E LÓGICO! Já vimos que os argumentos são compostos por proposições; mas, como construímos um argumento? Há duas operações lógicas fundamentais que usamos para isso: a dedução, que consiste em tirar conclusões a partir de algumas ideias gerais; e a indução, que é o processo contrário: construímos conclusões com base em um conjunto de dados singulares. Num raciocínio dedutivo, chamamos de premissas as ideias gerais das quais partimos para chegar a uma conclusão. Desse modo, precisamos sempre ter algumas premissas para que seja possível deduzir uma conclusão. Segundo as regras da lógica formal, a conclusão nada pode acrescentar às premissas, sob o risco de invalidar o argumento. Tudo isso parece muito complicado? Tomemos um exemplo e você verá que é mais simples do que imagina. O tipo mais comum de dedução é aquele no qual produzimos uma conclusão sobre um caso específico a partir de ideias gerais. Observe o seguinte raciocínio: • • • •
Todo planeta gira em torno de uma estrela, [premissa l ] A Terra gira em torno do Sol. [premissa 2] O Sol é uma estrela, [premissa 3] Logo, a Terra é um planeta, [conclusão]
Assim fica mais fácil compreender, não é? Temos três premissas, uma que afirma um princípio geral (todo planeta gira em torno de uma estrela); e duas que inserem casos particulares (a Terra gira em torno do Sol, o Sol é uma estrela). Dessas premissas, extraímos uma conclusão: a afirmação de que a Terra é um planeta (caso particular). Note que a conclusão não acrescenta nada às premissas, apenas deduz uma característica do planeta Terra a partir daquilo que foi exposto antes. Podemos modificar ligeiramente esse exemplo, montando-o da seguinte forma: • • • •
Todo planeta gira em torno de uma estrela, [premissa l ] A Terra gira em torno do Sol. [premissa 2] A Terra é um planeta, [premissa 3] Logo, o Sol é uma estrela, [conclusão]
Ainda que tenhamos alterado as premissas, elas nos permitem extrair uma conclusão. Como na configuração anterior, a conclusão não acrescenta nenhum dado novo, mas permite emitir uma afirmação sobre o caso particular do Sol com base em algumas outras informações. Em ambos os casos, partimos de informações que possibilitaram construir um argumento conclusivo. No primeiro, foi possível afirmar que a Terra é um planeta ao encadear as informações de que dispomos sobre esses corpos celestes e sobre a própria Terra. No segundo, foi possível afirmar que o Sol é uma estrela ao encadear informações sobre os movimentos celestes de planetas e a constatação de que a Terra é um planeta. A forma da dedução nos dá a certeza de que a conclusão é correta, uma vez que ela está corretamente extraída de premissas que são verdadeiras. Para explorarmos a dedução como operação lógica precisamos ter ao menos duas premissas, das quais extraímos uma conclusão. Procure pensar em alguns exemplos, dialogando sobre eles com seus colegas e com o professor.
CAPÍTULO
1 I O ser h u m a n o q u e r c o n h e c e r a si m e s m o
É LÓGICO! A operação lógica da dedução, que vimos no capítulo anterior, parte de premissas gerais para expressar conclusões específicas. Dediquemo-nos agora a examinar uma operação inversa, a indução, que consiste em partir de dados singulares para chegar a afirmações gerais, universais. Todos os dias João espera pelo ônibus para ir à escola. Há um horário previsto para que o ônibus passe pelo ponto, mas João já está acostumado com um atraso de dez minutos, sempre. Observando, dia a dia, que o atraso se repete (curiosamente, o ônibus é pontual em seu atraso!), João conclui que o ônibus sempre se atrasa dez minutos. Essa inferência a partir da observação de casos que se repetem é o que chamamos de indução. Perceba: vemos um evento que se repete muitas vezes e isso nos leva a afirmar que isso sempre acontece; com base em dados singulares, particulares, emitimos uma conclusão que é geral. Portanto, a indução procede por generalização. As ciências naturais trabalham de forma indutiva, enquanto a matemática procede, em geral, por dedução. No caso das ciências modernas, a indução é uma das etapas do método científico. Por exemplo: como se chegou à "lei geral" de que o ponto de ebulição da água, em condições normais de temperatura e pressão, é de 100 °C? Por indução: coloca-se uma quantidade de água para ferver e observa-se que a temperatura no ponto de fervura é de 100 ° C . Repete-se essa operação diversas vezes e, como o resultado é sempre o mesmo, pode-se então afirmar, como conclusão geral, que a água ferve a 100 ° C . = . ^-1. I O mesmo procedimento é usado nas pesquisas e enquetes. Se queremos, por exemplo, saber a opinião da população brasileira sobre um determinado assunto, temos de partida um problema evidente: não há possibilidade de entrevistar todos os brasileiros. Então é preciso definir um número mínimo de pessoas que seja necessário entrevistar para chegar a uma resposta confiável: é o que os institutos de pesquisas chamam de "universo de pesquisa". Essas pessoas devem ser selecionadas de modo a contemplar, de forma proporcional, a composição da população brasileira em suas diferentes características - faixa etária, sexo, cor ou etnia autodeclarada, etc. É preciso também entrevistar pessoas de diferentes regiões brasileiras, pois há variações nas opiniões. Selecionado o universo de pesquisa, o instituto coleta respostas e, com base nelas, apresenta os resultados conclusivos.
