemos a ética no mundo empresarial e abordaremos a ética profissional e suas origens no âmbito geral. Qual nosso propósito e objetivo? O propósito da disciplina Economia e Ética é o de apresentar ao aluno a formação da ética na Ciência Econômica, permitindo assim que ele entenda as influências sociais na construção das diversas linhas de pensamento econômico e as relações existentes entre o comportamento humano 7
no plano moral e as Economias de Mercado, em especial, no exercício desta ciência em seu campo profissional no Brasil. De outra forma, nosso objetivo é fazer com que você consiga, a partir da leitura de nosso texto, desenvolver habilidades para entender o que vem a ser ética e moral bem como identificá-las. Para tanto, é necessária a aquisição do conhecimento das diferentes vertentes da ética, desde o início, com a curiosidade por um assunto qualquer, passando pelo processo de desenvolvimento filosófico da área. Este livro-texto não esgota o assunto, obviamente. É de extrema importância que você proceda à leitura obrigatória que está indicada ao longo do livro. Esperamos, sinceramente, que a leitura seja de grande utilidade nos diversos ambientes, além do acadêmico e o profissional. Boa leitura! INTRODUÇÃO
No início do século XX, a utopia ocidental era de que nos últimos anos do segundo milênio a humanidade já teria avançado o suficiente para dar um salto no processo civilizatório rumo à igualdade entre povos, culturas e sexos. No início do século XXI, temos, por um lado, um mundo de evolução técnico-científica sem precedentes na imaginação humana e, por outro, guerras e violências desprovidas de sentido. Jamais se poderia pensar que o mundo estaria tão integrado por meio de técnicas de mídia e de transporte e tão desintegrado naquilo que se refere à alma humana. Observação O ser humano necessita de realidades transcendentes ao indivíduo. Isso comporta exigências, imperativos e valores que não podem ser satisfeitos apenas com a autossuficiência. Era impensável um conhecimento científico tão avançado a ponto de manipular os segredos mais íntimos da vida, mas ao mesmo tempo incapaz de evitar a morte de milhares por doenças que, desde há muito, se descobriu como curar; conhecimentos médicos capazes de tornar a vida humana mais longa, mas que surgiram com doenças promotoras da infelicidade do vazio existencial. Ninguém acreditaria que a humanidade pudesse em tão pouco tempo dispor de tecnologia automatizada e robotizada que aplicada no agronegócio retirasse das relações humanas o fator de miséria que é a escassez de alimentos, sem conseguir resolver o problema da fome. Ao contrário, a aplicação da biotecnia na produção agropecuária promoveu um aumento da parcela de famintos na população mundial, além de gerar um sério desequilíbrio ecológico e um desemprego crônico. No alvorecer do século XX, a humanidade não poderia prever uma ciência biomédica que fosse capaz de tocar, engendrar e alterar os mais herméticos segredos da vida vegetal, animal e humana. E que, ao mesmo tempo, não fosse capaz de evitar tanto o aumento da desnutrição e morte pela fome quanto 8
o uso de drogas, a contaminação dos alimentos e as doenças psicossomáticas. Os paradoxos estão por toda a parte: enquanto uns morrem de fome, outros morrem de gordura. Enquanto se é capaz de contar os genes de animais inferiores, não se descobre a cura para as epidemias e as pandemias. Enquanto construímos máquinas inteligentes, não somos capazes de ensinar a ler e escrever populações inteiras. Hoje, nas sociedades modernas, cada vez mais se verifica uma cisão entre indivíduo e comunidade social, de tal modo que as desgraças e as calamidades que atingem determinadas camadas sociais ou grupos de indivíduos ficam restritas a esses segmentos. Enquanto isso, os demais procuram ignorar não só as desgraças, mas até mesmo os próprios indivíduos que foram atingidos. Nesta direção, vai se delineando uma determinada tendência cultural que propõe resolver várias situações de dificuldade na qual se encontra a sociedade moderna, inclusive as situações de luta e de conflitos entre raças e culturas diferentes por meio de um projeto de convivência que visa garantir segurança e bem-estar às pessoas na dimensão terrena. Leitura obrigatória Os grandes problemas da humanidade de hoje só podem ser resolvidos por meio da reconstrução de valores que possam orientar normas e padrões gerais de conduta. Neste sentido, para que você possa aprofundar o que aqui se apresenta, está convidado a consultar o livro a seguir: PELIZZOLI, M. L. Homo ecologicus: ética, educação ambiental e práticas vitais. Caxias do Sul: Educs, 2011. Disponível em: . Acesso em: 11 nov. 2014. Leia a parte II – “Tempos de ação”, notadamente os capítulos 4 e 6. Entende-se que os grandes problemas da humanidade atualmente, mesmo sem rejeitar a grande contribuição que a ciência e a tecnologia podem dar para superar as condições de miséria e deficiências dos diferentes gêneros, só podem ser resolvidos com a reconstrução de valores que possam orientar normas e padrões gerais de conduta. O ser humano necessita de realidades transcendentes ao indivíduo. Isso comporta exigências, imperativos e valores que não podem ser satisfeitos apenas com a autossuficiência, não sendo possível para as comunidades humanas e grupos sociais transcenderem por si mesmos aos interesses meramente econômicos. Portanto, mais do que nunca, é imperativo retomar os valores que direcionam nossa vontade de agir no sentido de buscar além da satisfação das necessidades materiais, a reconstituição das regras de conduta e de normas de convivência que possam reduzir os antagonismos e os individualismos desenfreados. É a exigência ética de nosso tempo, é nosso dever. Hoje, a exigência ética fundamental consiste em recuperar a possibilidade de reconstruir relacionamentos de comunhão entre pessoas e comunidades. A pretensão de resolver o problema da paz e da felicidade das pessoas querendo reduzir a sociedade ao indivíduo é um erro grave porque a felicidade humana não é alcançável fora da comunhão com os outros. Tal ideia significa reduzir irremediavelmente 9
o homem às dimensões terrestres, fechando-o em relação a sua dimensão transcendente que não pode ser satisfeita no plano material. Essa dimensão só pode ser satisfeita por meio dos valores que permitam construir a civilização. Por efeitos não desejados, como diria Max Weber (1996), a construção da modernidade terminou por construir uma mentalidade individualista. O que vemos hoje é o resultado de um longo processo da tentativa humana de fazer uma ciência extremamente racional, voltada a fins racionais e desprovida de valores morais, isto é, valores metafísicos, desde as mais antigas manifestações, idealistas ou religiosas, da disciplina de bem viver até o estudo racional das formas de conduta, preocupando-se sempre em estabelecer razões de consenso entre os seres humanos, de modo que a virtude pudesse prevalecer sobre o vício. Tais virtudes estruturam o campo político, o social e o econômico no Ocidente. O modelo consumista-individualista da convivência favorece a difusão dos males morais sociais do nosso tempo (a busca das vantagens pessoais em prejuízo dos outros, a redução das relações sociais a relações de força, a violência, a criminalidade, a corrupção, a ausência de regras éticas nas relações econômicas, a transgressão juvenil, entre tantos outros males). A vivência ética, solidificada em valores estruturadores da civilização ocidental, em todas as esferas da vida humana (familiar, cultural, social, econômico, político) é o mais potente antídoto contra os males atuais. Isso porque só é possível ser humano ao se reconhecer no outro humano. Lembrete Apenas no contato com o outro é possível crescer responsavelmente em relação a si mesmo e à comunidade. Desenvolvemos, assim, a solidariedade, que é a própria essência da humanidade. Coube aos Estados Nacionais o papel civilizador de desenvolver os laços de solidariedade nacionais. Compete ao Estado o papel de inserir as novas gerações no padrão de conduta ética, ou seja, ensinar às pessoas as linguagens e as crenças simbólicas, valores morais caros ao capitalismo. Isso se deu, na Europa, por meio das escolas públicas, na passagem para a Modernidade, e no terceiro mundo à medida que chegavam as indústrias. Hoje, esses Estados tornados mínimos pela ideologia neoliberal não têm dado conta de instrumentalizar seus cidadãos nas capacidades necessárias à mundialização. Não estão sendo capazes de inserir as novas gerações nos valores morais de conduta exigida pela racionalidade capitalista. E, menos ainda, são capazes de impedir que as mídias, ansiosas pelo lucro fácil, desenvolvam em jovens e adultos “contra-valores”, como narcisismo, hedonismo e niilismo, dentre outras mazelas que os dirigem para o desejo do lucro fácil e o prazer a qualquer custo. Isso porque vivemos em uma sociedade em rede, onde tudo é feito a despeito das fronteiras nacionais por meio das redes de informática e de informações que vão da mídia ao tráfico de drogas e à corrupção. No Estado democrático há uma íntima relação entre Governo – que envolve o executivo nos três níveis – e o judiciário – parlamento e tributação. Todo pacto democrático está estruturado, economicamente, no consentimento dos cidadãos em entregar uma parcela de seu patrimônio e de seus rendimentos ao Estado, sob a forma de tributos. 10
Esse consentimento parte do pressuposto de que essa parcela será gerida em prol do bem comum, da manutenção da coisa pública, e não do abastecimento de interesses particulares. Assim, o pagamento de impostos é um imperativo ético. A finalidade nuclear do Estado democrático é gerir por todos e para todos, para garantir a igualdade de direitos e deveres para todas as pessoas físicas ou jurídicas. É por isso que a corrupção pública e a sonegação fiscal, além de lesar a capacidade do Estado de promover a Igualdade, ainda tira a confiança dos mais ricos em aplicar recursos no país. O capital não pode se estabelecer e se desenvolver fora de padrões éticos. As empresas capitalistas não podem sobreviver numa sociedade onde os valores éticos ocidentais não estão estruturados nas consciências individuais. Nessas sociedades, cada trabalhador na sua individualidade, e por sua consciência, deve agir em seu trabalho individual e solitário no sentido de evitar a fuga dos lucros da empresa. Assim, as empresas, ao se estabelecerem numa sociedade, clamam (a imprensa e o seu canal de comunicação) por valores éticos e pela educação para esses valores. A conduta ética sempre foi um fator fundamental para o desenvolvimento das empresas capitalistas. Com a globalização da economia, essa necessidade é maior, pois o mercado global, que dirige a economia e as relações empresariais, exige confiança, e confiança só é possível entre grupos que possuam os mesmos valores éticos. O debate sobre a importância de conduta ética é reacendido cada vez que ocorrem novas denúncias de fraudes e corrupções. Por exemplo, os recentes escândalos envolvendo as grandes organizações, bem como a rés publica. Tais escândalos interferem diretamente na confiança dos investidores e dos consumidores em todo o mercado e concorrem para a sociedade ensejar uma maior fiscalização em todas as empresas por parte do poder público. Por toda essa situação de ausência de valores comuns é que as empresas propõem um retorno à ética. Um estudo sistemático dos valores comuns e caros ao ocidente por parte de todos os profissionais, de tal maneira que o seu agir seja sempre uma ação que promova o bem comum. Observação As empresas exigem um retorno à ética pautada em valores que estruturam a confiança, sem a qual o capital e a sociedade em geral não podem existir. Um dos objetivos de se estudar ética hoje é encontrar mecanismos que nos permitam mergulhar dentro de nós mesmos, compreender que atitudes moralmente corretas podem promover o bem comum e que a nossa felicidade só é possível à medida que a sociedade for justa, garantindo os direitos, uma vez que todos cumpriram com os seus deveres.
