Design E Comunidades

  • June 2020
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Design e Comunidades: reflexões sobre aproximação mediada pelo trabalho artesanal.

uma

Design and Communities: reflections on an approach mediated for the artisan work. Mendes, Mariuze Dunajski; Mestra; Universidade Tecnológica Federal do Paraná. [email protected] Medeiros, Jusméri; Especialista; Universidade Tecnológica Federal do Paraná. [email protected]

Resumo O presente artigo visa refletir sobre as possibilidades de aproximação entre o design e artesanato a partir da interação com uma comunidade de artesãos do litoral do Paraná. A metodologia de trabalho foi definida respeitando os múltiplos olhares e vozes dos membros da comunidade, considerando-os atores e autores do processo, que foi pensado e construído em conjunto, buscando resgatar e valorizar as identidades e os conhecimentos tecnológicos locais. O planejamento dos produtos visou primeiramente garantir aos artesãos o domínio das três esferas do processo: da produção; circulação e consumo dos artefatos; e, pela aproximação dos aspectos simbólicos e econômicos. Inserindo os artesãos de forma responsável e participativa no mundo do trabalho, almejamos garantir a sustentabilidade social, cultural e ambiental da região. Palavras Chave: metodologia projetual; sustentabilidade; trabalho.

Abstract The present article aims at to reflect on the possibilities of approach between design and crafts from the interaction with a community of craftsmen. The work methodology was defined respecting the multiple looks and voices of the members of the community, considering them actors and authors of the process that was thought and constructed about set, thinking about the local identities and technological knowledge. The planning of the products first aimed at to guarantee to the craftsmen the domain of the three spheres: of the production; circulation and consumption of the devices; e, for the approach of the symbolic and economic. Inserting the craftsmen of responsible and participativa form in the world of the work, we long for to guarantee the social, cultural and ambiental sustentability of the region. Keywords: projectual methodology; sustentability; work.

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Introdução Trabalhar com comunidades significa pensar na cultura, história, tecnologias e identidades que compõem o cenário local que é muitas vezes encarado de forma única, mas, no entanto, se caracteriza pela diversidade de manifestações coletivas, de vontades individuais e de hibridações com outras culturas distantes. O processo social, os laços da família e comunidade, a identidade simbólica e as tradições ancestrais devem ser as fontes para resgatar, valorizar, mas acima de tudo reconhecer na própria comunidade os símbolos de identidade que propiciam a sua coesão (CANCLINI, 1983). A cultura não é uma realidade posta, mas está sempre em construção, dependendo de muitas escolhas individuais nas percepções das sociedades, como aponta GEERTZ, a cultura é uma grande “teia de significados”, tecida pelos próprios homens. Os símbolos significantes surgem nas relações dos indivíduos, sendo “construídos historicamente, mantidos socialmente e aplicados individualmente” (1989, p. 151). Nas aproximações com as comunidades, o designer deve estar atento para estas “marcas”, os símbolos construídos e aplicados pela sociedade, sendo pelas memórias que podemos interpretá-los à luz do presente. Toda a arqueologia de materiais é uma arqueologia humana. O que este barro esconde e mostra é o trânsito do ser no tempo e a sua passagem pelos espaços, os sinais dos dedos, as raspaduras das unhas, as cinzas e os tições das fogueiras apagadas, os ossos próprios e alheios, os caminhos que eternamente se bifurcam e se vão distanciando e perdendo uns dos outros. Este grão que aflora à superfície é uma memória, esta depressão a marca que ficou de um corpo deitado. O cérebro perguntou e pediu, a mão respondeu e fez. (SARAMAGO, 2000, p. 84). Os designers, ao interagir com as comunidades, devem estar conscientes que só com o estabelecimento de um diálogo, respeitando os “sinais do tempo”, a diversidade e atentando para as necessidades coletivas, mas também individuais dos envolvidos é que poderá ser definido o caminho a seguir, ou traçar projetos futuros. Contextualização A idéia de uma Oficina de Design para a cooperativa de Guaraqueçaba partiu do PROVOPAR1 e teve como objetivo despertar nas pessoas o olhar para si e para sua região, para símbolos e significados da própria comunidade e de fazer uma oficina de criatividade para estimular a participação de todos no processo de criação de produtos, que sempre deve ser coletivo. Trabalhar com a aproximação do design e artesanato com

