[Vamos abrir as janelas] Senhoras e senhores, colegas de profissão, amigos e mestres: Boa noite! Que minhas palavras iniciais sejam de agradecimentos: Ao criador do universo, aos nossos queridos familiares, aos dedicados professores, aos colegas e amigos. Enfim, nossos agradecimentos a todos aqui presentes. Hoje, 1º de agosto de 2009, torna-se uma data marcante em nossas vidas. Nos orgulhamos neste momento por iniciarmos uma trajetória profissional que traz em si um significado muito especial para cada um de nós. E estar aqui como orador desta turma, representando os meus colegas, é um privilégio e, ao mesmo tempo, um grande desafio. Mas, a tarefa foi aceita e pretendo executá-la à altura da ocasião. Descortinem as janelas para os novos formandos da Faculdade de Medicina da Bahia! Lembro que na tarde do dia 23 de fevereiro de 2003, a tão esperada lista de aprovação do vestibular da UFBA daquele ano foi divulgada. A ansiedade e a expectativa estava estampada no semblante de cada um de nós. A necessidade de olhar o seu nome na lista era um ato compulsivo. Os olhos não acreditavam e o coração era pequeno para suportar tamanha emoção. A partir daquele dia nós faríamos parte da escola mater de medicina do Brasil. E foi nessa escola, localizada no Terreiro de Jesus e de onde é possível avistar a encantadora Baía de Todos os Santos, onde ocorreu uma passagem que descreverei aos senhores. Certa vez, a nossa faculdade foi visitada pelo premiado Nobel de Medicina de 1947. O laureado pesquisador, maravilhado com a belíssima paisagem que se avistava das janelas da faculdade, disse para o, na época, jovem cientista baiano Elsimar Coutinho: “como consegues pesquisar num local com uma vista tão bela? Se queres tornar-se um grande pesquisador, é melhor você procurar um outro lugar...é preciso fechar as janelas diante de tamanha beleza.” Hoje, mesmo entendendo o que o ganhador do Nobel de Medicina queria dizer, ouso a discordar dele. Mas antes de revelar o motivo, vou deixar um pouco de lado a história da medicina baiana e falar agora da nossa trajetória acadêmica até esse dia especial que estamos aqui celebrando. Lembro como se fosse ontem o entusiasmo de cada um de nós na cerimônia da entrega do jaleco e do código de ética médica, realizada apenas um dia antes do início do ano letivo de 2003. Apesar de reconhecermos o pouco, ou quase nenhum, conhecimento médico que possuíamos naquele momento, não dava para esconder o encanto de vestir pela primeira vez o jaleco branco. Naquele instante, como num passe de mágica, já nos sentiamos médicos. Tudo aquilo mais parecia um sonho! Passada a euforia, a longa caminhada e os inúmeros obstáculos que nos aguardavam já despontavam no horizonte. Ao assumirmos o sonho de exercer medicina, fez-se necessário fechar as janelas, ainda que momentaneamente. Manter a atenção focada na busca de conhecimentos, na pesquisa, na aquisição de novas habilidades e na construção d’um caráter condizente com a profissão escolhida era naquele momento, e sempre será, a nossa prioridade. Olho para trás e me lembro dos primeiros momentos na faculdade, quando cada dia era na verdade a realização de um grande sonho. Tudo era novidade e muito dinâmico. Afinal, passamos a conviver com pessoas de cultura, formas de falar, de pensar e de se vestir completamente diferentes, mas unidas por um objetivo em comum: chegar ao dia de hoje. Com o tempo, criamos verdadeiras amizades que jamais perderemos. A cada semestre que passava, encarávamos livros cada vez mais grossos e exibíamos os exemplares como verdadeiros troféus. Mas junto com todo orgulho que nos possuía, vinham as indagações. Nos demos conta que estavamos entrando em um mundo bem diferente, com um vocabulário peculiar e uma maneira
única de enxergar a vida humana. É...a partir daquele momento jamais seríamos os mesmos. Logo no primeiro semestre tivemos o tão aguardado contato com o cadáver. Procuravamos manter o controle e a serenidade ao nos depararmos com as peças de anatomia. Os desafios estavam apenas começando e vencer aquela etapa era o primeiro passo. Em pouco tempo, a vontade de termos o primeiro contato com os pacientes já era incontrolável. Queriamos ver, tocar, questionar, examinar e conversar com pacientes. E esse dia chegou. A aquisição de novas habilidades era genial, e conseguir detectar uma alteração nos sons do coração gerava um prazer indescritível. Era sublime o nosso encanto. No decorrer do tempo começamos a perceber que quanto mais estudávamos, sentíamos que menos sabíamos e que mais tínhamos a aprender. A sede pelo conhecimento só aumentava e as longas horas de estudo já não eram mais suficientes para saciá-la. E logo vieram as noites em claro, as crises de ansiedade e os questionamentos: quantas vezes nos perguntamos se era isso mesmo o que queríamos das nossas vidas... Se nossa escolha havia sido acertada...Inúmeras vezes sacrificamos nossas horas de lazer e nos ausentamos de encontros com amigos, familiares e namoradas. Dormimos fora de casa durante os incontáveis plantões em busca de novos aprendizados...Superamos muitos obstáculos, e vencemos todos eles