Pesquisadora do Ippuj (Instituto de Pesquisa e Planejamento para o Desenvolvimento Sustentável de Joinville, SC) entrevista usuária de ônibus para pesquisa de satisfação sobre o sistema. Foto de 2014.
A estatística embasa essas análises, ajudando a chegar a um "universo de entrevistados" que seja confiável. Mas, por mais que esse "universo" seja indicativo da população, ele não é a população inteira, portanto, podemos ter variações importantes... Já houve diversos casos, por exemplo, de pesquisas eleitorais que indicavam, durante a campanha, uma tendência de voto que não se concretizou na apuração das urnas. Vimos que no caso da dedução a conclusão não acrescenta nada de novo às premissas. No caso da indução, ao contrário, a generalização nos leva para além dos casos particulares que examinamos no princípio. Como no caso do ponto de ebulição da água: a observação de situações particulares nos permite afirmar uma "lei universal" sobre o ponto de ebulição da água. Mas será a indução sempre confiável? Se todos os dias João chegar ao ponto dez minutos após o horário previsto para que o ônibus passe por ali, ele não se arrisca a eventualmente perder o ônibus?
C A P Í T U L O 2 I A linguagem
e a cuitura
m a n i f e s t a ç õ e s do h u m a n o \
LÓGICO! Vejamos agora um tipo específico de indução, a analogia. Se, na indução, partimos de casos particulares para produzir uma conclusão geral, na analogia fazemos o mesmo, mas estabelecendo comparações e tirando conclusões por relações de semelhança. Daí o nome analogia: afirmamos que duas coisas são análogas, semelhantes, de modo que aquilo que é válido para uma também deve ser válido para a outra. Esta é uma das formas mais comuns e frequentes de indução. Porém, ao realizá-la, precisamos estar atentos ao fato de que as semelhanças entre as coisas comparadas precisam ser bastante relevantes, ou o processo fica falho. Vejamos alguns exemplos. Maria tinha fortes dores no estômago e fez um tratamento usando chá de carqueja. Logo, chá de carqueja será bom também para as dores estomacais de Paulo. Utilizamos a analogia - ainda que o façamos sem perceber - quando recomendamos algo para alguém: como um produto satisfez nossas expectativas, por semelhança concluímos que terá o mesmo efeito com outras pessoas. Na pesquisa científica também se usa analogia: certos produtos costumam ser testados em animais para verificar suas reações (embora isso esteja se tornando menos usual, por razões éticas). Quando se atingem os efeitos desejados, por analogia, pensa-se que os produtos também produzirão esses efeitos em seres humanos. Evidentemente, isto precisa ser testado e comprovado, mas o raciocínio que permite a indução é do tipo analógico. Há, porém, o caso da analogia inadequada, quando as diferenças são maiores que as semelhanças. Tomemos como exemplo um relato de Jonathan Swift em Viagens de Gulliver: Havia, ainda, um engenhoso arquiteto que havia imaginado um novo método de construir casas, começando pelo telhado e descendo até aos alicerces. Justificava ele tal prática dizendo-me que tal era a usada por dois prudentes insetos, a abelha e a aranha. - ,-
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Citado em: BARBOSA, Severino A. M.; AMARAL, Emília. Escrever é desvendar o mundo. 2. ed. Campinas: Papirus, 1987, p. 148.
