Dq 5

  • June 2020
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  • Words: 27,578
  • Pages: 45
DELTORA � UMA TERRA DE MONSTROS E MAGIA... Lief, Barda e Jasmine sa�ram em uma perigosa-busca para encontrar as sete pedras perdidas do m�gico Cintur�o de Deltora. Mas o seu reino somente ser� libertado do poder do cruel Senhor das Sombras quando todas as pedras tiverem sido recolocadas no Cintur�o. Quatro pedras foram encontradas. Agora, embora not�cias perturbadoras de casa tenham chegado at� Lief e ele esteja ansioso por retornar, a busca precisa prosseguir. Para encontrar a quinta pedra, os her�is devem se aventurar at� quase a fronteira das Terras das Sombras, e mergulhar na escurid�o e no terror do reino do monstruoso sapo Gellick � a Montanha do Medo. SUM�RIO O ref�gio Antes do amanhecer Inten��es malignas O plano O inimigo A decolagem Kinrest A montanha Medo A luta Mist�rios A subida Do lado de dentro Gellick Os gnomos do medo Fazer ou morrer A despedida

AT� AGORA... Lief, de dezesseis anos, cumprindo uma promessa feita pelo pai antes de seu nascimento, saiu em uma grande busca para encontrar as sete pedras preciosas do m�gico Cintur�o de Deltora. As pedras � uma ametista, um top�zio, um diamante, um rubi, uma opala, um l�pis-laz�li e uma esmeralda � foram roubadas para permitir que o maligno Senhor das Sombras invadisse o reino. Escondidas em terr�veis locais por todo o reino, elas precisam ser recolocadas no Cintur�o a fim de que o herdeiro do trono seja encontrado, e a tirania do Senhor das Sombras seja derrotada. Os companheiros de Lief s�o, Barda, um homem que j� foi guarda do pal�cio, e Jasmine, uma garota selvagem e �rf� da mesma idade de Lief, que ambos conheceram em sua primeira aventura nas tem�veis Florestas do Sil�ncio. Em suas viagens, eles descobriram um movimento de resist�ncia secreto liderado por Perdi��o, um homem misterioso, com uma cicatriz no rosto, que os salvou quando foram capturados pelos brutais Guardas Cinzentos do Senhor das Sombras. At� o momento, os tr�s amigos encontraram quatro pedras: o top�zio dourado, s�mbolo da lealdade, que tem o poder de fazer os vivos entrarem em contato com o mundo espiritual e de clarear a mente; o rubi, s�mbolo da felicidade, cuja cor perde a intensidade na presen�a de amea�as, repele esp�ritos malignos e � um ant�doto para venenos; a opala, pedra da esperan�a, que oferece vagas imagens do

futuro; o l�pis-laz�li, pedra celestial, que � um poderoso talism�. A fim de encontrar a quinta pedra, eles devem viajar at� muito perto da fronteira da Terra das Sombras � para a lend�ria Montanha do Medo... E agora, continue a leitura...

O dia havia sido bonito e claro e, naquele momento, um ar fresco os envolvia. Tempo perfeito para uma caminhada, mas nada pode ser agrad�vel quando se est� com sede, cansado e com medo. Lief avan�ava com dificuldade, a cabe�a curvada, os membros doloridos, e apenas vagamente ciente da presen�a de Barda e Jasmine ao seu lado. Os cantis estavam quase vazios. Desde que haviam deixado as Dunas, os tr�s amigos vinham sobrevivendo �s custas de alguns goles de �gua por dia. Contudo, a terra plana e marrom se estendia ao longe sem sinal algum de rio ou c�rrego, e o c�u, agora alaranjado pelo p�r-do-sol, era imenso e sem nuvens. Lief caminhava de cabe�a baixa para n�o ter que olhar a linha recortada do horizonte. A Montanha do Medo ainda se encontrava distante, e os amigos levariam semanas para atingi-la � se n�o morressem de sede antes, Lief pensou, melanc�lico �, mas s� de pensar nela, ele ficava cheio de medo. Saber que cada passo o aproximava da fronteira da Terra das Sombras era mais aterrorizador ainda. Lief curvou os ombros e pensou admirado no garoto que deixara Del t�o cheio de entusiasmo diante da aventura que o esperava. Agora, aquele garoto lhe parecia absurdamente jovem e aquela �poca, muito distante. No entanto, n�o se passara tanto tempo � apenas alguns meses �, e muita coisa havia sido conquistada nesse per�odo. Quatro pedras brilhavam agora no Cintur�o de Deltora, oculto sob a camisa de Lief. S� faltava encontrar tr�s pedras. Ele sabia que deveria estar se sentindo feliz, esperan�oso e triunfante, como Jasmine. Em vez disso, lutava contra o desespero e a tristeza. Pois, ao olhar para tr�s, parecia um milagre que as pedras tivessem se mantido seguras e que ele e os companheiros tivessem sobrevivido aos terrores que enfrentaram. Por quanto tempo mais duraria aquela boa sorte? O �nimo de Lief diminu�a ao pensar no que os aguardava. Al�m disso, at� aquele momento, eles haviam escapado � vigil�ncia do Senhor das Sombras, mas esse tempo certamente havia terminado. Perdi��o, o homem com a cicatriz no rosto, l�der da Resist�ncia, havia dito que j� se espalhavam rumores sobre eles. E, se Perdi��o ouvira coment�rios, o mesmo certamente acontecera com o Senhor das Sombras. No entanto, ali caminhavam Lief, Barda e Jasmine sob o c�u aberto, com Kree voando adiante deles. Que import�ncia tinha que ningu�m soubesse seus nomes? A descri��o era suficiente. Lief saltou assustado e quase trope�ou quando um vulto negro bateu asas ao lado de sua cabe�a, mas era somente Kree que pousava no bra�o de Jasmine. O p�ssaro grasnou. Filli colocou a cabe�a cinza e peluda para fora do casaco de sua dona e respondeu animadamente. � Kree disse que h� �gua mais adiante � Jasmine gritou. � Uma pequena lagoa, talvez uma fonte, pois ele n�o conseguiu ver nenhum c�rrego por perto. Fica num bosque perto da estrada. A expectativa de tomar �gua fez com que todos apressassem o passo, e n�o demorou para que Kree levantasse v�o outra vez e os conduzisse para fora da estrada. Desviando-se de arbustos e rochas, eles o seguiram at� finalmente chegar a um bosque formado de �rvores claras e de aspecto antigo. E ali, de fato, bem no centro, encontrava-se uma pequena lagoa redonda cercada de pedras brancas. Ansiosos, os companheiros correram em sua dire��o. Ent�o, eles viram uma placa de bronze presa a uma das pedras, com algumas palavras

gravadas, palavras que eles mal conseguiam ver na luz que enfraquecia:

FONTE DOS SONHOS BEBA, GENTIL ESTRANHO E SEJA BEM-VINDO OS QUE TIVEREM INTEN��ES MALIGNAS, TENHAM CUIDADO. Os amigos hesitaram. A fonte era clara e tentadora, e a sede era grande. Contudo, a inscri��o na placa de bronze deixou todos nervosos. Seria seguro tomar aquela �gua? � Jasmine, o que dizem as �rvores? � Barda indagou. Ele j� duvidara da capacidade de Jasmine de conversar com plantas e animais, mas isso fora h� muito tempo. � Elas n�o dizem nada � Jasmine informou olhando ao redor, a express�o s�ria. � Elas est�o em completo sil�ncio. N�o entendo... Lief estremeceu. O bosque era verde e tranq�ilo e sob os seus p�s crescia uma grama verde e vi�osa. O local parecia um pequeno para�so no entanto, pairava uma estranha sensa��o no ar. Ele passou a l�ngua sobre os l�bios secos. � Talvez seja melhor n�o bebermos dessa fonte � ele disse relutante. � Ela pode estar encantada... ou envenenada. � N�o temos inten��es malignas � Barda protestou. � Acho que ela � segura para n�s. Mas ele continuou onde estava e n�o se aproximou da fonte. Filli chilreava impaciente no ombro de Jasmine. � Todos estamos com sede, Filli � Jasmine murmurou. � Mas precisamos esperar. N�o temos certeza... Filli! N�o! A pequena criatura pulou para o ch�o e correu at� a nascente, ignorando os gritos de Jasmine. Rapidamente, mergulhou a cabe�a na �gua cristalina e bebeu sofregamente. � Filli! � Jasmine chamou desesperada. Por�m, desta vez, Filli n�o lhe deu aten��o, mergulhado que se encontrava na alegria de matar a sua terr�vel sede. E ele n�o passou mal, tampouco desfaleceu. Kree foi o pr�ximo a voar at� a fonte. Ele tamb�m bebeu, afundando o bico na �gua repetidas vezes. E tamb�m n�o apresentou nenhum efeito desfavor�vel. Depois disso, Lief, Barda e Jasmine n�o conseguiram mais esperar e correram para a nascente. A �gua era fria e refrescante. Lief nunca provara algo t�o bom. Em sua casa, em Del, a �gua era igualmente fresca, mas sempre tinha um gosto de metal que a bomba produzia. Quando, finalmente, beberam at� se saciar, os amigos encheram os cantis at� a borda, para o caso de terem de fugir depressa durante a noite. O bosque parecia seguro, mas eles haviam aprendido que n�o era prudente confiar nas apar�ncias. Sentaram-se na grama e comeram algo enquanto a Lua subia e as estrelas apareciam no c�u acima deles. Estava frio, mas eles preferiram n�o acender uma fogueira. At� mesmo uma pequena chama pareceria um farol sinalizando a presen�a deles. E tamb�m, por motivos de seguran�a, eles foram bem para debaixo das �rvores antes de desenrolar seus cobertores. Outras pessoas poderiam ter conhecimento da fonte e aparecer para tomar �gua durante a noite. � Ficamos muito cuidadosos � Jasmine bocejou, aconchegando-se debaixo do cobertor. � Lembro-me de dias em que �ramos mais ousados. � Hoje as coisas s�o diferentes � Lief murmurou. � Agora est�o procurando por n�s � ele concluiu, estremecendo. Barda deu uma olhada para ele e virou-se rapidamente para ocultar o olhar preocupado.

� Dormiremos em turnos. Eu fico de guarda agora � ele avisou. Kree grasnou. � Voc� tamb�m precisa dormir, Kree � Jasmine sorriu. � Voc� est� muito cansado e n�o pode nos vigiar a noite toda. Voc� e Filli e eu ficaremos de sentinela juntos quando Barda nos acordar. Ela se virou e fechou os olhos, a m�o deslizando no p�lo macio de Filli. Sonolento, Lief observou quando Kree come�ou a voar para um galho acima da cabe�a de sua dona. Ent�o, o p�ssaro pareceu mudar de id�ia, desceu e pousou na grama. Ele saltitou para perto de Jasmine e ajeitou-se perto dela, enfiando a cabe�a sob a asa. Lief sentiu uma leve centelha de medo. � Barda � ele chamou baixinho. � D� uma olhada em Kree. Barda, agachado sob o cobertor que jogara nas costas para se aquecer, virou-se para olhar. � Por que ele est� dormindo no ch�o e n�o num galho? � Lief sussurrou. � Talvez ele n�o goste de �rvores � Barda sussurrou em resposta. � Jasmine disse que elas estavam em sil�ncio. E, de fato, elas s�o estranhas. Voc� percebeu que elas s�o exatamente iguais? Lief olhou ao redor e se deu conta de que Barda estava certo. Aquela era uma das raz�es pelas quais as �rvores pareciam t�o estranhas. Todas tinham o mesmo tronco reto e liso, os mesmos galhos apontando para o c�u, o mesmo conjunto de folhas p�lidas. Ele sentiu um frio na espinha. � Lief, pare de se preocupar, por favor! � Barda resmungou ap�s um instante. � Seja l� o que for que est� preocupando Kree, n�o � suficiente para impedi-lo de descansar. Sugiro que voc� siga o exemplo dele. Se n�o dormir, vai se arrepender. Logo vai ser a sua vez de ficar de guarda. Lentamente, Lief enrolou-se no cobertor e se deitou. Durante um ou dois minutos, ele fitou o c�u escuro pontilhado de estrelas, emoldurado pelas folhas claras das estranhas �rvores. Nenhuma brisa as balan�ava. Nenhum inseto cricrilava. N�o se ouvia nenhum som, exceto a respira��o suave de Jasmine. Suas p�lpebras come�aram a pesar, e logo ele n�o conseguia mant�-las abertas, tampouco tentou. "Se Kree n�o est� com medo de dormir, eu tamb�m n�o vou ficar", ele pensou. "Afinal, o que pode nos acontecer enquanto Barda fica de sentinela?" Minutos depois, ele estava adormecido. Por esse motivo, n�o notou a cabe�a de Barda pender suavemente no peito, nem ouviu o leve ressonar do amigo. E n�o sentiu o passar de p�s silenciosos quando os moradores do bosque se dirigiram � Fonte dos Sonhos.

Lief estava sonhando. O sonho parecia muito real. Ele estava parado junto �

velha bomba no quintal da ferraria. O quintal estava escuro e deserto. "� noite", ele pensou. "Papai e mam�e certamente est�o dentro de casa a essa hora". Contudo, a casa tamb�m estava �s escuras e, embora ele chamasse da porta e depois da cozinha, ningu�m respondeu. Confuso, mas ainda n�o assustado, entrou na sala de estar. A luz da Lua cheia brilhava pela janela. As cortinas estavam abertas, o que era estranho. E havia objetos jogados no ch�o: livros e pap�is espalhados por todo o canto. Seus pais jamais os teriam deixado daquela maneira. O quarto deles encontrava-se vazio, a cama em desordem e desfeita, e roupas estavam ca�das no ch�o. Sobre a c�moda, havia um vaso de flores mortas. Isso lhe deu a certeza de que algo estava errado. Assustado, Lief correu para fora mais uma vez. A Lua brilhava sobre o quintal vazio. O port�o da ferraria oscilava e exibia uma marca. Lief n�o conseguiu ver com exatid�o do que se tratava e se aproximou, o cora��o aos pulos. E, ent�o, ele viu. Lief despertou sobressaltado. O suor molhava-lhe a testa, sua respira��o estava acelerada, e as m�os, tr�mulas. Ele disse para si mesmo que fora somente um sonho, que n�o havia nada a temer. Devagar, ele se deu conta de que o c�u acima dele estava p�lido e que as estrelas haviam quase desaparecido. O dia estava amanhecendo. Ele dormira a noite inteira. Mas ser� que Jasmine, que certamente assumira o segundo turno de vigil�ncia, se esquecera de cham�-lo? Ele deu uma olhada na dire��o em que tinha visto a amiga se ajeitar para dormir na noite anterior. Ela ainda se encontrava no mesmo lugar, respirando calma e regularmente. Kree encontrava-se encolhido ao lado dela e, n�o muito longe, ele viu Barda, as costas apoiadas numa �rvore, a cabe�a ca�da sobre o peito. Ele tamb�m dormia profundamente. Lief quase riu. Ent�o, apesar dos planos sensatos, todos haviam dormido. Talvez tivesse sido bom. Eles precisavam descansar e, de fato, nada os perturbara durante a noite. Lief sentia sede. Em sil�ncio, saiu de sob as cobertas, levantou-se e caminhou entre as �rvores at� a fonte. Seus p�s descal�os n�o fizeram nenhum ru�do na grama macia. Ele percebeu outro detalhe incomum no bosque � as �rvores n�o deixavam cair folhas ou ramos. Ele estava quase chegando na nascente quando ouviu um leve ru�do na �gua � algu�m estava matando a sede. A m�o de Lief deslizou para o punho da espada. Ele fez men��o de voltar, pensando em Barda e Jasmine, mas encontrava-se t�o pr�ximo da fonte que lhe pareceu tolice n�o espiar e descobrir quem entrara no bosque. Prendendo a respira��o, escondeu-se atr�s da �ltima �rvore e olhou. Um vulto gorducho inclinava-se sobre a �gua e bebia. Parecia algum tipo de animal do tamanho de um cachorro grande, mas muito mais gordo do que qualquer c�o que Lief j� tinha visto. Lief apertou os olhos e se esfor�ou para v�-lo melhor na penumbra. A pele da criatura era de um castanho escuro e n�o parecia ser coberta de p�los. As orelhas eram pequenas e bem junto � cabe�a. As pernas traseiras eram curtas e atarracadas, e as patas dianteiras, delgadas. A pele nas costas e nos lados tinha marcas estranhas, dobras e ondula��es. O que seria? Lief deu um passo � frente e, no mesmo instante, a criatura endireitou o corpo, virou-se e o viu. O olhar de Lief encontrou olhos grandes e assustados, bigodes eri�ados, uma boca cor-de-rosa aberta e patinhas apertadas de medo, e uma estranha sensa��o de prazer e paz o invadiu. Ele n�o compreendeu o sentimento, mas soube, com certeza, que a criatura era inofensiva, gentil e estava muito assustada. � N�o tenha medo � ele disse em voz baixa e tranq�ilizadora. � N�o vou machucar voc�. A criatura continuou a fit�-lo, mas Lief teve a impress�o de que parte do

medo deixou o olhar dela e foi substitu�do pela curiosidade. � N�o vou machucar voc� � Lief repetiu. � Sou um amigo. � Como voc� se chama? � a criatura indagou com voz aguda. Lief deu um salto violento, pois n�o lhe ocorrera que a criatura pudesse falar. � Meu nome � Lief � ele respondeu, sem pensar. � Eu sou Little, isto �, Prin, filha dos Kins � a criatura informou. Ela endireitou o corpo e come�ou a andar cambaleante na dire��o de Lief, as pernas curtas movendo-se com dificuldade na grama, as patas dianteiras dobradas, a boca exibindo um sorriso doce e esperan�oso. Lief a olhava assombrado. V�rias lembran�as flutuavam em sua mente. N�o era de surpreender que tivesse sido invadido por aquela sensa��o de paz quando viu o rosto de Prin pela primeira vez. Como n�o percebera antes quem ela era? Kin! As c�lebres criaturas voadoras que todas as crian�as de Del conheciam. Lief n�o tivera um Kin de brinquedo, Monty, com quem dormia quando era pequeno? Sua m�e fizera Monty com um tecido macio recheado de palha e, com o passar dos anos, a pequena criatura ficou gasta e rasgada. Hoje, ficava escondida numa gaveta misturada a outros tesouros, longe do olhar zombeteiro dos amigos. Contudo, antes fora um companheiro confi�vel e tranq�ilizador que carregava a todos os lugares. Quantas vezes, naqueles dias, Lief desejara que Monty criasse vida? E aquela criatura poderia ser a realiza��o desse desejo, Lief pensou. Poderia ser Monty que caminhava na dire��o dele na grama. Mas, n�o era fato que lhe haviam dito que os gentis e delicados Kins haviam desaparecido h� muito tempo e que agora s� existiam em velhas hist�rias e nas ilustra��es dos livros? Lief engoliu em seco e, por um instante, perguntou-se se ainda estava sonhando. Mas Prin encontrava-se em p� diante dele, grande como a vida. Agora ele podia ver que ela tinha p�lo sim, um p�lo curto e sedoso como musgo marrom. As asas fechadas junto ao corpo eram cobertas pela mesma penugem aveludada. Lief desejou acarici�-la e verificar se era t�o macia quanto aparentava ser. � Voc� quer brincar comigo, Lief? � Prin convidou, estremecendo os bigodes e balan�ando o corpo para cima e para baixo. � Vamos brincar de esconde-esconde? Lief se deu conta de que ela era muito nova, e n�o poderia ser diferente, pois, em p�, ela somente chegava � altura de seu ombro. Haviam lhe dito que os Kins adultos eram t�o grandes que, antigamente, as pessoas, ao v�-los voando no c�u, confundiam-nos com drag�es e tentavam abat�-los a tiros. � Onde est� a sua fam�lia? � ele indagou, olhando ao redor. � Voc� n�o devia pedir...? � Eles ainda est�o sonhando! � Prin informou zombeteira. � Eles s� v�o acordar depois que o sol raiar, viu? Ela apontou para o que Lief pensara serem grupos de imensas rochas espalhadas ao redor e al�m das �rvores. Para sua surpresa, Lief constatou que n�o se tratava de rochas, mas de Kins, de tal modo enrodilhados que tudo o que se podia ver eram as suas costas curvadas. � Eu deveria ficar enrolada at� eles acordarem � Prin explicou, baixando a voz. � Mas n�o � justo, porque n�o tenho nada interessante para sonhar. Prefiro brincar. Agora, voc� se esconde enquanto eu canto. Prometo que n�o vou trapacear. Vou cantar devagar e vou fechar os olhos e tamb�m os ouvidos. Pronto? V�! Ela colocou as patas sobre os olhos e come�ou a cantar. � Voc� pode se esconder, mas eu vou achar. Meus olhos atentos v�o procur�lo... Lief logo percebeu que os pequenos Kins cantavam em vez de contar. No final da can��o, Prin abriria os olhos e esperaria que ele tivesse se escondido. Sem querer desapont�-la, Lief fugiu depressa e se escondeu atr�s de uma das �rvores na parte mais densa do bosque. N�o era um esconderijo muito bom, mas ele n�o queria se afastar muito de onde Barda e Jasmine dormiam e, pelo menos, poderia mostrar � pequena Kin que era um amigo. Lief colou-se ao tronco da �rvore e riu sozinho ao ouvir a voz estridente da criaturinha terminando a can��o.

