Defesa Profissional

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Sumário

Defesa Profissional

Seções

Editor Convidado: Miguel Moretti

iv v vi viii

Carta do Presidente da SOCESP Otávio Rizzi Coelho Carta do Editor Convidado Eventos Normas para Publicação

Artigos de Atualização 281

O papel e as ações das entidades médicas nacionais The role and the actions of the national medical entities ELEUSES VIEIRA DE PAIVA, EDUARDO DA SILVA VAZ

311

Defesa Profissional nas Sociedades de Especialidades Médicas Medical Specialist Association and Professional Defense JORGE CARLOS MACHADO CURI

292

Honorários médicos e políticas de saúde Professional remuneration and health politics FLORISVAL MEINÃO

315

296

Cooperativas médicas Medical cooperative system EMILIO CÉSAR ZILLI



O ato médico em Cardiologia e suas interfaces The medical act in Cardiology and its interfaces JOSÉ HENRIQUE ANDRADE VILA

319

Prontuário do paciente: o papel na defesa profissional do médico Medical record: the paper in the professional defense MAX GRINBERG

328

Instalação do processo ético: o processo de julgamento Initiation of ethics proceedings: the trial process KRIKOR BOYACIYAN

332

Responsabilidade legal do médico — civil, penal e administrativa Legal responsibility of the professional of health – civil, penal, and administrative JOSÉ MARCELO MARTINS PROENÇA



301

306

Avaliação da competência médica – reflexão crítica Assessment of medical competency – critical evaluation BRÁULIO LUNA FILHO







A especialização profissional The professional specialization in Cardiology JOÃO FERNANDO MONTEIRO FERREIRA, MIGUEL ANTONIO MORETTI



Edição Anterior: Editor Convidado:

O Coração, Esporte e Exercício Físico – II Nabil Ghorayeb



Próxima Edição: Editor Convidado:

Atualização em Cardiologia Invasiva Marco Antonio Perin



Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 4 — Julho/Agosto de 2005

iii

Carta do Presidente da SOCESP e do

Diretor de Publicações

Otávio Rizzi Coelho Biênio 2004/2005

Nesta edição da Revista da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo, a Diretoria de Publicações da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo – SOCESP optou pelo tema “Defesa Profissional” e convidou o Dr. Miguel Moretti para coordenação dos artigos. Esse tema, embora venha merecendo, atualmente, bastante atenção da classe médica, muitas vezes é pouco entendido pelos médicos, inclusive cardiologistas. A Diretoria da SOCESP agradece o distinto trabalho do Dr. Miguel Moretti, que conseguiu selecionar os pontos mais relevantes para o entendimento da essência da defesa profissional, com destaque para a atualização da Classificação Brasileira Hierarquizada de Procedimentos Médicos e para a importância do Título de Especialista em Cardiologia. Ao todo são dez capítulos escritos por colegas de renome de várias instituições do Estado de São Paulo. A Diretoria da SOCESP, aproveitando este meio de comunicação, traz quatro notícias para seus associados. Em primeiro lugar, a SOCESP está muito satisfeita com a eleição de seu ex-presidente, Dr. Antonio Carlos Palandri Chagas, para a Presidência da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), no biênio 2008/2009. No website www.apoiochagas.com. br, o Dr. Chagas faz um agradecimento a seus eleitores: “A eleição da SBC para o biênio 2008/2009 chegou ao fim e nossa chapa foi eleita com 55,4% dos votos. Em nome de todos os componentes de nossa futura Diretoria, faço questão de agradecer a você e a todos os especialistas brasileiros pela participação efetiva, que só veio a legitimar esse processo e a engrandecer nossa Cardiologia”. O Dr. Chagas contará com o apoio dos colegas de São Paulo, com a certeza de que seu trabalho será competente e acolhedor, como o realizado como Presidente da SOCESP, no biênio 2001/2003. Mais detalhes da eleição podem ser obtidos no website da SBC www.cardiol.br. Outra notícia refere-se ao XIII Curso Nacional de Reciclagem em Cardiologia SBC/ SOCESP, realizado nos dias 9 a 13 de julho de 2005. É a segunda atividade científica da SOCESP, da qual participaram mais de 900 colegas nas 82 aulas do curso. Este ano, o coordenador foi novamente o Dr. Rui F. Ramos, Diretor Científico da SOCESP, biênio 2004/2005. Assim, como o congresso anual, o curso é um dos pontos altos da programação científica da SOCESP e é desejo da atual Diretoria sempre aprimorar a dinâmica do curso. Pretendemos algumas novidades para o próximo curso, com o intuito de proporcionar maior proveito científico aos participantes. A terceira notícia é sobre o livro “Tratado de Cardiologia SOCESP”, sobre o qual temos duas novidades. A primeira é que sua venda tem sido um sucesso, e desde seu lançamento já foram vendidos cerca de três mil exemplares. A segunda é que vai ser lançada a complementação do livro durante o 60º Congresso da SBC, que será realizado nos dias 18 a 21 de setembro de 2005, em Porto Alegre: o CD-ROM “Atlas do Tratado de Cardiologia SOCESP”, que disponibilizará todas as ilustrações (mais de 700) para que os colegas possam utilizá-las no preparo de aulas. A quarta e última notícia refere-se à nova Diretoria da SOCESP para o biênio 2006/2007: Presidente – Bráulio Luna Filho (São Paulo/SP); Vice-Presidente – Ari Timerman (São Paulo/SP); 1º Secretário – Ibraim Masciarelli Pinto (São Paulo/SP); 2º Secretário – Ieda Biscegli Jatene (São Paulo/SP); 1º Tesoureiro – João Nelson Rodrigues Branco (São Paulo/SP); 2º Tesoureiro – Miguel Antonio Moretti (São Paulo/SP); Diretor de Publicações – Edson Stefanini (São Paulo/SP); Diretor de Regionais – Marcio Jansen de O. Figueiredo (Campinas/SP); Diretor Científico – Fernando Nobre (Ribeirão Preto/SP); Assessor de InfraEstrutura – Carlos Vicente Serrano Jr. (São Paulo/SP); Assessor de Informática – Moacir Fernandes Godoy (São José do Rio Preto/SP); Assessor de Defesa Profissional – José Henrique A. Vila (São Paulo/SP). A atual Diretoria deseja ao Dr. Bráulio Luna Filho e sua Diretoria uma gestão repleta de realizações e sucessos, como tem sido a nossa! Desejamos a nossos associados uma boa leitura. Temos certeza de que o material coordenado pelo Dr. Miguel Moretti vai ser muito útil na atualização dos avanços nessa área. Aproveitamos a oportunidade para anunciar o tema da próxima edição da Revista da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo: “Atualização em Cardiologia Invasiva”, sob a coordenação do Dr. Marco Antonio Perin. Otávio Rizzi Coelho Presidente da SOCESP Biênio 2004/2005 Carlos V. Serrano Jr. Diretor de Publicações da SOCESP

iv

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Carta do Editor Convidado

Ter a oportunidade de participar e colaborar com a Revista da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo é uma honra e uma grande responsabilidade. Principalmente com um tema que envolve a prática e o exercício da profissão médica, relacionada a aspectos que vão da postura do médico diante da sociedade, passando pela sua formação, até as questões envolvidas com aspectos éticos e legais. Apesar dos muitos assuntos que poderiam ser abordados, procuramos selecionar aqueles que no momento sociopolítico de nosso país seriam mais relevantes. Colocamos nesta edição um pouco da experiência adquirida ao longo de nosso trabalho na Comissão Julgadora do Título de Especialista da SBC/AMB (1998-2003) e na Assessoria de Defesa Profissional da SOCESP (2004-2005). Nessas oportunidades, pudemos desenvolver conceitos que não são totalmente novos ou inéditos, mas que não eram lembrados ou aplicados. Dessa forma, para esta edição da Revista da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo, trouxemos um pouco dessa experiência, relatada e descrita por especialistas no assunto ou por aqueles que precisaram estudar e se aprofundar nessas questões. Como essa experiência foi desenvolvida por meio de aprendizado, muitos dos artigos apresentados possuem apenas a referência da vivência e da grande experiência de cada um de seus autores. Alguns utilizaram, além da experiência pessoal, uma linguagem mais específica, mas que precisa ser entendida por nós. Sabemos que o leitor poderá aprender e refletir muito sobre cada um dos temas, os quais estão longe de terem sido esgotados pelos autores. Dando seqüência ao trabalho iniciado na edição publicada em novembro/dezembro de 2002, reunimos as opiniões de colegas sobre assuntos com grande influência no mercado de trabalho do médico. Temas que vão desde a formação até sua capacitação e como se envolver e se relacionar com as questões de direito ético e civil aos quais estamos sujeitos. Não podemos deixar para pensar a respeito de determinados assuntos somente quando formos atingidos por um problema ou quando devemos responder algumas questões. Procuramos retratar um pouco do dia-a-dia do médico dentro do que entendemos por Defesa Profissional. Na realidade, seria mais adequado utilizar Qualidade Assistencial, termo mais amplo e que engloba alguns aspectos relacionados com a formação do médico, sua capacitação, qualificação e exercício profissional. Desejamos uma boa leitura e desde já nos colocamos à disposição para eventuais discussões ou trocas de experiência. Miguel Moretti Editor Convidado

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O PAPEL E AS AÇÕES DAS ENTIDADES PAIVA EV e col. O papel e as ações das entidades médicas nacionais

MÉDICAS NACIONAIS ELEUSES VIEIRA DE PAIVA, EDUARDO DA SILVA VAZ Associação Médica Brasileira Disciplina de Medicina Nuclear – Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto – SP Sociedade Brasileira de Pediatria COREME HGNI – Hospital Geral Nova Iguaçu Endereço para correspondência: Associação Médica Brasileira – Rua São Carlos do Pinhal, 324 – Bela Vista – CEP 01333-903 – São Paulo – SP

O papel e as ações das entidades médicas nacionais (Associação Médica Brasileira – AMB, Conselho Federal de Medicina – CFM, Federação Nacional dos Médicos – FENAM) têm sido de fundamental importância para garantia de medicina de melhor qualidade à população brasileira e de melhor relacionamento entre os profissionais médicos em nosso país. A AMB e o CFM, por meio das resoluções CFM 1634/2002, 1666/2003 e 1775/2044, disciplinaram e fortaleceram a qualificação profissional pelas especialidades. A construção e a luta pela implantação da Classificação Brasileira Hierarquizada de Procedimentos Médicos têm unido toda a categoria médica brasileira, passando pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e pelo Congresso Nacional. As diretrizes, instrumento de qualificação sem interferência da indústria e do mercado comprador de serviços médicos, com cerca de 140 já produzidas e mais de 40 a serem concretizadas, têm reconhecimento internacional. As ações desenvolvidas para conter a abertura indiscriminada de escolas médicas, por meio de fóruns, documentos e ações tanto judiciais como no Congresso Nacional, são marca constante nesta década. A preocupação dos médicos, por meio de entidades, com a maioria da população que utiliza o sistema público de saúde, se fez presente na aprovação da PEC 29 e na garantia constitucional de seu cumprimento. E finalmente a luta árdua em todos os fóruns para aprovar o PL 25/2002, a Lei do Ato Médico, tem demonstrado aos médicos e à sociedade, de maneira clara, que nossas entidades estão trabalhando em prol de uma sociedade melhor. Palavras-chave: política de saúde, papel do médico, Conselhos de Especialidade Profissional, escolas médicas, Diretrizes para a Prática Clínica. (Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;4:281-91) RSCESP (72594)-1540

O Brasil, atualmente, possui três segmentos de entidades médicas nacionais que se ramificam nos estados: Associação Médica Brasileira (AMB), Conselho Federal de Medicina (CFM) e Federação Nacional dos Médicos (FENAM).