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ECONOMIA E ÉTICA
Unidade I 1 ÉTICA GERAL 1.1 O conceito de ética
Etimologicamente, a palavra “ética” vem do grego ethos e significa “morada coletiva e vida coletiva”. Daí o conceito ser usado para ações que promovam o bem comum ou a justiça no meio social. Devido ao fato de que os gregos a utilizavam no sentido de hábitos e costumes que privilegiassem a boa vida e o bem viver entre os cidadãos, com o tempo tal palavra passou a significar modo de ser ou caráter. Enfim, um modelo de vida que deveria ser adquirido ou conquistado pelo homem por meio da disciplina rígida que lhe formaria o caráter e que seria transmitida aos jovens pelos adultos. Na Grécia, o homem aparece no centro da política, da ciência, da arte e da moral, uma vez que para sua cultura até os deuses eram humanos com seus defeitos e qualidades. O primeiro filósofo que escreveu sobre ética foi Aristóteles. Com esse título, Aristóteles escreveu duas obras: Ética a Nicômaco (que era filho dele) e Ética a Eudemo (aluno do filósofo). Os filósofos gregos sempre subordinaram a ética às ideias de felicidade da vida presente e de soberano bem. Nos textos antigos, ética quase sempre parece estar relacionada com desejo inato ao homem de busca da realização do supremo bem. A filosofia grega preocupa-se com essa reflexão desde os primórdios. Isso porque ética, ou a sede de justiça, é uma das três dimensões da filosofia. As outras duas seriam a teoria e a sabedoria. Em Roma, ética passa a ser denominada mores, que significa “moral”. No direito romano, a palavra refere-se a normas de conduta ou princípios que regem a sociedade ou um determinado grupo em uma determinada época. A ética é histórica. Isso se deve ao fato de estar solidificada em noções de valor, que mudam à medida que se descobrem novas verdades. O agir ético não será apenas uma simples ação-reprodução de ações das gerações anteriores, mas uma atividade reflexiva que oriente a ação a seguir num determinado momento de nossa vida pessoal. Quando surgem questionamentos sobre a validade de determinados valores ou costumes, e a realidade exige novos valores que possam orientar a ética, surge a necessidade de uma teoria que justifique esse novo agir, uma vez que é impossível a ação ética sem que o agente compreenda a racionalidade dessa ação. Aqui aparecem os filósofos que produzem uma reflexão teórica que oriente a prática, ou a crítica do viver ético. Assim, não é possível o agir ético sem uma reflexão entre o que eu devo fazer e o que eu gostaria de fazer em um determinado momento. A ação ética sempre deve buscar o bem comum e consiste na recusa de todas as ações que propiciem o Mal. O agir ético vai além de um conjunto de preceitos relacionados à cultura, crenças, ideologias e tradições de uma sociedade, comunidade ou grupo de pessoas. Muitas vezes nossa ação vai ao sentido oposto a essas crenças, pois sendo a noção de dever 13
Unidade I seu principal valor estrutural, em algumas ocasiões, o nosso dever é justamente se indignar com tais crenças. Uma vez guiada pela razão e não pelas crenças, a ética, via de regra, está fundamentada nas ideias de bem e virtude que nossa civilização considera como valores que devem ser perseguidos por todo ser humano para a promoção da vida, da maneira e onde quer que ela se manifeste. 1.2 O conceito de ética e sua relação com a moral
Frequentemente se confunde ética com moral e isso tem uma razão de ser. É que a palavra “moral” vem do latim mos (singular) e mores (plural), que significa “costumes”. Já a palavra “ética” vem do grego e possui o mesmo significado, ou seja, “costumes”. Por isso, muitos utilizam a expressão “bons costumes” como sinônimo de moral ou moralidade. Ética e moral são sinônimos perfeitos, só modificados semanticamente devido às diferentes línguas de origem das duas palavras. Até o século XVIII, já que a língua oficial do saber acadêmico era o latim, a palavra usada foi “moral”. Alguns filósofos modernos passaram a usar as duas palavras com sentido diferentes. Kant, por exemplo, definiu como moral o conjunto de princípios gerais (valores civilizatórios) e ética como sua aplicação concreta. Portanto, ética é sempre um agir ético. Outros filósofos concordaram em designar por moral a teoria dos deveres para com os outros, e por ética a doutrina de salvação e sabedoria desvinculada de crenças religiosas. Assim, hoje temos duas palavras usadas por muitos autores com o mesmo significado: ética e moral. Devido ao fato de o pensamento kantiano ter uma importância medular para quem se interessa pela reflexão sobre ética no mundo capitalista, preferimos compreender que ética diferencia-se da moral. Moral está mais relacionada a crenças estruturadas em valores, acumuladas desde a mais tenra infância e transmitidas pelos grupos sociais de interações afetivas, tais como a família e a Igreja. Moral está diretamente relacionada à consciência que é o locus privilegiado dos valores, enquanto a ética é a exteriorização da conduta humana em sociedade. Além disso, desde o início os pensadores liberais preferiram a palavra “ética” para expressar normas de conduta de grupos organizados, como as categorias profissionais e seus Códigos de Ética. Compreendemos que moral está muito ligada à cultura e à religião. Assim, em uma cidade como São Paulo, que possui muitas culturas convivendo, podem, também, coexistir diversos tipos de moral. Esses diversos grupos de moral específicos sempre se reportam aos valores éticos fundamentais que, na verdade, são os traços comuns da civilização. Portanto, ética é um conjunto de valores morais que permite a permanência da civilização. Sem esses valores a civilização como conhecemos desapareceria. Seus fundamentos foram construídos durante todo o processo civilizador e são iguais para todos os cidadãos do mundo ocidental, independentemente de cultura ou religião. Ela carrega fundamentos que tiveram origem no pensamento cristão na medida em que esses fundamentos contribuíram para a formação do pensamento ocidental. Contudo, não é a transposição pura e simples dos valores da religião para o campo civilizatório. Hoje a imprensa costuma usar a palavra ética com muita frequência, às vezes até de forma abusiva. Essa insistência se deve ao fato de o capitalismo ter se mundializado, pois sem os valores éticos é impossível a reprodução da sociedade capitalista. Isso porque o capitalismo é irmão gêmeo da democracia, 14
ECONOMIA E ÉTICA uma vez que ambos nascem juntos do pensamento liberal e um não vive sem o outro. Como os pilares basilares da democracia são a liberdade pessoal, a busca da felicidade e o individualismo, não há espaço para a vigilância constante das ações individuais numa sociedade de direitos plenos. Tal sociedade é a única possível para o bem estar do capital. Para a mentalidade moderna, ética não pode ser entendida como algo que resulta de um poder punitivo explícito, como é o caso da moral. A punição que a transgressão do agir ético traz é de consciência individual, portanto, absolutamente individual, e essa consciência é formada no processo educativo. Se nossa consciência não considerar a apropriação da propriedade alheia, por exemplo, como um mal, e sim como uma esperteza, isto é, um bem, não haverá como impedir que façamos uso indevido do que não é nosso. Assim, a sociedade capitalista e democrática aceita a existência de diferentes formas de conduta moral no aspecto privado, desde que a conduta pública esteja em conforme com as virtudes, ou seja, esteja dentro da ética. Entende-se que a sociedade tem um conjunto de regras, normas e valores e que não se identifica com os princípios e normas de nenhuma moral em particular, mas com os valores formadores do núcleo da civilização, sem os quais a civilização entra na barbárie, uma luta de todos contra todos, onde os direitos – inclusive a propriedade e o lucro – são destruídos, pois não há como obrigar as pessoas a cumprirem seus deveres. A ética é, nesse sentido, a própria defesa da civilização. Sendo cultural, a moral é o conjunto de regras que se impõe às pessoas pelo grupo ao qual pertencem, numa ação coletiva que tende a agir de determinada maneira com a consolidação de práticas e costumes observados no geral pelo receio de uma reprovação social (a pressão é externa). Partindo desse pressuposto, todo ser humano é moral ao cumprir normas de conduta que são oriundas de um conjunto de crenças inquestionáveis dentro de sua cultura. No entanto, ética envolve reflexão, por isso não significa apenas um conjunto de normas, mas vai além. Ela é um conjunto de juízos valorativos (racionais) construídos pela civilização, assumidos e manifestados na ação individual de cada um (a pressão é interna). Está estruturada em valores de conduta e é sempre civilizatória. Leitura obrigatória Vá até a biblioteca virtual e consulte o livro a seguir: ANTUNES, M. T. P. Ética. São Paulo: Pearson, 2013. Disponível em: . Acesso em: 11 nov. 2014. Leia a Unidade I: “Introdução à ética”, que tratará do homem em sociedade, do conceito de ética, fontes das regras morais e comportamento ético e, ainda, de algumas doutrinas éticas. 15
Unidade I 1.3 O conceito de valor
Como, ao se tratar de ética, sempre estaremos nos referindo ao conceito de valor, é importante um olhar, ainda que breve, sobre o conceito. Ele aparece pela primeira vez no sentido que damos hoje com os primeiros trabalhos sobre Economia. A ciência econômica moderna difere das demais ciências sociais pela capacidade de quantificar, senão a atividade econômica, pelo menos seus frutos, ou seja, o produto social. Está estruturada em leis universais, tais como a lei da oferta e da procura, a lei do valor da moeda etc. O que torna possível de medição e avaliação das relações econômicas, como acontecem e em que medidas acontecem, é o conceito de valor. Observação A utilização da ideia de valor como conceito de “algo” que é incorporado na mercadoria foi instituído pelos fundadores da Ciência Econômica, Adam Smith e David Ricardo. Tal conceito foi transportado puramente da Filosofia Moral para o âmbito econômico. A axiologia, ou “teoria do valor”, tem suas raízes no solo econômico e somente nos século XIX e XX que se expandiu como expressão infinita daquilo que “deve ser”, abrangendo todas as criações do espírito humano. É o conceito de valor que permite atualização de uma unidade de medição essencial para praticamente todos os fenômenos do mundo econômico. Há duas maneiras de definir valor: uma delas retira o valor da relação do ser humano com a natureza e parte do pressuposto de que as pessoas têm uma série de necessidades materiais e procura satisfazê-las com produtos. Essa é a atividade econômica básica à natureza humana. Ao transformar um objeto qualquer da natureza em algo que possa melhorar de algum modo sua vida, o ser humano incorpora nessa transformação o valor essencialmente humano: o valor-trabalho e, dialeticamente, transforma o objeto em valor-utilidade, também chamado de valor de uso. Essa é a teoria do valor do trabalho. Outra maneira de compreender valor é observar como os pensadores que buscam refletir sobre a ética entendem o conceito. Para eles, valor é sempre coletivo, uma vez que valores são construções mentais elaboradas pela visão de mundo da nossa cultura, podendo ser ensinados, e que formam nossos juízos de bem, mal, justo, injusto, belo e feio. Leitura obrigatória Consulte o livro a seguir: BUARQUE, C. Da ética à ética: minhas dúvidas sobre a ciência econômica. Curitiba: Editora Intersaberes, 2012. Disponível em: . Acesso em: 11 nov. 2014. 16
ECONOMIA E ÉTICA Leia a Parte II − “Da ética a ética: as tensões na história do pensamento econômico do século V a.C. ao século XXI d.C.” 1.4 A história da ética − gênese da ética: a noção de justiça e bem comum
Para muitos autores, a experiência ética fundamental ocorre quando sentimos que o agir das pessoas está desconectado dos valores caros à civilização. É a experiência de ”estranhamento” frente à realidade, de sentir-se estranho (fora da normalidade) diante do modo como funciona a sociedade, ou até mesmo em relação ao modo de ser e agir de outrem. Cada vez que a sede de justiça – aquilo que deveria ser ou o que se deveria fazer para buscar o funcionamento justo da sociedade – se estabelece, há um avanço da ética. A história da ética, portanto, se confunde com o próprio processo civilizatório. É a própria história das ideias morais da humanidade, desde os tempos pré-históricos até nossos dias. Isto é, a história da reflexão humana de como instituir normas que regulem a conduta social na busca da felicidade individual e, ao mesmo tempo, o bem comum, instaurando a diminuição da violência. Os filósofos faziam a crítica da realidade social de sua época e, a partir dessa crítica, ofereciam saídas de como teria de ser a conduta das pessoas para evitar os infortúnios que levariam ao desaparecimento do ethos comum. A sociedade, então, considerando aquelas ideias úteis, passou a educar as novas gerações com aqueles valores. Muitas vezes, por ser um novo dever, o Estado transformava as normas em leis até que as condutas fossem incorporadas nas consciências individuais. Assim, lentamente, foram estruturados os valores que hoje consideramos essenciais. Nesse sentido, a ética não é imutável: a humanidade vai abandonando valores e adquirindo outros que antes não pensava que fossem essenciais. Antes de Sócrates não houve, ao menos que se saiba, uma reflexão metódica sobre a ética e o “homem moral”, por isso é que se diz que ele é o “Pai da ética”. Contudo, é preciso ponderar que desde períodos mais antigos havia uma identidade perfeita entre o bem comum e o bem individual tão arraigada na mente grega que talvez tal reflexão não fosse necessária ou sequer capaz de ser concebida. Só a dissociação entre bem comum e bem individual (o público e o privado), que começa a ocorrer durante o período da decadência grega, é que justifica a necessidade de alguma teoria que explicasse essa dualidade. Nossa visão de ética hoje deve muito também a Platão. Platão constrói idealmente a “Cidade Perfeita”; nela tudo e todos são guiados por uma ética muito semelhante ao ideal de perfeição social de hoje. A ética de Platão está relacionada intimamente com sua filosofia política porque, para ele, a pólis (cidade-estado) é o terreno próprio para a vida moral. Assim, buscou um Estado ideal, utópico, cujo modelo seria o corpo do ser humano. Daí vem o costume de dizermos até hoje o “corpo social” como sinônimo de sociedade. Portanto, como o corpo possui cabeça, peito e baixo-ventre, também o Estado deveria possuir, respectivamente, governantes, sentinelas e trabalhadores. O bom Estado é sempre dirigido pela razão em busca da prática da justiça, que seria o equilíbrio entre os direitos e os deveres dos cidadãos na construção de uma pólis virtuosa. Assim, se faz necessária a prática das virtudes. As virtudes seriam funções da alma humana, determinadas pela natureza da alma e pela divisão de suas partes. Tais virtudes seriam todas 17
Unidade I aquelas que produzem a beleza, o bem e a verdade absoluta. Para tal prática seria necessária a vontade, o ânimo, o que para Platão significava o domínio das paixões pela razão. Pela razão, faculdade superior é característica do homem: a alma se elevaria, mediante contemplação, ao mundo das ideias. O fim último da razão é purificar-se ou libertar-se da matéria para contemplar o que realmente é, acima de tudo, a ideia do bem. Para alcançar a purificação é necessário praticar as várias virtudes que cada alma possui. Platão julga que cada parte da alma possui um ideal, ou uma virtude, que deveria ser desenvolvido para seu funcionamento perfeito. A razão deve aspirar à sabedoria, a vontade deve aspirar à coragem e os desejos devem ser controlados para atingir a temperança. Cada uma das partes da alma, com suas respectivas virtudes, está relacionada com uma parte do corpo. A razão se manifesta na cabeça, a vontade no peito e o desejo no baixo-ventre. Somente quando as três partes do homem puderem agir como um todo é que temos o indivíduo harmônico. A harmonia entre essas virtudes constituía uma quarta virtude, a justiça. Devido ao fato de ter sua teoria adotada como parcialmente verdadeira pela Igreja Católica, a ética de Aristóteles finca vínculos indeléveis em nossa compreensão de ética. Sua concepção ética privilegia as virtudes (justiça, coragem, fortaleza e sinceridade, felicidade pessoal e bem comum), tidas como propensas tanto a provocar um sentimento de realização pessoal àquele que age quanto simultaneamente beneficiar a sociedade em que vive. Portanto, a felicidade pessoal só é possível onde o bem comum também o é. A ética aristotélica compreende a humanidade como parte da ordem natural do mundo, por isso é denominada ética naturalista. Segundo Aristóteles, toda atividade humana, em qualquer campo, tende a busca do bem supremo ou sumo bem, que seria resultado do exercício perfeito da razão, função própria do homem. Assim, o homem virtuoso é aquele capaz de deliberar e escolher o que é mais adequado para si e para os outros, movido por uma sabedoria prática em busca do equilíbrio entre o excesso e a escassez. Na Antiguidade, o conceito de sábio era entendido como um homem virtuoso ou que busca uma vida virtuosa, e que assim consegue estabelecer, em sua vida, a ordem, a harmonia e o equilíbrio que todos desejam. Essa harmonia é conseguida se vivermos de acordo com a natureza – o cosmos para os gregos –, e o justo é viver de acordo com o seu lugar na natureza, uma vez que compreendiam que o cosmos,por si só, é sempre justo e bom. Uma das finalidades da vida humana seria encontrar seu lugar no seio dessa ordem cósmica, o que seria a vida ética. Assim, a prática da justiça, a virtude geral, de onde se originam todas as demais, nos tornaria semelhantes ao divino, àquilo que transcende o próprio homem, ao imortal. Leitura obrigatória Para que possa aprofundar seus conhecimentos acerca de Platão e Aristóteles, leia o livro a seguir: CARLI, R. Antropologia filosófica. Curitiba: Editora Intersaberes, 2012. Disponível em: . Acesso em: 11 nov. 2014. 18