Por que se trata de uma analogia inadequada? É verdade que abelhas e aranhas constroem suas "casas", como os seres humanos também constroem locais para habitar. Porém, há mais diferenças do que semelhanças entre os seres humanos e esses insetos, assim como entre as casas que construímos e teias e colmeias construídas por aqueles insetos. Em termos lógicos, de construção do argumento, a indução pode parecer correta; porém, como as diferenças são muito grandes, a analogia é inadequada e o argumento fica falho. A analogia, portanto, é um procedimento lógico muito utilizado, mas com o qual devemos ter precauções. Precisamos estar sempre atentos para que as semelhanças sejam significativas e possibilitem uma generalização que tenha chances de se concretizar. Mesmo quando uma analogia é adequada, por se embasar em semelhanças significativas, ela pode não funcionar: um telefone celular que é muito bom para Wellington pode não sê-lo para Joana, e vice-versa. Um analgésico que tem ótimo efeito em Mónica pode não ser tão bom para Clarice, e até provocar uma reação alérgica nela... Isso não impede que utilizemos a analogia, mas precisamos estar sempre atentos para refinar este procedimento lógico-argumentativo. ; c-mcii i, ... a
UNIDADE 2
o que somos?
Elementar, meu caro. Depois de aprender um pouco sobre lógica nesta unidade, vamos começar a exercitar o uso das ferramentas de pensamento. Você verá como certo treino ajuda bastante a pensar de forma mais organizada. Q Leia com atenção o poema Amar, de Carlos Drummond de Andrade. Em seguida, identifique ao longo do texto as premissas e as conclusões. Note que o poeta não necessariamente segue uma ordem convencional: em alguns momentos apresenta primeiro a conclusão e depois as premissas que a sustentam. O exercício consiste justamente em identificar o que é premissa e o que é conclusão. Amar Que pode uma criatura senão, entre criaturas, amar? amar e esquecer, amar e malamar, amar, desamar, amar? sempre, e até de oltios vidrados, amar? Que pode, pergunto, o ser amoroso, sozinho, em rotação universal, senão rodar também, e amar? amar o que o mar traz à praia, o que ele sepulta, e o que, na brisa marinh.a, ésal, ou precisão de amor, ou simples ânsia? Amar solenemente as palmas do deserto, o que é entrega ou adoração expectante, e amar o inóspito, o cru, um, vaso sem flor, um chão de ferro, e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.
a) "Não nos banhamos duas vezes nas águas de um mesmo rio". (Heráclito) b) "A morte é fácil O difícil é a vida e o seu ofício" (Maiakóvski) Q Agora, faça o movimento inverso ao realizado na atividade anterior: tome os fragmentos indicados como conclusões e escreva a(s) premissais) que pode(m) levar a tais conclusões: a) "O importante não é dar o peixe, mas ensinar a pescar." (ditado popular) b) "A melhor herança que se pode deixar a um filho é possibilitar que ele mesmo desbrave o seu próprio caminho." (Isadora Duncan) Q Leia o poema de Bertolt Brecht abaixo e explique por que ele é um exemplo de indução por analogia. Trata-se de uma analogia válida ou não? Por quê? A emigração dos poetas Homero não tinha morada E Dante teve que deixar a sua. Li-Po e Lu-Tu andaram por guerras civis Que tragaram 30 milhões de pessoas Eurípidesfoi ameaçado com processos E Shakespeare, moribundo, foi impedido de falar. Não apenas a Musa, também a polícia Visitou François Villon. Conhecido como "o Amado" Lucrécio foi para o exílio Também Heine, e assim também Brecht, que buscou refúgio Sob o teto de palha dinamarquês. BRECHT, Bertolt. Poemas 1913-1956. 4. ed. São Paulo: Brasiliense, 1990. p. 129.
Este o nosso destino: amor sem conta, distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas, doação ilimitada a uma completa ingratidão, e na concha vazia do amor a procura medrosa, paciente, de mais e mais amor. Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita. ANDRADE, Carlos Drummond de. Poesia completa. Rio de janeiro: Nova Aguilar, 2004. p. 263.
Q Tome os fragmentos abaixo como premissas e, deles, extraia possíveis conclusões. Os fragmentos indicados foram extraídos do livro Escrever é desvendar o mundo, de Severino A. M. Barbosa e Emília Amaral (2. ed. Campinas: Papirus, 1987):
O escritor e dramaturgo alemão Bertolt Brecht na ilha de Thuro, Dinamarca, em 1934. Brecht se exilou da Alemanha em 1933, ao perceber que os nazistas começariam a perseguir soàalistas e comunistas como ele.
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