A AMB, associação sem fins lucrativos, foi fundada em 26 de janeiro de 1951 e tem como missão lutar pela defesa dos interesses da categoria médica. O sistema associativo da AMB é formado por 27 associações médicas filiadas, no Distrito Federal e nas demais

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unidades da Federação. Também fazem parte da AMB as associações méPAIVA EV e col. dicas de especialidades, O papel e as ações que constituem seu condas entidades selho científico. Seu papel médicas nacionais é defender a categoria médica nos terrenos científico, ético, social, econômico e cultural, e contribuir para a elaboração da política de saúde e para o aperfeiçoamento do sistema médico assistencial do país tanto no público como no privado. Uma de suas mais importantes funções é a de orientar a população nos problemas relacionados à atenção à saúde(1). O CFM e seus respectivos conselhos regionais, em número de 27 distribuídos no Distrito Federal e demais unidades da Federação, têm a atribuição constitucional de fiscalização e normatização da prática médica. Criado em 1951, tem a responsabilidade de fazer o registro profissional do médico e de aplicar sanções do código de ética médica. Hoje, o CFM exerce papel político na sociedade, atuando na defesa da saúde da população e dos interesses da corporação médica(2). A FENAM, entidade sindical de grau superior abrangendo todo o território nacional, com cerca de 54 sindicatos filiados, tem a atribuição de fazer a defesa sindical dos médicos(3). O título de especialista é a mais importante contribuição da AMB à sociedade. Sua finalidade é a qualificação dos profissionais que ingressam no mercado de trabalho, valorizando o profissional que o possua e garantindo à população assistida melhor qualidade de medicina. Os títulos são emitidos após rigorosa avaliação do conhecimento e do desempenho profissional, feita pelas Associações Médicas de Especialidades, conforme normas estabelecidas pela AMB e reconhecidas pelo CFM. Na última década, o trabalho conjunto da AMB e do CFM na Comissão Mista de Especialidades, em conjunto com a Comissão Nacional de Residência Médica do Ministério de Educação e Cultura, reformulou o sistema de especialização em nosso país, com grande proveito para os profissionais. Esse trabalho conjunto unificou a nomenclatura das especialidades médicas e consagrou as áreas de atuação por meio de resoluções emitidas pelo CFM de números 1634/2002 (4) e 1666/2003(5). As Especialidades têm a responsabilidade de promover concursos para que a AMB outorgue Títulos de Especialistas. A preocupação com a qualidade da medicina desencadeou debates no CFM, na AMB e nas Especialidades, culminando com a publicação da resolução CFM 1775/2004(6), que institui a revalidação

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dos títulos de especialistas e de áreas de atuação e cria a Comissão Nacional para elaborar normas e regulamentos para esse fim, além de coordenar a emissão dos certificados de revalidação. De fundamental importância é a Classificação Brasileira Hierarquizada de Procedimentos Médicos (CBHPM), construída com a participação do CFM e da FENAM, que integram, com a AMB, a Comissão Nacional de Honorários Médicos. A CBHPM é o resultado de um trabalho árduo dos médicos brasileiros, com fundamentação científica da Fundação Instituto de Pesquisa Econômica (FIPE). A decisão de construir esse novo referencial surgiu durante o planejamento estratégico da AMB, em março de 2000, em São Paulo, com a participação de todo o segmento associativo, da diretoria da AMB, das Federadas da AMB, e da diretoria das Associações de Especialidades Científicas. A Lista de Procedimentos Médicos teria uma base científica e seus procedimentos seriam hierarquizados, a fim de que todos guardassem entre si uma relação justa entre as várias especialidades, que valorizasse o ato médico. A FIPE foi escolhida entre três empresas que apresentaram propostas ao Conselho Científico da AMB. O modelo desenvolvido foi aprovado após teste piloto com atos médicos clínicos, cirúrgicos e de Serviço de Apoio de Diagnóstico e Tratamento. As especialidades escolhidas foram Nefrologia, Ginecologia e Obstetrícia, e Radiologia, tendo como base o tempo do procedimento (pré, intra e pós), a cognição, a habilidade (complexidade) e o risco. O trabalho inicial de confecção da primeira apresentação da CBHPM durou cerca de 40 meses, e, nessa fase, a participação de todas as Associações de Especialidades foi fundamental, tendo sido assessoradas pelos técnicos da FIPE. Ao término, a CBHPM deixou de ser uma tabela de especialidades para tornar-se uma Lista de Procedimentos Médicos organizada em quatro grandes capítulos: Procedimentos Clínicos Ambulatoriais, Procedimentos Clínicos Hospitalares, Procedimentos Cirúrgicos e Invasivos, e Procedimentos de SADT. Sua hierarquização foi agrupada em 14 portes e 3 subportes (A, B e C), de acordo com o método científico, de maneira que, no porte 1 A, o de menor valor, ficaram, entre outros, a eletrocardiografia de repouso, a remoção de cerume e a coleta de fluxo papilar da mama, e no porte 14 C, o de maior valor, foram contemplados o transplante cardiopulmonar e o transplante hepático, incluindo o doador e o receptor. Foi utilizado como critério para valorar os portes a evolução dos índices inflacionários do período de agosto de 1994 a abril de 2003, com a média dos quatro índices reconhecidos pelo mercado financeiro: IGPM-FGV, ICVDIEESE, IPC-FIPE, e INPC-IBGE. Durante o Encontro Nacional das Entidades Médicas (ENEM), realizado em maio de 2004, em Brasília, o conjunto dos médicos re-

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presentantes das três entidades nacionais aprovou o método de valoração e PAIVA EV e col. a variação das bandas O papel e as ações para adequar a CBHPM às das entidades diferentes realidades ecomédicas nacionais nômicas do país(7). Após essa decisão histórica, o CFM publicou, em 7 de agosto de 2003, a Resolução CFM nº 1673/ 2003(8), que adota como padrão mínimo e ético de remuneração para o Sistema Suplementar de Saúde, com cerca de 38 milhões de usuários, a CBHPM, incluindo suas instruções gerais e valores. No seu artigo segundo, os valores dos portes de procedimentos deverão ser determinados pelas entidades médicas nacionais, por intermédio da Comissão Nacional de Honorários Médicos, e as variações dentro das bandas determinadas nacionalmente (20%) serão decididas pelas Comissões Estaduais ou Regionais de Honorários Médicos, levando-se em conta as particularidades de cada local. Em 1º de agosto de 2003, foram publicados, pela Comissão Nacional de Honorários Médicos, os valores dos portes e da Unidade de Custo Operacional (UCO), que incorpora depreciação de equipamentos, manutenção de mobiliário, imóvel, aluguéis, folha de pagamento, etc. Os valores dos atos anestésicos foram classificados em portes de 0 a 8, em que o porte A N (anestésico) 0 referese aos procedimentos médicos que não necessitam da participação do anestesiologista. Vários segmentos médicos estiveram presentes no lançamento oficial da CBHPM, em 15 de julho de 2003, em Vitória, no Espírito Santo. Essa capital foi escolhida por ter conseguido aprovar uma lei que garantia aos médicos determinar o valor de seu trabalho. Durante todo o processo de construção da CBHPM, a AMB procurou quatros segmentos da medicina suplementar (UNIMED – Cooperativa de Trabalho Médico, FENASEG – Federação Nacional das Seguradoras, ABRAMGE – Associação Brasileira de Medicina de Grupo, UNIDAS – União Nacional das Auto-Gestões), além da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), para a discussão da implantação da CBHPM no território nacional. Em nenhum momento a qualidade técnica foi questionada, e foi considerada um avanço. Infelizmente esse posicionamento não se concretizou em ação, e os médicos brasileiros têm enfrentado grandes dificuldades para sua implantação, que, sem dúvida, traria benefícios incalculáveis para os usuários do Sistema Suplementar de Saúde. As “listas” ou “tabelas” utilizadas atualmente apresentam defasagem de dez anos, além de acarretarem prejuízos de ordem econômico-financeira para os médicos, que, ao longo

da última década, viram seus honorários serem significativamente reduzidos. Não faltaram gestões das três entidades nacionais (AMB, CFM e FENAM) diante da ANS para compatibilizar o Rol de Procedimentos da ANS com a CBHPM, pois legalmente é a Agência responsável por publicar o Rol. No dia 29 de setembro de 2004, a ANS publicou a Resolução Normativa nº 82(9), que estabelece o Rol de Procedimentos como a referência básica para a cobertura assistencial nos planos privados de assistência à saúde, contratados a partir de 1º de janeiro de 1999. Apesar do compromisso assumido com as entidades médicas em compatibilizar o novo Rol com a CBHPM, a publicação dessa Resolução ocasionou grande frustração, e vários procedimentos novos, que beneficiariam os usuários, não foram incluídos, fazendo com que mais uma vez a ANS perdesse a oportunidade de avançar. A Agência comprometeu-se a criar câmaras para a introdução dos novos procedimentos. Independentemente da postura da ANS, as entidades médicas nacionais vêm lutando arduamente para a implantação da Classificação. Foi criada, pelo Conselho Deliberativo da AMB e do CFM, a Comissão Nacional de Implantação da CBHPM (CNI), com representantes de todo o segmento médico, coordenada pelo 1º Vice-Presidente da AMB, Dr. Lincoln Marcelo Silveira Freire. Imediatamente foram ativadas ou criadas Comissões Estaduais e/ou Regionais para a implantação, em todo o território nacional, da CBHPM, tendo sido criado o informativo “Mobilização”(10). Atualmente há acordos com a UNIDAS em 20 Estados da Federação e em 8 regionais. No sistema UNIMED, 30 singulares já se comprometeram a implantar, enquanto no sistema da medicina de grupo (ABRAMGE) 85 empresas em 19 Estados já acordaram a implantação. Existe paralisação do atendimento aos usuários das seguradoras em 19 Estados(10). Várias outras ações têm sido desenvolvidas, entre elas o esforço pela aprovação ao substitutivo do PL 3466/ 2004(11) do Deputado Inocêncio Oliveira, cujo relator é o Deputado Rafael Guerra, pois, apesar do compromisso do Presidente da Câmara Federal, Deputado João Paulo Cunha, em junho de 2004, em Brasília, durante a manifestação em que mais de mil médicos compareceram à Câmara Federal, de que “a Câmara assume o compromisso de se empenhar na busca por uma solução para o conflito entre médicos e operadoras, pois é evidente a discrepância entre os envolvidos nesse setor”(12), esse projeto somente deverá ir a plenário após o dia 15 de fevereiro. Outra ação diz respeito à Resolução Normativa da ANS nº 71, de 17 de março de 2004(13), que estabelece os requisitos dos instrumentos jurídicos a serem firmados entre as operadoras de planos privados de assistência à saúde e profissionais de saúde que prestam serviços em consultório, resolu-

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ção que ficou conhecida como de Contratualização e que foi publicada após PAIVA EV e col. várias reuniões na CâmaO papel e as ações ra de Contratualização das entidades convocada pela ANS com médicas nacionais todos os segmentos. Infelizmente o texto não foi o esperado. O que a AMB buscava nessa câmara é que a resolução claramente definisse as formas de remuneração (CBHPM) e os índices de reajustes e a periodicidade, além das obrigações e responsabilidades das operadoras quanto ao cumprimento dos prazos de pagamento. A resolução 71, em seu artigo 3º, definia como prazo máximo de revisão contratual o período de 180 dias após sua publicação. Como era esperado, e por não ser clara e objetiva, a resolução 71 não respondeu aos anseios dos médicos, e precisou ser prorrogada até 17 de março de 2004. A CNI reiteradamente vem solicitando ao Presidente da ANS nova prorrogação do prazo de contratualização, pois, considerando as informações obtidas em todo o País, por meio das Federadas da AMB, constatou-se um número insignificante de contratos assinados, com pressões e ameaças de descredenciamento por parte das operadoras. Isso se deve invariavelmente a cláusulas unilaterais e sem critérios de reajuste, pois, como já foi mencionado, a resolução não ficou clara. Na busca de solução, foi instituída, pela AMB, a câmara de contratualização, com a participação de representantes da UNIDAS e do CFM, a fim de que se possam traçar linhas gerais em benefício do médico. Outra frente da comissão nacional de implantação refere-se ao aspecto jurídico. Em 13 de Janeiro de 2005, na sede da AMB, em São Paulo, as assessorias jurídicas das entidades nacionais discutiram o texto da ação de reequilíbrio econômico-financeiro, e o termo da referida ação foi distribuído às comissões estaduais de honorários médicos, que, por meio de suas assessorias, avaliarão e farão as alterações que julgarem necessárias para promover a imprescindível ação judicial. Essa ação tem por finalidade buscar, por meio da justiça, os valores que as operadoras são credoras dos médicos, por não terem reajustado seus honorários na última década. Outra ação já havia sido encaminhada a associações de especialidades, visando à implantação, por via judicial, da CBHPM(10). A comissão nacional de implantação tem solicitado que a UNIMED Brasil recomende a todas as suas singulares a discussão, em seus ambientes próprios, dos meios possíveis para a implantação da CBHPM.