ECONOMIA E ÉTICA A leitura da parte I − “A concepção clássica de homem: a filosofia da Antiguidade grega” auxiliará na compreensão do que foi até então apresentado. 2 FORMAÇÃO DA ÉTICA: LIBERDADE, IGUALDADE E FRATERNIDADE
Os principais filósofos organizadores da ética cristã são: Santo Agostinho, em A cidade de Deus e Confissões, e São Tomas de Aquino, em Suma teológica. Durante a Idade Média, o cristianismo se estabelece como teoria no campo filosófico. A representação ocidental do “divino” não é mais a natureza e passa a encarnar uma pessoa: Jesus Cristo. Essa nova visão do logos provoca mudanças profundas na compreensão do que é o Bem e, portanto, da ética. O cristianismo traz uma concepção revolucionária cristalizada até nossos dias: a nova concepção de amor. A moral passa a ser entendida como a busca da perfeição: “a imitação de Cristo” como característica de cada ser humano. Essa nova concepção do indivíduo é o próprio cerne do processo civilizador ocidental, resultando em todos os direitos da pessoa. Contudo, é na compreensão do que é a liberdade que o cristianismo vai promover uma revolução se comparada ao conceito da Antiguidade Clássica. Observação Enquanto para os antigos, a liberdade só se realizava no campo político e era entendida como sinônimo de cidadania, no cristianismo ela é deslocada para o interior de cada ser humano. A ética cristã articula liberdade e vontade, apresentando esta última como essencialmente dividida entre o bem e o mal. Foi o cristianismo que subordinou o ideal de virtude à ideia de dever e de obrigação. Fez da humildade uma virtude essencial, o que era desconhecido pelos antigos. Mais do que isso, o cristianismo também exigiu a submissão da vontade humana à vontade divina, tornando problemática e quase impossível à finalidade ética dos antigos, isto é, a autonomia, a capacidade de escolha por si só dos valores que norteiam as ações humanas. Se para os gregos antigos a virtude era um talento natural, para o cristianismo o que é moral ou não é o uso que se faz desses dons naturais; essa liberdade de escolha vai ser chamada pelos filósofos de “livre arbítrio”. Aparece aqui a ideia do “mérito”, tão cara ao capitalismo. Não importam mais os talentos que recebemos da natureza, mas o que faremos com eles. Por meio desses talentos podemos sair do estado de desigualdade natural para entrar na igualdade por nós construída. Portanto, a liberdade se torna fundamento da moral. Uma vez que todos são livres e iguais porque filhos do mesmo Deus e com direito à salvação vinda de Cristo, toda a humanidade é composta por irmãos, fraternos entre si. Essa nova noção de fraternidade era desconhecida pelos antigos. 19
Unidade I
Lembrete No cristianismo, a noção de responsabilidade individual é ao mesmo tempo universal e faz surgir uma virtude também desconhecida pelos antigos, que é a caridade, ou seja, a responsabilidade pela salvação do outro, material e espiritual, seja o outro quem for. O amor passa de uma noção pessoal e carnal – o amor-paixão – para um amor de compaixão, o amor ao próximo, sendo o próximo qualquer pessoa, já que todos são irmãos. A compaixão, a benevolência, a solicitude para com os outros, até mesmo com outras formas de vida, passam a ser regra de comportamento ético. Ser virtuoso – portanto, ético – passa a ser agir em conformidade com a vontade de Deus; logo, se agir é um dever e como Deus se manifesta na pessoa humana, a responsabilidade com o outro passa a ser um valor ético. Portanto, a autonomia, tão cara aos gregos antigos, dá lugar ao conceito de dever como limite da liberdade. Leitura obrigatória Para que possa aprofundar seus conhecimentos acerca do assunto, leia o livro a seguir: CARLI, R. Antropologia filosófica. Curitiba: Editora Intersaberes, 2012. Disponível em: . Acesso em: 11 nov. 2014. A leitura da parte II − “A concepção de homem na Idade Média e a filosofia cristã” aborda justamente os pensamentos de Santo Agostinho e Tomás de Aquino. 2.1 A evolução da ética
A Modernidade começa com o desaparecimento da ideia de uma ordem universal e hierarquia natural dos seres, cedendo para as ideias de universo infinito, desprovido de centro e de periferia, e de indivíduo livre, átomo no interior da natureza e para o qual já não possui a definição prévia de seu lugar próprio e, portanto, de suas virtudes próprias. A ordem do mundo não é mais dada de fora do mundo, quer seja pelo cosmos, como queriam os gregos, quer seja por Deus, como pensavam os cristãos na Idade Média. Assim, a modernidade afasta a ideia medieval de um universo regido por forças espirituais secretas que precisam ser decifradas para que com elas entremos em comunhão. O mundo se desencanta, como escreveu Weber, e passa a ser governado por leis naturais racionais e impessoais que podem ser conhecidas por nossa razão e que permitirão aos homens o domínio técnico sobre a natureza. 20
ECONOMIA E ÉTICA No livro A ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, Weber (1996) relaciona o papel do protestantismo cristão na formação do comportamento típico do capitalismo moderno.
Saiba mais Leitura extremamente interessante e importante para esta parte é o livro a seguir: LIMA, R. R. A. de; SILVA, A. C. S. R. e. Introdução à sociologia de Max Weber. Curitiba: Editora Intersaberes, 2012. Observação Weber descobre que os valores do protestantismo, tais como a disciplina ascética, a poupança, a austeridade, a vocação, o dever e a valorização do trabalho como instrumento de salvação da ética protestante, promovem o surgimento do capitalismo. Para Weber, tais valores são incorporados na ética ocidental como estrutura da confiança, valor essencial à manutenção da sociedade do contrato, que é a sociedade burguesa. Durante o período compreendido entre os séculos XVII e XX, pouco a pouco, a ética vai deixando de estar em conformidade com a Natureza ou com Deus para centrar sua reflexão na condição humana. No século XVIII, Rousseau faz uma crítica ao pensamento de Aristóteles, segundo o qual o homem se diferenciaria dos animais por ser racional. Para Rousseau, o que diferencia o ser humano dos animais é sua capacidade de decisão por si só: a liberdade e a capacidade de aperfeiçoar-se ao longo da História. Como consequência dessa nova definição de humanidade temos a historicidade, a igual dignidade entre os seres humanos. Por ser livre e por não ter nada a dirigir suas ações é que o ser humano é moral. É seu espírito crítico que vai dotar o homem de valores morais, pois o ser humano sempre busca o bem e nasce intrinsecamente bom. O maior representante da ética nos últimos séculos foi sem dúvida Immanuel Kant (1724-1804), o mais importante filósofo da Modernidade, sobretudo para quem se interessa pelo estudo da ética e, mais ainda, da ética profissional. Seu pensamento talvez seja aquele que mais contribuiu para a forma de se pensar ética tal como pensamos hoje. O homem é livre, diz Kant (2004), porque não está sujeito às leis físicas da natureza. Sua virtude reside na ação ao mesmo tempo voltada para interesses individuais e universais. Estes são os princípios basilares da ética kantiana: o desinteresse e a universalidade. A ação moral é a única ação verdadeiramente humana e a liberdade consiste na faculdade de transcender as tendências naturais. Uma vez que as tendências naturais nos levam sempre ao egoísmo, é preciso resistir a essas tendências. Tal resistência é denominada por ele de “boa vontade”, ponto que ele vê como princípio de toda a moralidade verdadeira. 21
Unidade I Para Kant, na natureza há leis, na ética há deveres; e a existência do dever me diz que sou naturalmente livre. Do “dever” porque pelo fato de ser livre e ter boa vontade e preocupação com o interesse geral, há algo em nós que ordena uma resistência e até mesmo um combate contra a naturalidade ou animalidade que exista em nós. Kant dá um exemplo: se um tirano obriga alguém a testemunhar falso contra um inocente, ele pode ceder e dizer o falso. Contudo, depois sentiria remorso, pois algo em nós nos orienta para o bem, que é a voz da razão. Isso demonstra que a testemunha sabia que podia dizer a verdade: sabia, devia, podia. E sabia porque seria irracional, uma vez que num mundo em que todos dissessem o falso, seria impossível viver; portanto, para nossa razão, seria obrigatório dizer a verdade. Essa é a prova da universalidade e necessidade da norma ética. Essa voz da razão, que aparece sob a forma de ordens indiscutíveis, é chamada por Kant de imperativo categórico: imperativo porque não se pode subtrair a ele, não é um conselho, e categórico porque não admite o contrário daquilo que está mandando. Tudo isso devido ao fato de que, da concepção de perfectibilidade humana, a ética kantiana vai propor que a liberdade humana consiste justamente na nossa capacidade de ir além das determinações naturais de satisfazer nossos interesses particulares para agir de acordo com os interesses gerais, isto é, universais. Por isso, a ética moderna vai repousar na ideia do mérito, ou seja, todos nós temos dificuldades em realizar nosso dever, em seguir os mandamentos da moral, apesar de todos nós o considerarmos legítimos. Daí nosso mérito em agir em conformidade com o bem comum e não em conformidade com nossos desejos e paixões. A modernidade vai valorizar toda a ação de dever: é a ética moderna fundamentalmente meritocrática de inspiração democrática. A partir de Kant passa a vigorar no campo de estudo da ética o que se convencionou chamar de humanismo moderno. Não só no plano da moral, mas no político e no jurídico, o fundamento está unicamente na vontade dos homens, desde que se aceite como restrição a vontade dos outros. A liberdade de cada um termina onde começa a liberdade dos outros. É apenas essa limitação pacífica que pode permitir uma vida social harmônica e feliz. Logo, essa harmonia é uma construção humana e não mais um fato pronto pela natureza ou dada por Deus, ou seja, os homens vivendo em liberdade, mas com a vontade dirigida pelo dever (responsabilidade) na construção de uma sociedade com valores comuns, que Kant chama de “reino dos fins”. Como seres dotados de dignidade absoluta, os homens não poderiam ser tratados como meios usados para objetivos pretensamente superiores, ou seja, o fim absoluto digno de respeito absoluto: o centro do universo é a humanidade. Kant elaborou um imperativo categórico da razão do agir ético: “age tendo a humanidade como fim e jamais como meio” (não tratar os sujeitos como coisas) e “age como se a máxima de tua ação pudesse ser realizada por todos os homens e para qualquer homem” (a universalidade da razão garante a universalidade do sentido da ação). Isso significa que a pessoa deve agir espontaneamente, por sua vontade e não sob coação ou por vontade alheia, só assim o comportamento será eticamente valioso. Tal comportamento terá valor universal. O que o imperativo categórico pede é que a máxima (princípio subjetivo) seja de tal natureza que possa ser elevada à categoria de lei de universal observância, construindo assim o conceito de igualdade como principio ético. Ele propõe um valor absoluto para servir como fundamento objetivo dos imperativos, e esse valor absoluto é a pessoa humana. O objeto de nossos desejos tem valor relativo, é apenas um meio de alcançar nossos objetivos. Só o homem tem valor absoluto. Sob dois prismas, as pessoas diferem dos 22
ECONOMIA E ÉTICA demais seres: primeiro, uma vez que as pessoas têm desejos e objetivos, as outras coisas têm valor para elas em relação aos seus projetos, as meras coisas, e isso inclui os animais que não são humanos, considerados por Kant incapazes de desejos e objetivos conscientes. Segundo, e ainda mais importante, os seres humanos têm um valor intrínseco, isto é, dignidade, porque são agentes racionais, agentes livres com capacidade para tomar as suas próprias decisões, estabelecer os seus próprios objetivos e guiar a sua conduta pela razão. Uma vez que a lei moral é a lei da razão, os seres racionais são a encarnações da lei moral em si. Portanto, a única forma para a bondade moral poder existir são as criaturas racionais apreenderem o que devem fazer e, agindo a partir de um sentido de dever, fazê-lo. O filósofo deixou para o ocidente a ideia de que o ser humano é a única coisa com valor moral, assim, se não existissem seres racionais, a dimensão moral do mundo simplesmente desapareceria. Tal reflexão foi essencial para que a humanidade deixasse de considerar seres humanos como coisa e abandonassem a ideia da escravidão de outros seres humanos como direito de propriedade, além de estruturar teoricamente a luta por direitos iguais, independentemente de diferenças físicas, psicológicas, culturais e étnicas. Como são os seres cujas ações são sempre conscientes, Kant conclui que o seu valor tem de ser absoluto e não comparável com o valor de qualquer outra coisa. Se o seu valor está acima de qualquer preço, segue-se que os seres racionais têm de ser tratados sempre como um fim e nunca como um meio para se atingir esse determinado fim. Lança-se aqui, numa construção racional, a ideia cristã da igualdade entre os homens e que será o núcleo do Estado democrático. O Estado democrático é o conjunto de iguais dentro de um determinado espaço geográfico. Isso significa que temos o dever estrito de buscar a prática do Bem, não só para nós mesmos como para as outras pessoas. Temos de lutar para promover o seu bem-estar; temos de respeitar os seus direitos, evitar fazer-lhes mal, e, em geral, empenhar-nos, tanto quanto possível, em promover a realização dos fins dos outros. Somente se reveste valor ético à conduta autônoma, fruto da vontade do agente. A conduta heterônoma é aquela que nos faz agir pela vontade alheia, é desprovida de valor moral. A dignidade humana exige que o indivíduo não obedeça mais normas do que as que ele mesmo se autoimpôs, usando de seu livre arbítrio. Os valores kantianos de liberdade, de responsabilidade, de autonomia e de culto ao dever foram incorporados na ética ocidental como valores essenciais à civilização. Na modernidade, conservou-se do cristianismo a ideia de que é virtude a obediência à razão contra o império caótico das paixões; que a virtude é dever e obrigação em face de normas e valores universais; que a liberdade é o poder humano para enfrentar com suas próprias forças as contingências e a adversidade; que a responsabilidade é marca da honradez virtuosa, pois não há liberdade sem responsabilidade, mas todos esses termos perderam a universalidade pretendida, pois lhes falta o centro ordenador: o cosmos antigo ou a providencia medieval. Somente com a ideia de civilização foi possível definir um novo centro que permitiria o surgimento de uma razão prática com pretensões ao universal no campo ético. Ou seja, há que se viver de acordo com um conjunto de valores expressos por deveres ou imperativos que nos pedem respeito pelo outro sem o qual uma vida pacificada é impossível. 23
Unidade I
Leitura obrigatória Leia a obra a seguir: WEYNE, B. C. O princípio da dignidade humana: reflexões a partir da filosofia de Kant. São Paulo: Saraiva, 2012. Disponível em: . Acesso em: 11 nov. 2014. Nela, você poderá melhor aprofundar o que aqui foi apresentado sobre Kant. Leia o capítulo I – “Esboço histórico da ideia de dignidade humana” e o capítulo III – “O princípio da dignidade humana em Kant”. 3 AS TEORIAS SOBRE A ÉTICA
A ética teoriza sobre as condutas morais. Contudo, não existe uma única teoria ética. Selecionamos Max Weber, pois foi esse autor, no nosso entender, que mais desvelou a relação entre ética e profissão na sociedade capitalista. Segundo o autor nos ensina, há pelo menos duas teorias éticas: a ética da convicção, entendida como deontologia (estudos dos deveres), e a ética da responsabilidade, conhecida como teleologia (estudo dos fins humanos). Escreve Weber (1959): [...] toda atividade orientada pela ética pode subordinar-se a duas máximas totalmente diferentes e irredutivelmente opostas. Ela pode orientar-se pela ética da responsabilidade ou pela ética da convicção. Não que a ética de convicção seja idêntica à ausência de responsabilidade. E esta última sinta a ausência de convicção. Não se trata evidentemente disso. Todavia, há uma oposição abissal entre a atitude de quem age segundo as máximas da ética da convicção – em linguagem religiosa, diremos: “O cristão faz seu dever e no que diz respeito ao resultado da ação remete-se a Deus”- e a atitude de quem age segundo a ética da responsabilidade que diz: “Devemos responder pelas consequências previsíveis de nossos dias” (WEBER, 1959, p. 185).