� ... voc� pode se esconder, mas eu vou te achar, Bata as asas, e voc� vai estar fora! Voc� pode se esconder, mas eu vou te achar. Meus olhos atentos v�o...ah! A can��o foi interrompida com um grito abafado e seguiu-se de uma gargalhada alta e �spera. � Peguei! � rugiu a voz. � Yo, me ajude! Ele est� resistindo. Horrorizado, Lief saiu do esconderijo atr�s da �rvore e retornou sorrateiramente para a fonte. Dois Guardas Cinzentos encontravam-se curvados sobre um monte agitado no ch�o. O monte era Prin. Eles haviam jogado um casaco sobre a cabe�a dela e agora estavam amarrandoa com uma corda. � D�-lhe um chute, Carn 4 � o segundo guarda vociferou. � Assim ele aprende. Lief abafou um grito quando Carn 4 chutou o mont�culo com selvageria e Prin parou de se mexer. p

Lief deu um paso � frente e se sobressaltou quando algu�m lhe agarrou o bra�o. Era Barda, os olhos inchados de sono, acompanhado por Jasmine. � Vamos embora, Lief � Barda sussurrou. � Eles v�o descansar e comer. Poderemos estar longe quando eles estiverem prontos para partir. � N�o posso ir � ele disse, sacudindo violentamente a cabe�a, os olhos fixos nos vultos junto � fonte. � N�o posso deix�-los matar minha amiga. Ele percebeu Barda e Jasmine trocarem olhares e soube que eles certamente pensaram que havia perdido o ju�zo. � N�o tenho tempo para explica��es. Onde est�o as bolhas? V� busc�-las. Sem nada dizer, Jasmine desapareceu entre as �rvores. Talvez ela considerasse Lief um tolo, mas n�o permitiria que ele enfrentasse os guardas com somente uma espada para proteg�-lo. Seguido de perto por Barda, Lief come�ou a se aproximar da nascente, correndo de uma �rvore a outra at� chegar perto de onde Prin se encontrava. � Bistecas para o caf� da manh� � anunciou Carn 4. � N�o h� nada melhor. � Isso n�o � um porco � corrigiu o outro. � Olhe os p�s dele. � Seja l� o que for, � bem gordo. Vai ser uma boa refei��o � Carn 4 endireitou as costas, foi at� a fonte e destampou o cantil. � Descobrimos essa nascente bem a tempo, Carn 5 � ele disse, virando o cantil e sacudindo-o para mostrar que estava quase vazio. � Eles fazem parte do grupo dos Carn � Lief ouviu Barda murmurar. � Como... � Eu sei � Lief respondeu em voz baixa. � Como os Guardas que nos capturaram em Rithmere. Ele segurava o punho da espada com a m�o suada. Saberiam ou adivinhariam aqueles dois o que acontecera com seus irm�os nas Dunas? Teriam eles assumido de onde Carn 2 e 8 pararam para salvar seu grupo da desgra�a? Carn 5 caminhou at� o colega na fonte, esfregando o nariz com as costas da m�o. � Este lugar fede a carrapatos � queixou-se ele. Lief prendeu a respira��o. � Mas n�o os nossos � Carn 4 curvou-se para encher o cantil. � Os nossos dois e o seu amigo j� seguiram o seu caminho. Aquele grand�o feio chamado Glock � muito lerdo. Pode-se sentir o cheiro de todos os passos que d�. Ele n�o veio para c�. O cora��o de Lief batia descompassadamente. Ent�o, Perdi��o libertara Glock e Neridah como planejara. Carn 4 e 5 devem ter sido os captores dos dois e agora os estavam perseguindo como Carn 2 e 8 haviam seguido Lief e seus companheiros ap�s a sua fuga. Ambos os guardas estavam voltados para a nascente. Aquele era o momento de tentar tirar Prin dali. Lief olhou ansioso sobre o ombro. Onde estava Jasmine com

as bolhas? � Vamos alcan��-los no cair da noite � Carn afirmou confiante, ajoelhandose ao lado do colega para encher o pr�prio cantil. � Eles e quem quer que os tenha deixado fugir. E vamos fazer com que ele se arrependa... � Vamos nos divertir um bocado com ele � o outro concordou. Ambos riram e se inclinaram para beber, sorvendo a �gua ruidosamente. Lief soube que n�o podia esperar e desperdi�ar aquela oportunidade. Ignorando a m�o de Barda em seu ombro, disparou para fora do esconderijo, apanhou o pacote fl�cido que era Prin e come�ou a arrast�-lo. Logo em seguida, amaldi�oou-se por sua insensatez. Ele simplesmente imaginara que Prin estava inconsciente, mas ela estava acordada, deitada im�vel, paralisada pelo medo. Ao sentir m�os desconhecidas em seu corpo, gritou aterrorizada. No mesmo instante, os Guardas ergueram-se de um salto e se viraram, ainda com �gua na boca, as bolhas e os estilingues j� nas m�os molhadas. Eles viram Lief inclinado sobre Prin e correram na dire��o deles aos gritos. � Corra, Lief! � ele escutou Barda gritar, ao mesmo tempo em que saltava para a frente e tentava pux�-lo para o bosque. Lief, por�m, aterrorizado, parecia preso ao ch�o. Pois os Guardas estavam gritando, trope�ando, parando. De seus p�s sa�am ra�zes que penetravam na terra como cobras e os prendiam ao solo. As pernas se juntaram e transformaram-se num tronco s�lido. Seus corpos, bra�os e pesco�os estenderam-se para o c�u, e folhas descoradas brotaram da pele, que se tornava uma casca macia. E, em alguns instantes, duas �rvores encontravam-se no lugar deles. Duas �rvores novas para o bosque � t�o silenciosas, im�veis e perfeitas como todas as outras. Jasmine veio correndo com Filli chilreando assustado em seu ombro. � As pedras est�o criando vida! � ela exclamou ofegante. � E est�o vindo para c�! Meia hora mais tarde, ainda atordoados, Lief, Barda e Jasmine encontravamse sentados em meio a um grupo de enormes Kins. Filli fitava as criaturas com olhos arregalados. Prin, muito a contragosto, fora obrigada a se abrigar na bolsa da m�e. � Voc� precisa ficar protegida at� acordarmos, pequenina! � a m�e repreendeu. � Quantas vezes eu recomendei? Veja s� o que aconteceu. Aqueles malvados poderiam ter matado voc�! � Eles tomaram a �gua, m�e � Prin resmungou do fundo da bolsa. � Eu sabia que eles iam beber. � Voc� n�o poderia saber que eles beberiam da �gua antes de feri-la � a m�e replicou zangada. � Fique quieta. As suas costas est�o muito machucadas. � N�s tamb�m tomamos dessa �gua � exclamou Barda, cujo olhar confuso passava das estranhas criaturas �s �rvores im�veis. Prin espiou para fora da bolsa e torceu os bigodes. � Quem n�o tem inten��o de cometer o mal pode beber sem receber o mal � ela cantarolou, certamente repetindo algo que aprendera. A m�e a ignorou e virou-se para Barda. � N�s soubemos que voc�s tinham bom cora��o quando beberam da fonte e n�o foram atingidos pelo mal � ela explicou com a voz lenta e grave. � Certos de que n�o representavam uma amea�a para n�s, sonhamos tranq�ilamente a noite toda, sem saber que nossa filhinha poderia colocar voc�s em perigo pela manh�. N�s sentimos muito. � Foi o meu amigo que ajudou a pequena � Barda retrucou, curvando-se. � Mas, de minha parte, foi um privil�gio conhec�-los. Nunca imaginei que algum dia veria um Kin. � Hoje somos poucos � contou um velho Kin que se encontrava em p� ao lado da m�e de Prin. � Desde que deixamos a nossa montanha... � A Montanha do Medo! Voc�s antes viviam l�, n�o � mesmo? Por que partiram?

� Lief interrompeu, incapaz de continuar em sil�ncio. O velho Kin parou e fitou Barda, que sorriu. � Como voc�s v�em, tamb�m tenho jovens sob meus cuidados � ele se desculpou, para aborrecimento de Lief. � Por favor, desculpe a interrup��o e prossiga. � Os gnomos da Montanha do Medo sempre tentaram nos ca�ar � contou a velha criatura. � Mas as suas flechas n�o nos faziam grande mal. Os maiores perigos que enfrent�vamos eram os Guardas Cinzentos e os monstros Vraal que vinham das Terras das Sombras. Mas h� muito tempo, alguma coisa mudou... A intensidade de sua voz diminuiu, e ele curvou a cabe�a. � Os gnomos come�aram a usar veneno na ponta das flechas � a m�e de Prin explicou, dando continuidade ao relato. � Era um veneno mortal que matava r�pida e dolorosamente. Perdemos muitos dos nossos � a voz dela se transformou num sussurro. � Foi uma �poca terr�vel. Eu era muito jovem, ent�o, mas me lembro do que aconteceu. Os demais Kins assentiram e sussurraram entre si. Obviamente, tamb�m se lembravam. � Finalmente, os poucos que restaram decidiram que n�o poderiam mais ficar na Montanha � o velho Kin contou. � Esse bosque costumava ser nossa moradia de inverno, um bom lugar para as crian�as. Agora ficamos aqui o ano todo. Hoje podemos visitar a nossa Montanha, ver as �rvores Boolong, ouvir os riachos ondulantes e sentir o doce cheiro do ar fresco somente em nossos sonhos. Um sentimento de tristeza invadiu todo o grupo. Fez-se um longo sil�ncio, e Jasmine, irrequieta, mexeu-se pouco � vontade. � Tive um sonho estranho na noite passada � ela come�ou, tentando alegrar um pouco a reuni�o. � Sonhei que vi Perdi��o. Ele se encontrava numa caverna cheia de pessoas. O garoto Dain tamb�m estava l�, juntamente com Neridah, Glock e muitos outros. Glock tomava sopa e a deixava escorrer queixo abaixo. Eu os chamei, mas eles n�o me ouviram. Parecia t�o real. � Voc� n�o compreende? � o velho Kin perguntou, fitando-a. � Era real � ele disse, apontando a fonte com uma das patas. � Esta � a Fonte dos Sonhos. Voc� ir� visitar qualquer coisa ou pessoa durante o sonho, na qual pensar enquanto estiver bebendo. � N�s visitamos nossa Montanha todas as noites � acrescentou a m�e de Prin, quando Jasmine exibiu uma express�o incr�dula. � � um grande consolo ver como ela est� agora. As �rvores Boolong crescem fortes, muito mais do que antes. � verdade que n�o podemos comer os seus frutos, mas, pelo menos, estamos l� juntos. � Eu n�o! � Prin contestou em voz alta. � Eu n�o posso sonhar com a Montanha. Eu nunca a vi! Este � o �nico lugar que conhe�o, por isso n�o tenho nada com que sonhar. Isso n�o � justo! Sua m�e inclinou-se sobre ela e murmurou algumas palavras em seu ouvido. Os outros adultos se entreolharam tristemente. � O que vi em meu sonho era real? � Jasmine indagou espantada. � Ent�o Perdi��o, Neridah e Glock chegaram ao esconderijo da Resist�ncia em seguran�a! � Barda exclamou e olhou satisfeito para as duas novas �rvores junto � nascente. � E agora nenhum Guarda vai perturb�-los. � Eu sonhei com Manus e os Ralad � ele sorriu. � Eu me encontrava perto da fonte em sua cidade subterr�nea. Eles cantavam, e tudo estava bem. � muito bom saber disso. Lief, contudo, permaneceu calado, entorpecido pelo susto. Ele estava se lembrando do pr�prio sonho e, lentamente, enfrentava a certeza de que ele tamb�m havia sido verdadeiro. h Aos poucos, a reuni�o dos Kins terminou, e cada uma das criaturas se afastou para se alimentar da grama que crescia debaixo e ao redor das �rvores. � Grama � tudo o que temos aqui � a m�e de Prin explicou a Lief, Barda e Jasmine, enquanto se afastava carregando seu pesado rebento na bolsa. � � bastante

nutritivo, mas estamos cansados de seu sabor adocicado e ansiamos por comer os frutos e folhas das �rvores Boolong. As folhas das �rvores deste bosque n�o s�o comest�veis. Elas n�o est�o realmente vivas. Kree, empoleirado no bra�o de Jasmine, grasnou enojado. � Kree sempre soube que as �rvores n�o eram como deveriam ser � Jasmine contou, estremecendo ao olhar � sua volta. � N�o � de surpreender que elas sejam silenciosas. � horr�vel pensar nelas paradas aqui, inalteradas por s�culos. � E que sorte termos passado pelo teste da fonte � Barda ajuntou sombrio. � Ou estar�amos fazendo companhia a elas. Lief n�o falara por um longo tempo. Quando, finalmente, o �ltimo Kin havia partido, Jasmine virou-se para ele. � O que aconteceu? � ela quis saber. � Est� tudo bem. � N�o � verdade � Lief murmurou. � Os meus pais... � ele parou, engolindo em seco, tentando desesperadamente conter as l�grimas. � Jarred e Anna? � Barda exclamou atento. � O que voc�...? � de repente, ao compreender, a sua express�o mudou e se encheu de medo. � Voc� teve um sonho! � ele deduziu. � Lief... � A ferraria est� vazia � Lief confirmou devagar. � A marca do Senhor das Sombras est� no port�o. Acho... acho que eles est�o mortos. Perplexo e consternado, Barda o fitou sem saber o que dizer, mas logo a sua express�o mostrou firmeza. � � muito prov�vel que n�o estejam mortos, mas simplesmente presos � ele consolou. � N�o devemos perder as esperan�as. � Ser prisioneiro do Senhor das Sombras � pior do que a morte � Lief murmurou. � Meu pai disse isso muitas vezes. Ele sempre me advertiu... � as palavras ficaram presas em sua garganta, e ele cobriu o rosto com as m�os. Desajeitada, Jasmine deu-lhe um abra�o, e Filli saltou em seu ombro e ro�ou-lhe o rosto com o p�lo macio. Kree cacarejou tristemente. Barda, por�m, manteve-se afastado, lutando com o pr�prio medo e sofrimento. Finalmente, Lief ergueu o olhar, o rosto muito p�lido. � Preciso voltar � ele anunciou. � De jeito nenhum � Barda retrucou, sacudindo a cabe�a. � Preciso! � Lief insistiu zangado. � Como posso continuar sabendo o que sei? � Voc� s� sabe que a ferraria est� vazia � Barda argumentou com suavidade. � Jarred e Anna podem estar nas masmorras do pal�cio em Del. Eles podem estar na Terra das Sombras. Eles podem estar escondidos. Ou, como voc� j� disse, podem estar mortos. Seja qual for a resposta, voc� n�o pode ajud�-los. Seu dever est� aqui. � N�o me fale em dever! � Lief gritou. � Eles s�o meus pais! � E s�o meus amigos! � Barda retrucou no mesmo tom de voz inexpressivo. � Meus queridos e �nicos amigos, Lief, desde antes de seu nascimento. E sei o que eles lhe diriam se pudessem. Eles lhe diriam que a nossa busca tamb�m � a busca deles e lhe implorariam para n�o abandon�-la. A raiva de Lief arrefeceu e foi substitu�da por uma pesada tristeza. Ele fitou o rosto de Barda e viu a dor por tr�s da m�scara sombria. � Voc� est� certo � ele murmurou. � Me desculpe. � Uma coisa � certa � tornou Barda, colocando uma das m�os no ombro de Lief. � O tempo se tornou uma prioridade. Precisamos chegar � Montanha do Medo o mais r�pido poss�vel. � N�o sei como podemos andar mais depressa do que temos feito at� agora � Jasmine argumentou. � A p� n�o podemos � Barda concordou. � Mas tenho um plano. � A sombra do sofrimento passou pelo rosto de Barda, mas, mesmo assim, ele conseguiu exibir um leve sorriso. � Por que os Kins devem sonhar sobre seu lar em vez de v�-lo com os pr�prios olhos? Por que andar se podemos voar? Barda conversou com os Kins durante longo tempo e apresentou seus melhores

argumentos, mas foi somente no fim do dia que tr�s deles finalmente concordaram em carregar os companheiros at� a Montanha do Medo. Eles eram Merin, Ailsa e Bruna e estavam entre os maiores do grupo. Eram todas f�meas, pois somente as f�meas tinham bolsas para levar passageiros. As tr�s concordaram por diferentes motivos: Merin, por ter saudades; Ailsa, por causa do esp�rito aventureiro; e Bruna, por achar que tinha uma d�vida para com Lief por ter salvo Prin. � Ela � muito querida para todos n�s � Bruna explicou. � � o �nico filhote que nasceu desde que nos mudamos para c�. � N�s precisamos do ar da Montanha e das �rvores Boolong para nos desenvolver � Merin contou. � Aqui, apenas existimos. Em nossa Montanha, podemos crescer e nos reproduzir. Dever�amos ter voltado h� muito tempo. � Para morrer? Voc� est� dizendo uma grande tolice, Merin � censurou o mais velho, que ficara muito zangado com a decis�o das tr�s sobre ir at� a Montanha. � Se voc�, Ailsa e Bruna forem em carne e osso � Montanha do Medo, certamente ser�o mortas. E ent�o haver� menos Kins, e teremos mais tr�s mortes para lamentar. � De que adianta ficarmos aqui e morrermos lentamente? � disparou Ailsa, erguendo as grandes asas. � Sem filhotes para dar continuidade � nossa esp�cie, n�o temos futuro. Os Kins est�o acabados. Prefiro morrer rapidamente por uma boa causa a permanecer aqui. Temos os nossos sonhos, mas estou cansada de sonhar! � Ailsa exclamou. � E eu, que nunca posso sonhar! � Prin ajuntou. Ela correu para junto de Ailsa e juntou as patas. � Leve-me � Montanha, Ailsa � ela implorou. � E ent�o eu tamb�m a terei conhecido e poderei acompanh�-las em seus sonhos. � Voc� n�o pode ir, pequenina � Ailsa recusou. � Voc� � preciosa demais. Mas pense nisso: voc� pode sonhar conosco e ent�o ver� onde estamos e o que estamos fazendo. Isso n�o � t�o bom quanto viajar? Evidentemente, Prin n�o concordava, pois come�ou a se lamentar e chorar sem dar aten��o �s ordens e pedidos da m�e. Finalmente, a m�e levou-a embora, mas, mesmo quando estavam fora de vista, o som de suas vozes zangadas flutuava por entre as �rvores. Os demais Kins pareciam aflitos. O velho Kin exibia uma express�o carrancuda. � Viram o que fizeram? � ele resmungou para Barda, Lief e Jasmine. � Est�vamos felizes e tranq�ilos antes de voc�s aparecerem. Agora, estamos zangados uns com os outros, e a pequenina est� infeliz. � N�o � justo culpar os estranhos, Crenn � Bruna objetou. � Merin, Ailsa e eu concordamos em ir � Montanha por nossa pr�pria vontade. � Isso � verdade � Merin concordou. � E a pequenina s� disse o que vem dizendo h� anos, Crenn. E quanto mais ela crescer, mais ela repetir� essas palavras. A vida dela aqui, sem companheiros da mesma idade, � mon�tona demais para ela. Ela � muito parecida com Ailsa � entusiasmada e aventureira. � E ela n�o tem sonhos para embal�-la como n�s � Ailsa acrescentou. Seus olhos brilhantes voltaram-se para Jasmine, Barda e Lief. � Acho que devo agradecer aos visitantes por perturbar a minha paz. Este dia fez com que eu me sentisse viva novamente. Crenn sentou-se, endireitando o corpo. A sua face envelhecida, os bigodes brancos, o olhar amortecido e cheio de saudade estavam voltados para a Montanha. O sol havia mergulhado no horizonte quando ele finalmente falou. � De fato, todas voc�s est�o dizendo a verdade � ele concordou relutante. � E se est� escrito que isso deve acontecer, que assim seja. Eu apenas rezo para que voc�s fiquem em seguran�a e lhes imploro para que se cuidem e voltem para n�s o mais depressa poss�vel. � � o que faremos � Ailsa prometeu e deu um sorriso para os que a cercavam. � Agora vou beber da fonte, mas n�o beberei mais nada esta noite. E ent�o tirarei apenas um cochilo. Um de n�s deve estar acordado para chamar os demais amanh� cedo. Devemos partir antes do amanhecer. c

Naquela noite, Lief sonhou outra vez. Ele planejara o sonho � tomara bastante �gua e pensara nos pais enquanto o fazia. "Se estiverem mortos, ser� melhor enfrentar o fato", pensou. "Se estiverem vivos, esta � a chance de descobrir onde se encontram". Quando ele e os companheiros se preparavam para dormir, pensar no que ele estava prestes a descobrir o deixou silencioso e tenso. Ele nada disse a Barda e Jasmine, mas, talvez, eles tivessem adivinhado o que ele planejava, pois estavam igualmente silenciosos, desejando uma boa-noite a todos e nada dizendo depois. Lief ficou agradecido, pois aquilo era algo que tinha que enfrentar sozinho e falar a respeito n�o ajudaria em nada. O sono demorou a chegar. Lief permaneceu acordado durante um longo tempo, fitando o c�u. E, finalmente, a sonol�ncia causada pela �gua da fonte tomou conta dele. Desta vez, o sonho come�ou quase que imediatamente. O cheiro foi a primeira coisa que notou � o cheiro de umidade e decomposi��o. Depois, seguiram-se os sons � pessoas gemendo e chorando n�o muito longe, as vozes abafadas que ecoavam, fantasmag�ricas. Estava muito escuro. "Estou em um t�mulo", ele pensou, com um estremecimento de horror. Mas logo os seus olhos se acostumaram � escurid�o, e ele se deu conta de que se encontrava numa masmorra. Um vulto de cabe�a baixa estava sentado no ch�o a um canto. Era seu pai. Esquecendo completamente que se encontrava na cela apenas em esp�rito, Lief o chamou, correu at� a figura ca�da e segurou-lhe o bra�o. O pai continuou curvado, infeliz, evidentemente nada ouvindo ou sentindo. L�grimas quentes brotaram nos olhos de Lief, e ele chamou mais uma vez. Desta vez, o pai virou e ergueu a cabe�a. Ele olhou diretamente para o filho, um olhar levemente perplexo no rosto. � Sim, pai, sim! Sou eu! � Lief gritou. � Ah, tente meu ouvir! O que aconteceu? Que lugar � esse? A mam�e est�...? Contudo, o seu pai suspirava profundamente e curvava a cabe�a outra vez. � Sonho � ele murmurou para si mesmo. � N�o � um sonho! � Lief gritou. � Eu estou aqui! Pai... Jarred ergueu a cabe�a de repente. Uma chave girava na fechadura da porta da cela. Lief virou-se quando a porta abriu com um rangido. Havia tr�s vultos ali parados: um homem alto e magro vestindo uma longa t�nica, cercado por dois guardas imensos que empunhavam tochas acesas. Por um momento, Lief foi tomado pelo medo, convencido de que os seus gritos tinham sido ouvidos, mas percebeu imediatamente que os rec�m-chegados estavam t�o alheios � sua presen�a quanto o seu pai. � Pois ent�o, Jarred! � o homem com a t�nica apanhou a tocha da m�o de um dos guardas e foi at� o centro da cela. Iluminado pela luz bruxuleante da chama, o seu rosto parecia anguloso, os ossos da face estavam sombreados, e a boca fina tinha uma express�o cruel. � Prandine! � reconheceu o pai de Lief. O cora��o de Lief bateu com um som surdo. Prandine? O conselheiro-chefe do rei Endon, o servo secreto do Senhor das Sombras? Mas ele estava morto. Certamente, ele...