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Outras câmaras técnicas foram criadas pela AMB com o intuito de otimizar os custos e viabilizar a implantação da CBHPM. Nessas câmaras, além da participação de integrantes da AMB e do CFM, foram convidados representantes da UNIDAS e da UNIMED: câmara técnica da CBHPM, câmara técnica de órteses e próteses, câmara técnica de materiais e medicamentos, câmara técnica de incorporação de tecnologia, e câmara técnica de diretrizes. Outra ação importante desenvolvida pela AMB e pelo CFM foi o projeto diretrizes(14), com o objetivo de auxiliar a decisão médica e, conseqüentemente, otimizar o cuidado aos pacientes. Esse processo foi desencadeado pelas Especialidades, com base nas evidências científicas disponíveis na atualidade. Esse projeto teve início em dezembro de 1999, em Brasília, a partir de um encontro entre a diretoria da AMB e os conselheiros federais do CFM, no qual todos se pronunciaram unanimemente em favor da parceria entre as duas entidades, delineando uma política de ação conjunta. Essa parceria foi ratificada em março de 2000, durante o planejamento estratégico da AMB. Efetivamente o trabalho teve início em outubro de 2000, e em dezembro os primeiros resultados começaram a surgir. Em menos de um ano foram produzidas cerca de 40 diretrizes, num trabalho inédito da categoria médica brasileira. Em janeiro de 2005 já somavam 140, e até o final de abril de 2005 devem ser 180. Esse processo, com a coordenação da diretoria científica da AMB, contou com uma comissão assessora técnica especializada. Procurou-se, de maneira ética e com rigorosa metodologia científica, construir as bases de sustentação das recomendações de conduta médica, utilizando-se os meios da ciência atual, de forma crítica e desprovida se não aquele que resulte na melhoria do binômio médico-paciente. Cada associação de especialidade afiliada à AMB é responsável pelo conteúdo informativo e pela elaboração do texto de sua diretriz. Os temas abordados foram escolhidos pelas especialidades, que foram orientadas a realizar uma busca sistemática na literatura da melhor evidência científica disponível, pelo comitê técnico do projeto, levando-se em consideração o desenho da pesquisa, a consistência das medidas e a validade dos resultados dos trabalhos levantados, contemplando os desfechos clínicos de natureza diagnóstica, terapêutica, preventiva e prognóstica. Excepcionalmente foram incluídos desfechos relacionados ao custo dos procedimentos, de tal forma que a utilização das diretrizes como instrumento referencial para os aspectos econômicos e financeiros da remuneração dos serviços é indevida. A relação entre a qualidade do estudo e o grau de recomendação, e, portanto, sua influência na decisão médica, é insuficiente se utilizada de maneira absoluta e isolada, sendo esta de

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caráter informativo e sugestivo, cabendo ao profissional que ministra o cuiPAIVA EV e col. dado ao paciente julgar a O papel e as ações forma, o momento e a perdas entidades tinência da utilização da médicas nacionais diretriz. O método selecionado no presente projeto buscou a padronização do texto objetivo e afirmativo sobre procedimentos diagnósticos, terapêuticos e preventivos, recomendando ou contra-indicando condutas ou, ainda, apontando a inexistência de informações científicas que permitam a recomendação ou a contra-indicação. As referências bibliográficas são citadas numericamente por ordem de entrada no texto, seguidas do grau de recomendação A, B, C ou D. A classificação do grau de recomendação, que corresponde à força de evidência científica do trabalho, foi fundamentada nos centros de medicina baseada em evidências do “National Health Service” da Grã-Bretanha e do Ministério da Saúde de Portugal. Todos os graus de recomendações, incluindo-se o “D”, são baseados em evidência científica. O projeto diretrizes foi avaliado durante o 2º Congresso Internacional de Medicina Baseado em Evidências, realizado na Itália de 10 a 14 de setembro de 2003, em Palermo, e foi amplamente elogiado por lideranças médicas de 18 países que representaram os cinco continentes, sendo considerado uma das maiores experiências mundiais no assunto. A AMB recebeu solicitações para intercâmbio com vários países, entre eles Alemanha e Chile. Anteriormente, Inglaterra e México também já haviam demonstrado interesse em desenvolver projetos semelhantes, e com a Argentina a AMB já firmou convênio(15). O projeto já foi adotado pelo Ministério da Saúde, para utilização como parâmetro no Sistema Único de Saúde, e também pela Associação de Hospitais Privados, com o objetivo de ofertar atendimento de qualidade à população. Em outra frente de luta das entidades médicas e contra a abertura de escolas de medicina no País, em janeiro de 2004 a AMB e o CFM publicaram um relatório denominado “Abertura de Escolas de Medicina no Brasil. Relatório de um cenário sombrio”(16), organizado pelos Drs. Ronaldo da Rocha Loures Bueno e Maria Cristina Pieruccini. Há vários anos as entidades médicas tentam incluir na agenda das políticas públicas a questão da avaliação e do controle da abertura de cursos de medicina, com interesse no número de escolas médicas, nos números de médicos formados a cada ano e, sobretudo, na qualidade do ensino ofertado. Já na década de 1960 a AMB encaminhou às autoridades responsáveis o documento “Problemática do

Ensino Médico no Brasil”, cuja repercussão gerou a constituição, no Ministério de Educação e Cultura (MEC), da Comissão de Ensino Médico, em 1971. Essa Comissão produziu o “Documento nº 1”, que reafirmava as conclusões e as proposições do documento da AMB, servindo de subsídio a uma portaria ministerial suspendendo a criação de novas escolas médicas. Durante 13 anos – de 1971 a 1976 e de 1979 a 1987 –, nenhum curso de medicina recebeu autorização de funcionamento no país. Infelizmente, na última década, houve uma proliferação indiscriminada associada à ampliação de vagas nos cursos já existentes, gerando queda de qualidade da formação acadêmica. Em 2002, a AMB promoveu fóruns regionais denominados “Novas Escolas de Medicina: Necessidade ou Oportunismo”, em Curitiba, Belo Horizonte, Belém, Brasília e Salvador, com a finalidade de definir estratégias político-institucionais e da adoção de um discurso nacional fundamentado e coeso, direcionado à necessidade de restrições à criação de novos cursos de graduação em medicina. Recentemente, o Conselho Nacional de Saúde (CNS) recomendou ao Conselho Nacional de Educação (CNE) a suspensão de autorizações para a criação de cursos na área de saúde, por um período mínimo de 180 dias. As deliberações do CNS estão contidas na Resolução nº 324/03, publicada no D.O.U. de 15 de julho de 2003. Em outra resolução, de nº 325/03, o CNS recomenda a realização de audiência pública com a Comissão Especial de Avaliação para analisar os critérios atualmente adotados nos cursos da área de saúde(17). No entendimento das entidades médicas, essa proibição deveria ser por pelo menos dez anos, conforme propõe o Projeto de Lei 65/03, de autoria do Deputado Arlindo Chinaglia(18). Por outro lado, entendem ser, também, de alta prioridade a aprovação do Projeto de Lei nº 6240, de 2002, cujo Artigo 5º propõe alterar o Artigo 53 da Lei nº 9.384, de 20 de dezembro de 1996 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional –, estabelecendo que a criação de vagas nos cursos da área de saúde, em qualquer caso, deverá ser submetida, em caráter terminativo, à manifestação do CNS, no que diz respeito à necessidade social de abertura de novos cursos de medicina(19). Na defesa desses projetos de lei, as entidades médicas não pretendem ferir os princípios democráticos ou fechar as portas ao mercado de trabalho, mas tentar provar que a autorização de funcionamento de cursos de medicina deve ser compatível com reais condições de formar bons profissionais, do ponto de vista técnico, ético e humanitário. Várias ações movidas por entidades médicas, objetivando impedir a abertura de novas escolas médicas, tramitam na justiça, sem que se tenha obtido, até agora, resultados favoráveis. Nada é mais difícil que fechar uma escola em funcionamento, porque gera co-

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moção social e esbarra nos direitos dos alunos matriculados. Por esse PAIVA EV e col. motivo, a mobilização O papel e as ações deve ser contra a abertudas entidades ra de novos cursos. Enmédicas nacionais tende-se que a manutenção de cursos de baixa qualidade é um ato prejudicial à sociedade, por servir-se de cursos que não propiciarão a seus egressos condições competitivas de enfrentar o mercado de trabalho, mantendo a desigualdade. Mas, em se tratando da medicina, agrega-se um elemento tão ou mais importante que o direito do cidadão de obter boa formação profissional, envolvendo diretamente a qualidade do atendimento que esses profissionais dispensarão à saúde da população. No início de maio de 2004, a AMB, o CFM, a FENAM e as entidades médicas paulistas lançaram a campanha “Proteja-se. Lute pela proibição de abertura de novos cursos de medicina. Por uma medicina ética, com qualidade e compromisso social”(20). O objetivo é alertar a população e sensibilizar as autoridades responsáveis sobre os potenciais riscos representados pela criação de escolas de medicina, sem condições necessárias de oferecer ao futuro médico formação consistente e adequada. No site www.proteja-se.org.br há dados atualizados sobre a grave situação das escolas médicas tanto em São Paulo como no restante do país. A partir de 2 de janeiro de 2005, o credenciamento e o recredenciamento de instituições de educação superior e a autorização de cursos terão processos mais rápidos e rigorosos. No dia 10 de novembro de 2004, o Ministério da Educação publicou portaria que estabelece uma sistemática para a tramitação dos processos e fixa prazo específico para finalização de cada etapa. A luta das entidades médicas para o financiamento público para o setor de saúde é antiga, e desde 1998 a AMB tem participado da aprovação da Emenda Complementar nº 29(21), que somente teve sua tramitação encerrada com sua aprovação em definitivo no dia 13 de setembro de 2000. Essa emenda garante recursos advindos dos três níveis de governo para o sistema público de saúde. Em 2001, a AMB entrou com uma Ação Declaratória de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal questionando a interpretação do Ministério da Fazenda e da Advocacia Geral da União (AGU) em relação à proposta de Emenda Constitucional nº 29, pois uma interpretação equivocada do Ministério da Fazenda ocasionou a diminuição dos recursos advindos da União da ordem de R$ 1,2 bilhão apenas em 2001, e

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de cerca de R$ 5,6 bilhões nos três anos subseqüentes. Felizmente, com a pressão das entidades médicas e demais setores da sociedade envolvidos, o governo voltou atrás. As entidades médicas estão em permanente contato com a Frente Parlamentar da Saúde na defesa dos interesses da saúde pública no Brasil. Atualmente a AMB faz parte da Frente Brasileira contra a Medida Provisória 232 (22), que define melhores estratégias para sensibilizar os parlamentares a votarem contra a medida provisória, que aumenta a base de cálculo do imposto de renda de pessoa jurídica (IRPJ) e da contribuição social sobre o lucro líquido (CSLL) de 32% para 40% para as empresas prestadoras de serviço no regime de lucro presumido. Essa frente foi lançada em 18 de janeiro de 2005 na sede da AMB, com a participação da Associação Comercial de São Paulo, do CFM e da Associação Paulista de Medicina (APM). Outro grande desafio das entidades médicas nacionais é a aprovação da Lei do Ato Médico, o Projeto de Lei do Ato Médico PL 25/2002(23), que está na Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado Federal para discussão de mérito, objetiva apenas regulamentar os atos médicos, fortalecendo o conceito de equipe de saúde e atendendo de forma digna a população. Esse projeto tem apenas cinco artigos e ressalta que o médico deve ter como prioridade a promoção da saúde, a prevenção, o diagnóstico e o tratamento das doenças, e a reabilitação dos doentes. Preocupado com a atenção à saúde da população, em especial dos menos favorecidos, em 23 de outubro de 2001 o CFM publicou a resolução nº 1.627/2001(24), definindo o ato profissional médico como todo procedimento técnico-profissional praticado por médico legalmente habilitado e dirigido a promoção da saúde, prevenção de enfermidades ou profilaxia, prevenção da evolução das enfermidades ou execução de procedimentos diagnósticos ou terapêuticos, e a prevenção da invalidez ou reabilitação dos enfermos. É importante que se fortaleça o conceito de equipe em saúde, respeitando as esferas de competência de cada profissional. Ninguém trabalha pela saúde da população sozinho, e muito menos sem a presença do médico. É de suma importância o engajamento de todos na aprovação desse projeto, pois essa matéria tem muita relevância(25). Por definição em seu Art. 1º, ato médico é todo procedimento técnico-profissional praticado por médico habilitado e dirigido para: I) a prevenção primária, definida como a promoção da saúde e a prevenção da ocorrência de enfermidades ou profilaxia; II) a prevenção secundária, definida como a prevenção da evolução das enfermidades ou execução de procedimentos diagnósticos ou terapêuticos; III) a prevenção terciária,

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definida como a prevenção da invalidez ou reabilitação dos enfermos. O PAIVA EV e col. projeto tem como objetiO papel e as ações vo definir, em lei, o alcandas entidades ce e o limite do ato médimédicas nacionais co. Para tanto, esse Art. 1º expõe de maneira clara a definição adotada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) quanto às ações médicas que visam ao benefício do indivíduo e da coletividade, estabelecendo a prevenção, em seus diversos estágios, como parâmetro para a cura e o alívio do sofrimento humano. A definição do ato médico foi elaborada com base nessa ordenação de idéias, porque, na medida em que abrange todas as possibilidades de referir procedimentos profissionais na área da saúde, essa classificação pareceu ao autor a melhor maneira de sintetizar clara e legalmente os limites da atividade dos médicos. Com sua utilização, parece ser possível diferenciar o que se deve considerar como atividade privativa dos médicos e quais os procedimentos sanitários que não o são. Como se vê, o conceito de cura não se opõe ao de prevenção, uma vez que a cura, quer com o sentido de tratamento quer como resultado dele, está implícita na prevenção secundária. Razão pela qual não faz sentido opor a medicina curativa à medicina preventiva, posto que aquela é parte integrante desta. O inciso I trata da atenção primária, que cuida de prevenir a ocorrência de doenças por meio de métodos profiláticos e das ações que visem à promoção da saúde para toda a população. A prevenção primária reúne um conjunto de ações que não são privativas dos médicos; ao contrário, para que obtenham êxito, exigem a co-participação de outros profissionais da saúde e até mesmo da população envolvida. O inciso II, por sua vez, estabelece os atos que são privativos dos médicos. São aqueles que envolvem o diagnóstico de doenças e as indicações terapêuticas, atributos que têm no médico o único profissional habilitado e preparado para exercê-los, além dos odontólogos em sua área de atuação. Não se incluem aqui os diagnósticos fisiológicos (funcionais) e os psicológicos, que são compartilhados com outros profissionais da área de saúde, como os fisioterapeutas e os psicólogos. O diagnóstico fisiológico refere-se ao reconhecimento de um estado do desenvolvimento somático ou da funcionalidade de algum órgão ou sistema corporal. O diagnóstico psicológico refere-se ao reconhecimento de um estado do desenvolvimento psíquico ou da situação de ajustamento de uma pessoa. No entanto, quanto se trata do diagnóstico de enfermidades e

