Desconsideraçao 2.doc

  • Uploaded by: hellentav
  • 0
  • 0
  • November 2019
  • PDF

This document was uploaded by user and they confirmed that they have the permission to share it. If you are author or own the copyright of this book, please report to us by using this DMCA report form. Report DMCA


Overview

Download & View Desconsideraçao 2.doc as PDF for free.

More details

  • Words: 4,344
  • Pages: 15
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

@ (PROCESSO ELETRÔNICO) JCKS Nº 70074405606 (Nº CNJ: 0204675-22.2017.8.21.7000) 2017/CRIME MANDADO DE SEGURANÇA. CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO. CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA, NA MODALIDADE INVERSA. CONSTRIÇÃO DE BENS DA SOCIEDADE EMPRESÁRIA. INSTITUTO JURÍDICO DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA ESTRANHO AO PROCESSO PENAL. A JURISDIÇÃO CRIMINAL EMANA DIRETAMENTE DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, O QUE NÃO SÓ TORNA DESPICIENDA, MAS SIM INDEVIDA QUALQUER MEDIDA PRÉVIA DE NATUREZA CIVEL COMO PRESSUPOSTO DA DECISÃO CRIMINAL DE SEQUESTRO OU ARRESTO DE BENS VINCULADOS DIRETAMENTE À ATIVIDADE CRIMINOSA. LEVANTAMENTO DA CONSTRIÇÃO QUE SE IMPÕE. MANDADO DE SEGURANÇA CONCEDIDO. A medida cível de desconsideração da personalidade jurídica é estranha à jurisdição criminal. Se há indícios veementes de que determinado bem é produto de crime ou foi adquirido com o proveito dele, basta a decisão do juiz criminal determinando o sequestro ou arresto sem necessidade de qualquer outra medida prévia de natureza que não a criminal. A força da decisão do juiz criminal de sequestro ou arresto de bens diretamente vinculados ao crime não depende de qualquer medida cível prévia, já que a jurisdição criminal tem sua autoridade, autonomia e força vinculativa emanadas diretamente da Constituição Federal. No caso dos autos, não tendo sido demonstrados indícios veementes de que os caminhões constritos pela Justiça Criminal de Casca são produto de crime ou tenham sido adquiridos com o proveito dele, a constrição judicial dos aludidos bens é ato ilegal atacável, no caso particular dos autos, por mandado de segurança. SEGURANÇA CONCEDIDA. MANDADO DE SEGURANÇA Nº 70074405606 (Nº CNJ: 0204675-

SÉTIMA CÂMARA CRIMINAL COMARCA DE CASCA 1

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

@ (PROCESSO ELETRÔNICO) JCKS Nº 70074405606 (Nº CNJ: 0204675-22.2017.8.21.7000) 2017/CRIME 22.2017.8.21.7000) W.T.L. .. J.D.C.C. .. M.P. ..

IMPETRANTE COATOR INTERESSADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos. Acordam

os

Desembargadores

integrantes

da

Sétima

Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, EM CONCEDER A SEGURANÇA PARA DESCONSTITUIR A DECISÃO QUE DETERMINOU

A

DESCONSIDERAÇÃO

INVERSA

DA

PERSONALIDADE

JURÍDICA DA SOCIEDADE EMPRESÁRIA WOR TRANSPORTES LTDA., COM O CONSEQUENTE LEVANTAMENTO DA CONSTRIÇÃO RECAÍDA SOBRE OS SEUS BENS, BEM AINDA REVOGO A MEDIDA LIMINAR DEFERIDA NESTE MANDAMUS NO QUE TOCA AO SOBRESTAMENTO DA AÇÃO PENAL PRINCIPAL (090/2.16.0001528-0), DETERMINANDO O SEU LEVANTAMENTO E CONSEQUENTE PROCESSAMENTO REGULAR DA REFERIDA AÇÃO PENAL. Custas na forma da lei. Participaram

do

julgamento,

além

do

signatário,

os

eminentes Senhores DES. IVAN LEOMAR BRUXEL (PRESIDENTE) E DES. CARLOS ALBERTO ETCHEVERRY. Porto Alegre, 28 de junho de 2018.

DES. JOSÉ CONRADO KURTZ DE SOUZA, Relator.