Apesar de termos objetivamente só os dois tipos de ética desenvolvidos por Weber, a tradição filosófica ainda difere os diversos tipos de ética dentro da mesma realidade social. Assim, faz-se comumente a seguinte divisão: • Ética normativa: é aquela que se baseia em princípios e regras morais fixas e que pouco muda com o tempo porque está essencialmente ligada ao seu objeto. Como exemplo, pode-se citar a ética profissional e a ética religiosa. Nelas, as regras devem ser obedecidas ou deixaremos de ser o profissional ou o religioso. O descumprimento de suas normas leva-nos a perder a essência do ser. 24
ECONOMIA E ÉTICA • Ética teleológica: é aquela cujos valores norteadores são julgados, por muitos, até imorais. Podemos dizer que é oposta à ética normativa, pois para tal ética “os fins justificam os meios”. Como exemplo, pode-se citar a ética da economia neoliberal, na qual o lucro advindo da lei do mercado é sempre “moral”. • Ética situacional: é aquela que podemos dizer ser uma ética amoral. Ou seja, seus agentes não têm os valores bem demarcados em sua consciência. Assim, mudam de acordo com as circunstâncias e seus interesses de momento. Tudo é relativo e temporal. Como exemplo, pode-se citar a ética de alguns políticos e ”artistas” na sociedade pós-moderna. Para essas pessoas, tudo é possível, pois para quem tem poder, vale tudo. 4 A CLASSIFICAÇÃO DA ÉTICA
A ciência dos valores admite várias classificações, já que existem muitas escolas, ideologias ou correntes de pensamento. Quanto mais as sociedades se tornam complexas e as redes de comunicação permitem um contato entre as diversas culturas e visões de mundo, maior é o numero de concepções sobre ética. Preferimos essa classificação, uma vez que desenvolve as quatro formas fundamentais de manifestação do pensamento ético na história ocidental. São elas: ética empírica, ética dos bens, ética formal e ética valorativa. Na realidade, os diferentes tipos se interpenetram e se apresentam como formas ecléticas. O sentido de separação é apenas para facilitar o estudo, portanto foi necessária uma abstração da realidade. 4.1 Ética empírica
É aquela em que os princípios foram derivados da observação dos fatos. Mais do que isso, foi a experiência concreta na vida social que levou seus defensores a provar o fato de que sem os valores éticos a vida social é impossível. Seus defensores são chamados de “empiristas” e suas teorias da conduta se baseiam no exame da vida moral. Segundo os empiristas, os preceitos disciplinadores do comportamento estão implícitos no próprio comportamento da maioria dos seres humanos. Para os teóricos da ética empírica, não se deve questionar o que o homem deve fazer, e sim examinar o que o homem normalmente faz. Pois o homem deve ser como naturalmente é, e não se comportar como as normas queiram que ele seja. O drama ocidental foi que o empirismo nos levou ao relativismo. Como a conduta humana varia de acordo com a cultura e o tempo histórico, a defesa que os empiristas fazem da existência de uma moral universal, natural e própria do ser humano mostra-se improvável nos dias atuais. Tanto que o subjetivismo, próprio da visão da ética empírica, terminou por gerar visões de ética que são opostas ao conceito grego original – defesa da vida comunitária. É possível assim dividir as teorias éticas nascidas da ética empírica.
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Unidade I 4.1.1 Ética anarquista (subjetiva) O anarquismo repudia toda norma, todo valor, direito, moral, convencionalismos sociais, religião. Para tal visão, tudo constitui exigência arbitrária, nascida da ignorância, da maldade e do medo. Assim, não há legitimidade nas normas, sejam elas morais ou jurídicas. É uma doutrina egoísta, pois nela o que vale é a vontade humana num dado momento e esta varia de indivíduo para indivíduo. Não é possível uma direção para o agir social considerado modelo. 4.1.2 Ética utilitarista Toda ética busca o bem absoluto na vida social. Para a teoria utilitarista, só é bom o que é útil. A conduta ética desejável é a conduta útil. A utilidade, porém, é mero atributo de um instrumento. A eficácia técnica dos meios não corresponde ao valor ético dos fins. Exemplo: a arma utilizada para abater um animal a ser sacrificado em decorrência de portar enfermidade grave é tão útil como aquela que serve ao assaltante para liquidar sua vítima. Não existe consistência no utilitarismo como aplicação para necessidade de uma conduta ética dos homens, salvo se referente a uma finalidade: a obtenção do supremo bem, a felicidade das pessoas. O utilitarismo tem sentido moral se entendido como prudente emprego dos meios aptos à consecução de fins moralmente valiosos. 4.1.3 Ética ceticista É a ética do cético. Cético é a pessoa que põe em dúvida todas as crenças tidas como verdadeiras para as demais pessoas. Uma teoria de ética cética, portanto, é aquela em que o valor moral maior consiste justamente em colocar em dúvida todos os valores aceitos como essenciais para a maioria dos teóricos. O cético duvidando de tudo coloca o método filosófico como fim de compreensão da realidade. É dúvida sistemática. Aqui cabe, mesmo que sucintamente, distinguir entre dúvida metódica e dúvida sistemática. Dúvida metódica é utilizada como método filosófico de busca da verdade última das coisas. Duvidar como instrumento metódico leva a um saber que se aproxima da ausência do erro. Por exemplo, a máxima de Sócrates, “só sei que nada sei”, sustenta que algo se sabe com certeza: sabe-se, ao menos, que nada se sabe. Esse é o primeiro passo no caminho do conhecimento. Sócrates compreendeu o valor da dúvida como método dialético (método de discussão). Já a dúvida sistemática, própria dos ceticistas, é aquela em que se põe em dúvida tudo e de forma permanente. Eles declaram não crer em coisa alguma e aqui, segundo alguns filósofos, está seu primeiro e mais profundo erro, pois se fossem realmente céticos, duvidariam até mesmo da sua afirmação de que em nada creem. 4.2 Ética dos bens
A ética dos bens se preocupa com a relação estabelecida entre o proceder individual e o supremo fim da existência humana. A ética dos bens defende a existência de um valor fundamental denominado bem supremo. O bem supremo é aquele que não pode ser meio de qualquer outro para se obter um fim. Desta forma, hierarquicamente, a vida pessoal e o prazer de viver são o principal bem supremo. As 26
ECONOMIA E ÉTICA manifestações mais importantes da ética dos bens são o eudemonismo (confiança na felicidade como destino humano), o idealismo ético (aspiração ao ideal) e o hedonismo. 4.3 Ética formal
Para tal teoria, a significação moral do agir ético reside na pureza da vontade e na retidão dos propósitos do agente considerado. Tal retidão de propósito reside na boa vontade do agente ético se comportar socialmente conforme o seu dever e por dever. Exemplificando: conservar a vida é um dever. Portanto, se atentamos contra a vida em quaisquer circunstâncias, estaremos descumprimos o dever. Mas, se alguém perdeu todo o apego à vida e mesmo não temendo, ou até desejando, a morte, conserva a existência para não descumprir o dever de conservar a vida, sua conduta tanto externa como internamente está em acordo com a lei moral e possui valor moral pleno. Por isso, seu agir é ético. 4.4 Ética valorativa
Pressupõe que os valores devam ser ensinados, pois seus teóricos defendem a idéia de que basta saber o que é a bondade para ser bom. O construtor dessa teoria foi Sócrates. Segundo ele, basta conhecer a bondade para que se seja bom. Para nós, tal ideia pode parecer ingenuidade, pois já está profundamente gravado na nossa mente que só algum grau de coerção é capaz de evitar que o homem seja mau. Na Antiguidade, esta era uma noção perfeitamente coerente com o pensamento, ainda que não com a prática da sociedade grega. Além do mais, essa ideia é a base que orientará a ética ocidental. Resumo O que foi possível aprender nesta unidade? Iniciamos com uma breve introdução sobre a importância da ética enquanto urgência não só no mundo dos negócios, mas também nos paradigmas de convívio social. Avançamos para a discussão do conceito de ética no âmbito geral. A abordagem deu-se a partir da etimologia à filosofia. Vimos a relação da ética com a moral, procurando entender ao mesmo tempo a diferença entre os dois conceitos, bem como suas relações internas e externas. O conceito de valor também foi trazido ao debate, mapeado inicialmente a partir dos estudos da ciência econômica para depois partir para a questão geral. A história da ética, bem como sua gênese, também esteve presente na unidade. Neste aspecto, foi possível perceber a noção de justiça e bem comum. A formação da ética no sentido de liberdade, igualdade e fraternidade também foi abordada na unidade, partindo das discussões filosóficas e cristãs. A evolução da ética com Kant também foi apontada, assim como as teorias e classificações da ética, finalizando a unidade. 27
Unidade I
Exercícios Questão 1. Veja os dois textos abaixo: Texto 1 De acordo com Manzalli e Aguiar (2015, p. 14), “devido ao fato de o pensamento kantiano ter uma importância medular para quem se interessa pela reflexão sobre ética no mundo capitalista, preferimos compreender que ética se diferencia da moral. Moral está mais relacionada a crenças estruturadas em valores, acumuladas desde a mais tenra infância e transmitidas pelos grupos sociais de interações afetivas, tais como a família e a Igreja. Moral está diretamente relacionada à consciência que é o locus privilegiado dos valores, enquanto a ética é a exteriorização da conduta humana em sociedade. Além disso, desde o início os pensadores liberais preferiram a palavra ‘ética’ para expressar normas de conduta de grupos organizados, como as categorias profissionais e seus Códigos de Ética”. Texto 2
Em relação aos dois textos acima, é possível afirmar que: A) Não há relação entre eles, já que o segundo nega a possiblidade de ética mesmo entre pessoas com elevado grau de instrução. B) O segundo texto se opõe ao primeiro, já que evidencia a incapacidade de a escola formar cidadãos éticos. 28
ECONOMIA E ÉTICA C) Há relação entre os dois textos, já que o primeiro explica a diferença entre valores apreendidos (moral) e valores exteriorizados (ética), o que é evidenciado no segundo texto. D) Não há relação entre os dois textos, já que o primeiro distingue moral e ética e o segundo coloca moral e ética como possuindo o mesmo significado. E) Não há relação entre os dois textos, já que a moral e a ética são questões metafísicas que não estão associadas a condutas pessoais ou profissionais. Resposta correta: alternativa C. Análise das alternativas A) Alternativa incorreta. Justificativa: o segundo texto não nega a possiblidade de comportamento ético entre pessoas de elevado nível superior; ao contrário, o que ele mostra é que moral e ética são dimensões diferentes e que se revelam de formas diferentes. Este é, aliás, o conteúdo do primeiro texto. B) Alternativa incorreta. Justificativa: não há oposição entre os dois textos, já que o segundo mostra que mesmo a escola, fonte e origem de transmissão de valores morais, pode abrigar comportamentos não éticos. Isso não significa que a escola seja incapaz de formar cidadãos éticos, mas tão somente que ética e moral são dimensões distintas, tal como o explicado no primeiro texto. C) Alternativa correta. Justificativa: os dois textos estão associados; o primeiro explica a diferença entre ética e moral; o segundo evidencia que, embora apreendidos, valores podem não ser materializados exatamente da forma como foram transmitidos e absorvidos. Tal posição encontra abrigo na filosofia kantiana, como explicado pelos autores do primeiro texto. D) Alternativa incorreta. Justificativa: há relação entre os dois textos já que os dois tratam das diferenças entre moral e ética. E) Alternativa incorreta. Justificativa: há relação entre os dois textos e, em nenhum deles a moral e a ética são tratadas como atributos metafísicos, sem quaisquer relações com a conduta pessoal ou profissional. Ao contrário, os dois textos estabelecem essa associação entre valores aprendidos e valores exteriorizados.