imaginando no dia em que nos tornaríamos médicos. Falando assim, parece até que tudo ocorreu como num piscar de olhos: ontem – estudantes de medicina, hoje – médicos. Mas a verdade é que para que esse momento se tornasse realidade um longo caminho foi trilhado; talvez, começamos a trilhá-lo desde o dia em que nascemos. Felizmente, tivemos o apoio de inúmeras pessoas e de uma combinação de fatores externos favoráveis que nos permitiram chegar até o dia de hoje. Após essa longa jornada, não tenho nada a pedir, mas tenho muito o que agradecer... Agradecer em especial aos nossos pais e familiares, fiéis guardiões, sempre iluminando os nossos caminhos obscuros com afeto e dedicação, para que os trilhassemos sem medo e cheios de esperança. O nosso muito obrigado a vocês, que se doaram por inteiro e renunciaram muitas vezes aos seus sonhos para que pudessemos realizar os nossos. Saibam que seus esforços foram decisivos para que essa noite inesquecível se concretizasse e, por mais que procuremos arduamente uma forma verbal de nos expressarmos, jamais conseguiremos traduzir por palavras a nossa gratidão. Amamos vocês! Pois, como diria Drummond: “Se você sabe explicar o que sente, não ama, pois o amor foge de todas as explicações possíveis”. Queremos agradecer também aos nossos mestres, que não se contentaram em apenas transmitir os conhecimentos científicos, mas se empenharam em nos ensinar a beleza da vida e a nobreza de curar pessoas. E agradecer a Deus pelo presente da vida, pela nossa saúde, nossa família e por concretizarmos hoje o sonho de nos tornarmos médicos...Obrigado por tudo! Hoje mais uma etapa da nossa vida se encerra e já é possível enxergar um horizonte repleto de caminhos a serem trilhados. Bem verdade que a idéia de abrir as janelas para as oportunidades que despontam no futuro suscita medos e incertezas. Já não conseguimos mais esconder as inseguranças que nos perseguem diante de tantas decisões a serem tomadas...o que faremos a partir de hoje? É...mas não podemos esquecer que a sabedoria não está apenas em perceber a devida hora de fechar as janelas, focar-se nos objetivos, superar obstáculos, sofrer e amadurecer, mas também está em reconhecer o momento certo de abrí-las e enxergar as novas possibilidades que despontam no nosso amanhã.
Durante os últimos seis anos e meio vividos na Faculdade de Medicina da Bahia pude perceber um brilho único em nossa turma. Mesmo diante de tantos problemas enfrentados pela nossa faculdade, alvo de disputas políticas auto-destrutivas e com tantas pessoas interessadas apenas no ganho individual em detrimento da academia, vejo no olhar de cada um desses formandos uma enorme vontade de trabalhar, reivindicar, buscar soluções, contornar deficiências, somar à faculdade e surpreender. Isso é o que vejo também nesta mesa. Nossos professores homenageados (Dr. Antonio Alberto Lopes, Dr. Paulo Rocha, Dr. Fortunato, Dr. Luciano Espinheira e Dr. Amado) são exemplos de dedicação, incentivo e inspiração. Sem eles, tudo teria sido ainda mais difícil. Mais uma vez, obrigado! Ao recebermos hoje a licença oficial para medicar, temos plena consciência de que as responsabilidades serão intensificadas. A convicção de que estamos prontos para assumir obrigações da nossa profissão foi conquistada por cada um de nós, numa jornada intensa de crescimento e maturidade. Saímos da fase de estudantes de medicina para os enfrentamentos diretos como médicos. Agora é por nossa conta! E já que escolhemos uma profissão que nos exige desenvolvimento intelectual permanente, abnegação e compromisso com a vida, devemos ter sempre em mente que mais importante do que ter é ser! Um compromisso se estabelece hoje. Um compromisso que vai muito além do ato de salvar vidas, de diagnosticar sabiamente os pacientes, ou empregar o mais preciso e milagroso dos medicamentos. Hoje, nos comprometemos a eliminar a dor do paciente em sofrimento, a acariciar as mãos geladas de um moribundo, a sorrir com o choro das criancinhas e a ter sempre uma palavra acalentadora para os parentes e amigos na hora da perda, sobretudo mantendo a altivez e a certeza de que demos sempre o melhor de nós com ética e respeito à vida. Como havia dito no início do meu discurso, mesmo entendendo o que o ganhador do Nobel de medicina queria dizer, discordo que seja preciso fechar as janelas e ir em busca de um outro lugar para nos tornarmos grandes pesquisadores, ou médicos competentes. Ouso afirmar que, aproveitando o mesmo espaço e tendo a mesma visão da nossa linda Baía de Todos os Santos, precisamos é abrir mais janelas...ou melhor, TODAS as janelas. Vamos deixar penetrar os raios de sol e vamos aproveitar os ventos que sopram da nossa belíssima baía para içarmos todas as velas e irmos em busca de novos desafios. Sim, as janelas já estão escancaradas e agora as incertezas do passado dão lugar à convicção de que hoje somos MÉDICOS! Por último, mais uma vez gostaria de agradecer e abraçar especialmente todos que aqui se encontram. Muito obrigado em meu nome e no de todos os formandos da turma 2009.1 da Faculdade de Medicina da Bahia! Iuri Santana Neville Ribeiro