2

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

@ (PROCESSO ELETRÔNICO) JCKS Nº 70074405606 (Nº CNJ: 0204675-22.2017.8.21.7000) 2017/CRIME R E L AT Ó R I O DES. JOSÉ CONRADO KURTZ DE SOUZA (RELATOR) Trata-se de agravo de instrumento interposto por WOR TRANSPORTES LTDA contra a decisão proferida nos autos do incidente de desconsideração da personalidade jurídica de nº 090/1.17.0000113-6 que determinou, em tutela de urgência, a desconsideração inversa da personalidade jurídica da empresa, bem como o sequestro de seus bens, com base no Decreto-Lei nº 3.240/41. Em suas razões, o agravante suscita, preliminarmente, a nulidade da decisão agravada em face da ausência de fundamentação, tendo em vista que não há na decisão a indicação dos elementos probatórios que embasaram o deferimento da medida cautelar. No mérito,

sustenta

que



ilegalidades

existentes

na

decisão,

especialmente com relação à sua fundamentação e à inobservância dos requisitos exigidos pelo Art. 300 do Código de Processo Civil, pelo Art. 50 do Código Civil, bem ainda pelo Decreto-Lei nº 3.240/41. Requer, liminarmente,

a

concessão

do

efeito

suspensivo

ao

recurso,

preliminarmente, o acolhimento da nulidade suscitada e, no mérito, a reforma da decisão vergastada para que sejam desconstituídos os atos de constrição de bens e a desconsideração da personalidade jurídica da empresa. O processo foi distribuído a 22ª Câmara Cível deste Tribunal de Justiça em 11/07/2017. Sobreveio decisão monocrática em 13/07/2017, declinando a competência para julgamento do presente agravo de instrumento para uma das Câmaras Criminais deste Tribunal de Justiça, tendo em vista que o incidente de desconsideração de personalidade jurídica é conexo a uma ação penal. O processo foi distribuído a 4ª Câmara Criminal deste Tribunal de Justiça em 18/07/2017. 3

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

@ (PROCESSO ELETRÔNICO) JCKS Nº 70074405606 (Nº CNJ: 0204675-22.2017.8.21.7000) 2017/CRIME Determinada a complementação do recurso com as peças faltantes, sobe pena de não-conhecimento do agravo de instrumento, nos termos do Art. 932, parágrafo único, do Código de Processo Civil, em 28/07/2017. O agravante postulou a prorrogação do prazo de 10 (dez) dias para a juntada dos documentos solicitados, tendo em vista que os seus procuradores não obtiveram vistas dos autos do processo de origem, o que foi deferido em 17/08/2017. Foram juntadas as cópias solicitadas. Deferido o pedido liminar para suspender o processo nº 090/2.16.0001528-0, bem como os efeitos do sequestro de bens da empresa WOR TRANSPORTES LTDA. determinado nos autos do incidente de nº 090/1.17.0000113-6 até o julgamento do presente recurso, e solicitadas informações em 15/09/2017. Foram apresentadas contrarrazões ao agravo de instrumento pelo Ministério Público. Sobrevieram informações. A

douta

Procuradoria

de

Justiça

exarou

parecer

pela

redistribuição do processo para Câmara de competência cível. Sobreveio decisão em 18/12/2017, conhecendo o recurso como mandado de segurança, considerando o resultado do julgamento em caso semelhante ao presente (MS nº 70073485732), sendo mantida a liminar deferida. Determinado o processamento do recurso como mandado de segurança e notificada a autoridade apontada como coatora. Sobrevieram informações da autoridade apontada como coatora. A

douta

Procuradoria

de

Justiça

exarou

parecer

pela

denegação do mandado de segurança. 4

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

@ (PROCESSO ELETRÔNICO) JCKS Nº 70074405606 (Nº CNJ: 0204675-22.2017.8.21.7000) 2017/CRIME Sobreveio

decisão

monocrática

em

18/04/2018,

determinando a redistribuição do processo à Quinta, Sexta, Sétima ou Oitava Câmaras Criminais, em observância ao disposto no Art. 24-B, e do Art. 24-A, III, “b”, ambos do Regimento Interno deste Tribunal de Justiça. O processo foi distribuído a 7ª Câmara Criminal deste Tribunal de Justiça em 18/04/2018. Vieram-me conclusos. É o relatório. VOTOS DES. JOSÉ CONRADO KURTZ DE SOUZA (RELATOR) Concedo a ordem para levantar a constrição judicial dos bens da sociedade empresária WOR TRANSPORTES LTDA. determinada na decisão vergastada (p. 81/89). Necessário fazer-se um breve histórico dos fatos. O