� Prandine, n�o, ferreiro � o homem respondeu, sorrindo. � Aquele que se chamava Prandine mergulhou, para a morte, da torre deste mesmo pal�cio, h� dezesseis anos, no dia em que o Mestre reclamou o seu reino. Prandine foi descuidado � ou infeliz. Talvez voc� saiba algo sobre isso... � N�o sei de nada. � Veremos. Mas, quando algu�m morre, sempre h� outra pessoa para tomar o seu lugar. O Mestre gosta deste rosto e formato. Ele decidiu repeti-los em mim. Meu nome � Fallow. � Onde est� a minha mulher? Lief prendeu a respira��o. O homem magro riu. � Voc� gostaria de saber? Talvez eu lhe diga... se voc� responder �s minhas perguntas. � Que perguntas? Por que fomos trazidos para c�? N�o fizemos nada de errado. Fallow virou-se para a porta onde os guardas vigiavam. � Saiam! � ele ordenou. � Vou interrogar o prisioneiro sozinho. Os guardas assentiram e se retiraram. Assim que a porta foi firmemente fechada, o homem magro apanhou algo das dobras de sua t�nica. Um pequeno livro azul-claro. Era o livro 0 Cintur�o de Deltora, que Jarred encontrara escondido na biblioteca do pal�cio. O livro que o pr�prio Lief tantas vezes estudara enquanto crescia e que lhe ensinara tanto sobre o poder do Cintur�o e suas pedras. Lief contorceu-se por v�-lo nas m�os do homem. Desejou poder arranc�-lo das m�os de Fallow, salvar o pai do sarcasmo cruel. Mas ele n�o conseguia. Tudo o que podia fazer era ficar ali e observar. � Este livro foi encontrado em sua casa, Jarred � Falow dizia. � Como foi parar l�? � N�o me lembro. � Talvez eu possa ajud�-lo. N�s o conhecemos. Ele veio da biblioteca do pal�cio. � Quando jovem, vivi no pal�cio. Talvez eu o tenha levado comigo quando parti. Isso foi h� muito tempo. Eu n�o sei. Fallow tamborilou no livro com os dedos ossudos. O sorriso cruel n�o deixava o seu rosto. � O Mestre acha que voc� nos enganou, Jarred � ele disse. � Ele acha que voc� mant�m contato com o seu tolo amigo, rei Endon, e que no final ajudou para que ele, a sua est�pida mulher e a crian�a n�o nascida pudessem escapar. O pai de Lief negou, balan�ando a cabe�a. � Endon foi tolo o bastante para acreditar que eu era um traidor � ele contou em voz baixa e inalterada. � Endon nunca me pediria ajuda, nem eu a daria � Assim n�s pens�vamos. Mas agora n�o temos tanta certeza. Coisas estranhas v�m ocorrendo no reino, ferreiro. Coisas que n�o agradam ao Mestre. Lief viu um repentino lampejo de esperan�a nos olhos baixos do pai. Olhou r�pido para Fallow. Teria ele visto o mesmo que Lief? Ele viu. Seus pr�prios olhos exibiam um brilho frio quando prosseguiu. � Certos aliados, prezados pelo Mestre, foram cruelmente mortos. Certos... bens... tamb�m valorizados pelo Mestre foram roubados -Fallow continuou. � Suspeitamos que o rei Endon ainda esteja vivo. Suspeitamos que ele esteja realizando um �ltimo e in�til esfor�o para reaver o trono. O que voc� sabe sobre isso? � Nada. Como todas as outras pessoas em Del, acho que Endon est� morto. Foi isso que nos disseram. � De fato � Fallow fez uma pausa e, ent�o, se inclinou para a frente de modo que o seu rosto e a tocha ficassem muito pr�ximos do homem sentado no ch�o. � Onde est� o seu filho, Jarred? � ele disparou. Lief sentiu sua boca ficar seca. Ele observou o pai olhar para cima e sentiu o cora��o apertado ao notar as profundas marcas de exaust�o, dor e sofrimento no amado rosto t�o parecido com o dele.

� Lief deixou a nossa casa h� v�rios meses. O of�cio de ferreiro o aborrecia. Ele preferiu correr desvairadamente pela cidade com os amigos. N�o sabemos onde ele se encontra. Por que quer saber o seu paradeiro? Ele partiu o cora��o da m�e e o meu tamb�m. O cora��o de Lief encheu-se de orgulho diante da coragem do pai. A voz era alta e queixosa, a voz de um pai magoado, nada mais. O seu pai, sempre t�o sincero, estava mentindo como se tivesse nascido para aquilo, determinado a proteger o filho e a sua causa a qualquer pre�o. Fallow examinava atentamente a express�o desesperada. Teria sido enganado, ou n�o? � Dizem que um garoto da idade de seu filho � um dos tr�s criminosos que est�o vagando pelo reino, tentando impedir os planos do Mestre � disse ele lentamente. � Ele anda acompanhado por uma garota e um homem mais velho. Um p�ssaro preto voa junto deles. � Por que est� me contando isso? � o homem no ch�o mexeu-se inquieto. Ele parecia meramente impaciente, mas Lief, que o conhecia t�o bem, sabia que ele estivera ouvindo atentamente. Sem d�vida, estava se perguntando quem seriam a garota e o p�ssaro preto. Ele nada sabia a respeito de Jasmine e Kree, ou o que ocorrera nas Florestas do Sil�ncio. � Esse garoto � Fallow prosseguiu � pode ser o seu filho. Voc� � um aleijado e pode t�-lo enviado em alguma busca in�til no seu lugar. O homem... pode ser Endon. O pai de Lief riu. O seu riso parecia totalmente natural, e n�o poderia ser diferente, pensou Lief. Era absurdo pensar em Barda ser confundido com o delicado e cauteloso rei Endon. Os l�bios finos de Fallow formaram uma linha dura. Ele abaixou a chama da tocha at� que bruxuleasse perigosamente diante dos olhos do homem que ria. � Tenha cuidado, Jarred � ele rosnou. � N�o submeta a minha paci�ncia � prova. A sua vida est� em minhas m�os. E n�o somente a sua. O riso parou. Lief cerrou os dentes quando viu o pai curvar a cabe�a mais uma vez. � Eu vou voltar � Fallow disse em voz baixa, dirigindo-se � porta. � Pense no que eu disse. Na pr�xima vez, vou querer respostas. Se voc� fez o que suspeitamos, o simples sofrimento n�o far� com que conte a verdade. Mas talvez o sofrimento de algu�m que voc� ama seja mais convincente. Ele ergueu o punho e bateu na porta. Quando ela se abriu, ele saiu e bateua atr�s de si. A chave virou na fechadura. � Pai! � Lief gritou para o vulto encolhido junto � parede. � Pai, n�o se desespere. Encontramos quatro pedras e hoje iremos at� a Montanha do Medo para encontrar a quinta. Estamos agindo o mais depressa poss�vel. Mas o pai continuou sentado im�vel, fitando a escurid�o sem nada ver. � Eles est�o vivos � ele sussurrou. � Vivos e vitoriosos. Os olhos dele brilharam. Correntes chocalharam quando ele fechou os punhos. � Ah, Lief, Barda � boa sorte! Estou enfrentando minha luta aqui da melhor forma poss�vel. Voc�s devem enfrentar a de voc�s. Minhas esperan�as e ora��es os a acompanham.

Lief acordou com o som de vozes quase ao amanhecer. Jasmine e Barda j� se movimentavam, pegavam as suas armas e prendiam as latas com as bolhas aos cintos. Ailsa, Merin e Bruna voltavam da fonte. Lief ficou quieto, recordando o sonho que

tivera. Embora tenha, provavelmente, dormido muitas horas depois que o sonho acabou, todos os detalhes estavam n�tidos em sua mente. Ele teve a impress�o de que um terr�vel peso o empurrava para baixo. Era o peso do perigo e do sofrimento do pai, que temia por Anna. E ent�o ele se lembrou do brilho no olhar de Jarred e de suas palavras finais. Estou enfrentando a minha luta aqui da melhor forma poss�vel. Voc�s devem enfrentar a de voc�s... � Jarred e Anna sempre souberam que isso poderia acontecer � Barda encontrava-se parado ao lado dele com uma express�o triste e cansada no rosto. � Voc� viu meu pai? � Lief exclamou, erguendo-se de um salto. � Voc� tamb�m? Eles apanharam as cobertas, ajeitaram as mochilas nos ombros e come�aram a caminhar juntos at� a nascente, conversando em voz baixa. Jasmine os seguiu atenta. � Sonhei assim que adormeci � Barda contou. � Eu sabia que voc� planejava fazer o mesmo, Lief, mas eu queria ver com meus pr�prios olhos o que estava acontecendo a Jarred. N�o fiquei sabendo de muita coisa, mas eu o vi. Ele estava sentado, acorrentado � parede de uma masmorra � os punhos de Barda se fecharam diante da lembran�a. � Eu nada pude fazer. Se, pelo menos, eu pudesse ter contado... � Ele sabe! � Lief exclamou. � Ele sabe que estamos tendo �xito. E isso lhe deu esperan�a. � Ele ouviu voc�? � N�o. Ele encontrou um outro meio. Os amigos chegaram � fonte e, enquanto comiam rapidamente frutas secas e biscoitos e bebiam �gua fresca, Lief contou da visita de Fallow � cela. Barda riu tristemente quando ouviu que estava sendo confundido com o rei Endon. � Minha querida e velha m�e ficaria orgulhosa de ouvir isso � ele disse. � Ent�o eles n�o notaram o desaparecimento do mendigo das portas da ferraria? � N�o � Lief respondeu. � Ou, se perceberam, devem pensar que voc� simplesmente mudou para outra parte da cidade � ele franziu o cenho. � Mas a hist�ria � diferente comigo. Quando os problemas come�aram, eles foram at� a ferraria por causa da hist�ria de meu pai. Eles descobriram que eu partira, vasculharam a casa... � E encontraram o livro � Barda murmurou. � H� muito tempo, eu disse a Jarred para destru�-lo, mas ele n�o me ouviu. Ele disse que era muito importante Lief ouviu um leve ru�do atr�s de si e se virou. Jasmine mexia em sua mochila. Seus l�bios estavam firmemente cerrados, o olhar triste. Ele achou que sabia o porqu�. � N�o tive nenhum sonho na noite passada � ela disse, respondendo � pergunta n�o proferida. � Tentei visualizar o meu pai quando bebi �gua da fonte, mas eu era t�o pequena quando ele foi capturado que n�o consegui lembrar de seu rosto. Ele � apenas uma imagem indistinta agora. Portanto, perdi minha chance. � Sinto muito � Lief murmurou. Jasmine deu de ombros e atirou a cabe�a para tr�s. � Talvez seja melhor assim. Meu pai est� prisioneiro h� tanto tempo... Quem sabe o que ele est� sofrendo? Saber que n�o posso fazer nada por ele apenas iria me atormentar. � melhor pensar que ele est� morto, como minha m�e. Ela se virou bruscamente. � � melhor nos apressarmos. Estamos perdendo tempo com essa conversa in�til. Ela se afastou, acompanhada de Kree. Barda e Lief embrulharam seus pertences e a seguiram. Ambos sabiam do grande sofrimento que se ocultava por tr�s das palavras �speras de Jasmine e ambos desejaram poder ajud�-la. Mas n�o havia nada a fazer. Nada a ser feito por Jasmine, seu pai ou os pais de Lief, ou qualquer uma das milhares de v�timas da crueldade do Senhor das

Sombras. Exceto... "Exceto o que iremos fazer agora", Lief pensou, ao se aproximar do local perto do bosque em que as Kins e Jasmine aguardavam. "O Cintur�o de Deltora � a nossa miss�o. Quando estiver conclu�da, quando o herdeiro de Endon for encontrado e o Senhor das Sombras, derrubado, todos os prisioneiros ser�o libertados." Os Kins aguardavam al�m das �rvores, no topo de uma colina coberta de grama, reunidos para se despedir dos viajantes, exceto Prin. � A pequenina n�o veio � a m�e explicou. � Pe�o desculpas por ela. Geralmente, ela n�o fica zangada por muito tempo, mas, desta vez, foi diferente. � Desta vez, o desapontamento foi muito grande � Ailsa murmurou. � Pobre pequenina, sinto por ela. Merin olhou para o c�u que clareava e virou-se para Barda. � Eu sou a maior, ent�o vou lev�-lo � ela disse educada, evidentemente ansiosa para partir. Um tanto nervoso, Barda entrou na bolsa dela. Lief sorriu diante da cena e, apesar de seus receios, muitos dos que a assistiam tamb�m riram. � Que beb� grande voc� est� carregando, Merin � a m�e de Prin brincou. � E muito bonito! Lief iria viajar com Ailsa e Jasmine, com Bruna, a menor das tr�s. Eles entraram em suas respectivas bolsas, enquanto Filli chilreava animado no ombro de Jasmine. Ele certamente considerava os Kins maravilhosos e se mostrava entusiasmado por se encontrar t�o pr�ximo de um deles. A bolsa de Ailsa era quente e macia como veludo. No in�cio, Lief teve receio de que o seu peso pudesse machuc�-la, mas logo percebeu que sua preocupa��o era infundada. � Um filhote de Kin � muito mais pesado do que voc� na �poca em que deixa a bolsa da m�e para sempre � Ailsa esclareceu. � Fique bem confort�vel. Contudo, conforto foi o que Lief menos sentiu logo depois. Ele se perguntara como criaturas t�o pesadas conseguiam levantar v�o e descobrir pessoalmente foi uma experi�ncia assustadora. O m�todo era bastante simples. Ailsa, Merin e Bruna ficaram em fila, estenderam as grandes asas e ent�o correram o mais depressa poss�vel colina abaixo. Seus passageiros, impiedosamente sacudidos, s� podiam se segurar ofegantes. E ent�o viram o que havia adiante � elas corriam diretamente para a beira de um penhasco. Lief gritou e fechou os olhos quando Ailsa se lan�ou ao espa�o. Seguiram-se alguns momentos atordoados de p�nico enquanto as imensas asas batiam com for�a acima de sua cabe�a. Logo depois, sentiu um impulso para o alto e um golpe de ar frio no rosto e percebeu que o som do bater de asas se estabilizou e atingiu um ritmo regular. Lief abriu os olhos. A terra abaixo parecia uma colcha de retalhos adornada em v�rios pontos com pequenas �rvores e caminhos estreitos e sinuosos. Mais adiante, a Montanha do Medo j� parecia mais pr�xima, ainda envolta em n�voa, mas aparentando ser maior, mais escura e sinistra do que antes. Atr�s dela, viam-se as concavidades da cadeia de montanhas que marcavam a fronteira com a Terra das Sombras, que tamb�m pareciam mais pr�ximas. � Em quanto tempo chegaremos � Montanha? � Lief gritou, tentado fazer-se ouvir apesar do barulho do vento. � Teremos que parar quando come�ar a escurecer � Ailsa informou. � Mas, se o bom tempo continuar, chegaremos l� amanh�. "Amanh�!" Lief pensou. "Amanh� saberemos, sejam quais forem as conseq��ncias, se os gnomos da Montanha do Medo ainda vigiam os c�us em busca de Kins. Em caso positivo, isso significar� a nossa morte. Os gnomos derrubar�o Ailsa, Merin e Bruna, e n�s nos espatifaremos no solo com elas." Lief estremeceu. Sua m�o deslizou at� o Cintur�o preso � cintura e ro�ou levemente as quatro pedras ali engastadas. Elas se aqueceram ao seu toque: o top�zio, para a lealdade, o rubi, para a felicidade, a opala para a esperan�a, e o misterioso l�pis-laz�li, a Pedra Celestial.

Certamente tudo ficaria bem, Lief disse a si mesmo. Certamente, aquelas pedras, juntas, os manteriam em seguran�a. Mas mesmo enquanto procurava ter esses pensamentos tranq�ilizadores, palavras do Cintur�o de Deltora passaram rapidamente por sua mente. Cada pedra possui sua pr�pria magia, mas as sete juntas t�m uma for�a muito mais poderosa que a soma de suas partes. Somente o Cintur�o de Deltora completo, como foi inicialmente criado por Adin e usado pelos seus verdadeiros herdeiros, tem o poder de derrotar o Inimigo. A advert�ncia era clara. As pedras que Lief e seus amigos tinham em m�os at� o momento poderiam ajud�-los a seu pr�prio modo, mas n�o poderiam salv�-los. Lief cuidou para que seus dedos n�o se demorassem sobre a opala, pois n�o queria ter nenhuma vis�o do futuro. Se fosse assustadora, n�o queria v�-la. Ele enfrentaria qualquer coisa que o destino lhes reservasse no momento certo. Quando o sol mergulhou numa n�voa vermelha, as Kins voaram em c�rculos, diminuindo cada vez mais a altitude, � procura do local que haviam escolhido para passar a noite. � Ali h� �gua, comida e abrigo � Ailsa contou a Lief. � � uma pequena floresta onde, h� muito tempo, sempre interromp�amos a nossa jornada entre a Montanha e o bosque. N�s a chamamos de Kinrest. Estava quase escuro quando elas pousaram no solo, batendo as asas com for�a ao mergulharem entre as �rvores altas para o macio abrigo abaixo. Lief, Barda e Jasmine saltaram desajeitadamente para o ch�o e foram invadidos por uma sensa��o estranha ao pisarem em terra firme novamente. Os companheiros olharam ao redor. Kinrest era realmente um local tranq�ilo. Samambaias cercavam densamente o pequeno riacho que borbulhava ali perto e cogumelos cresciam amontoados sob as �rvores enormes. De algum lugar pr�ximo, vinha o som de uma cachoeira. � Como as �rvores cresceram! � espantou-se Merin excitada, limpando folhas e galhos do p�lo. � Elas escondem totalmente o riacho. E, veja s�, Ailsa, a entrada da grande caverna em que costum�vamos brincar est� coberta de samambaias. � Tudo parece muito diferente � Ailsa concordou. � N�o � de surpreender que lev�ssemos tanto tempo para encontr�-la. Dever�amos t�-la visitado em sonhos h� muito tempo em vez de ir sempre � Montanha. Fatigados, Lief, Barda e Jasmine sentaram-se junto ao riacho e observaram as tr�s Kins come�arem a explorar. Jasmine inclinou a cabe�a para o lado, atenta ao farfalhar das �rvores. � O que elas dizem? � Lief quis saber ansioso. � Estamos em seguran�a? � Acho que sim � Jasmine respondeu s�ria. � As �rvores est�o felizes em rever as Kins. Muitas delas s�o centen�rias e se lembram claramente de �pocas passadas. Mas tamb�m senti tristeza e medo nelas. Algo ruim aconteceu aqui. Sangue foi derramado, e algu�m de quem gostavam morreu. � Quando? � Barda indagou, repentinamente alerta. � �rvores como essas n�o falam do tempo como n�s, Barda � Jasmine explicou paciente. � A tristeza de que se lembram pode ter sido causada h� um ano ou vinte. Para elas, tudo significa a mesma coisa. � Acho que � seguro acendermos uma pequena fogueira � ela sugeriu, estremecendo. � As �rvores certamente esconder�o a luz. E eu preciso de algo que me anime. Os amigos encontravam-se agachados junto �s chamas aconchegantes do fogo e comiam frutas secas e fatias de bolo de mel e nozes, quando Ailsa os chamou da escurid�o al�m do c�rrego, com uma voz estranha. Erguendo-se de um salto assustados, eles acenderam uma tocha e foram ter com ela e as demais Kins junto a uma grande caverna totalmente coberta por samambaias. � Estivemos explorando a nossa caverna � Ailsa disse em voz baixa. �

Costum�vamos brincar aqui quando �ramos crian�as. Encontramos... algumas coisas dentro dela. Achamos que voc�s gostariam de ver o que �. Os tr�s companheiros seguiram-nas para o interior da caverna. A luz da tocha bruxuleava sobre as paredes rochosas e o ch�o arenoso, mostrando os objetos que l� se encontravam: algumas tigelas e panelas, uma caneca, alguns velhos cobertores ca�dos em meio ao p� que antes fora um monte de folhas de samambaias secas, uma trouxa de roupas velhas, uma cadeira feita de galhos ca�dos, uma tocha apagada presa � parede... � Algu�m esteve morando aqui � deduziu Lief. � E n�o foi h� pouco tempo � Barda ajuntou, apanhando um cobertor e deixando-o cair novamente numa nuvem de poeira. � Eu diria que foi h� muitos anos. � H� mais uma coisa � Ailsa contou em voz baixa. Ela os conduziu de volta � entrada da caverna e afastou as samambaias que cresciam fortes num dos lados, revelando uma pedra achatada e coberta de musgo, firmemente enterrada no ch�o como um marco. � H� algo escrito nela � Bruna sussurrou. Barda abaixou a tocha, e os tr�s companheiros constataram que realmente havia palavras cuidadosamente esculpidas na rocha. h