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Unidade I Questão 2. (Enade 2010, adaptada) Analise a charge abaixo:
A charge representa um grupo de cidadãos pensando e agindo de modo diferenciado, frente a uma decisão cujo caminho exige um percurso ético. Considerando a imagem e as ideias que ela transmite, avalie as afirmativas a seguir. I – A ética não se impõe imperativamente nem universalmente a cada cidadão; cada um terá de escolher por si mesmo os seus valores e ideias, isto é, praticar a autoética. II – A ética política supõe o sujeito responsável por suas ações e pelo seu modo de agir na sociedade. III – A ética pode se reduzir ao político, do mesmo modo que o político pode se reduzir à ética, em um processo a serviço do sujeito responsável. IV – A ética prescinde de condições históricas e sociais, pois é no homem que se situa a decisão ética, quando ele escolhe os seus valores e as suas finalidades. É correto apenas o que se afirma em: A) I e II. B) I e IV. C) II e IV. D) III e IV. E) I, II e III. Resolução desta questão na plataforma. 30
ECONOMIA E ÉTICA
Unidade II 5 ÉTICA NO MUNDO ECONÔMICO
Na atual sociedade, lamentavelmente, o sucesso econômico passou a ser a medida de todas as coisas. Também a ciência libertou-se da ética e está a serviço do lucro. Dupas (2000, p. 76), em Ética e Poder na Sociedade da Informação, alerta para um “estado de vazio ético”. Tal vazio ocorre porque os valores e as referências tradicionais desaparecem e os fundamentos ontológicos, metafísicos e religiosos da ética se perderam. Diz ainda que o paradoxo mais claro de nossa época é que, apesar de o capitalismo ter se desligado da sua origem, que era ver o homem como um fim, e não um meio, as pessoas que mesmo não praticando a ética buscam exigir a ética e os preceitos morais estão sempre no debate por toda a sociedade. Leitura obrigatória Para rever a construção do capitalismo, bem como seus desdobramentos econômicos e sociais, busque pelo livro a seguir: HUBERMAN, L. História da riqueza do homem. 22. ed. Rio de Janeiro: LTC editora, 2010. Disponível em: . Acesso em: 11 nov. 2014. Leia obrigatoriamente os capítulos 20, 23 e 24 da Parte II. Quase todos os dias os programas da mídia e os jornais debatem a questão do dever. Há uma nova ordem surgindo, uma exigência de uma ética da responsabilidade em relação ao futuro longínquo pelo qual somos responsáveis, uma vez que, como é sabido, a grande questão ética que se propõe hoje é a salvação do planeta e do homem como espécie. Como vivemos em uma sociedade em rede, o que acontece a uma parte da humanidade acontecerá a todos nós. Desde seus primórdios, mas acentuadamente nos últimos séculos, o capitalismo e sua ideia de progresso sem fim vai aos poucos restringir sua ação apenas na busca do lucro como resultado mecânico da livre concorrência entre seus diferentes componentes. A produção científica e os centros de pesquisa amarrados ao lucro capitalista perderam o sentido original de produzir bens que trouxessem para a humanidade o bem-estar e procuram aumentar sua produtividade no sentido de buscar o lucro sobre o lucro. A técnica, ao invés de levar à emancipação e à felicidade dos homens, como era seu objetivo inicial, tem causado sofrimento e exclusão de uma parte considerável da população mundial. 31
Unidade II
Observação Veja que há no mundo contemporâneo o entendimento de que o capitalismo se apresenta de forma diferente daquele nascente.
Saiba mais Para obter maiores informações acerca do desenvolvimento do capitalismo, vale a pena a leitura dos capítulos 2 e 3 do livro a seguir: FEIJÓ, R. História do Pensamento Econômico. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2007. Disponível em: . Acesso em: 11 nov. 2014. Prevalece a ideia de que havia necessidade de normas de condutas para as empresas, porque elas são pessoas jurídicas, e, ao mesmo tempo, uma relação comunitária, pois é por meio das empresas que o capitalismo como tal se manifesta. Para retomar normas morais de conduta no mundo econômico, há que se atingir sua manifestação corpórea: as empresas. Tal concepção surge pela primeira vez nos Estados Unidos, na década de 1960. Por essa época, havia nesse país uma crise generalizada de confiança. Por ser uma nação democrática, os órgãos de mídia são extremamente livres e começaram a denunciar o que se passava no mundo dos negócios: os escândalos de corrupção, os atentados à saúde pública, os subornos, o tráfico de influências, o uso de informação privilegiada, a distribuição injusta do benefício, a manipulação dos preços etc. Observação Juntamente com a crise de confiança que essas denúncias fizeram surgir, o país vivia a crise da Guerra do Vietnã e as consequências do escândalo Watergate, que levou à renúncia do presidente Richard Nixon. Tantos escândalos e desrespeito ao bem comum, ao patrimônio público e até aos direitos fundamentais da pessoa humana geraram na grande nação uma atmosfera de desconfiança de todas as esferas da vida pública e também de um setor para com o outro. Tal situação fez com que se instalasse na sociedade estadunidense um clima de desconfiança tão profundo que políticos e homens de negócio perderam a credibilidade indispensável à atividade política e econômica. Uma sociedade só pode funcionar dentro de um nível mínimo de confiança, sem o qual desmorona. A situação ficou muito complicada na década de 1970, nos Estados Unidos. Naquela nação, propulsora do mundo econômico, a desconfiança foi de tal ordem que os analistas concluíram não ser possível esperar para que a sociedade, mais concretamente o setor empresarial, recuperasse por si mesma o grau de confiança necessário ao mercado e ao mundo social como um todo. 32
ECONOMIA E ÉTICA Considerou-se que o estado de degradação da confiança que se tinha instalado era de tal ordem que a sociedade entregue a si mesma já não tinha energia para recuperar. Era necessário fazer alguma coisa para que a confiança indispensável aos negócios ressurgisse de modo a superar a crise em todas as suas dimensões. A partir daí, então, começa a pressão da sociedade e do grande capital, no sentido de se retornar a ética dos fundadores do capitalismo, ou seja, a ética como elemento constitutivo da sociedade de organizações. A ética que gira em torno desses dois eixos procura dar conta da responsabilidade do indivíduo enquanto pessoa e das responsabilidades sociais da empresa, bem como visa compreender melhor o papel do elemento empresarial no seio da ordem alargada da cooperação humana, tendo em conta que a ordem econômica numa sociedade livre só se pode entender no contexto de certas normas morais e jurídicas que tornam tal ordem possível. Assim, as grandes empresas, a princípio, depois todo o mundo econômico, passam a exigir que os estudantes tenham curso de ética e que as empresas desenvolvam com seus colaboradores uma reflexão sobre a importância da ética empresarial. Pressionada por um capitalismo global, a ética torna-se um dos temas mais discutidos nos últimos anos no Brasil e no mundo, em especial quando aplicada ao exercício profissional e mais ainda no que se refere aos cargos de gestão empresariais. Isso porque as informações que apoiam os processos de tomada de decisão interferem diretamente no processo de construção da imagem e da própria continuidade das empresas. Além do mais, o Estado na ideologia neoliberal que é adotada pelo Brasil a partir da década de 1990 deixa de ser empresário. Não há mais praticamente empresas estatais e as empresas encarregadas da prestação de serviços para o Estado contribuem para a imagem negativa ou positiva da própria nação brasileira no mundo todo. Os grandes escândalos que ocorrem na relação empresa-Estado no Brasil têm demonstrado como está longe por aqui a ética da responsabilidade por parte de muitos homens de negócios. A desvinculação das normas religiosas de conduta moral no Brasil não foi um fenômeno que começou a partir de estudo sistematizado dos filósofos da moral, como na Europa e nos Estados Unidos. A grande empresa nacional nasce estatal e se estabelece por decreto durante o governo Vargas; nossos empresários vão se especializando em produtos e serviços que serviam às empresas estatais ou, a partir da década de 1950, às empresas multinacionais. A maior parte dessas empresas se especializou sem que seus gestores percebessem a extrema ligação, como já provara Max Weber, entre a ética da responsabilidade e o estabelecimento e reprodução do capitalismo. Leitura obrigatória Para maior entendimento da Era Vargas, leia o capítulo 9, “O processo de industrialização”, do livro a seguir: ECONOMIA brasileira. São Paulo: Academia Pearson, 2011. Disponível em: . Acesso em: 11 nov. 2014. 33
Unidade II São os valores que orientam as normas de conduta ética, que exige como função principal do Estado promover a igualdade entre desiguais pela natureza e pela história, que promoveram a própria civilização capitalista liberal e democrática por meio da educação. Os valores que orientam a conduta ética têm que ser ensinados, eles não vêm de berço. Sem a prática de tais valores no mundo econômico não é possível ter responsabilidade moral geradora de confiança e respeito pela empresa, tornada pessoa pelo capitalismo; mesmo para aqueles agentes econômicos que se comportam fora das regras morais, o que parece ser uma esperteza termina por ser desvantajoso. O capitalismo é racional. O lucro oriundo da corrupção, que parece ser grande de imediato, acaba sumindo em comissões, subornos, problemas com a justiça, pagamento de indenizações e outros arranjos. A insegurança em relação à empresa com fama de corrupta diminui os investimentos e faz cair o valor de suas ações, entre outras mazelas. Tudo contribui para a morte da própria empresa e esse é um dos motivos para nossas empresas não conseguirem uma sobrevida à vida de seus fundadores. Como o capitalismo é racional e metódico, não pode viver na irracionalidade dessa situação. Se for urgente para todo o mundo falar em ética nos negócios, no Brasil se trata de “uma questão de vida ou morte”, uma vez que dentro de uma economia cada vez mais entrelaçada e em rede não é possível a solução ao nosso “jeitinho” de hábitos que levam à morte muitos brasileiros: por fome, por doenças endêmicas e epidêmicas, por violência gratuita e por exclusão social. Além disso, o capital foge de onde não há confiança de reprodução com lucro e em paz. Leitura obrigatória Vale a pena a leitura do capítulo “Exploração capitalista do homem pelo homem e corrupção”, escrito por Alaor Coffé Alves, bem como o capítulo “Poder econômico, ética da administração pública e corrupção”, escrito por Tercio Sampaio Ferraz Junior. Você encontrará estes capítulos no livro a seguir: PODER econômico: direito, pobreza, violência, corrupção. São Paulo: Manole, 2009. Disponível em: . Acesso em: 11 nov. 2014. 6 A ÉTICA EMPRESARIAL
É neste contexto, e com o objetivo de o mundo empresarial recuperar a confiança, que surge a ética empresarial. Para responder à situação, as universidades começam a organizar cursos de ética aplicada aos negócios; diversas publicações científicas ou ligadas ao mundo empresarial têm se interessado pelo tema. Observação Atualmente, nas escolas de Gestão ou Economia, disciplinas de ética geral ou profissional integram seus cursos. 34
ECONOMIA E ÉTICA Outro fator importante para o surgimento da ética empresarial foi a influência da luta ideológica promovida pelas forças de esquerda, partidos e sindicatos, e também, de um modo particular, a atividade das igrejas na sua luta pela justiça social, dando especial destaque ao pensamento desenvolvido pela igreja católica. Outro fator importante é a utilização das empresas dos recursos hídricos e ecológicos, bens comuns que terminam por ser apenas um meio de lucro para algumas empresas em detrimento da comunidade. Como exemplo, podemos citar a poluição por meio de dejetos industriais de rios e lagos. A ética passa a ser, então, um caminho para promover as empresas aos olhos da opinião pública. Uma empresa que põe em primeiro lugar os seus clientes, respeita o meio ambiente, reconhece ter uma responsabilidade social e se preocupa com a vida cultural dos seus trabalhadores está atenta a todos os que, direta ou indiretamente, têm alguma relação com ela, melhorando a sua imagem e tirando disso benefícios diversos, dentre eles os benefícios econômicos. Lembrete Como a ética empresarial é rentável, os empresários verificaram que as empresas que manifestavam preocupações éticas tinham melhores resultados do que as outras. Esta constatação contribuiu muito para que a Ética Empresarial entrasse na moda e fosse vista como instrumento para o aumento de lucros. Os empresários rapidamente compreenderam que a ética, enquanto marketing, favorecia o bom nome das empresas melhorando a sua imagem e, consequentemente, aumentando os negócios, criando fidelidades e contribuindo para aumentar os lucros. A ética é rentável não só quando usada no marketing, mas quando a empresa, no seu interior, consegue fazer com que a ética anime o espírito de todos aqueles que integram o seu quadro de pessoal. Por outras palavras: a ética revela-se também rentável quando, por meios eficazes, a empresa incute nos seus colaboradores princípios e regras éticas que os conduzem na sua atividade dentro da empresa. Uma organização que partilha valores comuns e assume regras de funcionamento com uma marca ética é mais eficiente economicamente e sobrevive melhor no mercado. A ética aplicada dentro da empresa produz dois fatores geradores de lucro. O primeiro diz respeito à diminuição de investimento em mecanismos de controle. Toda a organização tem necessidade de possuir mecanismos que permitam controlar o seu funcionamento. Esses mecanismos vão desde relógios de ponto, por exemplo, a sistemas de vigilância para controle de tempos máximos ou mínimos para diversas operações de modo a garantir os ritmos de trabalho às hierarquias de responsáveis que zelarão pelo bom funcionamento da empresa etc. Quando as pessoas estão sensibilizadas pelo espírito ético e veem o seu trabalho como caminho de realização moral, a empresa pode dispensar-se dos investimentos de controle, ou pelo menos reduzir esses investimentos ao mínimo. Além disso, tal atitude é racional, uma vez que é impossível controlar a todas as pessoas, o tempo todo. O segundo fator que produz rentabilidade tem origem nos aumentos de produtividade. Um trabalhador que encara o seu trabalho como um dever moral desempenha as suas tarefas de um modo diferente daquele que vê no trabalho apenas um processo para adquirir os meios necessários à sua 35
Unidade II subsistência. Quando um homem ou uma mulher vê o seu trabalho na empresa como um meio para a realização da sua dimensão moral, aderindo aos princípios éticos propostos pela organização, a sua taxa de produtividade aumenta. Isso porque falta menos ao trabalho, cumpre mais rigorosamente os horários e dedica-se totalmente às suas obrigações de trabalhador. Ocorre, então, um aumento do ritmo com que as diversas tarefas são feitas porque o trabalhador se sente responsável pela empresa. A justificação filosófica para a ética empresarial não está só na possibilidade do lucro das empresas, mas no homem, na dignidade do homem. Na medida em que a empresa é uma criação humana, na medida em que ela contribui para a realização do homem, para a vida boa, ela deve ser ética. A ética empresarial justifica-se assim não por ser rentável, mas porque a empresa, sendo uma construção humana, deve acolher a dimensão que faz do homem o que ele é, a dimensão moral.