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comunidades significa pensar na cultura, na história, nas relações sociais, no meio ambiente sustentável, nas possibilidades de trabalho e inserção econômica das pessoas envolvidas, de uma forma sustentável de fato, considerando todos estes fatores em conjunto. Segundo CAPRA, o que é sustentado numa comunidade sustentável não é o crescimento econômico nem o desenvolvimento, mas toda a teia da vida da qual depende, em longo prazo, a nossa própria sobrevivência. No domínio humano, a sustentabilidade é perfeitamente compatível com o respeito à integridade cultural, à diversidade cultural e ao direito básico das comunidades à autodeterminação e à auto-organização(2002). Os designers são co-participantes desta aproximação da comunidade com seus próprios símbolos e valores culturais. As cooperativas populares de artesãos que vêm sendo formadas têm o papel de gerar trabalho, congregando todas as pessoas, desde as que detêm um conhecimento e tecnologias mais tradicionais, de raízes remotas, como a indígena (que deve ser preservada e valorizada sem interferências inconseqüentes), até as que não têm a tradição artesanal mas buscam no setor uma nova possibilidade de trabalho e renda. Na comunidade com a qual trabalhamos, localizada em Guaraqueçaba no litoral do Paraná, pudemos perceber que esta diversidade existe e que precisa ser respeitada, criando espaço para cada um dos segmentos ali representados. O perfil dos cooperados vai desde jovens de 14 anos até adultos de 68 anos, que visam trabalhar com as fibras naturais - nas técnicas de cestaria, trançado e tear, ou com a cerâmica – artística, de objetos utilitários ou decorativos. Alguns têm domínio de técnicas herdadas de seus ancestrais (a geração mais antiga – das pessoas com mais de 60 anos), como no caso da cerâmica e cestaria, fruto de uma tradição da região, entretanto a maioria perdeu o contato com estas práticas, uma vez que a geração intermediária (composta pelas pessoas de aproximadamente 20 a 50 anos), abandonou o artesanato e a pesca, bases da cultura local. Abordagem metodológica. Sentir e agir em conjunto. Em todas as atividades, especialmente no caso do Design, “há a necessidade de organizar o trabalho para se chegar à materialização das idéias e à produção dos artefatos, sendo a metodologia a base deste planejamento” (MENDES, 2005, p.70). Além de pensar na metodologia de trabalho com os cooperados durante as oficinas, enfatizamos para os envolvidos a importância do planejamento de todo processo de produção dos artefatos que iriam iniciar. No primeiro contato percebemos uma certa resistência dos cooperados quanto ao termo Design e acreditamos que o mesmo foi erroneamente citado, pois está muito distante da realidade da comunidade. Assim, um primeiro passo foi tentar explicar qual a função de um designer e qual nosso objetivo na cooperativa, pois acreditamos que “não é suficiente projetar considerando apenas os valores estético-formais, funcionais e de serventia de um produto. É também necessário, projetar a

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das relações entre as diversas pessoas e, entre estas pessoas e os produtos” (MANZINI,1995). O objetivo principal da oficina de criatividade foi trabalhar com a observação, o sentir e a experimentação do grupo. Com isto, poderíamos conhecer, reconhecer e sermos reconhecidos. A duração desta oficina foi de 5 dias, sendo definidas algumas etapas de trabalho, negociadas com o grupo, que apresentamos abaixo e detalharemos na seqüência. Etapas: - Apresentação individual dos cooperados; - Aplicação de técnicas de observação, análise e reprodução de imagens da região, para fazer um trabalho utilizando técnicas de composição; - Levantamento de elementos significativos da identidade da região. - Definição de segmentos e objetos viáveis para a produção: casa, infantil e moda; - Divisão do grupo em equipes para analisar os segmentos e os objetos listados em cada um destes, definindo um para ser trabalhado; - Apresentação de transparências e fotos de objetos retratados em revistas de moda e decoração; - Definição de um objeto do segmento escolhido para cada grupo criar e produzir; - Geração de alternativas do objeto; - Confecção de um modelo; - Planejamento quanto aos aspectos formais, técnicos, dimensionais, cores, adequação do uso do material e qualidade do produto. - Produção do artefato; - Apresentação ao grupo para análise; - Definição de uma linha de produtos. Após a explanação das intenções e contato inicial para formar vínculos, iniciamos a primeira atividade, aonde cada aluno desenvolveu um crachá com os materiais disponíveis: EVA, fibra de bananeira, cola, canetas, tesoura. Esta atividade, além de facilitar a identificação individual dos participantes, transformou-se em um exercício no qual foi possível observar a criatividade, agilidade, espontaneidade, compreensão e entendimento do que estava sendo proposto em cada uma das pessoas do grupo. Como segunda atividade, o grupo foi dividido em três equipes que definiram direções diferentes para uma visitação turística pela cidade de Guaraqueçaba a fim de registrar as imagens representativas da identidade regional. O registro destas imagens foi através do desenho, da descrição verbal, da coleta de elementos da natureza e de fotografias, de acordo com a habilidade de cada pessoa. Cada equipe foi acompanhada por uma das professoras e por uma monitora. Este exercício de observação teve como objetivo avaliar o olhar do grupo aos elementos que possuem significado para os mesmos e nos