Ministério

Público

ofereceu

denúncia

contra

Flávio

Mezzomo, Ana Greice Cipriani e Altair de Oliveira, como incursos nas sanções do Art. 1º, II, combinado com o Art. 12, I, e Art. 2º, II, todos da Lei nº 8.137/901, perpetrados na forma do Art. 71, caput, e do Art. 2882, tudo na forma do Art. 69, todos estes do Código Penal. Em relação a Flavio Mezzomo foi imputada a prática do crime previsto no Art. 1º, caput, da Lei nº 12.683/2012. Em relação a Ana Greice e Altair de Oliveira foi

1

Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: II fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal; Art. 2° Constitui crime da mesma natureza: II - deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos; Art. 12. São circunstâncias que podem agravar de 1/3 (um terço) até a metade as penas previstas nos arts. 1°, 2° e 4° a 7°: I - ocasionar grave dano à coletividade; 2 Art. 288. Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes.

5

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

@ (PROCESSO ELETRÔNICO) JCKS Nº 70074405606 (Nº CNJ: 0204675-22.2017.8.21.7000) 2017/CRIME imputada a prática do crime previsto no Art. 1º, § 1º, I, da Lei 9.613/19983. Ainda, em face de Paulo Ricardo, Joice, Argemiro e Silvia, foi imputada a prática dos crimes previstos no Art. 288, caput, do Código Penal, e do Art. 1º, § 1º, I, da Lei 9.613/98. Segundo narra o Ministério Público os denunciados auferiram significativo proveito patrimonial a partir dos crimes de sonegação fiscal (ICMS), utilizando-se das sociedades empresárias C&P INDÚSTRIA DE LATICÍNIOS LTDA., LATICÍNIOS MODENA LTDA e WOR TRANSPORTES LTDA, por meio de “confusão patrimonial e o abuso de direito”. Buscando garantir o ressarcimento à Fazenda Pública, ou seja, o pagamento dos tributos efetivamente sonegados, o Ministério Público ajuizou incidente de desconsideração inversa da personalidade jurídica, nos termos do Art. 133 do Código de Processo Civil/2015, para que fosse determinada a constrição de bens das referidas sociedades empresárias. Sustentou o Ministério Público a necessidade de instauração do referido instituto jurídico para que fossem alcançados os bens das sociedades empresárias que foram utilizadas pelos réus na ação penal principal, tendo em vista as condutas voltadas à supressão e/ou redução de tributo estadual de ICMS, bem ainda à ocultação e à dissimulação da origem, destino e propriedade dos bens e valores percebidos pela prática dos crimes perpetrados. O juízo a quo, em decisão relativa a pedido de antecipação de tutela, acolheu os pedidos do Ministério Público, determinando a instauração do incidente de desconsideração inversa da personalidade jurídica,

e,

aplicando

o

referido

instituto

jurídico,

determinou

3

Art. 1o Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal. § 1o Incorre na mesma pena quem, para ocultar ou dissimular a utilização de bens, direitos ou valores provenientes de infração penal: I - os converte em ativos lícitos;

6

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

@ (PROCESSO ELETRÔNICO) JCKS Nº 70074405606 (Nº CNJ: 0204675-22.2017.8.21.7000) 2017/CRIME liminarmente o sequestro dos bens das referidas sociedades empresárias, conforme trecho da decisão colacionada a seguir: Vistos. MINISTÉRIO PÚBLICO propôs incidente de desconsideração da pessoa jurídica em face de C Eamp; P INDÚSTRIA DE LATICÍNIOS LTDA, LATICÍNIOS MODENA LTDA e WOR TRANSPORTES LTDA, partes já qualificadas. Narrou, em suma, que os requeridos causaram grave dano à coletividade, tendo em vista que sonegaram o tributo estadual de ICMS (imposto sobre circulação de mercadorias e serviços) no montante de R$ 36.504.622,72 (trinta e seis milhões, quinhentos e quatro mil, seiscentos e vinte e dois reais e setenta e dois centavos), bem como que já foram denunciados em virtude da prática de fatos análogos. Descreveu a forma como a prática do fato delituoso ocorria, destacando as empresas criadas para tal finalidade. Destacou que os requeridos auferiram significativo proveito patrimonial dos crimes praticados, o que autoriza a realização do sequestro de seus bens, bem como a desconsideração da personalidade jurídica das empresas. Afirmou que busca o acautelamento dos bens, a fim de garantir que o valor referente aos impostos supostamente sonegados possam ser restituídos ao erário. Requereu, em sede liminar, a concessão da tutela de urgência, para o fim de determinar a desconsideração inversa da personalidade jurídica, alcançando os bens das pessoas jurídicas requeridas (fls. 02/17). Foi determinada a intimação do Ministério Público para que acostasse aos autos documentos referentes às empresas (fl. 19), o que foi atendido às fls. 20/71. Foi determinado o apensamento dos autos ao processo autuado sob nº 090/2.16.0000883-7 (fl. 72), o que foi cumprido (fl. 72/v). O Ministério Público requereu a análise da concessão do pedido de tutela de urgência formulado na inicial (fl. 73). Relatei. Decido. Trata-se de analisar pedido liminar de desconsideração inversa da personalidade jurídica das empresas requeridas, alcançando-se os bens das pessoas jurídicas, formulado pelo Ministério Público. 7