da indicação de condutas para o tratamento, somente o médico e o odontólogo, este em sua área específica, possuem a habilitação exigida para tais ações. E os médicos veterinários, no que diz respeito aos animais.O inciso III aborda as atividades de recuperação e reabilitação, também compartilhadas entre a equipe de saúde. Não são atos privativos dos médicos. Por medidas ou procedimentos de reabilitação devem ser entendidos os atos profissionais destinados a devolver a integridade estrutural ou funcional perdida ou prejudicada por uma enfermidade (com o sentido de qualquer condição patológica). O parágrafo único desse artigo explicita quais os atos privativos dos médicos e os compartilhados com outros profissionais (procedimentos diagnósticos de enfermidades ou que impliquem indicação terapêutica são atos privativos do profissional médico). As atividades de prevenção tanto primária como terciária que não impliquem a execução de diagnósticos e indicações terapêuticas podem ser atos profissionais compartilhados com outros profissionais da área da saúde, dentro dos limites impostos pela legislação pertinente. Há um consenso indubitável acerca desses conceitos, estabelecidos há milênios pela prática da Medicina. Diante da estupefação de alguns pela inexistência, até hoje, de lei que afirmasse o óbvio, vale esclarecer que nunca houve tal necessidade antes, o que só agora se impõe em virtude do crescimento de outras profissões na área da saúde. Estabelecer limites e definir a abrangência do ato médico passaram a constituir assunto de extremo interesse de toda a sociedade, e não apenas dos médicos. Atribuições do CFM no Art. 2º: Compete ao Conselho Federal de Medicina, nos termos do artigo e respeitada a legislação pertinente, definir, por meio de resolução, os procedimentos médicos experimentais, os aceitos e os vedados, para utilização pelos profissionais médicos. Esse artigo estabelece a competência do CFM em definir os atos médicos vedados, os aceitos e os experimentais, à luz da ética e do conhecimento científico existentes. Vale ressaltar que o estabelecimento de atribuições em lei para os conselhos federais de fiscalização profissional não constitui inovação para os médicos. A análise das leis que regulamentam outras profissões da área de saúde assim o demonstra: Decreto nº 88.439/83 – Biomedicina Art. 12º – Compete ao Conselho Federal: XVIII – definir o limite de competência no exercício profissional, conforme os currículos efetivamente realizados; Lei nº 3820/60 – Farmácia Art. 6º – São atribuições do Conselho Federal: g) expedir as resoluções que se tornarem necessárias para a fiel interpretação e execução da presente lei; j) deliberar sobre questões oriundas do exercício de atividades afins às do farmacêutico; l)

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ampliar o limite de competência do exercício profissional, conforme o curPAIVA EV e col. rículo escolar ou medianO papel e as ações te curso ou prova de esdas entidades pecialização realizada ou médicas nacionais prestada em escola ou instituto oficial; m) expedir resoluções, definindo ou modificando atribuições ou competência dos profissionais de farmácia, conforme as necessidades futuras; Parágrafo único – As questões referentes às atividades afins com as outras profissões serão resolvidas através de entendimentos com as entidades reguladoras dessas profissões; Lei nº 5.766/71 – Psicologia Art. 6º – São atribuições do Conselho Federal: d) definir, nos termos legais, o limite de competência do exercício profissional, conforme os cursos realizados ou provas de especialização prestadas em escolas ou institutos profissionais reconhecidos; n) propor, ao Poder Competente, alterações da legislação relativa ao exercício da profissão de Psicólogo; no Art. 3º – As atividades de coordenação, direção, chefia, perícia, auditoria, supervisão, desde que vinculadas, de forma imediata e direta, a procedimentos médicos e, ainda, as atividades de ensino dos procedimentos médicos privativos incluem-se entre os atos médicos e devem ser unicamente exercidos por médicos.Este artigo preconiza que os cargos de direção e chefia relacionados diretamente aos atos médicos sejam exercidos exclusivamente por médicos. Não há nada de extraordinário nisso. As leis que regulamentam as outras profissões da saúde sempre realçaram esse quesito, garantindo-lhes as chefias de enfermagem, nutrição, etc. Senão, vejamos: - Lei nº 8.234/91 – Nutrição Art. 3º – São atividades privativas dos nutricionistas: I - direção, coordenação e supervisão de cursos de graduação em nutrição; V - ensino das disciplinas de nutrição e alimentação nos cursos de graduação da área de saúde e outras afins; VI - auditorias, consultorias e assessoria em nutrição e dietética. - Decreto nº 85.878/81 – Farmácia Art 1º – São atribuições privativas dos profissionais farmacêuticos: II - assessoramento e responsabilidade técnica em: a) estabelecimentos industriais farmacêuticos em que se fabriquem produtos que tenham indicações e/ou ações terapêuticas, anestésicos ou auxiliares de diagnóstico, ou capazes de criar dependência física ou psíquica; b) órgãos, laboratórios, setores ou estabelecimentos farmacêuticos em que se executem controle e/ou inspeção de

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qualidade, análise prévia, análise de controle e análise fiscal de produtos que tenham destinação terapêutica, anestésica ou auxiliar de diagnósticos ou capazes de determinar dependência física ou psíquica; IV - a elaboração de laudos técnicos e a realização de perícias técnico-legais relacionadas com atividades, produtos, fórmulas, processos e métodos farmacêuticos ou de natureza farmacêutica; V - o magistério superior das matérias privativas constantes do currículo próprio do curso de formação farmacêutica, obedecida a legislação do ensino. - Decreto nº 53.464/64 – Psicologia Art. 4º – São funções do psicólogo: II - Dirigir serviços de Psicologia em órgãos e estabelecimentos públicos, autárquicos, paraestatais, de economia mista e particulares. III - Ensinar as cadeiras ou disciplinas de Psicologia nos vários níveis de ensino, observadas as demais exigências da legislação em vigor. VI - Realizar perícias e emitir pareceres sobre a matéria de Psicologia. - Lei nº 6.965/81 – Fonoaudiologia Art. 4º – É da competência do fonoaudiólogo e de profissionais habilitados na forma da legislação específica: g) lecionar teoria e prática fonoaudiológicas; h) dirigir serviços de fonoaudiologia em estabelecimentos públicos, privados, autárquicos e mistos. - Lei nº 7.498/86 – Enfermagem Art. 11 – O Enfermeiro exerce todas as atividades de enfermagem, cabendo-lhe: I - privativamente: a) direção do órgão de enfermagem integrante da estrutura básica da instituição de saúde, pública e privada, e chefia de serviço e de unidade de enfermagem; c) planejamento, organização, coordenação, execução e avaliação dos serviços de assistência de enfermagem; h) consultoria, auditoria e emissão de parecer sobre matéria de enfermagem. Com o intuito de aclarar essa intenção, o parágrafo único deste artigo dissipa todas as dúvidas que poderiam existir: Parágrafo único – Excetuam-se, da exclusividade médica prevista no caput deste artigo, as funções de direção administrativa dos estabelecimentos de saúde e as demais atividades de direção, chefia, perícia, auditoria ou supervisão que dispensem formação médica como elemento essencial à realização de seus objetivos ou exijam qualificação profissional de outra natureza. Uma direção administrativa, uma secretaria ou até mesmo o Ministério da Saúde podem ser cargos exercidos por profissionais não-médicos, desde que, em respeito à lei, haja um responsável técnico médico para responder pelas questões técnicas e éticas que envolvam aquela instância administrativa. Nenhuma novidade neste passado recente de nosso país. Os dois últimos titula-

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res da pasta da Saúde são economistas. Art. 4º – A infração aos disposiPAIVA EV e col. tivos desta lei configura O papel e as ações crime de exercício ilegal das entidades da Medicina, nos termos médicas nacionais do Código Penal Brasileiro. O exercício ilegal da Medicina é crime, tipificado no Código Penal Brasileiro em seu artigo 283. Ressalta-se que este artigo reforça o preceito legal, lembrando que a profissão médica requer habilitação, aqui entendida como a legalização de uma atividade social regulamentada. O objetivo desse Projeto restringe-se a definir a abrangência e os limites dos atos médicos, resguardando as prerrogativas definidas em Lei para as outras profissões da área de saúde. Várias decisões judiciais já validam o ato médico. Entre elas, desta-

cam-se: – A 21ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal, nos autos da ação ordinária Nº 2002.34.00.001438-0, negou o pedido do Conselho Regional de Enfermagem do Estado de São Paulo – COREN/SP de antecipação dos efeitos da tutela, objetivando que fosse declarada a ilegalidade da Resolução nº 1.627/2001 (Resolução do Ato Médico) – DJU 30.04.2002. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirma que a acupuntura deve ser diagnosticada e prescrita por médico O presidente do STJ, Ministro Nilson Naves, nos autos da petição Nº 1.681, decidiu em sede de medida liminar, isto quer dizer, sem adentrar ao mérito, que é possível a execução da acupuntura pelos profissionais enfermeiros, desde que seja devidamente diagnosticada por médicos (25) . Concluindo, as entidades médicas têm exercido seu papel e agido em prol da defesa do médico e da qualidade da medicina em nosso país.

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THE ROLE AND THE ACTIONS OF THE PAIVA EV e col. O papel e as ações das entidades médicas nacionais

NATIONAL MEDICAL ENTITIES ELEUSES VIEIRA DE PAIVA, EDUARDO DA SILVA VAZ The role and the actions of the National Medical Entities (AMB, CFM, FENAM) have been of fundamental importance to guarantee a better quality medicine to the Brazilian population and a better relationship between the medical professionals in our country. The AMB and the CFM, making use of the resolutions CFM 1634/2002, 1666/2003 and 1775/2044, have disciplined and made stronger the professional qualifications among the medical Specialties. The development and the fight for the implementation of the Brazilian Hierarchic Classification of Medical Procedures have joined the entire Brazilian Medical category, passing through the ANS and through the National Congress. The directives, mechanism of qualification, without the industry and the medical services market interferences, counting about 140, already concluded, and more than 40 to be concluded, have international respect. The efforts developed to contain the not critical creation of medical schools, making use of forums, documentations and actions (judicial and in the National Congress) is the constant mark of this decade. The concern from physicians, through the Medical Entities, over the great majority that make use of the public health system, is showed in the approving of the PEC 29, and in the constitutional guarantee of its compliance. And finally, the difficult fight inside all the forums, to approve the PL 25/2002, the Law of the Medical Act, has shown to physicians and to the society, in a clearer way, that our Entities are working aiming a better society. Key words: health policy, physician’s role, specialty boards, medical schools, practice guidelines. (Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;4:281-91) RSCESP (72594)-1540

REFERÊNCIAS 1. Amb.org.br [homepage na Internet]. São Paulo: Associação Médica Brasileira. Disponível em URL: http://www.amb.org.br 2. Fenam.org.br [homepage na Internet]. Rio de Janeiro: Federação Nacional dos Médicos. Disponível em URL: http://www. fenam.org.br 3. Portalmedico.org.br [homepage na Internet]. Brasília: Conselho Federal de Medicina. Disponível em URL: http://www.portalmedico.org.br 4. Resolução nº 1634/2002 do Conselho Federal de Medicina. Disponível em URL: http://www. portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/2002/ 1634_2002.htm 5. Resolução nº 1666/2003 do Conselho Federal de Medicina. Disponível em URL: http://www.