AQUI JAZ PERDI��O DE HILLS, QUE ABRIGOU UM ESTRANHO DESPROTEGIDO E ASSIM FOI AO ENCONTRO DA MORTE. ELE SER� VINGADO. � Estranho nome para ser encontrado numa l�pide � Barda murmurou, lan�ando um olhar significativo para Lief e Jasmine. � E acompanhado por uma estranha mensagem. Perplexo, Lief olhou fixamente para as palavras. � Perdi��o de Hills est� morto! � ele balbuciou. � Mas este t�mulo � antigo... deve ter uns dez anos, no m�nimo, pelo aspecto da rocha. Ent�o o homem que conhecemos como Perdi��o... � � outra pessoa � Jasmine concluiu com vivacidade, o rosto corado de raiva. � Ele est� usando um nome falso. Eu sabia que n�o pod�amos confiar nele. Pelo que sabemos, ele � um espi�o do Senhor das Sombras. � N�o seja tola! O fato de ele n�o usar seu nome verdadeiro n�o significa nada � Barda resmungou. � N�s mesmos us�vamos nomes falsos quando o conhecemos. � Ele tinha que manter a sua identidade em segredo. Por isso ele assumiu o nome do homem que est� enterrado neste lugar � Lief concluiu. � Talvez um homem que ele traiu e assassinou � Jasmine ajuntou. � Pois ele esteve aqui, posso sentir. Barda n�o respondeu. Delicadamente, come�ou a limpar as samambaias ao redor da pedra, e Lief inclinou-se para ajud�-lo. Jasmine permaneceu parada ao lado deles, o olhar frio e zangado. As tr�s Kins olhavam sem saber o que fazer. Finalmente, Merin pigarreou e juntou as patas. � Est� claro que a nossa descoberta lhes causou sofrimento e sentimos por isso � ela disse com suavidade. � Comemos muitas folhas e tomamos �gua no riacho. Agora vamos nos enrodilhar e dormir. Precisamos partir amanh� cedo. Com essa deixa, ela, Bruna e Ailsa se afastaram e desapareceram na escurid�o. Logo depois, Barda e Lief terminaram seu trabalho e voltaram para o outro lado do c�rrego, seguidos por uma silenciosa Jasmine. Quando chegaram junto da fogueira, as tr�s Kins encontravam-se encolhidas e juntas, como um monte de grandes pedras e, aparentemente, dormiam profundamente. Lief enrolou-se no cobertor e tamb�m procurou dormir. Contudo, de repente, a floresta pareceu menos acolhedora do que antes. Um v�u de tristeza pairava sobre as �rvores, e ru�dos podiam ser ouvidos na escurid�o: o quebrar de galhos e o

farfalhar de folhas, como se algu�m, ou algo, os estivesse vigiando. Ele n�o p�de evitar pensar no homem que se chamava Perdi��o. Apesar do que dissera a Jasmine, ficara abalado com as palavras inscritas na l�pide. Perdi��o os ajudara e os salvara dos Guardas Cinzentos. Isso era um fato. Mas teria tudo sido parte de uma conspira��o maior? Uma conspira��o para conquistar-lhes a confian�a? Para arrancar-lhes o segredo sobre a sua busca? ... o Inimigo � esperto e astuto, e diante de sua ira e cobi�a, mil anos s�o iguais a um piscar de olhos. Teria sido por acaso que Perdi��o reapareceu em suas vidas? Ou estaria ele obedecendo a ordens? N�o tinha import�ncia. "N�s n�o lhe contamos nada", Lief pensou, puxando o cobertor para mais perto de si. Mas ainda havia d�vidas que o perseguiam, a noite parecia um peso, e a escurid�o era cheia de mist�rio e amea�as. Nesta noite, todos bebemos �gua no c�rrego, Lief disse a si mesmo. N�o fomos drogados pela Fonte dos Sonhos e acordaremos se o inimigo se aproximar. Kree est� vigilante, e Jasmine disse que as �rvores acham que estamos em seguran�a. Mesmo assim, ele demorou a dormir. E, quando conseguiu, sonhou com um t�mulo solit�rio e um homem misterioso e cruel cuja face estava oculta por uma m�scara. Uma n�voa espessa o rodeava, ora se fechando em volta dele, ora se afastando. Quem estaria atr�s da m�scara? Seria o homem amigo ou inimigo? Os viajantes puseram-se a caminho outra vez, uma hora antes do amanhecer. Ailsa, Bruna e Merin saltaram do topo da cachoeira, planando atrav�s de um estreito vale para depois ganhar altura. Elas voavam muito r�pido. As horas passadas em Kinrest pareciam t�-las enchido de novas energias. � � a �gua da fonte � Ailsa explicou a Lief. � Pela primeira vez, em muitos anos, dormi sem sonhar ou, pelo menos, sem os sonhos especiais que ela proporciona. Nesta manh�, estou me sentindo jovem outra vez. � Eu, tamb�m � contou Bruna, que voava ao lado deles. � Embora eu tenha ficado um pouco inquieta durante a noite. Pensei ter sentido a proximidade da tribo e tive a sensa��o de que eles estavam tentando me dizer algo. � claro que n�o pude ver ou ouvir nada e logo a impress�o se foi. Ela e Ailsa n�o conversaram mais, mas Lief, ao observar a Montanha do Medo, que se tornava cada vez maior no horizonte, ficou preocupado. Os Kins devem ter tentado arduamente se comunicar com Bruna para que ela sentisse a presen�a deles. Teriam eles informa��es que precisavam contar? Not�cias alarmantes? Ele fechou os olhos e tentou relaxar. Em breve, descobriria o que a Montanha do Medo reservava para eles. Ao meio-dia, a Montanha assomava diante deles � uma massa vasta e escura que lhes enchia os olhos. A sua superf�cie recortada estava coberta de rochas cru�is e �rvores espinhentas de folhas verde-escuras. Nuvens se juntavam ao redor de seu cume. Uma estrada partia sinuosa do sop� e desaparecia entre a cadeia de picos mais al�m. A estrada para a Terra das Sombras, Lief imaginou com um frio no est�mago. Era imposs�vel ver entre as folhas das �rvores densamente agrupadas e, provavelmente, os gnomos j� os tinham avistado. Talvez eles estivessem escondidos, apontando flechas mortais, esperando que as tr�s Kins ficassem ao seu alcance. Os olhos de Lief se esfor�aram para vislumbrar o brilho de metal ou qualquer sinal de movimento. Ele nada conseguiu ver, mas ainda estava receoso. � Esta � a hora perigosa � Ailsa avisou. � Preciso come�ar a dificultar a tarefa dos gnomos de fazer pontaria. Aprendi isso h� muito tempo, mas � algo que n�o se esquece. Segure firme! Ela come�ou a prescrever giros e a mergulhar no ar para, logo em seguida, arremeter para cima e cair em seguida. Ofegante, segurando-se com firmeza, Lief viu que Merin e Bruna seguiam Ailsa e executavam os mesmos movimentos repentinos. E o momento n�o poderia ter sido mais oportuno. Instantes depois, a

primeira flecha disparou na dire��o deles, n�o atingindo Ailsa por um triz. Um d�bil coro de gritos esgani�ados veio da montanha. Lief olhou para baixo e sentiu a pele arrepiar. De repente, as rochas ficaram cobertas por criaturas de olhos fundos e pele clara, todas exibindo caretas cru�is e empunhando arcos. Repentinamente, centenas de flechas dispararam na dire��o deles, como uma chuva mortal. Ailsa voava para baixo, para cima e para a direita desviando-se das flechas, mas sem deixar de se aproximar de seu objetivo. O grupo chegava cada vez mais perto da Montanha, at� que tiveram a sensa��o de que as copas das �rvores se apressavam ao encontro deles e que parecia imposs�vel uma das flechas n�o atingir o alvo. � Todos os gnomos se encontram no alto, perto de sua fortaleza! � Bruna gritou. � Vamos mais para baixo, amigas, para onde as �rvores Boolong s�o mais densas. Eles n�o v�o se arriscar ali. O ar estava tomado pelos gritos altos e estridentes dos gnomos e pelos suaves grunhidos das Kins enquanto elas dirigiam os imensos corpos numa dire��o ou outra. Lief p�de ouvir o bater do cora��o de Ailsa e, vagamente, os gritos de Barda e de Jasmine, instando Merin e Bruna a prosseguir. � Cubra o rosto � Ailsa ordenou. E, com um estrondo, ela atingiu a copa das �rvores, despeda�ando folhas e galhos e derrubando tudo em seu trajeto para o solo. � Lief, voc� est� bem? Com o corpo dolorido, Lief descobriu o rosto e piscou para os olhos escuros e ansiosos de Ailsa. Ele engoliu em seco. � Estou muito bem, obrigado � ele gemeu. � T�o bem quanto se pode estar depois de passar por uma �rvore espinhenta. � N�o foi minha melhor aterrissagem � Ailsa concordou compreensiva. � Mas aqui n�o h� clareiras entre as �rvores Boolong. � por isso que estamos a salvo dos gnomos. Eles n�o gostam de espinhos. Eu tamb�m n�o gosto muito deles � resmungou Barda, que se encontrava sentado no ch�o ao lado de Jasmine e inspecionava v�rios arranh�es feios nas costas das m�os. Ele se levantou e foi at� um pequeno riacho que borbulhava ali perto e come�ou a banhar os ferimentos. Merin e Bruna haviam mergulhado entre as densas �rvores retorcidas que se projetavam sobre o fio de �gua e puxavam, alegremente, pequenos frutos escuros de entre as folhas espinhentas, que nasciam em todos os troncos, e mastigavam-nos como se fossem doces. � Ent�o essas s�o as �rvores Boolong � Barda comentou. � N�o posso dizer que sejam agrad�veis. Nunca vi espinhos como esses. � Eles n�o nos machucam � Ailsa contou. Ela apanhou algumas das folhas presas ao p�lo aveludado, enfiou-as na boca e mastigou com prazer, apesar dos longos espinhos afiados que nasciam em suas bordas. � Quando viv�amos aqui, n�o existiam tantas �rvores Boolong e havia muitas trilhas sinuosas entre elas � ela continuou com a boca cheia. � Os c�rregos eram largos e havia clareiras por toda parte. Sem precisar nos alimentar, as �rvores cresceram e se espalharam de uma forma maravilhosa. As frutas est�o cheias de sementes, que � o que as torna t�o saborosas. Acima deles, ouviu-se o ribombar de um trov�o. Ailsa parou de mastigar, farejou o ar e correu at� onde Merin e Bruna ainda se banqueteavam com os frutos. � Precisamos ir � os amigos a ouviram chamar. � Uma tempestade se aproxima. Encham as bolsas com frutos. N�s os levaremos para casa, para os outros. � Os gnomos devem estar com a pedra � Jasmine deduziu. � Mas n�o sei como poderemos escalar at� a fortaleza deles por esta floresta � ela murmurou. � Se tentarmos, seremos despeda�ados. S� estamos sentados aqui agora porque as Kin esmagaram a vegeta��o e criaram uma clareira quando aterrissaram. � Talvez possamos abrir caminho com fogo � Lief sugeriu. Kree grasnou, Filli chilreou nervosamente, e Jasmine sacudiu a cabe�a. � Isso seria perigoso demais � ela opinou. � Nunca poder�amos controlar um

inc�ndio numa floresta grande como esta. E poder�amos ser facilmente queimados. As tr�s Kins, com as bolsas abauladas pelos frutos e galhos repletos de folhas espinhentas, aproximaram-se deles com uma express�o de quem tinha discutido. � Viemos nos despedir � Ailsa disse. � Precisamos partir agora para estarmos longe quando a tempestade cair. Tempestades aqui s�o violentas e podem durar dias. � N�o dever�amos deixar nossos amigos sozinhos t�o depressa � Merin exclamou. � H� muita coisa que eles desconhecem. � Merin, prometemos a Crenn que voltar�amos o mais r�pido poss�vel � Bruna lembrou, torcendo os bigodes. � Se ficarmos isoladas aqui... � Isso n�o vai acontecer � Merin exclamou. � Este � nosso lar. � aqui que dever�amos ficar para sempre. Percebi isso quando chegamos � os olhos dela brilhavam de entusiasmo. � Dever�amos ficar e os demais podem se unir a n�s. Os gnomos n�o podem nos fazer mal aqui, na parte mais baixa da montanha. � Merin, n�s pousamos com seguran�a por milagre � Ailsa argumentou, suspirando. � Voc� quer que nossos amigos corram esse perigo? Quantos voc� acha que iriam sobreviver? � E mesmo que somente metade conseguisse chegar, � Bruna acrescentou � as �rvores Boolong ficariam reduzidas � quantidade normal dentro de poucos anos. As trilhas ficariam abertas novamente, os gnomos voltariam, e a matan�a recome�aria. � � cruel � Merin sussurrou de cabe�a baixa. � Mas Lief, Barda e Jasmine perceberam que ela sabia que as amigas tinham raz�o. Acima deles, os trov�es rugiam. Ailsa fitou o c�u nervosa. � H� uma rocha enorme perto daqui � ela disse depressa. � Eu a vi quando aterrissamos. Se decolarmos de l�, sairemos mais depressa. Vai ser uma tarefa �rdua, mas acho que somos fortes o bastante para chegar at� l�. Seguidas de Lief, Barda e Jasmine, as tr�s Kins abriram caminho entre as �rvores e logo atingiram as rochas de onde se podia ver o c�u aberto. Nuvens escuras se aproximavam do sul. � As nuvens ir�o nos esconder depois que levantarmos v�o � Ailsa disse. � E, se eu estiver certa, os gnomos n�o v�o estar olhando para c�. Eles v�o estar com a aten��o voltada mais para cima, imaginando que mais de n�s ir�o chegar. � Ent�o, adeus, amigas � Barda se despediu. � Nunca poderemos agradecer o que fizeram por n�s. � N�o precisam agradecer � Bruna respondeu. � N�s estamos mais felizes por termos visto o nosso lar outra vez, mesmo que por t�o pouco tempo. Tudo que pedimos � que voc�s tenham cuidado para que possamos nos rever algum dia. As tr�s se inclinaram, fazendo com que suas cabe�as tocassem a testa de Lief, Barda e Jasmine. Em seguida, viraram-se, estenderam as asas e lan�aram-se para o c�u. Durante alguns momentos tensos em que as asas bateram vigorosamente, elas lutaram para n�o cair de volta no solo. Os companheiros observavam num sil�ncio ansioso, certos de que, a qualquer momento, os gnomos iriam ouvir o bater de asas, olhar para baixo, atirar... Mas tudo correu bem. N�o houve gritos, tampouco flechas sendo lan�adas no ar, e finalmente as Kins se estabilizaram e come�aram a voar de volta. Os contornos de seus corpos ficaram cada vez mais nebulosos � medida que as nuvens se fechavam ao redor delas. E ent�o elas desapareceram. Barda se virou com um suspiro de al�vio e come�ou a descer os rochedos. Lief estava prestes a segui-lo quando vislumbrou algo com o canto do olho. Ele olhou para o alto e, para sua surpresa, viu um vulto escuro emergindo vacilante das nuvens acima de suas cabe�as. � Uma das Kins est� retornando � ele sussurrou. � Mas por que est� t�o alto? Ah, n�o! Os tr�s amigos olharam para o alto horrorizados e viram a Kin voando �s cegas e entrando diretamente na linha de fogo dos gnomos. N�o se tratava de Ailsa, Merin ou Bruna. Era...

� Prin! � Lief gemeu aterrorizado. A pequena Kin viu a clareira de �rvores quebradas criada pela aterrissagem anterior e voou em sua dire��o, as asas batendo fracamente. No momento seguinte, ouviu-se um grito estridente e triunfante e uma gargalhada vinda de um ponto mais elevado da Montanha. Algo disparava pelo ar, e Prin come�ou a cair e a cair, cora uma flecha no peito. u Com gritos de horror, Lief, barda e Jasmine desceram das rochas e correram at� a clareira. Prin lutava debilmente no ch�o junto ao c�rrego. As suas asas encontravam-se dobradas sob o corpo, e ela emitia leves e comoventes sons. Os olhos dela estavam vidrados de dor. A flecha que lhe perfurara o peito j� havia ca�do, e a ferida que deixara era pequena, mas o veneno que a arma carregava agia rapidamente e sua terr�vel tarefa j� estava quase conclu�da. Os olhos agonizantes de Prin se fecharam. � Crian�a tola � Barda gemeu. � Jasmine, o... � O n�ctar � Lief gritou no mesmo instante. Mas Jasmine j� arrancava o frasco min�sculo do pesco�o e emborcava-o sobre o pequeno peito de Prin. As �ltimas gotas douradas do n�ctar dos L�rios da Vida ca�ram no ferimento. Tr�s gotas, e nada mais. � Se isso n�o for suficiente, n�o haver� mais nada que possamos fazer � Jasmine murmurou, sacudindo o frasco para mostrar que estava vazio, rangendo os dentes enraivecida. � Ah, o que eles imaginaram que iriam ganhar abatendo-a? Eles sabiam que ela cairia aqui, onde n�o poderiam alcan��-la. Eles matam por pura divers�o? � Parece que sim � concluiu Barda. � Voc� n�o os ouviu rir? Lief aconchegou a cabe�a de Prin nos bra�os, chamando-a de volta � vida como, certa vez, fizera com Barda nas Florestas do Sil�ncio, como Jasmine fizera com Kree no caminho para o Lago das L�grimas e como tinham feito com ele na Cidade dos Ratos. O n�ctar que Jasmine havia colhido, quando ele escorria dos L�rios da Vida em flor h� tanto tempo, salvara tr�s vidas. Poderia salvar mais uma? Prin se mexeu. Lief prendeu a respira��o quando o pequeno ferimento no peito dela come�ou a cicatrizar e desaparecer. Ela abriu os olhos, piscou e fitou Lief surpresa. � Eu ca�? � ela perguntou. � Prin, o que voc� est� fazendo aqui? � Lief vociferou. Ele a viu encolher e se censurou, percebendo que ca�ra na armadilha de permitir que o medo e o al�vio o deixassem zangado. Barda fizera o mesmo n�o muito tempo atr�s, nas Dunas, e Lief havia decidido que nunca agiria da mesma forma. "Que bela resolu��o!", pensou aborrecido. � Sinto muito, Prin � ele se desculpou num tom mais suave. � N�o tive a inten��o de gritar, mas ficamos com muito medo. Voc� voou at� aqui sozinha? � Eu segui voc�s � ela disse, fitando-o ainda desconfiada. � N�o pude. suportar a id�ia de perder a �nica oportunidade de ver a Montanha. Ela olhou ao redor da clareira, fascinada com o que via. A voz dela ficava mais forte a cada instante. � Dormi perto de voc�s em Kinrest e voc�s n�o perceberam � Prin prosseguiu alegremente. � Mas hoje elas voaram t�o depressa que fiquei para tr�s. E eu estava t�o cansada... E ent�o vieram as nuvens e eu me perdi. Ent�o... Os olhos dela se arregalaram de terror. Ela agarrou o peito, olhou para baixo e abafou um grito ao constatar que n�o havia nenhum ferimento. � Pensei que eu tinha sido ferida � ela sussurrou. � Mas acho que foi um sonho. � N�o foi sonho � Lief disse gentilmente, depois de fitar os companheiros. � Voc� se feriu, mas n�s t�nhamos... uma po��o que a curou. � Voc� n�o deveria ter vindo, Prin � repreendeu Barda. O que a sua tribo faria se perdesse seu �nico filhote? � Eu sabia que n�o me perderia � Prin retrucou confiante. Ela se ergueu e

olhou ao seu redor. � Onde est� Ailsa? � ela perguntou, balan�ando para cima e para baixo na ponta dos p�s. � E Merin e Bruna? Elas v�o ficar surpresas em me ver! Elas n�o imaginavam que eu podia voar t�o longe. Sem esperar pela resposta, ela pulou por cima do c�rrego e come�ou a remexer nas �rvores do outro lado, chamando. � Prin n�o se deu conta de que elas partiram � Barda murmurou para Lief e Jasmine. � Est� claro que ela esperava voltar para casa com elas. Ela nunca vai encontrar o caminho de volta sozinha. O que vamos fazer com ela? � Ela vai ter que nos acompanhar � Jasmine replicou com calma. � Mas � perigoso demais! � Lief exclamou. � Ela decidiu vir para c� � Jasmine devolveu, dando de ombros. � Ela precisa aceitar as conseq��ncias de seus atos. Os Kins a mimam e a tratam como um beb�. Mas ela n�o � mais um beb�. Ela � jovem, mas n�o � indefesa. E pode ser �til para n�s. Jasmine fez um gesto na dire��o em que Prin dan�ava no riacho, colhia frutos e folhas das �rvores e comia vorazmente. Em instantes, a pequena Kin abriu um amplo espa�o entre os espinhos. � Viu s�? Ela pode nos ajudar a abrir uma trilha � Jasmine mostrou. � Se seguirmos o riacho... � Est� fora de quest�o � Barda interrompeu com firmeza. � Eu me recuso a ser atormentado por outra crian�a teimosa que tem mais energia que bom senso. Dois j� s�o suficientes! Lief n�o ficou ofendido com a brincadeira impiedosa como teria ficado antigamente, mas tamb�m n�o sorriu. A id�ia de levar Prin at� o topo da Montanha era t�o desagrad�vel para ele quanto era para Barda. Trov�es ribombavam sobre suas cabe�as. A clareira ficara muito escura, e o ar estava abafado e pesado. � Antes de tudo, precisamos encontrar um abrigo � disse Jasmine. � A tempestade... � de repente, ela enrijeceu, a cabe�a inclinada para o lado, e ouviu atentamente. � O qu�...? � Lief come�ou devagar. E ent�o ele percebeu que o som do riacho ficara mais alto e aumentava a cada instante. Dentro de segundos, a clareira foi invadida pela �gua. "Uma inunda��o?", ele pensou, confuso. Mas ainda n�o chovera, e o som descia pela montanha. Como...? Ent�o ele se esqueceu de tudo quando viu Prin parada, muito quieta, no meio do riacho, olhando perplexa na dire��o do som que se aproximava. � Prin! � ele gritou. � Saia da�! Saia da�! Prin soltou um grito agudo e saiu do c�rrego meio que voando, meio que saltando, para a margem. No mesmo instante, ouviu-se um rugido, e um enorme monstro de formas humanas surgiu saltando e pousou exatamente onde a pequena Kin havia estado, n�o a apanhando por um triz. Rosnando por ter sido enganado e ter perdido o seu pr�mio, a coisa virou-se e ergueu a cabe�a horripilante. � Vraal! � Prin gritou aterrorizada, enquanto trope�ava para tr�s, afastando-se do riacho. � Vraal! O sangue de Lief gelava nas veias quando ele apanhou a espada. As escamas do Vraal, semelhantes �s de uma serpente, de um verde desbotado com listras amarelas, emitiam um brilho mal�volo na fraca luz da floresta. O monstro era t�o alto quanto Barda e duas vezes mais largo, com ombros imensos e curvados, uma cauda que se movimentava como um chicote e bra�os poderosos que terminavam em garras, lembrando facas recurvadas. Por�m, a caracter�stica mais tenebrosa do animal era que ele parecia n�o ter face � apenas uma massa de carne coberta de escamas e caro�os, sem olhos, nariz ou boca. E ent�o a criatura rugiu. Amassa pareceu dividir-se ao meio como uma fruta que explodia no ch�o quando as suas mand�bulas vermelhas se abriram mostrando o interior vermelho. No mesmo instante, os seus olhos se tornaram vis�veis � fendas alaranjadas que brilhavam por entre dobras e sulcos protetores. Ela saltou do riacho e pousou na margem com um �nico movimento. Agora Lief podia ver que, no lugar de p�s, a criatura tinha cascos