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

@ (PROCESSO ELETRÔNICO) JCKS Nº 70074405606 (Nº CNJ: 0204675-22.2017.8.21.7000) 2017/CRIME O artigo 300 do Código de Processo Civil dispõe que a tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo. No caso em apreço, o fumus boni iuris encontra-se demonstrado no processo apenso autuado sob nº 090/2.16.0001528-0. Naquela ação penal, Flávio Mezzomo, Ana Greice Cipriani, Argemiro Alves da Rosa, Paulo Ricardo Curtinaz, Joice Tondelo, Altair de Oliveira e Silvia Maria Tondelo foram denunciados pelo Ministério Público, na data de 28/11/2016, em virtude da suposta prática criminosa dos delitos tipificados no artigo 1º, II, c/c artigo 12, I, da Lei nº 8.138/90; artigo 1º, parágrafo único, da Lei nº 9.613/98; artigo 288 do CP; e artigo 1º, § 1º, da Lei nº 9.613/98. Além disso, em 25/07/2016, foi deferida a expedição de mandado de busca e apreensão a ser cumprido nas empresas C Eamp; P Industria de Laticínios Ltda e Laticínios Modena Ltda, além da quebra do sigilo bancário dos denunciados, nos autos do processo apenso autuado sob nº 090/2.16.0000883-7, pois este Juízo entendeu que as investigações realizadas dão conta de que estão ocorrendo sucessivas fraudes ao Fisco Estadual, através da constituição de novas empresas. Por outro lado, resta demonstrada, também, a existência do periculum in mora, pois a desconsideração invertida da personalidade jurídica poderá ser ineficaz caso não seja deferida em sede liminar, tendo em vista que há possibilidade de ter sido praticada a sonegação fiscal de cerca de R$ 36.504.622,72 (trinta e seis milhões, quinhentos e quatro mil, seiscentos e vinte e dois reais e setenta e dois centavos), o que representa um valor considerável e valoroso para a coletividade. Assim, faz-se necessária a constrição dos bens das pessoas jurídicas supostamente envolvidas nos delitos para assegurar o resultado útil do processo e a restituição ao erário dos valores dos impostos supostamente sonegados. Ademais, observo que os requeridos fizeram uso de manobras ardis e fraudulentas para esconder a sonegação do referido tributo, o que supõe que possam utilizar-se destas também com seus bens, a fim de evitar a sua perda em uma futura execução forçada. 8