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p o r ta l m e d i c o . o r g . b r / r e s o l u c o e s / c f m / 2 0 0 3 / 1666_2003.htm 6. Resolução nº 1755/2004 do Conselho Federal de Medicina. Disponível em URL: http://www. p o r ta l m e d i c o . o r g . b r / r e s o l u c o e s / c f m / 2 0 0 4 / 1755_2004.htm 7. Vaz ES. A história e avanços da Classificação Hierarquizada de Procedimentos Médicos. J Assoc Catarin Med. 2004;239:5. 8. Resolução nº 1673/2003 do Conselho Federal de Medicina. Disponível em URL: http://www. p o r ta l m e d i c o . o r g . b r / r e s o l u c o e s / c f m / 2 0 0 3 / 1673_2003.htm 9. Resolução normativa nº 82 da Agência Nacional de Saúde Suplementar. Disponível em URL: http:// www.ans.gov.br/portal/site/legislacao/legislacao_ integra.asp?id=616&id_original=0

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10. Mobilização Online. Informativo da Comissão Nacional de Implantação PAIVA EV e col. da CHBPM. 20 de janeiro O papel e as ações de 2005; Boletim nº 24. das entidades Disponível em URL: http:// médicas nacionais www.amb.org.br/ inst_mob_index.php3 11. Projeto de Lei nº 3466/ 2004 da Câmara dos Deputados. Disponível em URL: http://www.camara. gov.br/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=251627 12. CBHPM recebe apoio na Câmara. J Assoc Med Bras. 2004;1333:7. Disponível em URL: http:// www.amb.org.br/jamb/jun_jul_ago04/pg7.pdf 13. Resolução normativa nº 82 da Agência Nacional de Saúde Suplementar. Disponível em URL: http:// www.ans.gov.br/portal/site/legislacao/legislacao_ integra.asp?Id= 561&id_original=0 14. Projeto Diretrizes da Associação Médica Brasileira e Conselho Federal de Medicina. Disponível em URL: http://www.amb.org.br/inst_projeto_diretrizes. php3 15. Diretrizes: elogios na Itália. J Assoc Med Bras. 2003;1329:12. Disponível em URL: http:// www.amb.org.br/jamb/set_out03/pg12.pdf 16. Bueno RRL, Pieruccini MC. Abertura de escolas de medicina no Brasil. Relatório de um cenário sombrio. Janeiro de 2004. Disponível em URL: http:// www.amb.org.br/escolas_abertura.pdf

17. Resoluções nº 324/2003 e 325/2003 do Conselho Nacional de Saúde. Disponível em URL:http:// conselho.saude.gov.br/deliberacoes/reso_03.htm 18. Projeto de Lei nº 65/2003 da Câmara dos Deputados. Disponível em URL: http://www.camara.gov.br/ internet/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=10448 19. Projeto de Lei nº 6240/2002 da Câmara dos Deputados. Disponível em URL: http://www.camara. gov.br/internet/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=45574 20. Campanha Proteja-se. Lute contra a abertura de novos cursos de medicina. Disponível em URL: http:/ /www.proteja-se.org.br 21. Emenda constitucional nº 29, de 13 de setembro de 2000, da Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em URL: http://legis. senado.gov.br/con1988/EMC29_13.09.2000/ EMC29.htm 22. Medida Provisória nº 232, de 30 de dezembro de 2004, da Presidência da República Federativa do Brasil. Disponível em URL: http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2004/Mpv/232.htm 23. Projeto de Lei do Senado nº 25/2002, de 27 de fevereiro de 2002. Disponível em URL: http:// www2.senado.gov.br/sf/atividade/Materia/Detalhes. asp?p_cod_mate=49554&p_sort_tr=Desc 24. Resolução nº 1627/2001 do Conselho Federal de Medicina. Disponível em URL: http://www. portalmedico.org.br/ resolucoes/cfm/2001/1627_2001.htm 25. A Lei do Ato Médico. Disponível em URL: http:// www.atomedico.org.br/index2.asp?opcao=pls

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HONORÁRIOS MÉDICOS E POLÍTICAS DE SAÚDE MEINÃO F Honorários médicos e políticas de saúde

FLORISVAL MEINÃO Associação Paulista de Medicina Endereço para correspondência: Av. Brigadeiro Luiz Antonio, 278 – 3º andar – Bela Vista – CEP 04727-040 – São Paulo – SP O artigo analisa a política de saúde, tanto pública como privada, e sua influência na atividade profissional do médico. São feitas referências quanto aos investimentos em saúde, quanto ao gerenciamento desses recursos e quanto à necessidade de controle social do sistema. Palavras-chave: políticas de saúde, honorários médicos. (Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;4:292-5) RSCESP (72594)-1541

A medicina teve extraordinário avanço nas últimas décadas. A incorporação de sofisticada tecnologia aliada ao progresso científico permitiu melhor condição na prevenção, no diagnóstico e no tratamento das diferentes doenças, tendo como mais direta conseqüência o aumento da média de idade da população em todo o mundo. Em nosso país, graças a um trabalho de grande valor realizado pelas entidades médicas, principalmente pelas sociedades de especialidades, os médicos mantêm-se constantemente atualizados, habilitados e capacitados para oferecer atendimento da melhor qualidade a nossa população. No entanto, a maioria dos brasileiros não se beneficia desse avanço da medicina, a julgar pelos diversos índices de avaliação do estado de saúde da população. Nosso sistema de saúde, tanto público como privado, enfrenta uma crise, que, até certo ponto, contrasta com o quadro econômico previsto para o ano de 2005. Enquanto os analistas especializados prevêem crescimento econômico com a balança comercial superando recordes ano a ano, com o produto interno bruto (PIB) crescendo de forma sustentada, o Real valorizando-se diante do Dólar, o risco Brasil caindo progressivamente, trazendo consigo de volta os investimentos, o setor saúde continua sem merecer a atenção que lhe é devida. Na verdade, o Plano Real representou enorme avan-

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ço ao conseguir controlar a inflação e estabilizar a economia, porém não conseguiu se constituir em um instrumento de justiça social. Ao contrário, nos últimos anos aprofundou-se ainda mais o abismo que separa as classes sociais. Os ricos estão cada vez mais ricos e os pobres, cada vez mais pobres. As sucessivas promessas de “investimento no social” não conseguem ultrapassar os períodos eleitorais, caindo em seguida no esquecimento. O Sistema Único de Saúde, cuja concepção é considerada, quase que de forma unânime, a ideal para as características de nosso país, enfrenta uma dificuldade crônica de financiamento. Investe-se no Brasil (governo federal, estados e municípios) aproximadamente R$ 25,00 por mês por pessoa para financiar todo o atendimento, incluindo as campanhas preventivas, o atendimento médico-hospitalar, medicamentos, reabilitação, etc. Esses valores representam por volta de 3% do PIB brasileiro, enquanto outros países investem em média 10% de seus respectivos PIBs. São números absolutamente insuficientes, razão pela qual o acesso ao sistema é limitado, as filas são extensas, e o atendimento deixa a desejar. Para os médicos as principais conseqüências são: precárias condições de trabalho, baixa remuneração e falta de abertura de novos postos de trabalho. Vivemos uma contradição: excesso de médicos e falta de atendimento à saúde para milhões de brasileiros. Como se isso não bastasse, as sucessi-

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vas administrações não conseguiram fechar todos os ralos por onde escoam esses recursos impuneMEINÃO F mente, muito embora nesHonorários médicos se aspecto deva-se recoe políticas de saúde nhecer que houve consideráveis progressos nos últimos dez anos. Em resumo, gastamos melhor que ontem, porém temos muito a caminhar. O sistema privado ou complementar de saúde convive com eternos conflitos entre médicos, usuários e empresas, trazendo muita intranqüilidade ao setor. Usuários reclamam das complexas burocracias e dos inúmeros obstáculos que enfrentam quando necessitam de atendimento, além de reajustes excessivos de suas mensalidades, motivos esses que levaram milhões de pessoas a deixar o sistema nos últimos anos, engrossando ainda mais as filas do SUS. As empresas, por sua vez, afirmam que os custos assistenciais sobem, ano a ano, acima dos índices inflacionários, em decorrência dos avanços técnicos e científicos da medicina. Afirmam ainda que não conseguem repassar esses custos aos usuários, pois sua capacidade de absorvê-los chegou ao limite. Reclamam também da perda de milhões de usuários em decorrência do desemprego e da crise econômica e social dos últimos anos. Utilizam esses argumentos para justificar os baixos honorários e o não reajuste dos valores pagos aos médicos nos últimos dez anos. Diante desse quadro, a classe médica, cujo trabalho depende fundamentalmente dessas políticas de saúde, vive um delicado momento em sua atividade profissional. Os problemas são muitos e de difíceis soluções: 1. Excesso de médicos no mercado de trabalho – fruto de uma política irresponsável e inconseqüente de abertura de novas escolas de medicina, sem que suas necessidades sociais fossem analisadas. Como agravante, sabemos que essas novas escolas, na sua maioria, não dispõem de recursos para oferecer boa formação profissional, colocando em risco a saúde da população. 2. Falta de novos postos de trabalho – tanto o SUS como o sistema privado de saúde não conseguem absorver os novos profissionais que se formam ano a ano, provocando uma séria distorção no mercado de trabalho: excesso de oferta e pouca procura. Os resultados diretos são os baixos honorários e as restrições que nos são impostas no exercício de nossa atividade profissional. 3. Falta de regulamentação do ato médico – cujo projeto de lei tramita no Congresso Nacional. A medici-

na, profissão organizada no Brasil em 1957, ainda não tem seu campo de trabalho especificado, enquanto todas as demais profissões ligadas à área de saúde tiveram seus campos de trabalho definidos nas legislações pertinentes. Apesar disso, esse projeto sofre uma forte resistência por parte das entidades que representam esses profissionais. O que pretendemos é que a legislação explicite quais são os procedimentos específicos dos médicos e aqueles que podem ser compartilhados com outros profissionais de saúde. Não podemos esquecer que o curso de medicina é o único que capacita e habilita os profissionais para “diagnosticar e tratar doenças”. Esse é um ponto crucial no processo de atendimento à saúde, e a sociedade precisa conhecê-lo, para que possa saber o que esperar de cada profissional que atua na área. É exatamente nesse ponto que existe a maior resistência. “A questão da assistência médica não é um assunto político eleitoral para ser resolvida em termos democráticos, com o sentido do direito de todos que desejam exercê-la. É uma questão de política de bem-estar público, a ser resolvida democraticamente em termos de segurança social e de honestidade relacional e, principalmente, do dever do poder público de assegurar o melhor tratamento para todos os que dele necessitem” (Conselho Federal de Medicina). Por trás disso tudo, uma perversidade: a medicina sem médico custa menos. Aí estão as casas de parto sem obstetras e neonatologistas, as equipes de programas de saúde da família sem médicos, enfermeiros autorizados a prescrever medicamentos, etc. Quem mais sofre é a população de baixa renda. A medicina, que deveria ser um instrumento de justiça e inclusão social, transforma-se justamente no oposto, um instrumento de exclusão social. 4. Falta de uma legislação específica que regulamente as relações entre médicos e empresas operadoras de planos de saúde – a Lei 9656, criada para regulamentar o setor privado ou complementar de saúde, não abordou a relação entre médicos e empresas, sob a óptica que o mercado se “auto-regula”. A Agência Nacional de Saúde, órgão criado especificamente para fiscalizar e regular o setor, não conseguiu até o momento estabelecer regras claras e equilibradas para a contratação de médicos por essas empresas. Diante desse quadro desfavorável, a classe médica, fragilizada nessa negociação, acumulou enormes perdas de honorários nos últimos anos, além de sofrer interferência perniciosa em sua relação com os pacientes. 5. Honorários médicos – essa é a questão que mais aflige os médicos nos dias atuais. Estamos sem reajustes há oito anos, acumulando defasagens enormes, que, de acordo com alguns índices inflacionários, ultrapassam 200%, enquanto nesse período nossas despesas para manter os consultórios acompanharam a inflação. Muitos colegas fecharam seus consultórios,

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enquanto os mais jovens não se animam a abri-los, tendo como resultado uma queda nessa atividade MEINÃO F profissional, detectada reHonorários médicos centemente por pesquisa e políticas de saúde do Conselho Federal de Medicina. É a medicina, na sua forma mais tradicional, que perde terreno ante políticas inconseqüentes na área de saúde. No entanto, o ano de 2004 marcou o início de uma reação a essa situação. A classe médica reagiu: de

Norte a Sul no país os médicos foram à luta, organizando-se em um movimento nunca antes visto, com grande inserção na mídia e no seio da sociedade, de quem tivemos forte apoio. A nova Classificação Brasileira Hierarquizada de Procedimentos Médicos (CBHPM), idealizada como um instrumento técnico para balizar as relações entre médicos e empresas, transformou-se em um instrumento político, unindo médicos em todo o país que passaram a exigir, por meio de sua implantação, aquilo que lhes é devido. O resultado foi positivo: empresas concederam reajustes de honorários e incorporaram novos procedimentos constantes na CBHPM a suas tabelas. O legislativo, sensibilizado com a dimensão do problema, elaborou um projeto de lei que “tramita em regime de urgência”, estabelecendo a CBHPM como instrumento de relacionamento entre médicos e empresas. A Agência Nacional de Saúde incorporou no seu rol de procedimentos vários dos itens que constam na CBHPM. As entidades médicas tanto nacionais como estaduais uniram-se, superando suas divergências, criando um momento único e propício para lutarmos pelo resgate de nossa dignidade profissional. Dessa união decorrem alguns importantes avanços, não só na questão da implantação da CBHPM, como também na tramitação de projeto de lei que regulamenta o ato médico, na revisão dos contratos entre médicos e Figura 1. São Paulo – Assembléia dos Médicos, julho de 2004. empresas, entre outros. Devemos também aprofundar Figura 2. São Paulo – Manifestação na Av. Paulista, julho de 2004. nossa luta para melhorar o SUS, pois dele dependem 80% dos brasileiros. A aprovação, há alguns anos, da “PEC da saúde”, que definiu o montante de verbas a ser aplicado pelo governo federal, pelos estados e pelos municípios, representou um avanço significativo, porém é preciso avançar mais, buscando novas alternativas de financiamento, gerenciamento dos recursos e, principalmente, controle social eficiente. A classe médica tem um importante papel a desempenhar nesse processo. O problema dos honorários médicos depende fundamentalmente das políticas de saúde, tanto públicas como privadas, e é necessária

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MEINÃO F Honorários médicos e políticas de saúde

a participação de todas as entidades que nos representam de forma unida e coesa, mas é imperativa a participação de toda a classe médica, procuran-

do influenciar as decisões que envolvem nossa atividade profissional. É também necessário, cada vez mais, estreitarmos nosso relacionamento com a sociedade civil, beneficiária de nossos serviços. A luta por honorários dignos é a mesma luta por melhorias na qualidade dos serviços de saúde.