fendidos, que se encontravam firmemente enterrados na terra �mida e macia. Eles pareciam delicados demais para sustentar aquele corpo enorme, mas, quando o monstro rugiu novamente e saltou para a frente, esse detalhe deixou de ter import�ncia para Lief. A criatura era uma m�quina assassina, isso era claro como o dia. Ela n�o deu aten��o aos trov�es que ribombavam sobre as �rvores, e os seus olhos malignos n�o abandonavam Prin. � Prin! Para baixo! � Barda grunhiu. Vendo-se obrigada a obedecer de imediato por causa do pavor, Prin jogou-se ao ch�o quando uma bolha voou sobre a sua cabe�a na dire��o do Vraal. Barda havia atirado o proj�til com todas as suas for�as, mas a criatura saltou para o lado com velocidade surpreendente, e a bolha, sem lhe causar danos, foi esmagada de encontro a uma �rvore, o veneno em seu interior emitindo um som sibilante ao atingir o ch�o. Praguejando, Barda atirou outra bolha, a �ltima de que dispunha, Lief se deu conta aterrorizado. A pontaria do grande homem era boa, mas novamente a criatura saltou para o lado no momento exato, os cascos formando enormes buracos na terra, e pousou com firmeza em outro local longe de Prin, por�m mais perto de Barda. Lief viu Prin rastejando para longe e rolando para dentro do riacho. Ela n�o estaria a salvo ali! Ele quis mand�-la correr, mas n�o quis que a aten��o do monstro se voltasse para ela. Ent�o, ao hesitar, percebeu que o Vraal se esquecera totalmente da pequena Kin. Os seus olhos alaranjados pareciam queimar quando ele se voltou para encarar o homem que tentara mat�-lo com o veneno dos Guardas Cinzentos. O homem que agora se encontrava parado � sua frente, espada em punho. A boca sem l�bios da criatura abriu-se numa careta horrenda, e ela rugiu ao estirar as garras, desafiando Barda a lutar. e Barda se manteve firme em sua posi��o. Ele sabia que se virar, dar um passo para o lado ou mostrar medo seria fatal. Atr�s dele, Lief e Jasmine se entreolharam. A Criatura movia-se como um raio. As bolhas restantes, que se encontravam em poder de Jasmine, seriam in�teis enquanto Barda se mantivesse entre ela e o inimigo. A �nica esperan�a era chegar at� o outro lado sem ser vista. Sem aviso, o Vraal atacou. Barda ergueu a espada, defendendo-se, e as garras da criatura tocaram o a�o reluzente. Barda virou-se e investiu contra o monstro que, desta vez, se defendeu, atingindo a arma com um violento golpe que fez Barda cambalear. Lief saltou para o lado do amigo empunhando a pr�pria espada. O Vraal rosnou com prazer. Dois advers�rios eram ainda melhor que um s�. Ele n�o lutava h� muito tempo e era para isso que nascera. Ele sentira falta de usar suas habilidades, da alegria da batalha e dos gritos dos inimigos derrotados. Agarrar gnomos que gritavam e se retorciam quando se inclinavam no riacho para beber n�o era esporte. Desviar-se de flechas era f�cil demais. Mas aquilo... aquilo aquecia o seu sangue enregelado. Rugindo, ele saltou na dire��o das duas espadas, afastando-as sem esfor�o com um safan�o, obrigando os dois fracos oponentes que as seguravam a recuar cada vez mais. Por duas vezes, as armas perfuraram a pele espessa, fato que em nada abalou o monstro. Ele tampouco deu aten��o ao p�ssaro preto que mergulhava sobre a sua cabe�a, atacava-o com o bico pontiagudo e se afastava para arremeter novamente. O Vraal n�o receava a dor nem a morte. A sua mente n�o era direcionada para esses pensamentos ou para qualquer tipo de pensamento, exceto um � que todas as criaturas de outra esp�cie eram inimigos e deviam ser combatidas e derrotadas. Na Arena das Sombras ou ali, n�o importava. Em toda a vida, ele perdera somente uma luta, mas aquilo fora h� muito tempo, na Terra das Sombras. O Vraal n�o se lembrava mais da derrota ou da persegui��o que provocara o seu abandono, fazendo-o ficar vagando naquele lugar. Ele n�o mais se lembrava dos Guardas que o haviam acompanhado. Seus ossos

corro�dos haviam desaparecido sob a terra da floresta h� muito tempo. O anel de a�o que pendia da parte posterior de seu pesco�o era tudo o que restava de sua antiga vida. Isso e a necessidade de matar. Ele viu que o terceiro inimigo, a pequena f�mea com a adaga em uma das m�os e o veneno dos Guardas na outra, movia-se por tr�s dos amigos e se afastava. Ela ia atacar pelas costas ou pela lateral. Movimentava-se devagar e com cautela. Acreditava que o Vraal, ocupado com seus companheiros, n�o a notaria. Estava enganada. O monstro ia cuidar dela imediatamente. O Vraal saltou de repente e atacou. Satisfeito, viu o menor dos inimigos cambalear e sentiu o cheiro do sangue fresco e vermelho. O cheiro reavivou vagas lembran�as de tempos h� muito passados. O sangue dos gnomos era fino e amargo, e lembrava �guas paradas. Aquilo era melhor. Muito melhor. A pequena, a f�mea, afastara-se dos demais. Onde estava ela? O Vraal abriu um de seus olhos laterais. Profundamente enterrados em sulcos de pele escamosa acima dos ouvidos, os olhos laterais n�o enxergavam t�o bem quanto os frontais, mas eram �teis. Ah, sim, ali estava ela. Erguendo o bra�o, fazendo pontaria. Era o momento de livrar-se dela. Um �nico golpe com a cauda... pronto! Quando a f�mea caiu, o p�ssaro preto que voava sobre ela grasnou, e o rapaz ferido gritou � uma �nica palavra. O Vraal conhecia poucas palavras e nunca ouvira aquela, mas ele conhecia o medo e o sofrimento quando os via. A boca do monstro abriu-se num sorriso largo e cruel. � Jasmine! � Lief chamou novamente. Mas sua amiga permanecia deitada onde ca�ra, silenciosa e im�vel como a morte. Barda soltou um grito de advert�ncia. Lief agachou-se, desviando-se das garras em movimento do Vraal no momento exato, trope�ou e caiu de costas, batendo no ch�o com for�a. Com dificuldade, p�s-se de joelhos. Sua cabe�a do�a, e o sangue escorria do profundo corte em seu bra�o. Ele mal conseguia segurar a espada. � Lief! � Barda chamou ofegante, saltando � sua frente e fazendo o Vraal recuar enquanto este atacava novamente, com chutes de seus cascos duros e mortais. � V�! Fuja com o Cintur�o! � N�o vou deixar voc�! � Lief retrucou. � E Jasmine... � Fa�a o que lhe digo! � Barda rugiu ferozmente. � Voc� est� ferido. N�o vai ajudar a nenhum de n�s. Fuja! Agora! Barda girou a enorme espada e atacou com todas as suas for�as, fazendo o monstro recuar um passo e depois outro. Lief come�ou a rastejar penosamente para longe. Espinhos das �rvores Boolong ca�das e esmagadas perfuravam-lhe as m�os, ardendo e queimando. Ele ergueu-se com esfor�o e deu mais alguns passos. E ent�o parou e se virou. Era in�til fugir. N�o havia para onde ir, nenhum lugar para se esconder. Quando o Vraal tivesse derrotado Barda, viria atr�s dele. Certamente, era melhor morrer lutando do que encolhido atr�s das �rvores Boolong, prensado entre os espinhos. Um raio iluminou a clareira por um instante e revelou a cena com horrenda clareza. Barda lutava com o imenso e reluzente Vraal, Jasmine permanecia deitada no ch�o. E Prin... Prin andava com dificuldade no riacho, os olhos arregalados de pavor, as patas dianteiras juntas diante do peito, agarrando uma por��o de musgo roxo. Enquanto Lief a observava assombrado, ela estendeu as asas. E ent�o o ar explodiu com o tremendo estrondo de um trov�o. A pr�pria terra pareceu tremer. Barda cambaleou, perdeu o equil�brio e caiu de joelhos. O Vraal saltou, os estreitos olhos alaranjados brilhando. Com um golpe do bra�o enorme, arrancou a espada das m�os do oponente. O a�o reluzente girou no ar uma, duas vezes, e caiu no ch�o fora de seu alcance, a ponta enterrada no solo. O Vraal grunhiu, preparando-se para o ataque final. � Barda! � Lief chamou apavorado. Ele se aproximava com dificuldade. Mas Prin... de repente, Prin saltou para a frente e para cima direto sobre o Vraal, pousou em sua nuca e l� se agarrou, as patas cheias de musgo envolvendo-me a cabe�a, as asas batendo furiosamente.

O Vraal rugiu e cambaleou. Suas terr�veis garras agitavam-se ao redor da cabe�a, agora toda lambuzada com o musgo roxo. Prin saltou para tr�s, caindo sobre as pernas fortes e andou sem firmeza para o c�rrego enquanto estendia para a frente as patas ainda sujas de musgo. � N�o, Prin! Corra at� as �rvores! Ele vai v�-la a�! � gritou Lief. Mas ele estava enganado, pois o Vraal n�o podia ver nada. Ele atirava a cabe�a para tr�s, gritando de raiva e dor. � � o musgo � Prin solu�ou, lavando as patas freneticamente. � Nos seus ouvidos, nos seus olhos. � o musgo roxo! O musgo verde cura, o roxo fere. Eles me contaram. Eles me disseram tantas vezes, e � verdade. Raios iluminaram o c�u, seguidos de mais trov�es ensurdecedores. Ent�o, como se o c�u tivesse se partido ao meio, a chuva come�ou a cair torrencialmente � uma chuva dura e gelada, misturada a granizo. Barda cambaleou e foi at� a sua espada aos trope�os. Lief tamb�m caiu em si e recome�ou a caminhar. No ch�o, Jasmine se mexeu ao ouvir os grasnados fren�ticos de Kree. Por�m, o Vraal estava derrotado. Com um �ltimo rugido, ele se virou e, quando Prin saltou para o lado, andou �s cegas para o riacho, caiu nele e foi carregado pelas �guas. Mais tarde, ensopados, exaustos e enregelados, os companheiros agacharam-se juntos no abrigo de uma pequena caverna formada por uma rocha que se projetava sobre o c�rrego. O granizo inclemente ainda ca�a pesadamente do lado de fora. Eles haviam conseguido acender uma fogueira, mas at� aquele momento ela n�o tinha sido suficiente para aquec�-los. No entanto, nenhum deles tinha vontade de se queixar. � Pensei que a nossa hora tinha chegado � Barda murmurou, acendendo uma tocha. � Aquele monstro n�o teria parado at� que todos estiv�ssemos mortos. Lief, como est� o seu bra�o? � J� est� muito melhor � o rapaz respondeu. Ele estava no ch�o, recostado � mochila. O seu bra�o encontrava-se envolto com o que parecia uma atadura verde, mas, na verdade, eram peda�os de musgo verde rec�m-tirados do riacho e presos sobre o ferimento com trepadeiras. Ao ver o efeito do musgo no Vraal e as terr�veis bolhas que havia provocado nas patas de Prin, no in�cio Lief n�o queria que ele fosse usado em sua pele. Prin, contudo, lhe assegurou que o musgo verde tinha surpreendentes poderes de cura e, para prov�-los, cobriu a pr�pria pele queimada com o rem�dio e pediu que Jasmine o prendesse com firmeza. � Muitas vezes ouvi falar sobre o musgo verde e roxo � ela contou, quando Barda ergueu a tocha para iluminar melhor a caverna. � Os gnomos o usam em seus ferimentos, e os Kins que foram atacados pelo Vraal no passado tamb�m foram salvos pelo musgo verde. O musgo gruda e queima somente quando � velho e est� ensopado de �gua, quando caiu sob as pedras que beiram o c�rrego e adquiriu uma cor roxa. Obviamente, n�o se trata de veneno, como o que os gnomos utilizam nas flechas, e ele apenas prejudica o Vraal quando passado nos olhos e orelhas. E, mesmo assim, ele se recupera rapidamente. Nosso Vraal estar� pronto para lutar novamente em poucos dias. Lief fitou-a. Ela sorriu para ele, as patas envoltas em ataduras enfiadas na bolsa quente e aconchegante. � Voc� foi muito corajosa, Prin � ele cumprimentou. � Voc� nos salvou. O seu povo ficaria muito orgulhoso de voc�. � � verdade � Jasmine acrescentou com entusiasmo, enquanto Filli chilreava para demonstrar sua aprova��o. � Os Kins sempre usaram o musgo roxo para se defender dos Vraals e dos Guardas Cinzentos que costumavam vir aqui em grande n�mero � Prin contou, endireitando o corpo, claramente orgulhosa de seus conhecimentos. � Minha m�e e Crenn contaram essas hist�rias muitas vezes. � Por que ser� que Ailsa, Bruna e Merin n�o o mostraram para n�s? � Jasmine indagou s�ria. � Elas nunca viram um Vraal ou um Guarda Cinzento em seus sonhos � Prin informou. � Nas manh�s, falamos somente das �rvores Boolong. Elas pensam que os

gnomos s�o os �nicos perigos existentes na Montanha atualmente. � Talvez seja esse o problema de sonhar � considerou Barda. � Voc� v� somente o que o sonho mostra e, mesmo assim, apenas por alguns momentos. Por exemplo, o seu povo j� lhe contou sobre algum viajante de nossa esp�cie na Montanha? � Eles dizem que ningu�m vem aqui agora. E que as flechas envenenadas mant�m todos afastados. � Parece que nem todos � tornou Barda devagar. Ele virou a cabe�a para o fundo da caverna e ergueu a tocha. Todos se viraram para olhar. Lief respirou fundo. Havia palavras desbotadas na pedra clara e lisa. Escritas, Lief tinha certeza, com sangue. n

QUEM SOU EU? EST� TUDO ESCURO. MAS EU N�O VOU ME DESESPERAR. DE TR�S COISAS TENHO CERTEZA: SEI QUE SOU UM HOMEM, SEI ONDE ESTIVE, SEI O QUE DEVO FAZER E, POR ORA, ISSO � SUFICIENTE. P

Lief, Barda e jasmine olharam fixamente para as palavras rabiscadas na parede da caverna. Todos estavam imaginando o homem solit�rio e sofrido que, aparentemente, usara o pr�prio sangue para escrever a mensagem. Por que ele a escrevera? Talvez para manter a sanidade, pensou Lief. Para convencer-se de que, no pesadelo de terror e perplexidade que a sua vida tinha se tornado, algumas coisas eram reais. Que ele pr�prio era real. � Quem era ele? � Jasmine perguntou baixinho. � Onde ele est� agora? � Morto, talvez � arriscou Barda. � Se ele estava ferido, ent�o... � Ele n�o morreu aqui, pois n�o h� ossos na caverna � Lief interrompeu. � Talvez tenha se recuperado e escapado da Montanha � Lief continuou, desejando vivamente que isso tivesse ocorrido, apesar de improv�vel. � Ele diz �Sei onde estive" � Jasmine murmurou. � Isso certamente significa que ele veio at� aqui de algum outro lugar, n�o muito antes de escrever a mensagem. � Ele pode ter vindo da Terra das Sombras, como o Vraal � Prin tentou adivinhar. � Isso � imposs�vel. Ningu�m escapa da Terra das Sombras � Barda resmungou. Lief recostou-se na mochila, a cabe�a girando. Ele sentiu a m�o de Jasmine em seu bra�o e esfor�ou-se para olhar para ela. � Voc� perdeu muito sangue, Lief � ela disse numa voz que parecia muito distante. � � por isso que est� se sentindo fraco. N�o lute contra a vontade de dormir. Barda e eu ficaremos de vigia. N�o tenha medo. Lief queria falar, dizer-lhe que ele tamb�m cumpriria seu turno de vigil�ncia. E dizer que ela tinha sido nocauteada pelo Vraal e tamb�m precisava de descanso, implorar-lhe que se certificasse de que Prin ficasse em seguran�a. Mas as suas p�lpebras n�o se mantiveram abertas, e a sua boca n�o conseguiu formular as palavras. Assim, por fim, ele simplesmente fez o que Jasmine pediu e adormeceu. A tempestade prosseguiu violenta durante toda a noite e o dia seguinte. Trov�es ribombavam sem cessar, e o granizo se transformou numa chuva gelada. O vento golpeava as �rvores Boolong e muitas ca�ram no ch�o. Os companheiros nada podiam fazer al�m de ficar encolhidos no abrigo, comendo, descansando, tomando �gua do riacho que corria em frente � entrada da caverna e revezando-se em turnos de vig�lia. Quando a noite caiu outra vez, eles

se queixavam da demora em retomar a jornada. O bra�o de Lief e as patas de Prin estavam cicatrizando depressa, e eles temiam que o Vraal se recuperasse com a mesma rapidez. � S� se ele aprendeu que o musgo verde cura � Prin lembrou, mordiscando um fruto. � E acho isso muito improv�vel. Minha m�e diz que os Vraal s�o bons apenas para lutar e matar. � Tivemos muita sorte de ter voc� por perto quando o Vraal chegou. Mas a sua m�e e as companheiras devem estar preocupadas com voc�, Prin � Lief disse ap�s alguns instantes. � Elas sabem que estou em seguran�a � Prin respondeu com suavidade. � Tenho certeza de que nos visitaram em sonhos na noite passada. E agora � noite outra vez � ela continuou, olhando ao redor. � Elas poderiam estar aqui neste exato momento. Haveria lugar para todos, pois, afinal, � apenas um sonho � Prin curvou a cabe�a. � Se elas estivessem aqui, eu lhes diria que sinto muito pela dor que causei � ela murmurou. � E diria que sinto muitas saudades de todos. Os demais ficaram em sil�ncio. Era assustador imaginar que poderiam estar cercados pelos esp�ritos dos Kins ansiosos por falar com Prin, por toc�-la, mas incapazes de faz�-lo. Era triste perceber que Prin, por via das d�vidas, dizia intencionalmente em voz alta as palavras que gostaria que seus familiares ouvissem. Na manh� seguinte, o vento acalmou, e a tempestade retrocedeu, deixando uma leve garoa em seu lugar. Os viajantes decidiram que chegara o momento de prosseguir. Eles come�aram a escalar a montanha em fila �nica sob a chuva, seguindo o riacho, agora caudaloso, atentos ao som dos gnomos acima deles e do Vraal, abaixo. A trilha era �ngreme, escorregadia e perigosa. Prin seguia na frente, fazendo o melhor que podia para abrir um caminho seguro, mas, apesar de seus esfor�os, os amigos logo ficaram cobertos de arranh�es. Ap�s cerca de duas horas de uma jornada dif�cil, a chuva parou, e uns poucos e fracos raios de sol come�aram a lutar para atravessar as nuvens. � Isso j� � alguma coisa � Barda resmungou. E ent�o ele deu um salto quando Prin parou de repente � sua frente e saiu em disparada da trilha. � O que foi? � Jasmine sussurrou logo atr�s. � N�o sei! � Barda respondeu em voz baixa irritado. � Prin! O que voc� est� fazendo? Prin desaparecera atr�s das �rvores e andava agitada entre elas, quebrando galhos com novo �nimo e entusiasmo. � Venham e vejam! � ela chamou baixinho, ap�s um instante. De m� vontade, protegendo o rosto dos espinhos, os companheiros atingiram uma pequena clareira que Prin havia criado e pararam curiosos. Exatamente no centro, havia uma pequena cabana de pedra com um telhado de casca de �rvore. De cada lado da porta baixa, encontravam-se duas hastes de metal enferrujadas, coroadas com uma caveira sorridente. Na porta em si, estava fixada uma figura de metal forjado. u � Tenho certeza de que este � um local para descanso dos gnomos � Prin sussurrou. � As cabanas onde eles se abrigam quando s�o apanhados por tempestades. Elas s�o proibidas a estranhos. � isso que significa o sinal. Mas... Ela fitou os demais ansiosa. � Mas esta foi abandonada h� muito tempo � Barda lhe assegurou. � Voc� fez bem em descobri-la � ele caminhou at� a porta, abriu-a, e os companheiros entraram. Se esperavam encontrar armas, ficaram desapontados. O pequeno recinto estava coberto de teias, e aranhas e besouros andavam por todos os lados. Fora isso, encontrava-se vazio, exceto por algumas canecas, alguns tapetes tecidos no tear, deteriorados pela a��o do tempo, e uma pilha do que provavelmente fora outrora comida, mas agora era um monte de p�.