Saiba mais Leia o capítulo II – “Ética no mundo da empresa” que está no livro a seguir: ALENCASTRO, M. S. C. Ética empresarial na prática. Curitiba: Editora Intersaberes, 2012. Disponível em: Acesso em: 11 nov. 2014. A atividade humana na empresa é movida por interesses econômicos, mais precisamente pelo lucro. Apesar de na nossa tradição o dinheiro, oriundo do lucro, nem sempre ser visto como algo moral, lembremos que a empresa como conhecemos foi uma criação dos protestantes, que pensavam nela como a produtora do bem, pois promove a felicidade humana e evita a escassez por meio da produtividade. Observação Desde a tradição judaica, a riqueza era habitualmente vista como sinal da generosidade de Deus para com aqueles que agiam bem. O protestantismo também pensa dessa maneira sobre a posse da riqueza. Nos países de tradição católica, o dinheiro foi habitualmente olhado com suspeita. Sintomaticamente, nos países católicos, os ricos tendem, ou pelo menos tendiam, a mostrarem-se discretos no que se refere à manifestação pública da riqueza. Lembrete Como já referimos, para Kant a ação só tem valor moral quando é determinada pelo dever. Contudo, antes de expormos as consequências dessa posição no que respeita à atividade empresarial, analisemos o agir humano em geral. 36
ECONOMIA E ÉTICA A atividade humana em geral é sempre ditada por inúmeras motivações. Agir humanamente implica estar atento a múltiplos fatores tanto no que se refere aos fins a atingir como aos meios a utilizar e nas condicionantes da ação. A reflexão ética deve ter como ponto de partida a vida e não deve ser uma ética abstrata originada por uma razão descarnada que deve dizer o que a vida é; o que a vida é não pode ser negado por uma teoria ética. Se uma atividade humana tem vários objetivos e entre eles está a vivência da dimensão moral, não se pode negar a existência desta pelo fato dela não ser a única dimensão presente. Aliás, nunca há uma ação que tenha como motor apenas a moral, que tenha a ver apenas com a moral. Toda ação é ao mesmo tempo política, econômica, social e moral. A dimensão moral está presente na ação que é um agir imensamente complexo. Para uma ação ter dimensão moral, é preciso que seja ação, livre e responsável, um movimento que implica complexidade. Para haver moralidade no pagamento dos impostos, é preciso cumprir a lei pagando os impostos. Só se pode cumprir o dever de amar os outros amando. O que determina a moralidade da ação, para além da liberdade e do conhecimento, é a intenção, a intenção dominante. Ora, a intenção inicial dos fundadores do capitalismo era gerar riquezas que diminuíssem a escassez natural de bens e serviços. Isso era sua responsabilidade, seu dever, não só com a sociedade, mas com o próprio Deus. O lucro, a princípio, era apenas resultante do trabalho efetuado. Hoje, a ética se desvinculou dessa noção de dever, uma vez que as intenções que movem o homem no seu agir são múltiplas. Na empresa, as coisas não são diferentes, pois o homem não visa apenas aos aspectos econômicos. Contudo, vida empresarial tem uma finalidade específica ou interna, que lhe confere um sentido: seu interesse racional é a obtenção do lucro. Mas, por mais individual que possa parecer essa proposição, o fato de agir levando em consideração os outros (clientes, fornecedores, acionistas, colaboradores) dá um caráter social à atividade empresarial. O dever, então, agora passa a ser um dever de responsabilidade com o futuro da organização, com a sociedade em que está envolvida, com toda a humanidade e com o futuro do planeta. É o que deve estar presente quando se discute a moralidade nas empresas. Além de atender a objetivos econômicos irrenunciáveis (o primeiro de todos, evidentemente, é o da própria sobrevivência num mercado cada vez mais competitivo), as empresas devem levar em consideração os interesses legítimos dos diferentes parceiros, entre eles os interesses éticos. A empresa não pode deixar de buscar seus interesses econômicos sob o risco de desaparecer e entre seus interesses o maior é o lucro. Entretanto, sendo humana a atividade empresarial, ela no seu desempenho não pode deixar de ser moral, moralmente boa ou moralmente má. Aí aparecem os limites de como conquistar mercados, clientes e fornecedores sendo moralmente boa. É a própria racionalidade do capitalismo que impõe esses limites, uma vez que é humana e, tornada pessoa jurídica, lhe é impossível sob pena de fracasso ir contra a humanidade. Assim, mesmo que seja pelo pensamento egoísta de consecução dos lucros, a atividade empresarial, nos dias de hoje, não pode ir muito longe sem uma conduta ética e sem exigir de seus parceiros o mesmo agir ético sob o risco de negar a si mesmo. A empresa necessita desenvolver-se de tal forma que a ética, a conduta ética de seus integrantes, bem como os valores e convicções primários da organização, se tornem parte de sua cultura. Entre essas ações concretas de conduta empresarial voltada para a ética, podemos citar: 37
Unidade II • Balanço social É um instrumento utilizado pela empresa para divulgar sua política de Gestão de Pessoas e suas implicações no processo produtivo. O balanço social é o instrumento utilizado pela empresa para comunicar a todos os parceiros (partes envolvidas) a evolução na gestão social e ambiental, o andamento dos diferentes programas implantados, seu impacto nos públicos envolvidos e o firme comprometimento da administração com o processo. • Cidadania É o exercício pleno dos direitos e obrigações por parte dos cidadãos. A empresa ética procura participar de projetos que busquem a prática da cidadania, uma vez que, nos tempos atuais, a participação na luta contra a exclusão social é cada vez mais necessária para evitarmos a explosão de violência. A empresa enquanto pessoa jurídica é, muitas vezes, o único agente que pode promover e englobar a luta da comunidade. Ela pode, dentro do lugar onde se estabeleceu, buscar apoios públicos que valorizem o respeito às pessoas, ao meio ambiente. Assim, estará no caminho do cumprimento dos seus deveres enquanto agente social. É cada vez maior o número de empresas que procuram cuidar dos jovens e adultos, não só estudantes, mas também profissionais, bem como das relações com a família e as instituições. Os jovens formados nessas condições poderão optar pela escolha consciente, votar em representantes que promovam o bem comum, por exemplo. A empresa então estará inserida numa comunidade que favorecerá uma maior produtividade. • Compromisso social O compromisso social acontece se a comunidade é uma coletividade na qual os participantes possuem interesses comuns e estão afetivamente identificados uns com os outros; se a empresa está inserida nessa comunidade; se for coerente entre o que ela cobra dos agentes públicos e sua prática. Atualmente, as empresas tendem a se comprometer com a região em seu entorno, promovendo diversas atividades que vão além da expectativa de lucro ou de marketing, mas no sentido de compromisso social. • Códigos éticos de empresas Quase todas as empresas possuem um Código de Ética. Tal código procura dar conta do papel da ética no desempenho profissional de cada um dos colaboradores. Isso porque fundamentalmente as regras éticas não são diferentes para diferentes papéis hierárquicos. Os modelos desses códigos vieram das empresas estrangeiras que precisavam ensinar aos brasileiros as normas de conduta que possibilitassem a polidez entre os funcionários e destes com clientes e fornecedores. Com pequenas diferenças entre seus preceitos, os códigos de conduta fornecem juízos de valor comum a toda empresa capitalista, para que as tomadas de decisões resultem num agir voltado para liberdade, o bem, a retidão moral e a competência profissional, ou seja, para a ética profissional. 38
ECONOMIA E ÉTICA • Filantropia empresarial É o apoio, em recurso financeiro ou material, dado pela empresa a alguma ação social individual ou a entidades, sem acompanhar o uso desse recurso ou se envolver diretamente no projeto. É o único modo para a empresa agir dentro do principio ético da compaixão; ainda que não tenha coração (apesar de ser uma pessoa), a empresa por definição não pode fazer caridade. Resta-lhe fazer filantropia, que se trata da ação social externa à empresa, tendo como beneficiário principal a comunidade em suas diversas formas: organizações não governamentais, Conselhos Comunitários, Associações e entidades do terceiro setor, em geral. Como exemplo, podemos citar o Instituto Ethos.