PROFESSIONAL REMUNERATION AND HEALTH POLITICS FLORISVAL MEINÃO This article analyzes the public and private health politics and their influence on professional activity of physicians. Key words: health politics, professional remuneration. (Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;4:292-5) RSCESP (72594)-1541

LEITURA RECOMENDADA 1. Revista Associação Paulista de Medicina. São Paulo, outubro/2004.

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COOPERATIVAS MÉDICAS ZILLI EC Cooperativas médicas

EMILIO CÉSAR ZILLI Cooperativas SBC Endereço para correspondência: Estrada do Galeão, 1905 – Ilha do Governador – CEP 21931-001 – Rio de Janeiro – RJ A relação atual entre emprego e salário, aliada à dificuldade cada vez maior de uma justa adequação do mercado de trabalho ao cardiologista brasileiro, vem provocando, no seio da sociedade de especialidade, um clamor cada vez maior dos associados na busca de uma solução que tenha alternativas mais justas e uma premissa mais técnica para o desenvolvimento da especialidade em nosso país. A criação de cooperativas cardiológicas, fomentada pela Sociedade Brasileira de Cardiologia, constitui, assim, um caminho ético, racional e viável para o desenvolvimento da prática cardiológica em nosso meio. Palavras-chave: cooperativas, cooperativismo, sistemas de trabalho, capital, emprego. (Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;4:296-300) RSCESP (72594)-1542

COOPERAR – Do latim: “Cooperare”. Verbo trans. indireto. Operar simultaneamente. Trabalhar em conjunto. Ajudar, auxiliar, colaborar. COOPERATIVA – Substantivo feminino. Cooperativo. Sociedade ou empresa constituída por membros de determinado grupo social ou econômico, e que objetiva desempenhar em benefício comum determinada atividade econômica.(1) “O cooperativismo, indiscutivelmente, será, no futuro, a melhor e mais edificante ferramenta para o progresso e o desenvolvimento do ser humano.”(2) Somos, hoje, protagonistas de um mundo, que se debate em meio a várias crises. Assistimos atônitos, ora como atores ora como mero espectadores, atitudes e conseqüências, que na maioria das vezes não desejamos ou concordamos, mas que invariavelmente, cedo ou tardiamente, nos envolvem e nos fazem alterar o ser, o estar e até mesmo o pensar. O liberalismo, como estado social e filosófico, é posto em dúvida! As profissões liberais extinguem-se e abrem espaço cada vez maior para outras formas de manifestação funcional e de organizações.

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Foi no século XIX, com o desenvolvimento do método anatomoclínico, que a medicina passou a ser considerada ciência.(3) Na segunda metade daquele século, descobertas científicas de grande impacto modificaram o pensamento ortodoxo, então dominante, e transformaram o “saber” médico, fazendo-o caminhar celeremente em direção à “era” da especialização.(4) A cardiologia, como especialidade, foi especialmente contemplada, graças à rápida implementação do método anatomoclínico aos estudos da doença cardíaca, mas sobretudo ao desenvolvimento de “fantásticos” aparelhos, como o estetoscópio, o esfigmomanômetro e o galvanômetro, que, mais tarde, evoluiria ao moderno eletrocardiógrafo(5). Assim, o médico, antes interpretado pela sociedade como mais um (meio divino, é verdade) dentre tantos artesãos disponíveis, passa a ocupar um espaço cada vez mais importante e decisivo, como agente de transformação e promoção social. Entretanto, essa transformação é breve. Apenas um século e meio depois, já sob nossa presença, a partir da década de 60, a contenda entre capital e trabalho torna-se uma das mais agudas crises em que se debate o mundo contemporâneo.

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E quais soluções se apresentam? É interessante ressalZILLI EC tar que, em um mundo que Cooperativas médicas tanto evoluiu (?) em suas relações sociais, filosóficas e comportamentais, as formas encontradas para equacionar a mencionada relação ainda contemplem apenas dois sistemas de administração: o sistema negocial, prevalente em países como França, Estados Unidos, Itália, Espanha e Japão e na maioria do mundo chamado desenvolvido, em que o Estado tem poder regulador sobre essa relação; e o sistema estatutário, praticado em países como China, Cuba e Brasil, em que o poder do Estado se manifesta de forma constante, determinante e quase sempre arbitrário sobre essa relação.(6) Pelo exposto, pode-se perceber que ambos os modelos não se adequam às realidades que interagem, o que é claramente demonstrado em nosso país. Seja por remuneração insuficiente seja por inépcia na produtividade, ou seja, como preconizam alguns especia-

listas, pelo alto custo operacional brasileiro, o chamado “custo Brasil”, esses modelos, em nosso meio, devem ser reavaliados. E aí, em minha opinião, é o momento de pensarmos no Sistema Cooperativo. O modelo cooperativista, como o conhecemos, iniciou-se em 1844, no pequeno bairro de Rochdale, subúrbio de Manchester, Inglaterra, quando um grupo de 28 tecelões criou uma associação, que mais tarde seria conhecida como “a Cooperativa” (Fig. 1).(7) Inicialmente, para fazer frente ao que entendiam como “exploração dos atravessadores”, criaram um pequeno armazém, onde venderiam seus produtos diretamente aos consumidores. Com o passar dos anos, essa associação patrocinou a construção de casas próprias para os tecelões e organizou uma linha de produção para trabalhadores desempregados, surgindo assim a primeira cooperativa do mundo moderno. A cooperativa de trabalho: – aumenta o poder de negociação do participante; – flexibiliza a relação capital/trabalho; – maior capital – HUMANO; – protege corporativamente o cooperado; – reduz o custo operacional. São princípios fundamentais do cooperativismo:

Figura 1. Os pioneiros de Rochdale (cópia do original). (Organização das Cooperativas Brasileiras – OCB/Identidade das Cooperativas).

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– universalização; – autonomia; – educação; – intercooperação. ZILLI EC Segundo Meneses (8), Cooperativas médicas em recente declaração, “o movimento cooperativista médico vem crescendo no Brasil, a partir da necessidade dos médicos em resgatar a autonomia do ato médico”. E mais: “Ao se pensar na criação de uma cooperativa de trabalho na especialidade, é indispensável resolver-se uma questão: a necessidade da cooperativa é sentida pela maioria dos associados?”. Essas duas questões, que me parecem fundamentais para o desenvolvimento de uma cooperativa de trabalho médica, já foram respondidas entre nós, cardiologistas associados à Sociedade Brasileira de Cardiologia, de forma clara. Se não, vejamos. Em dezembro de 2003, a Sociedade Brasileira de Cardiologia, por meio de sua Diretoria de Qualidade Assistencial, realizou pesquisa via Internet, em seu “website”, em que, em um universo de 1.314 cardiologistas (número considerado suficiente como amostra de nossa realidade, segundo os institutos de pesquisa), 93% responderam que apoiariam a formação de cooperativas de trabalho cardiológico patrocinadas pela Sociedade Brasileira de Cardiologia. O outro ponto citado por Meneses, referente à “necessidade do resgate da autonomia do ato médico”, já se converteu, como é do conhecimento de todos em nossa categoria, em verdadeiro combate, que, extrapolando os preceitos técnicos e acadêmicos, vem constantemente desembocando em tribunais das mais diversas alçadas. Atualmente é objeto de projeto de lei 25/2002(9), que deverá ser votado por nossos legisladores ainda no decorrer deste ano, e pelo qual devemos todos nós, médicos, muito menos por questões corporativas e muito mais por preceitos éticos e filosóficos, estar vigilantes e mobilizados. O trabalho de uma cooperativa médica privilegia o Contrato de Serviços em relação ao tradicional Contrato de Emprego. Nessa modalidade, o agente contratante, que poderá ser tanto o empregador tradicional como o “plano de saúde”, reporta-se diretamente à cooperativa, como intermediadora e responsável pela contratualização do(s) profissional(is) e dos serviços acordados. Um exemplo bem-sucedido e magnificamente administrado em nosso meio é o da COOPERCARDIO – Cooperativa Cardiológica de Pernambuco, que serviu de “base” para todo o modelo cooperativo proposto pela Sociedade Brasileira de Cardiologia para suas filiadas em todo o Brasil.

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Dados oficiais da Organização das Cooperativas Brasileiras – OCB, publicados em dezembro de 2003 e dispostos em seu “website” (www.ocb.org.br), informam que aproximadamente 11 milhões de cidadãos brasileiros são usuários de cooperativas médicas, enquanto outros 3 milhões já utilizam as cooperativas odontológicas(7). As cooperativas de saúde no Brasil já são em número de 878, envolvendo 262 mil cooperados, e responsáveis por mais de 25 mil empregos indiretos. Em 1996, por força de regulamentação, as cooperativas médicas que faziam parte do ramo “cooperativas de trabalho” passaram, para atender sua demanda, a fazer parte de um grupo específico, o das “Cooperativas de Saúde”, tendo a partir daquele ano aumentado em quase 20% sua participação nesse mercado. Os princípios que regem uma cooperativa médica são os mesmos princípios que orientam uma cooperativa geral, e entre eles cabe ressaltar os fundamentais para a organização e o funcionamento, como se seguem: – adesão livre e voluntária; – gestão livre e democrática; – participação econômica dos membros; – autonomia e independência; – educação, formação e informação; – intercooperação; – interesse pela comunidade. Esses princípios orientaram a Sociedade Brasileira de Cardiologia no desenvolvimento de todo o processo de fomentação de Cooperativas Cardiológicas, acompanhadas permanentemente por nosso serviço jurídico, em estreita colaboração com os órgãos legisladores, desde a concepção do estatuto padrão até a formatação contratual dos acordos de prestação de serviços. Independentemente dessas disposições, os procedimentos para constituição de uma cooperativa médica devem seguir os procedimentos básicos de uma cooperativa geral e precisam estar em concordância com aqueles dispostos universalmente para a constituição de uma cooperativa. A lei 5.764 de 16 de dezembro de 1971 dispõe como número mínimo de integrantes para a formação de uma cooperativa 20 pessoas, que tenham um interesse econômico comum e que estejam dispostas, para viabilizar esse interesse, em constituir um empreendimento próprio, em que o produto final, ou seja, seu resultado, seja distribuído proporcionalmente à participação de cada cooperado. Entretanto, em nossa opinião, mesmo que esses quesitos básicos estejam contemplados, ainda não são o bastante. A atividade médica, por suas condições específicas e necessidades de auto-avaliações permanentes, não comporta espaço para erros negligenciais e/ou de

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ZILLI EC Cooperativas médicas

conceituação. Outras questões tão importantes precisam ser respondidas: – A necessidade da formação da cooperativa é dividida por todos os interessados? – É a cooperativa a solução mais adequada? – Já há alguma outra cooperativa na mesma região que produza serviços se-

melhantes? – O volume do negócios será proporcional aos eventuais benefícios? Essas e outras questões deverão fazer parte de todo o fundamento cooperativista, principalmente no campo saúde, em que cada vez mais a competência, a transparência e a objetividade se configuram como valores primordiais, para que nos afastemos de forma concreta desse verdadeiro caos estrutural e administrativo, que políticas hipócritas e descompromissadas nos legaram. Somos, atualmente, quase 11 mil cardiologistas associados à Sociedade Brasileira de Cardiologia. Ao contrário do que gostaríamos, temos hoje um mercado de trabalho cada vez mais restrito em relação a quanto somos e a quanto mais seremos em um futuro bastante próximo. Apesar da consciência crescente de quão danosa é a proliferação das escolas médicas desqualificadas, cada vez mais elas se expandem. Segundo dados do próprio Conselho Federal de Medicina, uma nova escola médica foi inaugurada a cada três meses

em nosso país nos últimos dez anos, sendo atualmente de 135 o número de escolas médicas no Brasil(10). Recentemente, dados deste autor, em artigo publicado no “Jornal SBC”, em dezembro de 2003, demonstravam a relação entre cardiologistas associados da Sociedade Brasileira de Cardiologia/cooperados da(s) UNIMED(s), a principal cooperativa médica existente no país, postulando que, em pelo menos quatro grandes Estados da federação, esses dados sejam no mínimo preocupantes. Tabela 1. Estado

Associados

Cooperados

RJ SP RS MG

1.895 2.932 640 1.036

370 (C) 527 (I) 218 (I) 314 (C)

C = confirmado; I = informado. Associados a esses, os dados publicados pela Associação Médica Brasileira informam que a taxa de remuneração livre nos consultórios médicos, isto é, a porcentagem de pacientes que não pertencem a nenhum plano ou cooperativa de saúde, se encontra em “queda livre”, estando atualmente em cerca de 25% do total dos atendimentos, enquanto a porcentagem daqueles pertencentes aos “planos” já atinge cifras superiores a 45%. O que fazer? Serão as cooperativas de saúde um novo caminho? Parece que sim.