� � estranho � Prin murmurou, quando sa�ram aliviados. � Minha m�e me disse que antigamente havia abrigos para gnomos espalhados em toda a Montanha, todos ligados por trilhas que cobriam todo o territ�rio. Mas este � o primeiro que encontramos e estava totalmente coberto pelas �rvores. Lief olhou ao redor e observou a floresta escura e silenciosa que cercava a clareira. � As �rvores Boolong cresceram de forma desordenada desde que os Kins se foram. Mas esse n�o deve ser o �nico motivo para que os gnomos tenham abandonado suas constru��es e trilhas. Certamente, eles teriam lutado para salvar pelo menos algumas delas. Jasmine tamb�m estivera examinando o local. � Algo mais aconteceu. Alguma mudan�a de que n�o temos conhecimento � ela disse devagar. Os amigos ouviram um som �s suas costas. Prin olhou nervosamente sobre o ombro e sobressaltou-se. Barda havia come�ado a arrancar peda�os de casca de �rvore do telhado da pequena cabana e j� havia tr�s peda�os ca�dos no ch�o ao seu lado. � Ah, n�o fa�a isso! � Prin implorou, correndo at� ele. � Os gnomos ficar�o zangados. Voc� n�o viu o sinal de advert�ncia? � Eu estou pouco me importando � Barda esbravejou, puxando um quarto peda�o para o ch�o. � Eles j� mostraram que s�o nossos inimigos. De qualquer forma, est� claro que abandonaram esta cabana. E esta casca de �rvore vai nos ser muito �til. Prin encarou-o, e Lief e Jasmine tamb�m se mostraram surpresos. Sorrindo, Barda bateu nas cascas com o p�. � Isso � casca de Boolong � ele disse. � Est�o vendo como � dura? No entanto, � leve e tamb�m um pouco curva. Se as amarrarmos com trepadeiras, faremos excelentes escudos. Escudos que ir�o deter qualquer flecha e ir�o nos proteger dos espinhos. Passaram a meia hora seguinte prendendo firmemente os peda�os de casca de �rvore com trepadeiras de modo que pudessem ser facilmente empunhadas por tr�s. Atr�s da prote��o de seus escudos, os companheiros sentiram-se mais seguros. � Sempre carregue o escudo com a m�o mais fraca � Barda ensinou. � Assim, a m�o mais forte ficar� livre para lutar. No in�cio � cansativo, mas voc�s v�o se acostumar depressa a... Ele se interrompeu perplexo quando Jasmine se ergueu de um salto de repente e colocou o dedo sobre os l�bios. � Escutei vozes � ela sussurrou. � E passos... Lief e Barda ouviram atentamente e, por fim, escutaram um leve som rumorejante e r�tmico, semelhante a uma cantilena �spera vindo da parte inferior da Montanha. � Gnomos � choramingou Prin. O som se aproximava e ficava mais alto a cada instante.

Os quatro companheiros embrenharam-se na floresta e agacharam-se formando um c�rculo compacto, os escudos erguidos ao seu redor como um muro. O som do canto rouco e do p�s em marcha ficava cada vez mais alto. No entanto, n�o se ouvia o ru�do de galhos quebrados ou de armas golpeando folhas espinhentas, e os passos n�o hesitaram quando passaram por algum lugar pr�ximo invis�vel para eles. � Deve haver uma estrada aqui perto � Barda sussurrou. Quando a cantilena come�ou a desaparecer na dist�ncia, os amigos sa�ram do esconderijo e abriram caminho na dire��o de onde o som viera. Como haviam imaginado, n�o demorou muito para que eles se encontrassem numa trilha estreita e sinuosa que conduzia ao topo da Montanha, de tal modo coberta por galhos que parecia um t�nel.

� Dever�amos ter imaginado que os gnomos deixariam, pelo menos, um caminho desimpedido � Lief disse. � Certamente, essa trilha percorre toda a Montanha, de baixo at� o topo. Se ao menos a tiv�ssemos descoberto antes... � Acho que esse grupo de gnomos estava no sop� da Montanha antes da tempestade � Barda presumiu. � O que ser� que estavam fazendo ali? Nada de bom, suponho, pois a �nica coisa que existe na base da Montanha � a estrada para a Terra das Sombras. � Mas os gnomos n�o s�o amigos dos Guardas Cinzentos � Prin contou, falando pela primeira vez desde que ouvira o som de passos. � Eles os detestam e os atormentam com brincadeiras malvadas. Minha m�e me contou isso v�rias vezes. Aquelas caveiras na cabana dos gnomos... provavelmente s�o cr�nios de Guardas. � J� se passaram muitos anos desde que a sua m�e partiu da Montanha do Medo, Prin � Lief retrucou com suavidade. � Agora, os gnomos s�o aliados dos Guardas Cinzentos. Prin balan�ou a cabe�a, mas talvez os �ltimos dias a tivessem ajudado a amadurecer um pouco, pois ela n�o discutiu, insistindo que tinha raz�o. Em vez disso, ela simplesmente agarrou seu escudo com mais firmeza e acompanhou os amigos quando eles iniciaram a longa escalada para o topo da Montanha. O sol se punha e estava ficando muito frio quando eles chegaram ao fim da estrada. A subida tinha sido �rdua, mas transcorreu sem qualquer problema. Nenhum gnomo havia cruzado o seu caminho e, naquele momento, ao espiarem cautelosamente antes da �ltima curva, n�o perceberam nenhum sinal de vida ou de movimento. O local estava mergulhado em profundo sil�ncio. � Onde eles est�o escondidos? Fiquem preparados. Talvez estejamos caindo numa armadilha � Barda sussurrou. Contudo, nada se moveu, nenhuma flecha voou quando come�aram a atravessar a clareira existente al�m da trilha, observando o rochedo muito alto que lhes bloqueava o caminho. N�o havia �rvores ali. O solo no qual andavam era �rido e esbranqui�ado, compactado pelos p�s que ali passaram e coberto de flechas ca�das. O cume da Montanha, oculto por nuvens em movimento, ainda se encontrava muito acima de suas cabe�as. Jasmine fez com que Kree se ajeitasse em seu ombro e empunhou a adaga. � � algum tipo de truque � ela murmurou. � Os gnomos que ouvimos n�o podem ter desaparecido. E os outros... os que atiraram em n�s quando pousamos... estavam aqui. Eles est�o esperando em algum lugar. O rochedo se erguia diante deles escuro e sinistro. No in�cio, os companheiros n�o conseguiram ver nada estranho nele, exceto uns pequenos buracos que cobriam toda a sua superf�cie. Contudo, assim que se aproximaram mais, eles descobriram para onde os gnomos haviam ido. Havia uma porta estreita no rochedo, esculpida na rocha s�lida. Ela era escura no topo e clara na parte inferior. Nenhuma tentativa fora feita para disfar��-la � na verdade, a parte mais clara e maior havia sido decorada com ranhuras e, de um dos lados, encontrava-se uma ma�aneta de pedra redonda que exibia uma flecha entalhada em baixo-relevo no centro. Mas a ma�aneta n�o virara e, por mais que puxassem ou empurrassem, a porta n�o se abria. � Truques de gnomos! � Barda resmungou, deslizando os dedos sobre a pedra e pressionando aqui a ali, em v�o. � Por que voc� quer entrar? � Prin sussurrou nervosa. � Tenho certeza de que a� � a fortaleza dos gnomos, onde eles comem, dormem e guardam o seu tesouro. � Exatamente � Barda retrucou s�rio, ainda examinando a pedra. � H� enfeites somente na parte inferior da porta, na parte clara � Lief constatou. � Eles podem ser uma pista. Ele se aproximou o m�ximo que p�de do rochedo e espiou no espa�o aparentemente vazio no alto da porta. A pedra escura e irregular ficou emba�ada diante de seus olhos, mas ele tinha certeza de que podia distinguir marcas que n�o eram naturais. � H� alguma coisa esculpida aqui � ele avisou. � Parece que s�o palavras.

Mas s�o t�o pequenas, e a rocha � t�o escura que n�o consigo l�-las. Ele afastou a capa e a camisa para descobrir o Cintur�o de Deltora e percebeu, de imediato, que o vermelho intenso do rubi se transformara num cor-derosa opaco � sinal de que o perigo os amea�ava. "Esse aviso � desnecess�rio", pensou Lief sombriamente. "Sei muito bem que estamos nos arriscando." Seus dedos deslizaram at� o top�zio que j� lhe aclarara a mente em outras oportunidades. Talvez ele o ajudasse naquele momento. Por�m, antes mesmo de tocar a pedra, Lief teve uma id�ia. Ele se curvou, apanhou um punhado de p� branco do ch�o e o esfregou na rocha escura. Em seguida, retirou o excesso, e o que permaneceu sobre as letras esculpidas fez com que ele pudesse ler claramente: p ENCONTRE UMA FLECHA RETA E ESTREITA. ELA SER� A SUA CHAVE PARA A PORTA DA FRENTE. ENCONTRE O SEU PAR SOBRE O PORT�O. D�-LHE UMA VOLTA COMPLETA E EMPURRE, N�O PUXE! � Esses versos s�o muito infantis � Jasmine opinou de mau humor. � Eles me lembram os versos que meu pai me ensinou quando eu era muito pequena. E n�o foi dif�cil tornar as palavras vis�veis. Esses gnomos n�o s�o muito espertos. � E tamb�m s�o descuidados � Barda ajuntou, apanhando uma flecha do ch�o. � Se flechas s�o as chaves para esta porta, eles n�o deveriam deix�-las espalhadas por a�. E, quanto a encontrar um par para a flecha sobre o port�o... Ele inseriu a ponta da flecha no desenho sobre a ma�aneta. A flecha entrou facilmente, como se fosse uma chave entrando na fechadura. Como Barda suspeitava, havia um buraco de fechadura no fundo do entalhe. Ele segurou a haste da flecha com firmeza e a girou at� que ouviu um leve clique. � Est� destrancada. Devemos entrar? � ele indagou, virando-se para os companheiros enquanto empunhava a espada. � N�o! � Prin implorou, incapaz de ficar mais tempo em sil�ncio. � Voc�s dizem que os gnomos n�o s�o inteligentes, mas eles s�o sim! Eles adoram truques e armadilhas. Esta porta � deles. Se n�s a usarmos, morreremos. Sei disso! � Precisamos entrar na fortaleza, Prin � Lief disse com determina��o. � Os gnomos escondem algo l� dentro que precisamos encontrar. Mas voc� n�o precisa entrar conosco. Voc� pode voltar para a trilha e manter vigil�ncia. Ele empunhou a pr�pria espada e acenou para Barda, que come�ou a empurrar a porta com firmeza. Com um som �spero e rangente, o enorme peda�o de pedra come�ou a girar para dentro. E exatamente nesse momento Lief imaginou ter ouvido, vindo de algum ponto acima deles, um riso abafado. Ele agarrou o bra�o de Barda e o segurou. � Espere! � Lief sussurrou. Jasmine tamb�m ouviu o som e estava olhando para cima, fitando atenta a parede de pedra. � N�o d� para ver ningu�m � ela falou em voz baixa. � Mas tenho certeza de que ouvi algu�m rir. � Talvez tenha sido o canto de um p�ssaro � Barda arriscou parado e indeciso, com a m�o na ma�aneta. Kree grasnou. � N�o era um p�ssaro � Jasmine retrucou. � Era algu�m rindo de n�s. Os companheiros permaneceram parados num sil�ncio tenso por um momento, ouvindo atentos. Mas a Montanha estava envolta em profundo sil�ncio, como que �

espera... Barda deu de ombros, agarrou a espada com mais firmeza e tornou a empurrar a porta. O rangido ficou mais alto quando a placa de pedra se moveu para dentro. Uma pequena abertura surgiu entre a porta e a parede do rochedo. De algum ponto distante, uma luz bruxuleava. � N�o vejo ningu�m � Jasmine murmurou, espiando para dentro. � Depois da porta, existe um pequeno aposento do qual sai uma passagem. � de l� que vem a luz. Jasmine olhou ao redor, o pequeno rosto exibindo uma express�o desafiadora, a adaga brilhando na m�o. � Acho que devemos entrar � ela sugeriu apreensiva. � E, ent�o, quem quer que esteja rindo de n�s, vai desejar ter ficado em sil�ncio � ela encostou o ombro � porta e empurrou para abri-la ainda mais e ent�o se virou para Lief. � Voc� vem? � ela indagou. Lief se adiantou. Mas, no mesmo instante, Prin saltou na frente dele. � N�o! � ela implorou. � N�o, Lief! Pelo menos voc� deve ficar. Tomado de surpresa, Lief cambaleou, perdeu o equil�brio e caiu pesadamente no solo. Deitado no ch�o e atordoado, ele fitou a parte superior da porta. As ranhuras, no alto da pedra clara, pareciam brilhar acima dele. E ent�o, repentinamente, ele viu perplexo o que elas realmente eram. As ranhuras eram palavras. Lief piscou, mal acreditando no que via. Mas, de fato, as letras haviam sido esticadas na vertical e eram t�o estreitas que ele n�o percebera que elas eram mais do que simples enfeites. Por�m, naquele momento, olhando-as de baixo, p�de ler o que diziam: SE VOC� QUISER MORRER. � Lief, sinto muito... � Prin inclinava-se sobre ele ansiosa. Barda encarava os dois, a m�o sobre a placa de pedra. Jasmine, por�m, balan�ando a cabe�a com impaci�ncia, passava pela soleira da porta. � Jasmine � Lief saltou de uma s� vez, agarrando-se aos seus p�s. � N�o v�, Jasmine, � uma armadilha! Ele saltou para a frente e segurou Jasmine pelo pulso exatamente quando, com um grito, ela mergulhava no abismo que se abria al�m da porta. c

Jasmine pendia no vazio impotente. A m�o de Lief em seu punho era a �nica coisa que a impedia de despencar para o fundo da armadilha na qual tinha ca�do. O abismo era fundo, mas Lief conseguiu vislumbrar um brilho esbranqui�ado em sua parte mais baixa. Com um estremecimento, ele se deu conta de que se tratava de ossos � sem d�vida, ossos de outros intrusos. Provavelmente, os gnomos estavam espiando atrav�s de vigias no rochedo quando os companheiros tentaram abrir a porta. Um deles riu alto, acreditando que ali se encontravam mais tr�s v�timas de sua brincadeira mortal. Lief rangeu os dentes furioso. Barda ajoelhou-se ao seu lado e, juntos, ergueram Jasmine, trazendo-a de volta � seguran�a. � Precisamos fazer o oposto do que o verso diz � afirmou Lief. � Devemos puxar a porta para entrarmos sem correr perigo. Eles puxaram a porta at� que ela se fechou. Eles a destrancaram novamente com uma flecha e puxaram outra vez. E, de fato, a enorme placa de pedra virou para fora com a mesma facilidade. Barda apanhou algumas flechas e as jogou para a escurid�o onde antes estivera o abismo e ouviu o tinido quando elas atingiram uma superf�cie de metal. � Exatamente como pensei � Lief disse. � O abismo costuma ficar coberto e se abre somente quando a porta � empurrada para dentro.

� Uma inven��o demon�aca � Barda resmungou. � Se n�s n�o tiv�ssemos hesitado, Lief... � Eu disse que os gnomos eram inteligentes � Prin interrompeu. � Eles s�o espertos, detestam intrusos e adoram brincadeiras cru�is. Devemos ser muito, muito cuidadosos. Se eles ainda estiverem vigiando, saber�o que a brincadeira falhou e v�o tentar outra coisa. Dessa vez, ningu�m discutiu com ela. Os companheiros atravessaram a porta, batendo no solo � frente com os escudos por seguran�a, atentos a qualquer movimento. Por�m, o local estava totalmente silencioso. Mais adiante, encontrava-se o longo t�nel que tinham visto da entrada. Com os rostos parecendo fantasmag�ricos sob a luz bruxuleante das tochas, os quatro companheiros come�aram a atravessar o t�nel com dificuldade. Apenas Prin e Jasmine conseguiam caminhar eretas e, mesmo elas, eram obrigadas a curvar as cabe�as. N�o demorou muito para que o t�nel descrevesse uma curva acentuada quase que imediatamente seguida por outra, depois do que a passagem se dividia em tr�s. Um dos corredores seguia � esquerda, outro, � direita, e o terceiro, em frente. � Que caminho devemos seguir? � Lief sussurrou. � N�o h� como saber qual deles � o mais seguro � Barda respondeu. � Mas acho que devemos seguir o do meio. O seu teto � mais alto do que o dos demais. Se escolhermos um dos outros dois, teremos que rastejar. Os amigos prosseguiram, ainda cercados por profundo sil�ncio. Logo adiante, o t�nel prescrevia outra forte curva � direita. � Talvez, afinal, os gnomos achem que estamos no abismo � Jasmine disse em voz baixa enquanto faziam a curva, que os levou a um trecho ainda mais escuro. � Talvez... � Barda replicou carrancudo. � Mas n�o apostaria nisso. Acho que... Ele se interrompeu e parou abruptamente. Mais adiante, havia vultos ocultos pela sombra, que lhes bloqueavam a passagem. Barda e Lief ergueram as espadas. Um brilho do outro lado indicou que os oponentes tamb�m estavam armados e, por suas silhuetas, que tamb�m se protegiam com escudos. � Gnomos do Medo, viemos em paz � Barda anunciou. � Pedimos apenas que escutem o que temos a dizer. Deporemos nossas armas se voc�s fizerem o mesmo. N�o houve resposta, e nenhum movimento al�m do brilho do a�o. � Eles devem acreditar que n�o estamos com medo � Jasmine sussurrou, e lentamente os companheiros come�aram a andar novamente. Os vultos tamb�m se moveram para a frente, acompanhando-os passo a passo. � Por que n�o respondem? � Barda insistiu. � Voc�s querem lutar? Nesse caso, estamos preparados e dispostos � ele apressou o passo, seguido por Lief e Jasmine. Arrastando os p�s atr�s deles, tentando acompanh�-los, Prin emitiu um leve e abafado choro de medo. Em poucos instantes, os vultos estavam prestes a alcan��-los, ainda envoltos em sombras, mas parecendo muito altos. "Eles s�o quatro e muito maiores do que imagin�vamos", Lief pensou, apertando ainda mais o punho da espada. Seria um combate homem a homem. N�o era o que esperava, mas sentia-se preparado. Ele ergueu seu escudo, e um dos oponentes o imitou. E, de repente, Lief se deu conta... � Barda, � um espelho! Um espelho preso � parede! � ele gritou. � Este t�nel n�o tem sa�da. Um frio percorreu-lhe a espinha quando ouviu um clique �s suas costas. Lief virou-se depressa, trope�ando sobre Prin, e tentou passar por ela para chegar � porta de metal que descia do teto atr�s dela. Mas era tarde demais. Quando Lief a alcan�ou, a porta de metal encontravase totalmente fechada. Eles estavam presos, trancados numa cela sem ar. Uma cela � prova de fugas, como um t�mulo. Horas mais tarde, os companheiros encontravam-se amontoados na mais profunda escurid�o, pois tinham apagado a tocha que estava presa � parede e que consumia o oxig�nio, essencial para eles.

� Deve haver uma sa�da � Lief insistiu. � Precisa haver! � a exaust�o o fazia oscilar. � Certamente, os gnomos ir�o aparecer � Barda murmurou. � Nem que seja apenas para zombar de n�s. Afinal, que sentido tem uma piada de quem ningu�m ri? E essa ser� a nossa chance, pois se eles puderem entrar, n�s certamente poderemos sair. � Precisamos estar preparados � Jasmine concordou. � Precisamos ter um plano. Mas quando eles vir�o? E como? Se ao menos soub�ssemos... � Se estiv�ssemos em casa, poder�amos sonhar com eles � uma pequena voz falou atr�s deles. Todos se viraram. Eles quase haviam esquecido Prin. Ela se encontrava agachada num canto, os olhos enormes e assustados, as patas postadas junto ao peito. � Se estiv�ssemos em casa com minha fam�lia, poder�amos beber da �gua da fonte, pensar nos gnomos e sonhar com eles, onde quer que estivessem � ela repetiu devagar. � N�s os vimos, enxergamos os seus rostos... � a intensidade de sua voz diminuiu aos poucos, e todo o seu corpo come�ou a tremer. Ela ouvira uma exclama��o de Lief e cobriu o rosto envergonhada. � Sinto muito � ela sussurrou. � Nunca fiquei presa antes. E n�o gosto nem um pouco. Filli ch�reava ansioso. Jasmine aproximou-se de Prin e abra�ou-a. � N�o fique envergonhada � ela a confortou. � Eu tamb�m tenho medo de ficar presa. Mais do que tudo... � Voc� est� muito cansada, pequenina � Barda disse com uma gentileza �spera. � Deite-se e durma. Voc� pode sonhar at� sem tomar a �gua. � Mas com ela, os sonhos seriam muito mais �teis! � Lief exclamou. Quando todos o fitaram curiosos, ele sorriu e ergueu o cantil. -Voc�s n�o se lembram? Confesso que esqueci, at� que Prin me fez lembrar agora h� pouco. N�s tomamos �gua de v�rias fontes desde que deixamos os Kins. Nossos cantis ainda est�o cheios... de �gua da Fonte dos Sonhos! Em meio � n�voa do sono, lentamente o sonho de Lief se tornou mais n�tido. Luzes bruxuleantes, cores em movimento, murm�rios abafados, o som do arrastar de v�rios p�s, tinidos... E uma voz forte, assustadoramente alta, chocantemente estridente, ecoando... "MAIS! QUERO MAIS!" Lief abriu os olhos, indignado com o pesadelo � sua frente e cambaleou para tr�s, colando-se � parede de pedra. Estou sonhando, ele se lembrou exaltado. Sonhando! Estou aqui somente em esp�rito. Ningu�m pode me ver! Contudo, o seu cora��o ainda batia acelerado e um mal-estar fazia o seu est�mago revirar. O que quer que fosse que ele esperava quando se deitou, n�o era nada parecido com aquilo. Ele esperara ver uma caverna, mas n�o t�o grande quanto aquela. O teto daquele espa�o enorme certamente se elevava at� o topo da Montanha. Ele esperara ver tesouros, mas n�o em t�o grande quantidade. Enormes montes de ouro e j�ias cintilantes enchiam a caverna de uma parede a outra, formando colinas e vales como os que vira nas Dunas. Ele esperara ver os gnomos que vira no topo da Montanha, embora n�o imaginasse v�-los rastejando, fugindo, encolhidos e amedrontados. Por�m, a massa gigante de carne encaro�ada e limosa que se acocorava no centro da caverna, o olhar cruel e voraz, os p�s com garras espalhados descuidadamente sobre pedras preciosas ca�das e montes de ouro � isso era algo que ele n�o esperara, nem mesmo em seus sonhos mais desvairados. Aquele monstro, semelhante a um sapo, era imenso. O horror oculto da Montanha do Medo. M Os gnomos rastejavam ao redor do gigante e colhiam, em grandes jarros de vidro, o lodo que pingava de sua pele como grossas e oleosas gotas de suor. Todos usavam luvas, mantinham-se a uma dist�ncia segura das gotas limosas e manuseavam