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

@ (PROCESSO ELETRÔNICO) JCKS Nº 70074405606 (Nº CNJ: 0204675-22.2017.8.21.7000) 2017/CRIME Por fim, atinente ao pedido de desconsideração inversa da personalidade jurídica, cumpre destacar que nosso ordenamento jurídico prevê autonomia patrimonial entre os bens da pessoa jurídica e os de seu sócio como medida protetiva àqueles que buscam por suas próprias forças desenvolver atividade empresarial. Nesse sentido, a Constituição Federal, em seus artigos 1º, IV, e 3º, II, ao atentar para a necessidade de se promover o desenvolvimento econômico do país por meio da geração de emprego e incentivo ao empreendedorismo, consagrou os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa como um de seus fundamentos, bem como o desenvolvimento nacional como seus objetivos. Entretanto, quando a utilização da autonomia patrimonial e da pessoa jurídica são destinadas para fins fraudulentos, é autorizada a adoção da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, bem como de sua forma invertida. O artigo 50 do Código Civil define a desconsideração da personalidade jurídica ao prever que “em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica” (grifei). A desconsideração da personalidade jurídica inversa, por sua vez, consiste em operação contrária, na projeção dos efeitos às sociedades para recuperação de débitos dos sócios, também no caso de haver abuso da personalidade jurídica. Nesse sentido, conforme o Ministro Ricardo Villas Boas Cuêva, a desconsideração inversa é admitida pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça ¿a fim de possibilitar, de modo excepcional, a responsabilização patrimonial da pessoa jurídica por dívidas próprias de seus sócios ou administradores quando demonstrada a abusividade de sua utilização¿ (REsp 1.493.071/SP, 3ª Turma, j. 24/05/2016, DJe 31/05/2016). Na hipótese em questão, conforme já exposto, a ação penal em curso e os mandados de busca e apreensão expedidos demonstram que ocorreu o desvio de 9

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

@ (PROCESSO ELETRÔNICO) JCKS Nº 70074405606 (Nº CNJ: 0204675-22.2017.8.21.7000) 2017/CRIME finalidade das empresas, em virtude das investigações realizadas, que demonstram as sucessivas fraudes ao Estado que ocorreram através da constituição de novas pessoas jurídicas. Portanto, a tutela de urgência requerida na inicial deve ser deferida liminarmente, com fulcro no princípio da supremacia do interesse público, eis que podem ser causados prejuízos irreversíveis à sociedade caso tal considerável valor não possa ser restituído ao Estado. Diante do exposto, CONCEDO a tutela de urgência requerida para o fim de DETERMINAR a desconsideração inversa da personalidade jurídica a ser concretizada por meio de constrição judicial dos bens de patrimônio das empresas C Eamp; P INDÚSTRIA DE LATICÍNIOS LTDA., CNPJ nº 09.354.227/0001-00; LATICÍNIOS MODENA LTDA., CNPJ nº 14.296.593/000190; e WOR TRANSPORTES LTDA., CNPJ nº 12.064.365/0001-69, descritos na inicial. Expeçam-se os ofícios requeridos pelo ente ministerial na petição inicial para cumprimento da presente decisão. Intimem-se. O feito deverá tramitar sob segredo de justiça. Outrossim, citem-se as empresas requeridas, na pessoa de seus administradores e/ou sócios arrolados, para que apresentem defesa e requeiram o que entenderem de direito, no prazo legal. Apresentada manifestação, dê-se vista ao Ministério Público. Tudo cumprido, retornem conclusos. Dil. Legais.” Irresignada com a referida decisão, a sociedade empresária WOR TRANSPORTES LTDA. interpôs Agravo de Instrumento buscando a reforma da decisão que determinou a constrição de seus bens. Distribuído

a



Câmara

Criminal

deste

Tribunal,

em

15/09/2017, foi concedida a medida liminar para suspender a ação penal principal (Proc. nº 090/2.16.0001528-0), bem como os efeitos do sequestro de bens da empresa WOR TRANSPORTES LTDA determinado no incidente de desconsideração inversa da personalidade jurídica. 10

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

@ (PROCESSO ELETRÔNICO) JCKS Nº 70074405606 (Nº CNJ: 0204675-22.2017.8.21.7000) 2017/CRIME Em 18/12/2017 foi proferida decisão pela 4ª Câmara Criminal conhecendo o recurso de Agravo de Instrumento como Mandado de Segurança, tendo sido, na mesma decisão, mantida a liminar deferida. A autoridade apontada como coatora foi notificada, nos termos do Art. 7º, I, da Lei nº 12.016/2009. Em 18/04/2018 foi determinada a redistribuição da presente ação em razão da competência, tendo em vista que o crime mais grave apurado na ação penal era o de lavagem de capitais, que é de competência das 5ª a 8ª Câmaras Criminais deste Tribunal. Após sorteio, vieram os autos eletrônicos conclusos para este Relator. Feito este breve histórico, passo à análise do caso. O sequestro ou arresto de bens produto de crime ou adquiridos com o proveito dele tem previsão legal nos Arts. 125 a 144-A do Código de Processo Penal. Para que possa ocorrer a constrição judicial criminal é imprescindível que haja a demonstração, pelo Ministério Público, da existência de indícios veementes que vinculem diretamente os bens ao(s) crime(s) imputados aos réus, não bastando ilações ou argumentos baseados em lógica formal. O mesmo se dá com a constrição de bens prevista no Decreto Lei nº 3.240/41, que trata do sequestro de bens de agentes que cometem crimes contra a ordem tributária, nos termos dos Arts. 1º, 4º, 8º e 9º, do referido decreto4. 4