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MEDICAL COOPERATIVE SYSTEM ZILLI EC Cooperativas médicas

EMILIO CÉSAR ZILLI The present relationship between job and salary, allied to the ever bigger difficulty of a fair adaptation of the Brazilian cardiologist to the labour market, is causing a strong clamor in the breast of the societies of specialties among their associates in order to find a solution with fairer alternatives and a more technical premise for the development of the specialty in our country. The creation of Cardiology cooperatives stimulated by the Brazilian Society of Cardiology constitutes a viable, rational, and ethical way for the development of the practical Cardiology in our environment. Key words: work systems, job, medical cooperatives. (Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;4:296-300) RSCESP (72594)-1542

REFERÊNCIAS 1. Ferreira ABH. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Ed. Nova Fronteira; 1975. p. 380. 2. Cunha A. Organização das Cooperativas do Rio Grande do Sul. RBC. 2003;72-4. 3. Entralgo PL. La história clinica e teoria del relato patográfico. 2 ed. Barcelona: Ed. Salvat; 1961. p. 14157. 4. Castleman B, DeSanctis RW. Cardiac Clinicopathological Conferences of the Massachusetts General

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Hospital. Boston: Little, Brown Co.; 1962. p. 371-6. 5. Postel-Vinay N. Measuring blood pressure. In: A Century of Arterial Hypertension: 1896-1996. London: John Wiley & Sons, Ltd.; 1996. p. 10-30. 6. Castro M. Manual de Cooperativas. Ed. Santos; 1998. 7. Organização das Cooperativas Brasileiras. www.ocb. org.br 8. Meneses JAG. Cooperativas de especialidades. Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2002;6:850-3. 9. JAMB. 2003;XVIII (146):6. 10. JAMB. 2003;XVIII (146):7.

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AVALIAÇÃO DA COMPETÊNCIA MÉDICA – LUNA FILHO B Avaliação da competência médica – reflexão crítica

REFLEXÃO CRÍTICA BRÁULIO LUNA FILHO Disciplina de Cardiologia – Setor de Cardiopatia Hipertensiva – UNIFESP-EPM Endereço para correspondência: Rua Botucatu, 740 – CEP 04023-900 – São Paulo – SP

A evolução exponencial do conhecimento aumentou a importância da educação médica continuada e tem fomentado discussões sobre as melhores estratégias. As evidências científicas apontam que a eficácia das abordagens tradicionais tem se revelado insuficiente para cumprir os objetivos de informar e originar mudanças na conduta e na aquisição de habilidades, necessárias à prática médica. Não obstante as variadas abordagens, o aspecto mais importante na incorporação de novos conhecimentos é o compromisso pessoal em ministrar cuidado médico de alto nível. Aspecto também relevante é a tendência mundial na certificação e na recertificação dos profissionais médicos. Premido pela evolução de novas técnicas e pela demanda da sociedade por cuidados médicos cada vez mais eficientes, ocorre o aumento da exigência da competência profissional. Nesse cenário, surgem propostas tanto das entidades médicas como de órgãos governamentais no sentido de exigir dos especialistas a participação em programa de atualização em intervalo de tempo regular. Palavras-chave: educação médica continuada, competência, certificação, recertificação. (Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;4:301-5) RSCESP (72594)-1543

“The higher the standard of education in a profession the less marked will be the charlatanism.” (William Osler) INTRODUÇÃO O conhecimento na área biológica nas últimas décadas, particularmente na Medicina, evoluiu em padrão exponencial. Estima-se que cerca de 17 mil novos livros e mais de 2 milhões de artigos sejam publicados anualmente. Esse avanço espetacular do conhecimento científico criou a necessidade de aperfeiçoar a maneira de transmiti-los à prática médica.(1) Longe se vão os tempos em que os egressos do curso médico adentravam imediatamente no exercício

profissional. Longe se vão os tempos em que os avanços diagnósticos e terapêuticos perpetrados em outros países e continentes levavam meses ou anos para serem conhecidos em outros lugares. Longe se vão os tempos quando o conhecimento era uma aquisição tardia da prática individual e muitas vezes solitária de médico especialmente talentoso. Concomitantemente, porque filho profícuo dos avanços científicos, ocorreu a revolução da informação, que tão bem caracterizou a metade final do século XX, originando novos caminhos e novas modalidades de transmissão do conhecimento e suas técnicas. Os compassos e as tonalidades que esse processo desenvolveu na área médica, assim como as inovações e os aperfeiçoamentos que se fazem mister

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LUNA FILHO B Avaliação da competência médica – reflexão crítica

que continuem acontecendo em benefício de seus praticantes – os médicos – e dos pacientes – a razão de ser da Medicina – é o que pretendemos abordar neste artigo.

EDUCAÇÃO MÉDICA CONTINUADA – UM CONSENSO; COMO FAZER? QUANTO DISSENSO A necessidade de atualização continuada dos médicos é inconteste. Mas assim como a qualidade da graduação médica vem sendo criticada e debatida em todo o mundo, também as formas de estimular o aperfeiçoamento dos médicos vêm sendo alvo de discussão. Embora pareça existir um “continuum” entre essas duas fases da vida dos médicos — como estudante ainda desenvolvendo habilidades e como especialista no exercício diário daquelas habilidades —, há, sem dúvida, diferenças cruciais nos caminhos para a proficiência profissional. Em princípio, destacamos que ao estudante geralmente é dito o que aprender, mas ao médico se exige que seja responsável pelo direcionamento do aprendizado que deverá realizar durante toda a vida (2). Vários estudos demonstraram que as formas de atualização médica tradicional (seminário, congresso, cursos específicos, discussão de casos, etc.) apresentam questionamentos em sua eficácia. Contrário ao aparente bom senso, fatores regulatórios junto aos órgãos governamentais e outros, como dispensa para participação em congressos, jornadas, cursos de atualização, etc., têm tido pequeno impacto.(3) Mas um ponto se destaca: o desejo do médico de ser mais competente em sua prática clínica é o fator motivacional mais importante no aprendizado e na atualização do conhecimento. A força motora na manutenção da competência através de décadas de vida profissional é, sem dúvida, a satisfação que esses médicos têm em exercer uma prática adequada, concomitantemente ao melhor conhecimento científico. Nesse cenário, é compreensível que aqueles médicos cujas práticas se encontram muito abaixo do padrão recomendável se constituam no maior desafio. Assim sendo, o que fazer? Há a idéia geral de que as escolas de Medicina e as sociedades médicas devam aperfeiçoar suas competências educacionais e elevar a qualidade da educação ministrada.

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Além disso, faz-se necessário que os programas de educação continuada estejam vinculados ao local de trabalho, inclusive em sintonia com as atividades mais freqüentes e os instrumentos disponíveis naquele ambiente. Todavia, sabe-se que um número razoável de médicos se encontra à margem dos esforços que as entidades médicas fazem para propiciar aos afiliados informação atual e de qualidade. Outro aspecto relevante é que cada vez mais os médicos trabalham com outros profissionais de saúde. Essa situação cria um ambiente complexo para o sistema de aprendizagem e tem reflexo em como desenvolver um programa adequado de educação continuada. Nesse contexto, surgiu, em vários países, quer por iniciativa das organizações médicas quer por demanda da sociedade civil, a demanda pela avaliação da qualificação médica de modo contínuo. Não se pode olvidar que várias circunstâncias sociais contribuíram para que a expectativa de atualização dos médicos se tornasse, em várias partes do mundo, manchetes de jornais e outras mídias. Os avanços das ciências biológicas e, por extensão, também da área médica originaram uma exigência por resultados cada vez mais espetaculares. O resumo da história é que ocorreu o aumento da denúncia de erro médico e de má prática. A reação é conhecida. Nos países com melhor desenvolvimento econômico e social e com tradição de cidadania, as entidades médicas passaram a discutir como tornar mais eficiente o processo de atualização profissional(4). Deveria continuar voluntário ou deveria tornar-se obrigatório? A mancha dos acontecimentos pende para a comprovação compulsória da atualização dos conhecimentos. É o que discutiremos a seguir. LICENCIAMENTO, CERTIFICAÇÃO E RECERTIFICAÇÃO De maneira paulatina, seja em função da forma como os serviços médicos se organizam seja em função da maior ou menor influência das corporações no controle do número de graduandos ou de especialistas, há uma tendência universal de controle cada vez mais rigoroso da capacitação dos egressos dos cursos médicos(5). Nos países de tradição anglo-saxônica, há uma inequívoca postura de avaliação pré-entrada no mercado de trabalho. Em curso há várias décadas, geralmente é realizada por organismo que se constitui com essa finalidade e independência das instituições médicas(6). Se considerarmos que naqueles países já existe uma experiência de avaliação da qualidade, quer porque existe fiscalização governamental quer

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porque sejam usuais as instituições realizarem exames no final dos curLUNA FILHO B sos, essa forma de avaliAvaliação da ação externa se consubscompetência médica – tancia numa garantia que reflexão crítica fatores objetivos, e não outros, tenham participação importante nos resultados. Particularmente no Brasil, vivemos no pior dos mundos: não há fiscalização governamental, não há avaliação terminal nas escolas de Medicina e não há, muito menos, avaliação externa por organismo independente. E, para complicar, não há uma cultura de avaliação dentro das escolas médicas. Nestas, após os estudantes cursarem as matérias básicas, raramente há avaliação adequada e rigorosa durante o período de treinamento das disciplinas clínicas e cirúrgicas. Em conseqüência desses fatos, a “European Union of Medical Specialist” e o “Standing Committee of European Doctors” enfatizam a adoção de programas de educação médica continuada voluntários entre seus membros, com a argumentação de que os médicos têm obrigação tanto moral como ética de se manter atualizados. (7, 8) Não obstante isso, em 2000 o governo inglês aprovou lei no parlamento tornando obrigatório tanto o licenciamento dos recém-graduados como a recertificação dos especialistas e nãoespecialistas a cada cinco anos, sob penas de perderem o registro profissional se não ficar comprovada a atualização profissional. Ressalte-se que as condições ideais de trabalho e acesso à informação não são garantia de que os médicos voluntariamente se manterão atualizados. Por exemplo, na Dinamarca, apenas 70% dos médicos inscrevem-se voluntariamente nos Programas de Educação Médica Continuada (3, 9). Nos Estados Unidos, a maioria das especialidades emite o título de especialista por período limitado de tempo. No Canadá, há obrigatoriedade da recertificação e a Universidade de MacMaster tem primado pelo desenvolvimento de programas de competência com base no aprendizado em pequeno grupo e em situações clínicas.(10) De maneira geral, o que se observa nos países em que há o sistema de recertificação é que o mesmo se fundamenta na documentação de participação em atividade formal de educação. A contrapartida da avaliação individual, ou em tempo real, tipo programa de auditoria no consultório ou no hospital,

ainda é exceção pelas razões óbvias: custo e tempo. AVALIAÇÃO É NECESSÁRIA Existe uma expectativa do público leigo em relação à prática médica, que está, intrinsecamente, relacionada à credibilidade dos médicos. Por conseguinte, a competência não pode ser apenas presumida, mas é necessário que seja avaliada de maneira objetiva. Nesse diapasão, na Inglaterra, o “Royal College of General Practitioner” distingue entre competência clínica – o que o médico pode fazer – e desempenho clínico – o que ele realmente faz. Dessa maneira, define competência como uma combinação de conhecimento, habilidade e atitude, que, quando aplicados em uma situação particular, conduz a um determinado resultado. Vale ressaltar que, refletindo sobre o tema da competência, Miller(11) descreve quatro estágios: começa pelo “saber”, progride pelo “saber como” e pelo “mostrar como”, e culmina pelo “fazer”. O desempenho, assim, depende do contexto em que o médico trabalha com todas essas habilidades. Embora possa não ser simples caracterizar um bom médico, é razoável exigir, em respeito às expectativas dos paciente e familiares, que a certificação dos estudantes de medicina e a recertificação dos médicos sejam comparáveis, do ponto de vista funcional, à carteira de motorista, que, de tempos em tempos, tem que ser revalidada. Assim sendo, tanto os egressos do curso médico deveriam se submeter a uma avaliação antes da obtenção da licença para o exercício profissional como os médicos, em geral, deveriam também ser reavaliados pelo desempenho durante o tempo de prática(12). Esta última situação contemplaria análise em forma de auditoria de

Tabela 1. Aspectos relevantes. – Os programas tradicionais de Educação Médica Continuada apresentam eficácias questionáveis. – As Escolas e as Associações Médicas necessitam aperfeiçoar suas competências educacionais para prover Educação Médica Continuada de alta qualidade. – O fator mais importante nas mudanças de conduta médica e na aquisição de novos conhecimentos e habilidades é o compromisso pessoal em ministrar cuidados de alto nível. – A Educação Médica Continuada deve atender a necessidade do médico e basear-se não apenas em auto-avaliação ou aulas formais, mas também em avaliação externa e objetiva.

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LUNA FILHO B Avaliação da competência médica – reflexão crítica

prontuário em consultório/hospital bem como atividades educacionais formais que incluíssem programa estruturado e objetivo de situações clínicas freqüentes naquela especialidade ou área de atuação.

Indubitável que não há forma de avaliação perfeita, mas isso não é justificativa para não se fazer nenhuma avaliação. Imprescindível é que o médico saiba combinar sua habilidade clínica individual com as melhores evidências científicas em benefício dos pacientes. Utilizar as melhores evidências científicas é um condicionante ético da maior relevância, sendo fundamental que sejam consideradas em todos os estágios da educação médica.