os jarros com cautela. "O limo deve ser venenoso", Lief pensou. Ent�o, com um sobressalto, ele se deu conta de que aquela deveria ser a fonte do veneno que transformava as flechas dos gnomos em armas mortais. Enquanto ele observava, dois gnomos se aproximaram com dificuldade, curvados sob o peso de uma imensa tigela dourada abarrotada de algo que pareciam frutinhas silvestres brilhantes e escuras. Eles ajoelharam-se diante do sapo, com as cabe�as curvadas. A sua l�ngua vermelha saiu-lhe da boca como uma serpente e mergulhou na massa negra, apanhando boa parte do conte�do da tigela. Quando levou o banquete � boca imensa, deixando cair descuidadamente restos sobre os gnomos e o tesouro a seus p�s, Lief sentiu o est�mago revirar. O alimento n�o eram frutinhas, mas, sim, moscas. Dezenas de milhares de moscas gordas e mortas. A tigela esvaziou-se em segundos. O sapo emitiu um grunhido rouco de raiva. � MAIS DEPRESSA! � ele rugiu. Os dois gnomos ajoelhados encolheram-se e se entreolharam amedrontados. � Perd�o, grande Gellick � balbuciou o da esquerda, um velhinho mirrado vestindo uma jaqueta marrom esfarrapada. � Mas... pode levar algum tempo at� que consigamos colher mais nos criadouros. O estoque para uso imediato acabou. � O QU�? ACABOU? QUEM � RESPONS�VEL POR ISSO? � o monstro vociferou. O velho gnomo tremia todo, mas finalmente obrigou-se a falar. � � que hoje o senhor comeu muito mais do que o habitual, grande Gellick � ele gaguejou. � N�o estamos preparados. N�s... As palavras dele foram interrompidas por seu grito estridente quando o sapo cuspiu nele sem aviso. O homenzinho caiu no ch�o, torcendo-se em agonia. A companheira, horrorizada, caiu ao seu lado chorosa e amparou-o nos bra�os enquanto ele morria. Os demais gnomos observavam mudos. Em alguns rostos, Lief viu gratid�o por n�o terem sido eles os atacados, mas, sim, o velho. Em outros, havia tristeza e raiva. Mas, em quase todos, havia somente uma desesperan�a vazia e melanc�lica. � As coisas na Montanha do Medo n�o s�o como imagin�vamos � a voz de Barda se fez ouvir �s suas costas. Perplexo, Lief virou-se depressa. Barda e Jasmine encontravam-se ao seu lado. Ele podia v�-los claramente, embora estivessem envoltos em sombras, e suas silhuetas parecessem flutuar. Jasmine, pela primeira vez sem Filli e Kree, que n�o haviam tomado a �gua da fonte, estava p�lida, enojada e enraivecida. � Que coisa mais vil � ela murmurou. � Esse Gellick domina os gnomos como Wennbar controlava as Florestas do Sil�ncio. Mas isso aqui � muito pior. Ele n�o mata pelo alimento, mas por simples maldade. � A pedra que procuramos deve estar aqui � deduziu Barda. � Mas como vamos encontr�-la? A caverna tem pilhas enormes de pedras preciosas. Lief balan�ou a cabe�a surpreso pelo fato de ter esquecido a busca deles, mesmo que por um momento. Mas foi o que aconteceu. O sapo Gellick absorvera toda a sua aten��o. Nesse momento, ele sentiu o Cintur�o de Deltora aquecer-se junto � sua pele. A quinta pedra encontrava-se naquele local, naquela caverna. Mas onde? � Nunca poderemos encontrar a pedra se n�o escaparmos da pris�o em que nos colocaram � Jasmine sussurrou. � Precisamos esperar e escutar � Barda respondeu. � � por isso que estamos aqui. Eles observaram quando o corpo do velho gnomo foi arrastado para longe pela companheira em prantos. Lentamente, os outros gnomos retomaram a tarefa de cuidar dos jarros de vidro que aparavam o limo que se desprendia do sapo. Assim que cada jarro ficava cheio, dois gnomos o levavam para uma porta pr�xima, onde outros companheiros aguardavam. � Antes �ramos um povo orgulhoso � Lief ouviu um deles murmurar com desgosto ao passar. � Antes �ramos donos deste tesouro, e a Montanha era maravilhosa, produtiva e... nossa. Agora, somos escravos num ninho de espinhos e

criando moscas para um sapo. � VOC� FALOU, GLA-THON? � a voz �spera encheu a caverna. O gnomo que falou virou-se apressadamente. � N�o. N�o, grande Gellick � ela mentiu. � Ou, pelo menos, se falei, foi apenas para dizer que os intrusos de quem lhe falamos est�o bem presos no t�neltumba e n�o poder�o escapar. � ELES DEVEM MORRER! � Ah, eles v�o morrer, meu senhor � afirmou outro gnomo, adiantando-se e alisando a barba vermelha. -Alguns de nossos companheiros est�o vigiando-os e se divertindo com seus d�beis esfor�os para escapar. Mas a divers�o acabou, pois eles apagaram a luz. Eles estar�o mortos de manh�, pela falta de ar. E ent�o n�s os arrastaremos para as cavernas de cria��o, e as moscas poder�o fartar-se deles. Ele balan�ou, fazendo uma rever�ncia. � E logo o senhor, grande Gellick, ter� as moscas � ele acrescentou. � � um �timo avan�o, n�o � mesmo? O gigantesco sapo quase pareceu sorrir. � Voc� � esperto, Ri-Nan � ele rugiu. � Mas parece que n�o o suficiente para garantir que a minha comida seja trazida na hora certa, como foi combinado. A voz do monstro se tornara baixa e rouca, mas estava ainda mais assustadora do que seus mais altos rugidos. Seus olhos brilhavam com maldade. O gnomo de barba vermelha recuou, o sorriso que ainda pairava nos l�bios transformando-se num rosnado de medo. � Voc� merece ser punido, Ri-Nan � Gellick continuou devagar. � Mas, como � �til para mim, talvez eu o perdoe. Ou talvez n�o. Vou pensar no assunto. Enquanto isso, leve o resto desses escravos in�teis para os criadouros e trabalhe com eles pelo resto da noite. Amanh�, dever� haver moscas em quantidade suficiente, ou voc� pagar� caro. Ri-Nan dirigiu-se para a porta com dificuldade, em sua pressa trope�ando sobre as pilhas de j�ias, acenando para que os demais gnomos o seguissem. Em instantes, a caverna ficou mergulhada no sil�ncio. Satisfeito, o monstro encontrou uma posi��o mais confort�vel e lambeu algumas moscas presas aos l�bios. Em seguida, semicerrou os olhos e inclinou a grande cabe�a. E foi nesse momento que Lief viu a pedra verde-clara enterrada em sua testa e, com um estremecimento de pavor, soube do que se tratava. A esmeralda, s�mbolo da honra. A quinta pedra do Cintur�o de Deltora. Os companheiros despertaram ao mesmo tempo na pesada escurid�o da pris�o. Era como acordar de um pesadelo do qual todos tinham participado. No entanto, eles sabiam muito bem que o que tinham visto era real. � Voc�s descobriram alguma coisa �til? � Prin perguntou ansiosa quando percebeu que se mexiam. � Ficamos sabendo que os gnomos nos vigiavam antes de apagarmos a luz � Jasmine contou, erguendo-se. � Mas como? Tenho certeza de que n�o h� nenhum buraco ou fenda nesta maldita cela. Tateando, ela come�ou a examinar as paredes, o teto e at� mesmo o ch�o mais uma vez, deixando que Lief e Barda contassem o resto da hist�ria a Prin. Eles apresentaram o relato da maneira mais delicada poss�vel, mas, ao terminarem, a pequena Kin estava tr�mula de medo. � Nunca ouvi falar de uma coisa dessas � ela sussurrou. � O meu povo desconhece esses acontecimentos. Ent�o � por isso que as cabanas e trilhas dos gnomos est�o cheias de mato e que eles t�m essa palidez doentia. Eles ficam no subsolo quase o tempo todo, colhendo o veneno desse sapo para as suas flechas e atendendo �s suas necessidades. � Acho que voc� tem raz�o � Lief murmurou. Eles ouviram Jasmine bater os p�s com raiva. � N�o consigo achar nada � ela gemeu. � Nem mesmo uma min�scula fenda. � Se houvesse uma fenda, haveria ar � Lief replicou melanc�lico. E n�o temos ar.

� Mas eles nos observaram! � Jasmine insistiu. � E parece que muitos nos vigiavam ao mesmo tempo, rindo de nossos tolos esfor�os para escapar. Aquele gnomo, Gla-thon, falou disso como se fosse t�o f�cil quanto olhar por uma janela. Barda deixou escapar um grito abafado e ergueu-se. � Ora, talvez tenha sido isso mesmo! � ele sussurrou. � O que voc� quer dizer? � Jasmine indagou. � N�o h� nenhuma janela aqui. � Nenhuma que possamos ver � Barda retrucou. Ele passou por Lief e colocou os dedos no espelho. � Certa vez, ouvi um viajante contar uma maravilha que tinha presenciado: um vidro que, de um lado, era espelho e, do outro, uma janela � ele disse. � Pensei que ele estivesse inventando hist�rias para ganhar bebidas de gra�a na taberna. Talvez eu tenha sido injusto. � H� somente uma maneira de descobrir � Lief retrucou com calma. � De fato � Barda concordou. � E n�o h� momento melhor do que agora. Empunhem as suas armas e se afastem. Ele ajeitou um dos escudos feitos com casca de �rvore contra o espelho, posicionou o p� cal�ado com a pesada bota e desferiu um violento chute. O espelho estilha�ou-se e caiu num aposento do outro lado da cela. Uma luz ofuscante inundou o ambiente, e junto com a luz e o ar, um cheiro de tal modo asqueroso e repugnante que os companheiros sentiram-se asfixiar quando entraram no aposento �s cegas, pisando nos cacos de vidro. � O que � isso? � Jasmine perguntou, tossindo e tampando o nariz com o bra�o. � E que barulho � esse? Mas os seus olhos j� se acostumavam � luz, e seus est�magos se reviraram quando viram o que havia no aposento. Amplas gaiolas revestidas com redes cobriam as paredes e, dentro delas, milh�es de moscas zumbindo ao redor de pilhas de alimentos deteriorados. � Este � um dos criadouros � Lief concluiu. � Vamos sair daqui depressa. Os gnomos podem aparecer a qualquer momento. Os amigos correram para a porta e chegaram a um t�nel mal iluminado. O cheiro nauseante de decomposi��o ainda pairava no ar. Eles ouviram vozes que vinham de algum ponto � direita e, assim, viraram � esquerda, mas n�o haviam chegado muito longe quando uma porta diante deles foi aberta de repente, e dois gnomos passaram por ela apressados, carregando uma enorme caixa de madeira. Os companheiros ficaram paralisados e ent�o come�aram a recuar. Um dos gnomos, de barba vermelha, que Lief reconheceu como sendo Ri-Nan, olhou ao redor, viu-os e gritou, deixando cair a sua extremidade da caixa. Seu colega trope�ou e rugiu de raiva quando a caixa caiu e atingiu o ch�o de pedra com for�a e se abriu. Moscas mortas brotaram dela numa torrente tenebrosa e brilhante. � Os intrusos est�o escapando! � gritou Ri-Nan. Ele atirou a cabe�a para tr�s e soltou o grito estridente e gorgolejante que os gnomos usaram na Montanha quando atiravam nas Kins. Instantaneamente, o t�nel foi tomado pelo som de p�s apressados que vinham de ambas as dire��es. � Para tr�s! � Barda ordenou. Eles correram para a porta do criadouro que haviam deixado h� instantes. Ele ficava muito pr�ximo, mas, quando l� chegaram, as duas extremidades do t�nel estavam ocupadas com gnomos que corriam e erguiam as suas flechas, cada vez mais perto deles. Flechas j� haviam come�ado a voar quando Lief e Barda empurraram Prin para dentro do criadouro e a seguiram rapidamente. Eles estavam em seguran�a, mas Jasmine n�o teve a mesma sorte. Quando passou pela soleira, ela soltou um grito estridente, e os gnomos uivaram triunfantes. Ela cambaleou para dentro do criadouro e caiu de encontro � porta, fechando-a com estrondo. Barda saltou para passar o ferrolho. Lief apanhou Jasmine e a arrastou para o lado, enquanto ela escorregava para o ch�o, removendo a flecha da palma de sua m�o. d

O ferimento era leve, pois a flecha a atingira somente na pele. Jasmine, contudo, permanecia deitada, os olhos cerrados, ofegante, enquanto o veneno percorria o seu corpo. Lief e barda inclinaram-se sobre ela impotentes e abalados, enquanto Filli gemia e Kree grasnava. � O que est�o esperando? � gritou Prin. � D�em a po��o a ela. A po��o m�gica que me salvou. � Ela acabou � Barda respondeu r�spido. � Voc� usou as �ltimas gotas. Prin recuou tr�mula. � N�o d� ouvidos a Barda � Jasmine balbuciou, abrindo os olhos. � N�o se culpe, pequenina � ela sussurrou entre os l�bios p�lidos. � Voc� tinha que ser salva. Era uma d�vida para com o seu povo. Existe somente uma Prin. � Existe somente uma Jasmine � Barda balbuciou, o rosto marcado pelo sofrimento. Os gnomos atingiram a porta e a golpeavam com chutes e golpes. � Eles v�o pagar por isso � Barda vociferou, erguendo a cabe�a. � Ele se levantou, a espada brilhante na m�o, o olhar tomado pela ira. � N�o tentem vingar a minha morte... � Jasmine murmurou. � Usem a cabe�a. Salvem-se. A busca... o Cintur�o de Deltora... � mais importante do que... Jasmine fez uma careta de dor. Seus olhos se fecharam. Filli choramingava de forma comovente. Lief sentiu o cora��o se despeda�ar. � O veneno do sapo a est� matando � solu�ou Prin. Veneno. Com um grito, Lief arrancou o Cintur�o de Deltora da cintura. Prin abafou um grito por entre as l�grimas, e Barda olhou para baixo furioso. � Lief, o que voc� est� fazendo? � ele quis saber. Lief n�o deu aten��o a ningu�m. Ele pressionou o medalh�o que continha o rubi sem brilho contra a m�o de Jasmine e fechou os dedos da amiga sobre ele, esperando por um milagre, enquanto as palavras de O Cintur�o de Deltora ecoavam em sua mente. O grande rubi, s�mbolo da felicidade, vermelho como sangue... protege de esp�ritos malignos e � um ant�doto para o veneno de serpentes. Se o rubi tinha o poder de combater o veneno de uma cobra, talvez tamb�m fosse eficaz contra o veneno de Gellick. Era uma chance muito remota, mas era a �nica de que dispunham. Ele olhou para cima e encontrou o olhar de Barda e percebeu que o homem finalmente entendera o que ele fazia. � Ela ainda est� respirando. Mas precisamos de tempo � Lief balbuciou. Barda assentiu e voltou-se outra vez para observar a porta. Sem uma palavra, Prin apanhou a adaga de Jasmine e rastejou para onde ele se encontrava. O homem grande olhou para ela e tentou fazer com que se afastasse com um aceno, mas ela fez um gesto negativo com a cabe�a e n�o se moveu. Naquele momento, os gnomos batiam na porta com um objeto pesado e gritavam. A fechadura chacoalhava, e a madeira come�ava a se lascar. Ela certamente n�o resistiria por muito mais tempo. Barda mantinha-se parado, a express�o sombria, espada na m�o, � espera. Ao seu lado, de olhos arregalados e aterrorizada, estava Prin. Ela estremecia a cada pancada na porta, mas manteve-se firme.

Jasmine continuava deitada e im�vel, como se estivesse morta, os dedos dobrados ao redor do Cintur�o. Lief inclinou a cabe�a e sussurrou algo em seu ouvido. � Jasmine, lute contra o veneno. Lute! � ele murmurou. � O rubi est� em sua m�o e vai ajudar voc�. O rosto de Jasmine permaneceu imut�vel, mas Lief imaginou ter visto os dedos queimados de sol se mexerem levemente. Lief tinha certeza de que ela o escutara. Houve outro baque e o som de madeira se quebrando. Kree soltou um grasnado de aviso e voou at� Barda, e Prin gritou aterrorizada. Lief virou-se e viu a porta sendo sacudida violentamente, e as dobradi�as sendo arrancadas. O ferrolho estava prestes a cair. Mais um golpe ou dois... Ao seu lado, Jasmine deixou escapar um suspiro longo e baixo. Ele olhou para baixo e sufocou um grito. Entre os dedos dela, brilhava uma forte luz vermelha. Era o rubi, que exercia o seu poder m�gico e mostrava a sua for�a. Os olhos de Jasmine abriram-se sonolentos. O cora��o de Lief pareceu dar um salto quando viu que eles estavam l�mpidos e livres de dor. Mas ela estava muito, muito fraca. � Lief � Barda rugiu. � Eles arrebentaram a porta! Lief posicionou o escudo de Jasmine em frente a ela para n�o deix�-la totalmente desprotegida e correu para a porta. Atrav�s dos buracos na madeira que estremecia, ele p�de ver os rostos de gnomos, que exibiam risos de dentes arreganhados, e o brilho de enxadas. Barda investia com sua espada e atacava atrav�s dos buracos � medida que as m�os e os p�s dos gnomos avan�avam. Prin encontrava-se ao seu lado, arremetendo bravamente com a adaga de Jasmine. At� aquele momento, eles haviam conseguido evitar a entrada do inimigo, mas n�o demoraria para que a porta cedesse por completo e ca�sse para dentro. Quando isso acontecesse, os gnomos invadiriam o aposento como a �gua de uma represa que se rompe... E ent�o, tudo estaria perdido. � Prin! � Lief chamou. � Fique com Jasmine. Ela est� recobrando a consci�ncia, mas muito devagar. Proteja-a, e a Filli, se puder. Ele tomou o lugar de Prin assim que ela correu para fazer o que lhe fora pedido. Barda n�o parara de investir contra os gnomos um minuto sequer, mas o seu rosto s�rio e suado mostrava ainda mais determina��o agora que sabia que Jasmine estava viva. Uma voz zangada ergueu-se estridente do outro lado da porta. Uma voz que Lief reconheceu. � Voc�s n�o podem vencer, idiotas! Desistam agora e seremos misericordiosos e os mataremos rapidamente. Mantenham-nos esperando aqui, e n�s os faremos pagar! N�s os faremos sofrer! Tratava-se de Gla-Thon, a oper�ria que se queixara de ter que trabalhar para Gellick. Lief molhou os l�bios e gritou em resposta. � Gla-Thon, voc� tem medo de que o seu amo, o sapo, fique zangado se voc� se divertir conosco aqui em vez de colher moscas? Ah, houve um tempo em que os gnomos eram os seus pr�prios senhores. � E um tempo, ouvi dizer, em que as passagens da Montanha do Medo n�o cheiravam a latas de lixo � Barda ajuntou, seguindo a deixa de Lief. � E quando seus tesouros n�o estavam cobertos por limo de sapo, mas causavam inveja a todos. � Calem a boca! � Gla-Thon gritou furiosa. � O grande sapo nos fortaleceu! � gritou outra voz que, segundo Lief, pertencia a Ri-Nan, o gnomo de barba vermelha. � Ele veio at� n�s e ofereceu-se para nos proteger do Senhor das Sombras e seus Guardas. Ele nos ofereceu o seu veneno sob... certas condi��es. Essas condi��es eram duras, mas ficamos satisfeitos em aceit�-las. O veneno de Gellick nos deixou poderosos. � Ah, sim � Lief zombou. � Ele os ajudou a afugentar os Kins para que as suas trilhas e cabanas ficassem ocultas pelas espinhentas �rvores Boolong, nas quais o Vraal pode se deitar e esperar. Ele os escravizou, e hoje voc�s trabalham

dia e noite para servi-lo, passam fome e temem por suas vidas. Realmente, voc�s fizeram um �timo neg�cio. Fez-se sil�ncio do outro lado da porta. Lief e Barda se entreolharam. Seria poss�vel que estivessem vencendo aquela guerra de palavras? � N�s podemos ajud�-los a livrar-se desse tirano � Lief disse em voz alta, os dedos cruzados para dar sorte. � Voc�s n�o querem ser livres outra vez? Seguiu-se outro longo sil�ncio. � Nenhuma arma � capaz de matar Gellick � quando finalmente se manifestou, a voz de Gla-Thon demonstrava o seu desespero. � A pele dele � muito espessa e n�o pode ser perfurada por espadas ou flechas. At� mesmo enxadas s�o in�teis. Muitos pagaram com a pr�pria vida por ousarem tentar reconquistar nossa liberdade. � Ningu�m pode sobreviver ao veneno de Gellick � disse outro gnomo mais velho. � Eu, Fa-Glin, l�der dos gnomos do medo, lhes digo isso. Voc�s mesmos viram o que aconteceu com a sua companheira por causa de uma pequena flecha. � O que me aconteceu? � a voz soou forte e provocante. Quando um sil�ncio atordoado caiu do outro lado, Lief e Barda se viraram. Jasmine encontrava-se de p� atr�s deles, apoiada ao ombro de Prin. Ela parecia p�lida e fraca, mas sorria para eles e, sem nada dizer, estendia-lhes o Cintur�o de Deltora. Lief apanhou-o e rapidamente prendeu-o ao redor da cintura, cobrindo-o com a camisa. � O veneno n�o me fez mal, Fa-Glin! � Jasmine gritou. � Nossa m�gica � muito forte. O sapo pode nos matar, mas temos armas poderosas o bastante para acabar com ele. Ela parou de falar cambaleante. Ent�o fez um grande esfor�o, ergueu a cabe�a e gritou novamente, a voz t�o confiante quanto antes. � Voc�s querem a nossa ajuda? Se quiserem, deponham as armas, mandem tr�s membros de seu grupo e poderemos conversar. A reuni�o entre Barda, Lief e Jasmine e os tr�s representantes dos gnomos, Gla-Thon, Ri-Nan e Fa-Glin, estendeu-se por mais de uma hora. Enquanto isso, Prin, Kree e Filli observavam em sil�ncio, de um canto do criadouro. Nenhum deles confiava nos gnomos e o fato de Fa-Glin, o gnomo de barba branca, usar um casaco franjado que, sem d�vida, fora feito com a pele de um Kin, n�o ajudou a faz�-los mudar de id�ia. O in�cio da discuss�o foi dif�cil e tempestuoso, mas, como Lief suspeitara, Gla-Thon estava determinada a n�o deixar passar a oportunidade de derrotar Gellick. Fa-Glin, perplexo com a fant�stica recupera��o de Jasmine, estava do seu lado. E, finalmente, at� Ri-Nan cedeu, e o grupo chegou a uma decis�o. Com a ajuda dos gnomos, os visitantes matariam Gellick. Em troca, receberiam a liberdade e a pedra verde-clara incrustada na testa do sapo. � Parece uma recompensa insignificante � o velho Fa-Glin murmurou, observando-os desconfiado. � E como voc�s sabem onde a pedra se encontra, se � que posso perguntar? Ela apareceu na testa de Gellick somente h� pouco mais de dezesseis anos. � Temos meios de saber dessas coisas � Jasmine respondeu depressa. � Voc�s n�o viram por si mesmos o quanto a nossa m�gica � poderosa? � Ouvi dizer que essas pedras que os sapos carregam podem lan�ar feiti�os poderosos � Gla-Thon acrescentou. � E essa � muito grande � ela virou para os companheiros. � � por esse motivo que a querem? Lief, Barda e Jasmine assentiram, mas perceberam que Fa-Glin n�o estava convencido. Estava claro que ele ainda n�o tinha certeza de que eles eram confi�veis. � Gellick est� dormindo agora � Ri-Nan informou. � � proibido entrar na caverna do tesouro nesse momento. Se ele acordar... � O sapo n�o vai acordar � Barda retrucou com firmeza. � E, caso isso aconte�a, n�s seremos os prejudicados. Entraremos na caverna sozinhos. Tudo o que pedimos � que nos mostrem o caminho. � Entrar na caverna do tesouro sozinhos? � o velho Fa-Glin perguntou desconfiado. � Para que voc�s possam escolher tudo o que pretendem roubar? Ah, n�o, isso n�o vai acontecer.