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possibilitou gratas surpresas em relação às descobertas feitas na exploração de elementos arquitetônicos, embarcações, flores, plantas, aves, animais, sementes, formas, cores e aspectos históricos da região. Ao retornarmos os elementos encontrados e desenhados foram fixados nas paredes a fim de que cada equipe pudesse observar o que foi registrado pelas demais.

Figura 1: Algumas imagens que foram apresentadas e discutidas pelo grupo. Fonte: Foto das autoras No segundo dia, a partir do trabalho do dia anterior, retomamos a análise dos elementos encontrados e definimos com os alunos uma lista destes, dividida em três categorias: tradição, cor e forma. tradição

cor forma

- fandango (dança em roda, tamanco, viola, saias, lenço, grupo e música). - folia de Reis, pesca, barco, banana, palmito, barro, aves, bambu, caxeta e taboa. - verde, azul, amarelo, lilás, vermelho, laranja e branco. - montanhas, mar, cachoeira, nuvens, árvores, Guará, boto, pedras, conchas e embarcações.

Tabela 1: categorias definidas e avaliadas pelos alunos. Fonte: Autoras. Em seguida os alunos trabalharam com alguns conceitos de composição como: linha, superfície, texturas, formas, cores, repetição, rotação, espelhamento, entre outros, para transformar algumas imagens escolhidas em grafismos ou símbolos para serem reproduzidos, conforme figuras 2 e 3.

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Figura 2: trabalho de composição, feito através da folha da bananeira. Fonte: Foto das autoras

Figura 3: trabalho de composição feito através de plantas, recolhidas pelos alunos. Fonte: Foto das autoras A fase seguinte constituiu na escolha de três segmentos de mercado: casa, infantil e moda, delimitando dentro destes objetos a serem trabalhados coletivamente.

▪ casa

▪ infantil ▪ moda

- móveis, tapetes, pratos, luminárias, quadro, cachepô, manta, almofada, flores, caixas, saboneteira, lixeira, panelas, travessa, jogo americano, fruteira, escultura, rede, azulejo e arandela. - peteca, ioiô, instrumentos musicais, móbile, dominó, bonecos e fantoches. - bijuterias, chinelo, cinto, bolsa, chapéu, anel, pulseiras e tiara.

Tabela 2: Segmentos de mercado definidos pelos alunos. Fonte: Autoras Após o grupo definir os objetos que compunham cada segmentos, as professoras exibiram uma série de transparências com ilustração de

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objetos que foram retirados de revistas de moda e decoração, para que todos pudessem ver o que vem sendo comercializado - uma vez que poucos têm acesso a revistas ou lojas, já que a cidade é bastante isolada dos grandes centros urbanos - e refletir sobre a possibilidade de gerar novos produtos a partir dos seus conhecimentos de materiais e técnicas. No dia seguinte, ao fazerem a divisão em equipes, já foi acordado qual objeto iriam desenvolver. Sendo assim, começamos as atividades neste dia conversando com as equipes sobre a proposta de trabalho e como eles fariam o planejamento para o desenvolvimento de cada produto, conforme exemplo abaixo (Fig. 4).

Figura 4: planejamento para execução do objeto. Fonte: Autoras. A proposta foi de que cada membro da equipe desenvolvesse várias alternativas do produto escolhido, sendo que todos trabalhariam com o mesmo objeto, variando as técnicas, formas, cores etc., considerando um plano elaborado em conjunto, e as habilidades individuais e coletivas. Neste momento ocorreram muitas trocas de informação entre os membros das equipes, o que enriqueceu muito o resultado final.