Saiba mais Visite o site do Instituto Ethos, você encontrará vasta quantidade de artigos e discussões acerca da ética e responsabilidade social nas organizações. • Governança corporativa É o conjunto das melhores práticas e relacionamentos entre acionistas, Conselho de Administração, diretoria, auditoria independente e Conselho Fiscal, orientado a assegurar a transparência das informações, no sentido de otimizar o desempenho da empresa e facilitar o acesso ao capital através do mercado aberto, com garantia de uso das melhores práticas de gestão. Em outras palavras, governança corporativa é a forma de gestão pela qual a empresa reconhece os direitos de todas as partes nela interessadas, ou seja: acionistas, fornecedores, cliente, trabalhadores, governo e comunidade. Leitura obrigatória Você poderá obter maiores conhecimento acerca do assunto governança corporativa consultando o livro a seguir: SILVA, A. L. C. da; LEAL, R. P. C. Governança corporativa: evidências empíricas no Brasil. São Paulo: Atlas, 2007. Disponível em: . Acesso em: 11 nov. 2014. 7 ÉTICA PROFISSIONAL
Se entendermos ética como a conduta do ser humano em sua comunidade e em sua classe profissional, uma reflexão mesmo que superficial pode nos levar a ponderar que um tipo de conduta nem sempre tem o mesmo valor social nos diferentes tempos históricos. 39
Unidade II Algumas normas de conduta desaparecem na medida em que o conhecimento científico nos convence que tal atitude, longe de proteger o tecido social, pode levar ao esfacelamento da sociedade. Isso porque a ética não é imutável. Sendo racional por excelência, tudo que a ciência nos prova como erro altera nossa maneira de pensar uma determinada atitude. Por exemplo, até a Segunda Guerra Mundial, o valor “coragem” era entendido como a capacidade do homem em matar nas guerras em defesa de seu país ou nação. A tolerância era vista como uma fraqueza e falta de honra, tanto que qualquer ofensa era motivo para duelo entre dois homens. Hoje, coragem não só alterou o sentido como se tornou um valor também feminino. Coragem hoje é a luta metafórica. É buscar agir de acordo com o coração, mas no sentido de por em prática seus projetos pessoais, independentemente do que as pessoas pensem deles. É ir além de seus limites físicos e psicológicos para promover o bem. A Tolerância (assim mesmo com letra maiúscula) é para muitos filósofos a virtude ética fundamental num período histórico em que pessoas das mais diversas etnias, culturas e religiões devem (imperativo ético) cooperar, entre si, para defender a vida de nosso maior bem comum: o planeta Terra. Como é sabido, o Brasil faz parte do que se convencionou chamar de civilização ocidental. No Ocidente, as ações consideradas éticas são dirigidas por valores construídos durante o processo civilizatório. Tal processo inclui desde o decálogo mosaico, passando pelas inovações cristãs de caridade, solidariedade, igualdade e fraternidade, até as contribuições do pensamento humanista cuja ideia de moral se funda na razão. Portanto, o agir ético é a busca da ação desinteressada, a universalidade de valores e os homens como portadores de história e de dignidade. Assim, se construiu no Ocidente capitalista e liberal a convicção de que cada pessoa é portadora em sua humanidade de todo o universo civilizatório, sendo insubstituível e livre, mesmo quando suas ações são contrárias às leis e aos costumes. Observação Foram essas reflexões que permitiram ao Ocidente a promoção de constituições de Direito pleno e de órgãos internacionais e nacionais de defesa dos direitos da pessoa humana, denunciando internacionalmente as nações, instituições e pessoas que os desrespeitam, a exemplo da Declaração Universal dos Direitos da Pessoa Humana − ONU, 1948. Uma pessoa ética não só deve pautar seu comportamento dentro de normas de conduta consideradas civilizadas, mas estar sempre em busca de uma reflexão teórica que analisa e critica ou legitima os fundamentos e princípios que regem um determinado sistema moral. Não é raro na história o surgimento de filósofos ou profetas que propõem um sistema ético criticando a moral vigente e propondo uma revolução nos valores e normas estabelecidas na sociedade: Sócrates, por exemplo, questionou com sua filosofia os valores de democracia ateniense. Jesus, com sua prática e ensinamentos, criticou profundamente a moral judaica do seu tempo. Os filósofos iluministas e os reformadores protestantes demonstraram que a sociedade cristã, nos séculos XVI e XVII, havia se afastado dos valores morais cristãos. 40
ECONOMIA E ÉTICA Na verdade, a experiência ética fundamental para os dias de hoje é justamente essa sensação de ”estranhamento” frente à realidade. É uma capacidade que vem da reflexão sistemática e metódica sobre o que é o bem comum e que nos faz perceber que algo está fora da normalidade. Isto é, que o modo como funciona a sociedade, ou até mesmo o modo de ser e agir de outrem, não tem coerência com aquilo que a ética nos ensina como modo de vida que produza o bem comum. Se antes essa experiência ética fundamental ocorria a cada milênio ou séculos, hoje, devido à velocidade de tudo, ela é uma constante, sobretudo na esfera profissional. Portanto, ser ético hoje é mais do que nunca estar refletindo entre o que se deve fazer e como se deve agir em determinada situação, quando se deve escolher entre o desejo e o dever, entre um bem comum e o bem de alguns. Essa situação de escolha é o dilema ético, companheiro constante de um profissional no mundo pósmoderno. 7.1 As origens da ética profissional
É a experiência ética fundamental para os protestantes puritanos nos séculos XVI e XVII que inaugura a ética profissional moderna. Eles perceberam que a práxis dos cristãos, nessa época, era bem diferente daquilo que a Bíblia pregava. Naquele tempo, devido ao poder político da Igreja Católica, moral se confundia com religião e com ética. Isso foi provado por Weber em seu livro A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo: diz ele que aquilo que denominamos de ”vocação”, ou seja, o sentimento de amor e realização em algum tipo de trabalho e que nos leva a um plano de vida, nem os povos predominantemente católicos, nem a Antiguidade Clássica conheceram um termo equivalente. Ocorre que os protestantes, nesse período, e só eles ao longo da História, ao traduzirem a Bíblia, alteraram o sentido da palavra para justificar a nova mentalidade burguesa. Na Bíblia, a palavra vocação significava um chamamento, uma ordem divina para sair do mundo e dedicar a vida a Deus em conventos e monastérios. Devido à mentalidade – de reforma da religião cristã − do tradutor, a palavra é interpretada como chamamento divino sim, mas para agir no mundo e transformá-lo para a glória de Deus, construir o reino de Deus no mundo, por meio do trabalho. Desse modo, não apenas a palavra vocação ganha um novo sentido: o sentido que damos a ela até hoje, como o valor que até então era dado ao trabalho, vai ser alterado. O trabalho deixa de ser uma punição para se tornar (até hoje o vemos assim) uma salvação e um projeto coletivo de promoção do bem comum e da felicidade geral. Portanto, essa mentalidade que resultará no espírito do capitalismo é produto da Reforma Religiosa Protestante. É também produto da Reforma a valorização do cumprimento do dever dentro das profissões, procurando fazer o trabalho o mais perfeito possível, como se o labor cotidiano demonstrasse a presença divina na execução das tarefas. E mais, como se todo o trabalho fosse feito para o próprio Deus, pois se acreditava que a qualquer momento o Cristo encarnado poderia voltar para julgar os seres humanos de acordo com sua conduta, sendo imprescindível que o crente estivesse sempre trabalhando dentro de uma disciplina rígida. 41
Unidade II Os valores de disciplina ascética, poupança, austeridade e dever vão ser incorporados ao mundo do trabalho, o que relacionou o conceito de competência com ética profissional no mundo capitalista até os dias atuais. Quando Kant escreveu Crítica da Razão Prática, em 1788, desenvolvendo sua reflexão sobre o desinteresse e a universalidade como pilares da moral para construir sua noção de dever, tais valores já eram praticados na vida cotidiana dos protestantes puritanos. Os textos que orientam as diversas práticas profissionais definem profissão como trabalho que se pratica com habitualidade a serviço de terceiros, reforçam que a profissão além da utilidade para o indivíduo é uma rara expressão social e moral ou ainda consideram essa prática como alta expressão de humanidade. A profissão permite ao indivíduo status social e realização plena. Por meio da profissão, provamos nossa capacidade, habilidade, sabedoria e inteligência. Ela treina nossa personalidade para vencer os obstáculos, entre eles o domínio de nossos desejos e paixões. Na verdade, tais textos estão desenvolvendo um raciocínio de acordo com a ética kantiana, na qual liberdade, virtude da ação desinteressada (boa vontade) e preocupação com o interesse geral definem as modernas morais do dever. Leitura obrigatória Convidamos você à leitura do livro a seguir: WEBER, O. J. Ética, educação e trabalho. Curitiba: Editora Intersaberes. Disponível em: . Acesso em: 11 nov. 2014. Como vimos, essa visão do dever gerou de maneira indelével na cultura ocidental a ideia do mérito. Se a pessoa consegue vencer seus interesses privados e por dever praticar ações que levam ao interesse comum, ela se coloca um sobrevalor, ela se torna competente. A competência, sobretudo a profissional, é um valor fundamental da ética profissional na civilização ocidental. 7.2 A competência como valor fundamental da ética profissional
Competência, na sua raiz etimológica, significa saber fazer bem. Se procurarmos o significado do advérbio “bem”, ele indica algo que diz respeito tanto à verdade, do ponto de vista do conhecimento, como ao valor, do ponto de vista da atitude que se exige do profissional. Assim, ser competente é saber fazer bem o dever. Ao dever se articulam, além do saber, o querer e o poder, já que é fundamental o domínio dos conteúdos específicos da atividade profissional. Contudo, esse saber perde seu significado se não está ligado a uma vontade política (no sentido de vida em sociedade), a um querer que determina a intencionalidade do gesto para com o outro no espaço do trabalho. Esse gesto não se exerce se não contar com a liberdade enquanto poder de direcionamento do processo. Somos seres sociais e, desta maneira, nosso caráter, espírito e atitudes são construídos socialmente, isto é, tudo o que sentimos, pensamos e nossos valores (o certo e o errado, o bem e o mal, o belo e o feio) nos foram ensinados não só pelas nossas famílias, cursos, grupos e mídia, mas também por todo o nosso 42
ECONOMIA E ÉTICA entorno social. Alguns filósofos têm representado os seres humanos como seres aprendentes. Assim, a competência profissional, que é um valor ético profissional, foi durante toda a modernidade ensinada pelas gerações de profissionais anteriores à nossa na carreira que escolhemos. Leitura obrigatória Em Minha biblioteca, você encontrará o livro a seguir: DUTRA, J. S.; FLEURY, M. T. L.; RUAS, R. Competências: conceitos, métodos, experiências. São Paulo: Atlas, 2008. Disponível em: . Acesso em: 11 nov. 2014. Enfim, quando se ingressava numa carreira, os profissionais mais velhos nos ensinavam o habitus ético da categoria profissional a que iríamos pertencer por toda nossa vida. Carreira significava originalmente na língua inglesa uma estrada para carruagens, e, como acabou sendo aplicada ao trabalho, terminou por ter o sentido que hoje damos ao conceito: um canal para as atividades econômicas de alguém durante a vida inteira (SENNET, 1999). Quanto ao conceito de habitus, podemos elucidar que foi criado pelo sociólogo francês Pierre Bourdieu para a análise da realidade social, hoje tão fragmentada e com um tão grande número de subculturas que o conceito de classe social não é mais confiável. Observação O conceito de classe social foi um instrumento de análise social até mais ou menos a década de 1980. Até esse momento histórico, a inserção individual era bem definida na esfera da produção da sociedade capitalista. Aprendia-se uma profissão trabalhando nela. Até a instalação do capitalismo flexível, entre as décadas de 1980 e 1990, havia três possibilidades de se inserir no mundo do trabalho: uma carreira na indústria, onde se entraria como aprendiz de operário aos 14 anos ou menos, com instrução elementar (as séries iniciais bastavam desde que se soubesse ler, escrever e realizar as quatro operações); profissional técnico burocrático, com educação de nível médio/ técnico; ou profissional liberal, isto para aqueles que nascessem em famílias com recursos econômicos suficientes para bancar os estudos até a universidade. Havia ainda a classe dos donos do capital, consequência direta do poder político que tinha uma educação elitista, quase sempre feita na Europa ou mais recentemente nos Estados Unidos. Essas classes se reproduziam por meio da ideologia que permeava a cultura de classe. O setor de serviços era exclusividade e dever do Estado, que era forte e regulava com rigidez as relações entre capital e trabalho, com leis construídas historicamente por meio da luta política da classe 43
Unidade II trabalhadora e dos partidos políticos com ela comprometidos. Denominado welfare state ou Estado do bem-estar social, o Estado democrático estava comprometido com as classes que o apoiavam politicamente. Todos os setores sociais tinham compromissos e obrigações que os estruturavam por meio da cultura. Costuma-se definir cultura como um conhecimento coletivo que pode ser percebido nas interações sociais, mas também como um conjunto de conhecimentos, ideias e crenças que foi acumulado na memória social. Por isso, cultura implica em princípios, modelos, esquemas de conhecimento, geradores, conservadores e, muitas vezes regeneradores de ideologias que dirigem a consciência coletiva. Ora, a linguagem e o mito são elementos constituintes da cultura, então: [...] a cultura não contém somente uma dimensão cognitiva; ela é um instrumento cognitivo, cuja prática é de natureza cognitiva. Neste sentido poderíamos dizer – metaforicamente – que a cultura de uma sociedade é uma espécie de complexa mega-unidade de cálculo que armazena todas as entradas (informações) cognitivas e, por dispor de propriedades quase lógicas, [...] formula normas praticas, éticas e políticas dessa sociedade (ORTIZ, 1994, p. 72-73).