Art. 1º Ficam sujeitos a sequestro os bens de pessoa indiciada por crime de que resulta prejuizo para a fazenda pública, ou por crime definido no Livro II, Títulos V, VI e VII da Consolidação das Leis Penais desde que dele resulte locupletamento ilícito para o indiciado. Art. 4º O sequestro pode recair sobre todos os bens do indiciado, e compreender os bens em poder de terceiros desde que estes os tenham adquirido dolosamente, ou com culpa grave. Art. 8º Transitada em julgado, a sentença condenatória importa a perda, em favor da fazenda pública, dos bens que forem produto, ou adquiridos com o produto do crime, ressalvado o direito de terceiro de boa fé.

11

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

@ (PROCESSO ELETRÔNICO) JCKS Nº 70074405606 (Nº CNJ: 0204675-22.2017.8.21.7000) 2017/CRIME No caso dos autos, não havendo demonstração cabal, ou, nos termos da lei: demonstração da existência de indícios veementes de que os bens da impetrante – 11 (onze) caminhões – sejam produto de crime ou que tenham sido adquiridos com os proveitos dos crimes imputados aos réus, não há como proceder à sua constrição na esfera criminal. Em outras palavras, não é base jurídica à constrição cautelar na seara criminal a afirmação da inexistência de bens suficientes em nome dos acusados a resguardar eventual direito de crédito da Fazenda Pública Estadual. Nesta mesma senda é incabível o argumento de que um ou outro réu seja sócio da sociedade empresária e que tenha auferido significativo proveito patrimonial a partir dos crimes cometidos, causando prejuízo importante ao Estado. Não se pode perder de vista que se está em sede criminal e não na esfera cível, ramos do Direito independentes entre si. Assim, não é demais lembrar que, constitucionalmente, toda e qualquer atividade jurisdicional criminal tem por fim a aplicação do jus puniendi do Estado em tensão com o princípio da presunção de inocência do réu, não se prestando a Justiça Criminal a pôr-se, em primeiro plano, como espécie de um instrumento acautelador de créditos do Estado, que pode e deve buscá-los mediante o devido processo legal na seara cível. Retornando à especificidade do que está nos autos, a decisão que determinou a constrição dos bens da sociedade empresária assim se posicionou: “observo que os requeridos fizeram uso de manobras ardis e fraudulentas para esconder a sonegação do referido tributo, o que supõe que possam utilizar-se destas também com seus Art. 9º Se do crime resulta, para a fazenda pública, prejuizo que não seja coberto na forma do artigo anterior, promover-se-á, no juizo competente, a execução da sentença condenatória, a qual recairá sobre tantos bens quantos bastem para ressarci-lo.

12

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

@ (PROCESSO ELETRÔNICO) JCKS Nº 70074405606 (Nº CNJ: 0204675-22.2017.8.21.7000) 2017/CRIME bens, a fim de evitar a sua perda em uma futura execução forçada” (grifei). Como se vê do acima transcrito, a constrição judicial não teve por fundamento indícios veementes de que os bens constritos são produto de crime ou de que tenham sido adquiridos com o proveito dele. A decisão, diversamente, supôs, deduziu, operando em mera lógica formal, sem conteúdo fático, de que os bens constritos estejam vinculados aos crimes em discussão. No

que

toca,

em

particular,

à

desconsideração

da

personalidade jurídica, é medida incompatível com o processo penal. Aliás, sua utilização na esfera criminal chega às raias da responsabilidade objetiva

das

sociedades

empresárias,

as

quais,

diga-se,

sequer

respondem à ação penal principal. De fato, a medida cível de desconsideração da personalidade jurídica é estranha à jurisdição criminal. Se há prova de que determinado bem é produto de crime ou foi adquirido com o proveito dele, basta a decisão do juiz criminal determinando o sequestro ou arresto sem necessidade de qualquer outra medida de natureza que não a criminal. A força da decisão do juiz criminal de sequestro ou arresto de bens, móveis ou imóveis, não depende de qualquer medida cível prévia, já que a jurisdição criminal tem sua autoridade, autonomia e força vinculativa emanadas diretamente da Constituição Federal. A propósito do tema, e por amor ao debate, conforme já me manifestei em julgamento anterior (IRDR nº 70073310740), não há, em linha de princípio, semelhança/similitude entre o processo penal e o processo civil, que, se se as identificarem, seria apenas aparentemente, não se vinculando na essência5. 5