� Em todo caso, � Gla-Thon ajuntou, quando Lief reprimiu uma resposta zangada que pairava em seus l�bios � podemos muito bem ir com voc�s. Se o plano fracassar, acabaremos pagando do mesmo jeito, pois Gellick ir� nos culpar por deix�-los escapar. Lief olhou para Ri-Nan. O gnomo de barba vermelha nada disse, mas os seus olhos, escondidos sob sobrancelhas peludas, mostravam-se cautelosos e frios como pedra. � Muito bem � Fa-Glin concluiu, cruzando os bra�os. � Estamos combinados. N�s seis entraremos juntos na caverna e l� ocorrer� a morte de Gellick, ou a nossa � ele se virou e olhou para as gaiolas de moscas, o rosto enrugado transformado em uma m�scara de vergonha e repugn�ncia. � Se tivermos �xito, poderemos nos livrar dessa sujeira � ele disse. � Se falharmos, pelo menos nunca mais teremos que v�la. No que me diz respeito, estou feliz em assumir o risco. l

Pouco depois, Lief, Barda e jasmine seguiam os gnomos atrav�s de incont�veis t�neis, aproximando-se cada vez mais do centro da montanha. Eles haviam deixado Prin para tr�s, juntamente com Filli e Kree, com instru��es para que fizesse o poss�vel para escapar com os dois, caso eles n�o retornassem. Al�m disso, os amigos decidiram n�o levar as mochilas e os escudos. Objetos b�sicos eram tudo o que carregavam: as armas, os cantis, e as bolhas remanescentes. Eles planejaram usar as bolhas para matar Gellick. Nenhum deles recuou diante da id�ia de atacar o monstro durante o sono, pois ele n�o merecia considera��o por parte deles. Sua �nica d�vida era se poderiam chegar perto o bastante para fazer uma pontaria certeira, sem acord�-lo. Os gnomos come�aram a mover-se mais devagar e em sil�ncio, e logo a grande entrada da caverna surgiu diante deles. Mesmo � dist�ncia, podia-se ver uma claridade difusa com as cores do arco-�ris, visto que as tochas da caverna lan�avam uma luz bruxuleante sobre os tesouros amontoados mais abaixo. Sem emitir nenhum som, eles se aproximaram da entrada e espiaram no interior da caverna. O monstro ainda se encontrava acocorado no centro da montanha de pedras preciosas e j�ias, exatamente na mesma posi��o em que Lief, Barda e Jasmine o haviam visto no sonho. Seus olhos estavam fechados, e somente um leve pulsar em sua garganta e os filetes de limo que escorriam de sua pele indicavam que n�o se tratava de uma imensa e horrenda est�tua, cria��o de alguma alma distorcida que venerava a fei�ra e a maldade. Os tr�s companheiros avan�aram, desta vez seguidos pelos gnomos a uma dist�ncia segura. Muito devagar, eles escalaram o tesouro, pisando com cuidado, as mentes totalmente concentradas na necessidade de manter sil�ncio, j� que o ouro e as j�ias escorregavam sob seus p�s como se fossem pedregulhos. Eles prosseguiram movendo-se lentamente, um passo cuidadoso depois do outro. Em breve, estariam suficientemente pr�ximos. Gellick n�o se mexera. Lief respirou fundo e apertou ainda mais a bolha que tinha preparada na m�o. Se alguma vez tinha tido uma pontaria firme e certeira, aquele era o momento em que teria de p�-la � prova, ele pensou. Mais um passo, mais outro... � Grande Gellick! Cuidado! � o grito rompeu o sil�ncio. Lief se virou e viu Ri-Nan, o gnomo de barba vermelha, passando por ele

como um raio, subindo a montanha de j�ias, agitando os bra�os. � Eu vim para adverti-lo, grande Gellick! � ele gritou com voz estridente. � Trai��o! O sapo abriu os olhos. � Agora! � Barda rugiu. Lief atirou a bolha com o m�ximo de for�a e rapidez que conseguiu. Aquele foi o lance de sua vida. Ele gritou triunfante quando a bolha atingiu o monstro em cheio na garganta, ao mesmo tempo em que a bolha de Barda e a de Jasmine romperamse em seu peito. Lief atirou um segundo proj�til, gritou quando o viu atingir o mesmo lugar que o anterior. Esperava que Gellick estremecesse e ca�sse. Por�m, nada aconteceu. Os olhos da criatura n�o se alteraram. Pregui�osamente, sua l�ngua saiu da boca como uma serpente, lambeu o veneno que escorria brilhante pelo peito. A grande boca se abriu num sorriso zombeteiro. � Quem s�o esses idiotas que me atacam com meu pr�prio veneno? � ele disparou. Assombrados, Lief, Barda e Jasmine cambalearam para tr�s, virando-se para Gla-Thon e Fa-Glin, que se encontravam atr�s deles paralisados de terror. � Mas... os gnomos colhem o limo de Gellick para si mesmos! � Jasmine gritou. � Como ele pode estar nas bolhas? Como poderia... � N�s conservamos somente uma parte � Gla-Thon balbuciou, mal conseguindo mover os l�bios. O resto deve ler levado, a cada Lua cheia, ao sop� da Montanha e deixado na beira da estrada. Isso foi parte do acordo. N�s n�o sab�amos... � RI-NAN � Gellick vociferou. � RESPONDA! QUEM S�O ELES? � Eles s�o os intrusos, grande Gellick! � falou rapidamente Ri-Nan. Ele apontou para Gla-Thon e Fa-Glin. � E h� traidores que os libertaram e os ajudaram a encontr�-lo. Mate-os! Eu, seu servo fiel, posso fazer os gnomos trabalharem ainda mais do que o bobo Fa-Glin jamais p�de. Eu deveria ser o l�der. Eu, Ri-Nan, mere�o a sua... Ele se calou quando o terr�vel olhar de Gellick se voltou para ele. � Para baixo enquanto ele n�o est� olhando � Barda sussurrou. � Escondam-se sob... � VOC� MERECE, RI-NAN? � o monstro rugiu. � VOC� OUSA ME DAR ORDENS? ISSO � O QUE VOC� MERECE, VERME! Ele cuspiu, e Ri-Nan caiu, gritando, rolando de um lado a outro, desferindo pontap�s e retorcendo-se em meio ao ouro. A l�ngua do sapo agitou-se com satisfa��o. Em seguida, Gellick se virou devagar... � Ah... � ele rosnou, ao ver os montes de j�ias revirados na luz bruxuleante. � Ent�o, agora voc�s se escondem de mim, vermes? Voc�s se escondem sob minhas j�ias, tr�mulos diante de minha ira? � assim que deve ser. Ele ergueu um p� enorme e bateu-o fortemente no ch�o com estrondo, e a sua voz transformou-se num rugido ensurdecedor. � EU SOU O GRANDE GELLICK! AT� O SENHOR DAS SOMBRAS ME RESPEITA. O MEU VENENO BASTA PARA DERROTAR OS SEUS INIMIGOS! O terr�vel urro ecoou em toda a caverna. Escondido sob uma cintilante massa de moedas e pedras preciosas, mal podendo respirar, Lief ouviu aterrorizado. Ele sabia que os companheiros se encontravam em algum lugar pr�ximo, mas n�o ousou se mover ou falar enquanto Gellick continuava a rugir. � ELE ME DEU ESTA MONTANHA E UM GRUPO DE ESCRAVOS PARA ME SERVIR. ELE SABE QUE N�O LHE FALHAREI. ELE CONFIA EM MIM PARA MAT�-LOS, VERMES! ELE CONFIA EM MIM PARA GUARDAR A PEDRA QUE USO NA TESTA. OUTROS PODEM T�-LO DESAPONTADO. MAS N�O EU! Os pensamentos de Lief corriam acelerados. O monstro estivera � espera deles. Ele sabia que tinham vindo em busca da esmeralda. Assim que erguessem a cabe�a, assim que se movessem para escapar ou atacar, ele os mataria. Gellick calou-se. Ele observava e esperava, certamente por algum sinal de movimento. Longos minutos se passaram. Finalmente, ele falou outra vez, a voz �spera, sarc�stica e baixa. � Sei quem s�o voc�s. Eu s� preciso esperar, vermes, at� que voc�s decidam finalmente se mostrar. Mas decidi n�o esperar mais. Decidi esmag�-los onde

estiverem. Ouviu-se um som de objetos caindo e tinindo � medida que ouro e j�ias eram empurrados para fora do caminho. O sapo se movia, arrastando-se na dire��o deles, erguendo sua pesada carga sobre os grandes p�s com garras. Mais perto. Cada vez mais perto... � Vou ficar satisfeito em senti-los sob o meu corpo e ouvir os seus gritos, vermes � ele rosnou. � Vou ficar satisfeito em ver o que ir� restar de seus corpos finalmente arrastados para alimentar as moscas. Lief permaneceu deitado e im�vel, a espada na m�o. Ele percebeu, quase com surpresa, que estava muito calmo. Ele havia decidido que esperaria at� o �ltimo momento e ent�o saltaria e tentaria perfurar o ventre do monstro, n�o importa o que os gnomos tivessem dito. Tal gesto significaria a sua morte, mas ele morreria de qualquer forma, de um jeito ou de outro. O monstro estava muito pr�ximo. T�o pr�ximo que Lief podia ver-lhe a sombra pelas frestas entre as j�ias que lhe cobriam a cabe�a. O Cintur�o de Deltora queimava-lhe a cintura. Ele podia sentir a esmeralda � a esmeralda que nunca mais brilharia, mas permaneceria obscurecida pela maldade do sapo. Teria chegado o momento de sair do esconderijo, de fazer seu �ltimo e in�til gesto de desafio? N�o. Mais alguns minutos. Mas n�o mais que isso. Lief imaginou que Jasmine e Barda se encontravam em algum lugar atr�s dele, acompanhados dos dois gnomos, mas n�o tinha certeza. Seu maior temor naquele momento era ouvir os gritos angustiados dos amigos antes que ele pr�prio se lan�asse � morte. E isso ele n�o suportaria. Seus pensamentos vaguearam at� Kree, Filli e Prin, que aguardavam junto ao criadouro. Ele desejou que os gnomos os libertassem para que fugissem da Montanha em seguran�a, que, de algum modo, Kree e Filli conseguissem retornar �s Florestas do Sil�ncio, e que Prin reencontrasse os Kins. Prin, que se parecia tanto com o brinquedo de inf�ncia, como se ele tivesse criado vida pr�pria. Lief sorriu levemente ao lembrar a primeira vez em que a vira, tomando �gua na Fonte dos Sonhos. Beba, gentil estranho, e seja bem-vindo. Todo o mal ser� combatido. Foi como se Lief tivesse sido atingido por um raio. Durante uma fra��o de segundo, teve a sensa��o de que tudo parara ao seu redor. E ent�o, soltou a espada e deslizou a m�o at� o Cintur�o. As moedas e j�ias que o cobriam foram jogadas longe por um p� imenso. � ESTOU VENDO VOC�, VERME! O monstro assomou sobre ele, a grande cabe�a inclinada para baixo, a boca aberta acompanhada de um olhar maligno e triunfante. Mas Lief j� conseguira apanhar o cantil e tirar-lhe a tampa. E, antes que o sapo pudesse fazer qualquer outro movimento, ele o atirou, transbordando de �gua da Fonte dos Sonhos, diretamente na boca aberta e zombeteira e no fundo da garganta. Lief esfor�ou-se para levantar e ficar de joelhos enquanto Gellick engolia o objeto. O sapo gigante rugiu. � VOC�... � e engasgou. Em seguida, ele retorceu-se violentamente e seus olhos se reviraram. Ele tentou mover-se, mas seus p�s j� haviam se fixado na montanha de j�ias com ra�zes grossas e serpeantes. Gellick gritou quando seu corpo inchado pulsou e se modificou. E gritou quando o seu imenso pesco�o espinhento come�ou a se esticar. Seguiram-se momentos aterrorizantes em que Lief desejou fugir, mas n�o conseguiu. Momentos em que ouviu Jasmine e Barda ao seu lado, mas nada p�de fazer al�m de segurar-lhes as m�os. Momentos em que toda a caverna pareceu faiscar e escurecer, quando ele pensou que a coisa monstruosa que se retorcia diante dele nunca pararia de lutar. E, de repente, tudo ficou mergulhado no sil�ncio, e no local em que Gellick estivera agachado, encontrava-se uma enorme �rvore de tronco alto e reto e tr�s galhos, que exibiam tufos de folhas descoradas. Os galhos mais altos ro�avam o topo do teto da caverna do tesouro. E, quando Lief olhou para cima, algo caiu direto em sua m�o.

Era a esmeralda, n�o mais sem brilho, mas de um verde forte e cintilante. Fa-Glin e Gla-Thon observavam de olhos arregalados. Mas Lief n�o hesitou. O Cintur�o de Deltora brilhou quando ele colocou a quinta pedra em seu lugar. C

Grande foi a alegria que invadiu os sal�es da montanha do medo naquele dia. A caverna do tesouro fervilhava de gnomos que fitavam admirados a �rvore que crescia em seu centro. As portas das despensas de alimentos foram destrancadas, e um grande banquete foi apreciado por todos. Agradecimentos e elogios foram generosamente distribu�dos aos companheiros, enquanto a hist�ria da derrota de Gellick era contada e recontada. � Temi o pior � repetia Fa-Glin a uma multid�o de ouvintes pela d�cima vez. � Pensei que est�vamos perdidos. E ent�o Lief de Del lan�ou m�o de sua grande m�gica e, em segundos, tudo mudou. E, pela d�cima vez, a multid�o suspirou admirada, deixando Lief pouco � vontade. A hist�ria de Fa-Glin dava a impress�o de que ele planejara o tempo todo usar a �gua dos Sonhos, simplesmente esperando o momento certo. � claro que, na verdade, tinha sido um impulso de momento, uma id�ia que lhe viera � mente quando tudo parecia perdido. Mas ele n�o transformou esses pensamentos em palavras. Ele p�de compreender a sabedoria do conselho que Barda lhe sussurrara: � N�o nos far� mal se os gnomos acreditarem que podemos operar maravilhas. Eles s�o pessoas desconfiadas e hostis. Chegar� um momento em que precisaremos de sua lealdade e confian�a, em que desejaremos que escutem os nossos conselhos. De fato, esse momento chegou antes do que esperavam. O banquete ainda estava em andamento quando, de um lugar pr�ximo, veio um grito estridente, seguido do som de passos apressados. � Kin! � uma voz avisou. � Pen-Fel e Za-Van viram Kins pelas vigias ao sul. E s�o muitos. O c�u est� coberto por eles. Em instantes, comida e bebida foram esquecidas, arcos e flechas foram preparados, e os gnomos corriam para a porta. � N�o! � Lief, Barda, Jasmine e Prin gritaram o mais alto que puderam, e suas vozes ecoaram no sal�o do banquete. Os gnomos pararam. � Voc�s n�o aprenderam nenhuma li��o? � Lief perguntou zangado, enquanto Prin agarrava-se a ele aterrorizada. � Voc�s n�o percebem que os Kins devem ser seus parceiros nesta Montanha? Voc�s querem que as �rvores Boolong continuem a se multiplicar at� que mesmo os c�rregos sejam asfixiados por seus espinhos? Se eu estiver certo, os Kins est�o vindo para resgatar o seu filhote. Voc�s deveriam se regozijar e implorar-lhes que fiquem. Voc�s deveriam receb�-los de bra�os abertos, n�o tentar mat�-los. Seguiu-se um momento de sil�ncio, e ent�o Fa-Glin assentiu. � Nosso amigo est� certo � ele disse. Com pesar, ele alisou a velha jaqueta feita com pele de Kin que usava, tirou-a e jogou-a aos seus p�s. � � uma pena, mas nossos tecel�es s�o capazes de tecer �timos trajes � ele murmurou. E, ent�o, mais uma vez, ele ergueu a voz. � Deponham as armas, gnomos. Sairemos e receberemos os Kins com cordialidade. N�s lhes daremos as boas-vindas em seu lar. Dois dias depois, ao amanhecer, um estranho grupo caminhava pela trilha dos gnomos at� o sop� da Montanha. Prin acompanhava Lief, Jasmine e Barda. Ailsa, Merin e Bruna vinham atr�s, seguidas por FaGlin e Gla-Thon.

Eles pouco falavam, pois mais de um cora��o estava angustiado diante da partida iminente. Mas, quando atingiram a estrada na base da Montanha onde uma ponte atravessava o riacho, eles puseram-se frente a frente. � N�s lhes agradecemos e pensaremos em voc�s todos os dias � Ailsa murmurou, curvando-se e tocando a testa de cada um dos viajantes. � Voc�s s�o os respons�veis por nossa volta para casa e por temos a pequenina, ou melhor, Prin, em nossa companhia outra vez. Merin sorriu quando ela e Bruna tamb�m se despediram. � Como ela nos disse tantas vezes, Prin cresceu nesses �ltimos dias e ficou alta e forte demais para ser chamada de pequenina. Al�m disso, agora que estamos aqui novamente, teremos mais filhotes, e ela n�o mais ser� a menor de todos. Quando ela se afastou, Fa-Glin se adiantou. � Os Gnomos do Medo tamb�m agradecem � ele disse asperamente, curvando-se. Ele estendeu a m�o, e Gla-Thon passou-lhe uma pequena caixa esculpida feita da casca de uma �rvore Boolong. Fa-Glin ofereceu-a a Lief. Ele a abriu. Em seu interior, estava uma ponta de flecha dourada. � Temos uma grande d�vida para com voc�s � o gnomo reconheceu. � Se algum dia precisarem de n�s, pagaremos com nossa vida. E esse presente � um s�mbolo de nosso juramento. � Obrigado � Lief agradeceu, tamb�m fazendo uma rever�ncia. � E voc�s v�o seguir o plano...? � Com toda certeza � Fa-Glin garantiu, os dentes brilhando por entre a barba branca ao sorrir. � Na pr�xima Lua cheia, e em todas as outras a partir de hoje, os jarros de veneno estar�o neste local como de costume. Contudo, o seu conte�do n�o ser� o mesmo, embora o l�quido pare�a id�ntico. Acredito que uma mistura de �gua do riacho e seiva de �rvores Boolong exercer� o efeito desejado. N�s e os Kins prepararemos a infus�o. J� est� decidido. � E os nossos �ltimos estoques do veneno de Gellick ser�o guardados em seguran�a � Gla-Thon acrescentou. � Assim, quando finalmente nosso inimigo perceber o que estamos fazendo e nos procurar, estaremos preparados. Ent�o, e somente ent�o, nossas flechas ser�o mergulhadas nele mais uma vez. � � o que esperamos � Barda hesitou e, ent�o, prosseguiu com cautela. � Esperamos que a sua Montanha n�o seja invadida. Muito breve, o Inimigo ter� outras preocupa��es. As Kins entreolharam-se confusas. Mas Fa-Glin e Gla-Thon assentiram, os olhos brilhantes. Eles haviam jurado nunca falar sobre a pedra que ca�ra na m�o de Lief ou sobre o que fizera com ela. Eles n�o pediram explica��es sobre o Cintur�o brilhante e repleto de pedras preciosas em que a esmeralda foi incrustada, ou sobre os dois espa�os vazios que nele ainda existiam. Mas talvez eles n�o precisassem perguntar. Talvez eles soubessem, ou adivinhassem, a verdade, pois os Gnomos do Medo eram uma ra�a antiga, com lembran�as que remontavam a um passado muito distante. Lief sentiu o toque delicado de Prin em seu ombro. � Para onde est� indo agora, Lief? � ela indagou. Lief olhou para o outro lado da ponte, onde o riacho continuava a correr entre as �rvores farfalhantes e onde os primeiros raios de sol brilhavam sobre a �gua: o longo rio que os levaria ao grande oceano e ao local proibido, que era a sua pr�xima meta. � N�o posso lhe contar agora, Prin � ele disse com delicadeza. � Mas � um lugar muito distante daqui. � E por que vai at� l�? E t�o depressa? � ela insistiu, tornando-se novamente, por um momento e devido � ang�stia, a Prin infantil de que ele se lembrava da primeira vez em que a vira. � Porque preciso � Lief disse lac�nico. � E porque n�o h� tempo a perder. Precisamos terminar a nossa jornada o mais depressa poss�vel. H� pessoas em casa que est�o... esperando. E quando se voltou para encontrar o olhar de Prin, para dizer o mais dif�cil adeus de todos, ele rezou para que a espera n�o fosse longa demais.

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