Figura 5: produtos desenvolvidos em fibra de bananeira e seguindo a metodologia descrita acima. Fonte: Foto das autoras

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O objetivo desta proposta foi mostrar a necessidade de se definir uma linha de produtos a serem comercializados, explorando as técnicas e os processos já conhecidos e os aprimorando, desenvolver a criatividade, explorar a utilização de materiais encontrados na região, integrar os membros da comunidade, fazer uma análise e auto-análise das dificuldades (pessoais e técnicas), trabalhar a questão do olhar, da qualidade e identidade do grupo através dos artefatos gerados pelos mesmos. Iniciamos a explicação de como se caracteriza um planejamento da produção, para que de forma simples, pudessem compreender a importância de planejar e estabelecer passos e critérios para pensar em um novo artefato, conforme figura 6.

Figura 6: fases para o desenvolvimento de um artefato Fonte: desenvolvida pelas autoras Acreditamos que definir uma linha de produtos é importante para os artesãos porque: - aprimora o conhecimento das técnicas; - controla a qualidade em todas as etapas do processo;

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- proporciona coerência formal com a cultura local; - auxilia no planejamento da produção dos artefatos; - a relação da produção x comercialização torna-se mais clara; - facilita na formatação dos custos; - atende o desejo do consumidor; - mantém uma padronização na relação dimensional x função; - define segmentos que possuem maior demanda; - mantém os pontos de venda abastecidos; - desenvolve o espírito de equipe (o criador não é o único a produzir o artefato); - define um mostruário de artefatos que podem gerar novos pedidos; - desenvolve método e planejamento no desenvolvimento de novo produtos; - estabelece um posicionamento crítico dos cooperados em relação ao desenvolvimento de novos produtos. Tentamos demonstrar que a criação de uma linha de produtos busca atender aos aspectos conceituais, funcionais, produtivos e estéticos, visando a comercialização para um usuário que deve ser considerado no processo, pois os artefatos são determinados ou sustentam uma dinâmica social e cultural, ou podem reelaborá-las. Este trabalho comunitário envolveu várias áreas, a fim de conscientizar a comunidade das etapas de gestão, extração de matéria prima, criação, desenvolvimento, fabricação, logística e comercialização de uma linha de produtos. É fundamental que um produto seja planejado desde sua concepção até o seu descarte, sendo o designer peça fundamental em todas as fases deste ciclo, contribuindo para que o produto não interfira negativamente sobre o meio ambiente, seja socialmente justo sem destruir a cultura local. Considerações É importante ressaltar que cada comunidade possui seus próprios anseios e valores, sendo papel do designer respeitar estas características, buscando equilibrá-las com as necessidades do mercado para que os produtos obtenham demanda e conseqüentemente gerem trabalho e renda beneficiando a vida comunitária. Para o designer, a chave é compreender e compartilhar o processo, o que envolve um sentir em conjunto com os outros os significados das ações. O universo do discurso sobre as técnicas de produção e comercialização é ampliado quando há uma comunicação interativa entre o designer e a comunidade, sempre considerando que influenciamos, podemos transformar e sermos transformados nesta relação.

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Referências Bibliográficas BAKHTIN, M. M. Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003. CANCLINI, Néstor Garcia. As culturas populares no capitalismo. São Paulo: Brasiliense, 1983. ________. Culturas Híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1997. CAPRA, Fritjof. As conexões ocultas. São Paulo: Editora Cultrix, 2002. GEERTZ, Cliford. A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: Zahar Editoras, 1989. MANZINI, Ezio / VEZZOLI, Carlo. O desenvolvimento de Produtos Sustentáveis. Os Requisitos Ambientais dos Produtos Industriais. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2002. MENDES, M. e QUELUZ, G. Design e Artesanato: reflexões sobre uma abordagem não reificadora nas pesquisas e interações com as comunidades. In: QUELUZ, M.L.P. (org.). Design & Cultura. Curitiba: Editora Sol, 2005. p.57 a 92. SARAMAGO, José. A Caverna. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. (Footnotes) 1 PROVOPAR é uma organização não governamental, cujo objetivo é melhorar as condições de vida da população mais vulnerável, incentivando a participação da comunidade no desenvolvimento local, através de projetos que favoreçam a auto-sustentabilidade, promovendo a integração com programas de políticas públicas sociais do Estado do Paraná.

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