Segundo o doutrinador Carlos Maximiliano, para a aplicação da analogia “não bastam essas precauções; cumpre também fazer prevalecer, quanto à analogia, o preceito clássico, impreterível: não se aplica uma norma jurídica senão à ordem de coisas para a qual foi estabelecida. Não é lícito pôr de lado a natureza da lei, nem o ramo do Direito a que pertence a regra tomada por base do

13

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

@ (PROCESSO ELETRÔNICO) JCKS Nº 70074405606 (Nº CNJ: 0204675-22.2017.8.21.7000) 2017/CRIME Em linhas muito singelas, enquanto o processo civil ocupa-se com a satisfação da pretensão do autor, realizando o direito material por ele invocado em referência ao Direito Civil (ou Tributário, no caso), o processo penal volta-se à pessoa do acusado, à sua garantia de limitação do poder do Estado, já que, diversamente do processo civil, o que está em jogo é algo mais fundamental: a liberdade do indivíduo humano. Neste contexto, é imperativa a desconstituição da decisão que determinou a desconsideração inversa da personalidade jurídica da sociedade empresária WOR TRANSPORTES LTDA., com o consequente levantamento da constrição recaída sobre os seus caminhões (p. 83-91), sem prejuízo de eventuais medidas de natureza cível a serem tomadas pelo Estado. Ante o exposto, concedo a segurança para desconstituir a

decisão

que

personalidade TRANSPORTES

determinou jurídica

LTDA.,

a

da

com

o

desconsideração sociedade

consequente

inversa

empresária

da

WOR

levantamento

da

constrição recaída sobre os seus bens, bem ainda revogo a medida liminar deferida neste

Mandamus

no que toca ao

sobrestamento da ação penal principal (090/2.16.0001528-0), determinando o seu levantamento e consequente processamento regular da referida ação penal. É o voto. (tvh)

DES. IVAN LEOMAR BRUXEL (PRESIDENTE) - De acordo com o(a) Relator(a). DES. CARLOS ALBERTO ETCHEVERRY - De acordo com o(a) Relator(a). processo analógico. Quantas vezes se não verifica o nenhum cabimento do emprego de um preceito fixado para o comércio, e transplantado afoitamente para os domínios da legislação civil, ou da criminal, possibilidade esta mais duvidosa ainda” (MAXIMILIANO. Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 173).

14

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

@ (PROCESSO ELETRÔNICO) JCKS Nº 70074405606 (Nº CNJ: 0204675-22.2017.8.21.7000) 2017/CRIME

DES. IVAN LEOMAR BRUXEL - Presidente - Mandado de Segurança nº 70074405606, Comarca de Casca: "CONCEDERAM A SEGURANÇA PARA DESCONSTITUIR A DECISÃO QUE DETERMINOU A DESCONSIDERAÇÃO INVERSA DA PERSONALIDADE JURÍDICA DA SOCIEDADE EMPRESÁRIA WOR TRANSPORTES

LTDA.,

COM

O

CONSEQUENTE

LEVANTAMENTO

DA

CONSTRIÇÃO RECAÍDA SOBRE OS SEUS BENS, BEM AINDA REVOGO A MEDIDA LIMINAR DEFERIDA NESTE MANDAMUS NO QUE TOCA AO SOBRESTAMENTO DA AÇÃO PENAL PRINCIPAL (090/2.16.0001528-0), DETERMINANDO

O

SEU

LEVANTAMENTO

E

CONSEQUENTE

PROCESSAMENTO REGULAR DA REFERIDA AÇÃO PENAL. UNÂNIME."

Julgador(a) de 1º Grau:

15

Related Documents


More Documents from "Julen"

Improbidade 1.pdf
November 2019 11
November 2019 7
May 2020 2
Pm Tempo Privado.pdf
November 2019 5
Voto Reajuste 37 Cf.pdf
November 2019 9
November 2019 3