Assim, cada indivíduo ao ingressar no mundo do trabalho adquiria não só a competência, mas a produtividade, a sociabilidade, a honestidade, a fidelidade, o zelo, e o sigilo: valores essenciais da ética profissional com seus companheiros no próprio cotidiano de labor e durante uma vida inteira. Vivemos, hoje, na era da informação e do capitalismo flexível; fragmenta-se a burocracia, e muda a rotina do trabalho e até a terminologia que usamos para ele. A palavra “job” (serviço, emprego), em inglês do século XIV, queria dizer um bloco ou parte de alguma coisa que se podia transportar numa carroça de um lado para outro. “A flexibilidade hoje traz de volta esse sentido arcano de job, na medida em que as pessoas fazem blocos, partes de trabalho, no curso de uma vida” (SENNET, 1999, p. 9). Atualmente, o mundo do trabalho não permite que tenhamos planos para uma carreira de uma vida toda e, muito menos, as certezas de nossos avós que viviam em uma sociedade estruturada em valores duros. Tomemos, por exemplo, um operário. Aos 14 anos, ele poderia planejar sua vida: ingressar como aprendiz numa grande fábrica e sonhar com ascensão profissional até chefe de seção, casar-se, morar na vila operária, pagar mensalmente as prestações da casa, enquanto os filhos cresciam e ir-lhes ensinando sua profissão e os atributos morais ligados a ela. Instruir esses filhos na luta sindical, a votar nos partidos da classe trabalhadora, a ter a carteira assinada e os direitos de assistência social. Tal trabalhador, junto com os outros trabalhadores, construiria uma rede de solidariedade geralmente ligada ao sindicato, às associações de bairro ou a comunidades religiosas. Poderia ter acesso a um conjunto de orientações burocráticas para organizar suas experiências em longo prazo. As leis estruturavam rigidamente salários, benefícios e pensões. Assim, ao final da vida, podia aposentarse e ingressar numa velhice achacada por doenças profissionais, mas tranquila dentro dos mesmos valores morais, religiosos e éticos, da mesma vila e junto à mesma comunidade em que nascera ou para onde migrara. 44
ECONOMIA E ÉTICA A competência é um valor ético fundamental do mundo profissional. De nada adianta praticar todos os princípios éticos se não tivermos a competência necessária para nosso trabalho. Afinal, é impossível até sermos honestos no campo profissional se não tivermos competência. A “descoberta” da perspectiva ética presente na competência profissional pode contribuir para uma melhoria na qualidade do trabalho que fazemos se formos competentes em nosso espaço profissional. Isso se consegue vivendo de maneira relacional entre teoria e práxis na nossa profissão. A teoria se consegue por meio do saber cientifico historicamente acumulado; ao aplicá-la (a práxis), buscam-se novos saberes que possibilitarão outras formas de ação competentes, e assim sucessivamente. Há uma relação dialética entre saber e fazer. Outro valor ético fundamental nas relações de trabalho dentro da burocracia capitalista é o zelo, que consiste no cuidado amoroso com os instrumentos do trabalho e na própria execução da tarefa como se estivéssemos trabalhando para a própria divindade. Faz parte do zelo profissional o cuidado com a higiene pessoal e com tudo que se relaciona com o corpo do profissional e com sua aparência dentro dos hábitos do grupo de trabalho que faz parte. Além disso, é preciso haver em cada um de nós o sigilo, que é a capacidade de não revelar a ninguém que não componha os quadros da empresa as informações que só interessam aos profissionais da organização. Ao sigilo se refere o falar baixo e claro dentro da empresa, bem como evitar comentários da vida privada, tanto nossas como de outrem. Por fim, temos a honestidade como valor ético profissional fundamental. Do latim honestus, sinônimo de honoris status, tem a ver com o homem íntegro e virtuoso. A honestidade é diferente da coação externa, feita, por exemplo, por medo ou culpa. Não é o mesmo que sinceridade. Valor de respeito ao outro e ao coletivo construído a partir de várias formas de educação que recebemos. Ninguém nasce honesto. A honestidade é uma construção do entorno social. Honestidade significa a capacidade de respeitar a propriedade alheia. Por propriedade alheia se entende desde o dinheiro até o computador e tudo que a ele se refere. Observação É antiético colocar, por exemplo, fotos de parentes nossos no computador do trabalho, onde deveria estar o logotipo da empresa. Não existe meia honestidade. Todo o material da empresa está sob nossa guarda para ser utilizado apenas e tão somente em serviços profissionais, jamais em trabalhos pessoais. Até inconscientemente as pessoas pressentem o risco do caos que seria viver entre desonestos. A competência, o zelo, a honestidade e o sigilo se relacionam de maneira dialética, isto é, quando desenvolvemos um desses valores acabamos por desenvolver todos os outros. Além disso, é preciso 45
Unidade II lembrar que ética é conduta e que conduta se muda pelo exemplo. Pode ocorrer que, se cada um de nós tiver valores éticos fortes, poderemos elevar o nível de conduta e aspiração do grupo de trabalho a que pertencemos. 8 CONSTRUIR UMA VIDA ÉTICA PROFISSIONAL FACTÍVEL
A ética ocidental nos impõe um conjunto de valores que norteiam nossa conduta e que fundamentam as nossas opções entre o bem e o mal, o justo e injusto. Tais opções correspondem à única forma possível de liberdade. Liberdade que gera a responsabilidade por nossos atos e pelo “bem viver” dos outros, sobretudo os mais fracos e dependentes. Isso será possível se cumprirmos bem nosso dever. Agir de acordo com os nossos deveres como cidadãos, profissionais e pessoas nos levará a gerar laços de solidariedade. Para melhorar o mundo hoje, o viver solidário é o traço fundamental para recuperarmos o “viver” ético nas relações de trabalho, nas organizações empresariais públicas ou privadas e na sociedade como um todo. Agimos quase automaticamente dentro daquelas normas de conduta que nos foram ensinadas pelo nosso entorno social ao longo de nossas vidas. Lembrete As normas de conduta que dirigem nossas ações no cotidiano (ética que temos) são pautadas em valores. Tais valores formam as crenças construídas ao longo de nossas vidas pelas convicções políticas, pelo exemplo de comportamento de família, pela educação escolar, pelos amigos, pela TV e rádio, pela religião, pela cultura e pelos companheiros mais velhos de profissão, entre outros. No Brasil há duas éticas distintas e antagônicas: de um lado, a ética do capitalismo neoliberal (que inverteu a ética protestante original e colocou o poder no lugar do dever), competitivo, narcisista, individualista e centrado nas leis do mercado e regido pelo lucro. Por outro lado, a ética da solidariedade, do amor ao próximo, da compaixão não só pelos seres humanos, mas por toda forma de vida, da tolerância com o outro que sendo diferente não deixa de ser fraterno. É a ética pela qual clama a sociedade civil, os movimentos pelos direitos sociais e as religiões. É urgente que estejamos sempre refletindo sobre a diferença entre o que temos a fazer e o que devemos fazer. Examinando constantemente as questões que se encontram em jogo nas nossas ações pessoais, profissionais ou políticas, de preferência em comum com os mais diversos grupos a que pertencemos, podemos nos tornar um profissional mais livre e justo e promotor do bem comum. Isso evitará a rede da antiética que está por todos os lados, que pode nos seduzir com facilidades e “jeitinhos” e que pode nos levar à escravidão dos vícios e na prisão por crimes. Longe, portanto, da felicidade pessoal que os fundadores do capitalismo e da ética profissional sonharam para nossa época. Somente por meio dessa reflexão constante e profunda é possível favorecer um projeto mais consistente de sociedade e de trabalho condizentes com a essência humana de busca da felicidade, o que só será possível onde houver plenitude da tolerância e do respeito à dignidade humana. 46
ECONOMIA E ÉTICA Precisamos ter coragem para colocar a ética em primeiro lugar, para não permitir que nossas mentes se fechem para o sofrimento do outro. Coragem para estar abertos às mudanças e para pensar em novas questões que a princípio possam parecer extremadas. E, acima de tudo, precisamos ter coragem de agir no sentido de buscar soluções para as nossas preocupações políticas e sociais; coragem para tomar decisões éticas de contribuir para o planejamento de nosso futuro comum participando ativamente em nossa comunidade. Isso é essencial para todos os profissionais e cidadãos, afinal vivemos numa sociedade em rede na qual o valor fundamental é a tolerância. Cuidando do outro como a nós mesmos pode nascer uma revolução, porque este modo de agir toca o outro, que se interroga e sente o desejo de começar e experimentar também. Deste modo são recuperadas as razões da convivência e as motivações das exigências éticas. Somente os valores éticos, já que são uma síntese de todo o processo civilizatório, podem fortalecer o tecido social e melhorar a convivência humana. Na verdade, a ética necessita ser construída e reconstruída em cada pessoa e em cada geração no dia a dia da vida, a partir das pequenas coisas. 8.1 Os desafios e propostas para a prática da ética profissional
O campo de trabalho criou uma cultura, se é que podemos chamar por esse nome, onde tudo é efêmero: as comunicações eletrônicas substituíram o senso de comunidade, os contratos substituem o conjunto burocrático. Há uma frequência de mudança de emprego que põe em cheque a noção de responsabilidade. A carreira tradicional, que avança passo a passo pelos cargos de uma ou duas instituições ao longo da vida, e também a utilização de um único conjunto de qualificações no decorrer de uma vida de trabalho estão fenecendo. Como construir no mundo atual a competência? E, como desenvolver em curto prazo os compromissos de lealdade e solidariedade? De que maneira é possível o sigilo, como valor ético, se a posse de uma informação nova é capital para ingresso em uma empresa concorrente e com salários mais altos? A “descoberta” da perspectiva ética presente na competência profissional pode contribuir para uma melhoria na qualidade do trabalho que fazemos? Nada se fez até agora com base apenas no fervor e na espera. É preciso agir de outro modo, entregar-se ao trabalho e responder as exigências de cada dia – tanto no campo da vida comum, como no campo da vocação. Este trabalho será simples e fácil, se cada qual encontrar e obedecer ao demônio que tece as teias de sua vida (WEBER, 2000, p. 52).
Cremos que insistir em determinadas ideias é de fundamental importância num momento como o atual. As organizações operam como estruturas de rede flexível, frouxa, e não têm um comando de cima para baixo que determinaria um código ético a ser seguido. As empresas tendem a deixar para o profissional a culpa por deslizes no campo ético. A cobrança social e as possíveis punições recairão sobre o contador. É o profissional que recebe as demandas por ética da parte dos cidadãos, que atualmente são vistos por tais organizações, apenas, como consumidores ou clientes.
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Unidade II Propomos uma ética profissional voltada para a ideia de que somos seres culturais por excelência e que os seres humanos constroem essa cultura ao mesmo tempo em que são por ela construídos, graças ao recurso cognitivo da linguagem. Esta é também historicamente elaborada a partir dos conhecimentos adquiridos, aptidões aprendidas, experiências vividas, consciência histórica e crenças místicas, em íntima solidariedade – portanto corpórea – com os demais membros da sociedade onde vivemos. Dessa maneira, os ”simbolismo coletivo”, ”consciência coletiva” e ”universo imaginário coletivo” constroem as linguagens e são por elas construídos. Como dissemos anteriormente, a cultura determina não só as regras e normas que organizam a sociedade, como também o comportamento individual. Por isso, ao mudar as linguagens, mudam-se os comportamentos e, além do inverso ser verdadeiro, ocorre um íntimo intercambiamento complexo entre conduta, visão de mundo e linguagens usuais. A linguagem sendo respeitosa e ética pode contribuir para uma ação ética no mundo do trabalho, uma vez que não é mais possível construir a ética profissional como ela era construída pelas gerações anteriores. O ser humano desenvolveu uma linguagem e, diferente de outros animais, aprendeu a solucionar as situações-problema do presente por meio de um conjunto de representações simbólicas que foram herdadas do passado individual e/ou coletivo. Toda sua compreensão de um fenômeno qualquer envolve perspectivas de futuro. Dessa maneira, a linguagem, que é o veículo do pensamento, se tornou com o tempo um conjunto complexo. Nossas linguagens se estabeleceram em comunidades, voltadas ao trabalho, para as festas no tempo das atividades agrícolas ou aos ritos de passagem das fases da vida humana. A linguagem é produto dos seres humanos, resultado da nossa incapacidade de vivermos sós e da capacidade de previsão de nossas necessidades futuras. Resgatando a linguagem concordata, elegante, mansa e eficaz, talvez seja possível resgatar a moral de nossos ancestrais na atividade profissional. Desta maneira, devemos sim nos indignar eticamente quando as linguagens, aparentemente inocentes, utilizadas por companheiros de trabalho ou por nós mesmos, denotarem um desrespeito à vida de qualquer espécie. Cuidar da linguagem, então, pode ser outra forma de zelo profissional. Observação Não podemos nos esquecer que os dois males do mundo do escritório hoje, o assédio moral e o assédio sexual, têm sua origem em linguagens inapropriadas às relações trabalhistas. Para aceitar o desafio de sermos éticos em nossa vida profissional, civilizando a Terra, primeiro temos que tomar consciência de que estamos no mesmo barco, isto é, o que acontece em qualquer lugar do planeta nos diz respeito: A salvação que o intelectual busca, sempre é uma salvação de ‘aflição íntima’ e, por isso, por um lado de caráter mais estranho à vida, porém, por outro, de
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ECONOMIA E ÉTICA caráter mais profundo e sistemático do que a salvação da miséria concreta que é própria das camadas não privilegiadas. O intelectual, por caminhos cuja casuística chega ao infinito, procura dar a seu modo de viver um sentido [...] Quanto mais o intelectualismo reprime a crença na magia, ‘desencantando’ assim os fenômenos do mundo, e estes perdem seu sentido mágico, somente ‘são’ e ‘acontecem’, mas nada ‘significam’, tanto mais cresce a urgência com que se exige do mundo e da ‘condução da vida’, como um todo, que tenham uma significação e estejam ordenados segundo um sentido (WEBER, 1994, p. 343-344).
Resumo Nesta unidade pudemos ter contato com a discussão da ética no mundo dos negócios. Partimos das considerações acerca da ética conforme apresentadas na unidade I, incorporando-as ao mundo econômico. O assunto foi abordado desde o início do capitalismo e sua evolução ao período recente. Para o período recente, a abordagem esteve concentrada na ética empresarial, suas condutas morais no ambiente da cultura organizacional genérica. Neste aspecto, questões relacionadas ao marketing como forma de geração de lucros foram apontadas também. Sobre a ética empresarial, percebeu-se que as empresas precisam se desenvolver de tal forma que a ética, a conduta ética de seus integrantes e os valores e convicções primárias da organização se tornem parte de sua cultura. Para tanto, adotam algumas atitudes, como o desenvolvimento do balanço social e o exercício de cidadania e compromisso social além do código de ética inserido no ambiente de governança corporativa relacionada à ética profissional dentro de uma discussão de competência, valores e bem agir. Exercícios Questão 1. Leia o texto a seguir: Segundo Manzalli e Aguiar (2015, p. 16), “a ética ocidental nos impõe um conjunto de valores que norteiam nossa conduta e que fundamentam as nossas opções entre o bem e o mal, o justo e injusto. Tais opções correspondem à única forma possível de liberdade. Liberdade que gera a responsabilidade por nossos atos e pelo “bem viver” dos outros, sobretudo os mais fracos e dependentes. Isso será possível se cumprirmos bem nosso dever. Agir de acordo com os nossos deveres como cidadãos, profissionais e pessoas nos levará a gerar laços de solidariedade. Para melhorar o mundo hoje, o viver solidário é o traço fundamental para recuperarmos o “viver” ético nas relações de trabalho, nas organizações empresariais públicas ou privadas e na sociedade como um todo”. 49
Unidade II Considere as ações empresariais descritas abaixo: I – Uma ampla campanha de divulgação para tornar pública a destinação de parte do lucro obtido com a venda de um produto para uma entidade assistencial. II – A contratação, por parte de uma empresa, de pessoas com necessidades especiais apenas para atender às exigências estipuladas pelo poder público. III – A adoção, por parte de uma empresa, de programas de atendimento especial para funcionários com problemas relacionados ao consumo de álcool ou de outras drogas. Há associação entre o texto de Manzalli e Aguiar (2015) e a ação descrita em: A) I, apenas. B) II, apenas. C) I e II, apenas. D) III, apenas. E) I e III, apenas. Resposta correta: alternativa D. Análise das afirmativas I – Afirmativa incorreta. Justificativa: a campanha de divulgação da ação solidária da empresa pode se confundir com marketing promocional ou social. Assim, não se pode falar de uma ação apenas com motivação ética, já que ela está também associada à obtenção de lucro ou de melhoria da imagem institucional da empresa. II – Afirmativa incorreta. Justificativa: a contratação de pessoas com necessidades especiais não pode ser resultado única e exclusivamente das exigências do poder público. O comportamento ético prescinde de coerção. III – Afirmativa correta. Justificativa: a adoção de programas para atendimento aos funcionários sem que haja obrigatoriedade e não havendo intenção de lucro por parte da empresa configura-se como uma ação solidária pautada na ética e na moral, exatamente de acordo com o texto de Manzalli e Aguiar (2015). 50
ECONOMIA E ÉTICA Questão 2. (Enade 2004, adaptada). Analise a charge a seguir:
A charge de Millôr aponta para: A) a fragilidade de princípios éticos. B) a defesa das convicções políticas. C) a persuasão como estratégia de convencimento. D) o interesse no bem-estar social da população. E) o desrespeito às relações profissionais. Resolução desta questão na plataforma.
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