ASSESSMENT OF MEDICAL COMPETENCY – CRITICAL EVALUATION BRÁULIO LUNA FILHO The exponential development of the human knowledge has increased the importance of the continuing medical education and has stimulated discussion about the possible strategies. The scientific evidence points out that the traditional approaching revealed insufficiency to fulfill the goals to inform and generate changing in the behavior and in the acquisition of new skills to the medical practice. Despite of diverse approaching, the most relevant aspect is a worldwide tendency to certification and recertification of the medical professionals. The advance of new technologies and social demand for efficient and better medical care also increased the pressure for medical competency. In this scenario, the Medical Associations and governmental offices both recently requested that medical specialists attend educational program in regular period of time. Key words: continuing medical education, competency, certification, recertification. (Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;4:301-5) RSCESP (72594)-1543

REFERÊNCIAS 1. Sacket DL, Richardson WS, Rosenberg W, Haynes RB. Evidence-based medicine. How to practice and teach EBM. New York: Churchill Livingston; 1997. 2. Slotnik HB. How doctors learn: the role of clinical problem across the medical school-to-practice con-

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tinuum. Acad Med. 1996;71:28-34. 3. Holm HA. Quality issues in continuing medical education. Br Med J. 1998;316:621-4. 4. Leung WC. Competency based medical training: review. Br Med J. 2002;325:693-5. 5. Norman GR, Davis DA, Lamb S, Hanna E, Caulford P, Kaigas T. Competency assessment of primary care physicians as part of peer review pro-

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gram. JAMA. 1993;270: 1046-51. 6. Bashook P, ParboosinLUNA FILHO B gh J. Recertification. Br Avaliação da Med J. 1998;316:545-8. competência médica – 7. European Union of Gereflexão crítica neral Practitioners (UEMO) Declaration on Continuing Medical Education. In: European Union of General Practitioners Reference Book 1995/96. London: Kensigton Publications; 1996. 8. European Union of Specialist Doctors (UEMS). Charter on continuing medical education of medi-

cal specialists in the European Union. Brussels: UEMS; 1994. 9. Berwick DL, Enthoven A, Bunker JP. Quality management: the doctor’s role – II. Br Med J. 1992;304: 304-8. 10. Manning PR, Clintworth WA, Sinopli LM, Taylor JP, Krochalk PC, Gilman NJ, et al. A method of self-directed learning in continuing medical education with implications for recertification. Ann Intern Med. 1987;107:909-13. 11. Miller GE. The assessment of clinical skills/competence/performance. Acad Med. 1990;65:563-7. 12. Caraccio C, Wolfsthal SD, Englander R, Ferentz K, Martin C. Shifting paradigms: from Flexner to competencies. Acad Med. 2002;77:361-7.

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A ESPECIALIZAÇÃO PROFISSIONAL FERREIRA JFM e col. A especialização profissional

JOÃO FERNANDO MONTEIRO FERREIRA, MIGUEL ANTONIO MORETTI Instituto do Coração (InCor) – HC-FMUSP Endereço para correspondência: Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44 – Cerqueira César – CEP 05403-900 – São Paulo – SP

A especialização médica tornou-se necessária em decorrência dos inúmeros avanços no conhecimento das doenças e da aquisição de novas técnicas, o que repercute tanto no diagnóstico como na terapêutica. Entretanto, o tempo demonstrou que não se pode deixar de lado a formação básica, e que a capacitação profissional deve ser encarada de forma séria e continuada. O título de especialista é fornecido seguindo regras explícitas dos Conselhos Regional e Federal de Medicina, por meio da Associação Médica Brasileira, esta vinculada às sociedades de especialidades. Serve como comprovação para a sociedade civil da qualificação do profissional médico em determinada especialidade, sendo válido apenas quando registrado no Conselho Federal de Medicina. A revalidação do título de especialista é um tema atual, tendo como finalidade o estímulo à educação continuada, sendo uma ferramenta de comprovação do esforço desse profissional para manter-se atualizado e, portanto, preparado para oferecer a seus pacientes o que a medicina tem de mais atual. Palavras-chave: título de especialista, revalidação, especialização, educação médica continuada. (Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;4:306-10) RSCESP (72594)-1544

INTRODUÇÃO

CAPACITAÇÃO E HABILITAÇÃO

As habilidades e os conhecimentos específicos são cada vez mais exigidos e aprofundados sobre um determinado assunto ou tema em todas as áreas profissionais. O processo de aperfeiçoamento e especialização implica a reestruturação da formação inicial e continuada do profissional, acarretando aspectos negativos e positivos como resultado desse processo. Apesar de próximos, os conceitos de formação, capacitação e habilitação são diferentes, sobretudo no que se refere aos aspectos legais. No presente artigo destacaremos a importância de cada um desses aspectos que envolvem o processo de especialização.

Antes de a medicina adquirir a atual velocidade de aquisição de novos conhecimentos e técnicas, a formação profissional seguia a seqüência: curioso (admirador), talento, prática, amador e, por fim, profissional. Atualmente esse processo vem se aprimorando e levando à necessidade de métodos mais profissionais e técnicos envolvendo educação e formação. Esse processo deve, naturalmente, ser geral no primeiro momento e só depois específico. Quando se prioriza exclusivamente a formação específica restringe-se muito o campo de atuação e de habilidades para enfrentar a diversidade de doenças e de doentes, o que acaba criando a figura do profissio-

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nal setorizado, que não consegue abordar seu paciente de forma geneFERREIRA JFM e col. ralista. Algumas vezes, A especialização essas áreas técnicas profissional acabam por se desenvolver demais e geram uma nova profissão, que também irá depender de uma formação geral seguida de outra específica. O profissional médico interage diretamente com o paciente e o sistema, cada um com exigências diferentes pertinentes a sua realidade. O paciente cobra eficiência, postura, dedicação e, sobretudo, resultados, que correspondam a suas expectativas. Já o sistema espera cumplicidade com os aspectos sociais e econômicos, além de, especificamente na área médica, outro tipo de cobrança muito forte, personificado no código de ética médica. Dessa forma, a formação e a unificação do conhecimento médico, além do ensino do conhecimento, envolvem também a postura. A faculdade sempre deve prover o conhecimento técnico, mas deve atuar também na formação do caráter e na formação pessoal. Assim, os cursos de graduação são responsáveis pela formação integral do médico, ou seja, pela sua capacitação profissional. As entidades de classe e os órgãos profissionais são responsáveis pela habilitação profissional, de forma que o Conselho Federal de Medicina (CFM) e suas regionais são responsáveis pela fiscalização ética da profissão e também pela habilitação para exercer a profissão. Atualmente, todo médico capacitado em faculdade de medicina reconhecida pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC) recebe diretamente do Conselho Regional de Medicina (CRM) a habilitação para exercer a atividade profissional, sem a necessidade de se submeter a qualquer outro tipo de avaliação. Nesse contexto, vem aumentando a discussão sobre o papel da implantação de um exame de habilitação específico após a graduação, como o já existente na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), com o objetivo de garantir para a sociedade a qualidade técnica desse profissional para o exercício da medicina.

de Duke apresentou os dados do estudo CRUSADE (“Can Rapid Risk Stratification of Unstable Angina Patients Suppress Adverse Outcomes with Early Implementation of the ACC/AHA Guidelines”). Realizado com mais de trinta mil pacientes portadores de síndrome coronária aguda atendidos nas várias unidades de emergência participantes do estudo, foram avaliados alguns parâmetros como mortalidade hospitalar, evolução para infarto e outras complicações decorrentes da síndrome coronária aguda ou de seu tratamento. Esses parâmetros foram comparados entre os pacientes atendidos por cardiologistas e por outros médicos não-cardiologistas. Observou-se que as taxas de mortalidade (3% vs. 6%), de evolução para infarto (3% vs. 4%), de insuficiência cardíaca (8% vs. 14%), de acidente vascular cerebral (0% vs. 1%) e de tempo de internação (4 dias vs. 5 dias) foram significativamente menores nos pacientes atendidos por cardiologistas. Com a modernização da sociedade e o aumento de seu acesso ao conhecimento e à tecnologia de ponta, o mercado de trabalho exige correspondente capacitação e qualificação cada vez maior dos profissionais. O conhecimento torna-se cada vez maior e mais específico, e o fenômeno da globalização facilita seu acesso, exigindo maior dedicação e mais tempo para o aprendizado. Por exemplo, nos últimos dez anos, foram publicados mais de 1.200 artigos clínicos originais (só com seres humanos) sobre infarto agudo do miocárdio, o que tornaria necessária a leitura de pelo menos um artigo a cada dois dias para que os médicos se atualizassem em “tudo” do infarto do miocárdio. Apesar da indiscutível necessidade da especialização, o mercado ainda exige que esse profissional continue a conhecer e a atuar sobre os aspectos básicos e gerais inerentes a sua profissão, garantindo a abordagem global do atendimento ao paciente. Entretanto, as vantagens auferidas pela superespecialização podem desaparecer em situações como da perda de um emprego, levando esse profissional a trabalhar em tarefas que não condizem com sua formação ou especialidade, caracterizando o chamado ônus da recolocação. As especializações são alcançadas nos cursos de pós-graduação, sendo a chamada Residência Médica a forma mais conhecida.

ESPECIALIZAÇÃO TÍTULO DE ESPECIALISTA Durante congresso do “American College of Cardiology” (ACC), em 2003, um grupo da Universidade

O título de especialista não pretende definir se um

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médico pode ou não executar determinada função. Para os Conselhos FERREIRA JFM e col. Federal e Regional de A especialização Medicina, essa titulação profissional serve como referência para veiculação da informação. Um médico recém-formado pode realizar qualquer procedimento médico, mas só poderá anunciá-lo se for portador do Título de Especialista. Poderá atender pacientes cardiopatas, mas não pode se identificar como especialista em doenças cardíacas pelo seu cartão de visitas, receituário ou outro veículo de identificação sem ser portador do título. Ou seja, o título não coíbe o exercício da profissão, ele regula a divulgação da habilidade do médico em executar determinada função. Quem habilita o médico é o órgão de classe, mas quem certifica ou credita é a instituição que regulamenta a profissão e a formação. Essa creditação para a especialização era fornecida pela Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM), a qual credenciava os serviços formadores de especialistas mediante normas e regulamentações. Entretanto, recentemente, as Sociedades de Especialidades, vinculadas e sob orientação da Associação Médica Brasileira (AMB), também passaram a expedir certificados de especialista registrados pelo CRM. A obtenção do Título de Especialista é uma via cada vez mais utilizada e prestigiada, a ponto de a maioria dos que fazem residência médica também procurarem as Sociedades Especializadas para adquirir o Título de Especialista. O número crescente de médicos no mercado de trabalho somado às exigências mais específicas dos usuários estão forçando esse fato. Outro importante fato impulsionador seria a escassez de centros formadores de especialistas, impedindo que todos os médicos graduados possam realizar sua especialização. Segundo dados do CNRM, divulgados em 2002, o Brasil possuía 74 centros formadores com o reconhecimento de residência médica. A maioria desses centros localiza-se na região Sudeste (62,1%), seguida da região Sul (16,2%) e, por fim, das regiões Nordeste e CentroOeste (10,8% cada). Esses centros contam, no geral, com apenas 294 vagas para R1 (primeiro ano de residência), 272 vagas para R2, 81 vagas para R3 e 5 vagas para R4.

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ÁREA DE ATUAÇÃO A formação geral do indivíduo é a base para uma boa especialização; entretanto, deve-se ter cuidado na criação e na regulamentação dos cursos de especialização para se evitar a criação de novas profissões. A área de atuação representaria uma subespecialidade dentro da especialidade, como, por exemplo, o cardiologista pediátrico, que é uma área de atuação dentro das especialidades de cardiologia clínica e pediatria. Nesse caso, é uma mesma área de atuação vinculada de comum acordo com duas especialidades. Recentemente a comissão mista de especialidades (CNRM, AMB e CFM) divulgou a lista atualizada de especialidades e de áreas de atuação. Na realidade, não existe restrição à atividade médica quando se fala em título de especialista, já que qualquer médico portador de registro em um conselho regional de medicina pode exercer atividade médica. Assim, a titulação tem papel de demonstrar a qualificação desse profissional perante a sociedade, autorizando-o a divulgar sua especialidade ou área de atuação. Atualmente, é permitido registrar, nos conselhos regionais de medicina, apenas duas especialidades. Existe discussão quanto à regulamentação da especialização e do novo conceito da revalidação, e à adoção de uma ferramenta, como a criação da ordem dos médicos, que possa regular a habilitação de forma compatível com a capacitação e definir o ato/procedimento médico com os órgãos competentes e fiscalizadores, seja na esfera societária/profissional seja na esfera jurídica. Fica evidente, portanto, a necessidade de se criar regras que definam e regulamentem formação, capacitação e qualificação profissional. Projetos de lei nos âmbitos federal e estadual, envolvendo a comissão mista de especialidades (CNRM, AMB e CFM), tratam da revalidação do título como o foco principal de estímulo para a educação continuada. Outros projetos viabilizam a criação da Ordem dos Médicos ou regulamentam o Ato Médico. REVALIDAÇÃO DO TÍTULO DE ESPECIALISTA As informações médicas modificam-se com muita rapidez, as novidades são grandes e a medicina é uma das áreas de maior crescimento. A revalidação periódica dos títulos de cardiologia é uma tendência mundial, sendo obrigatória em países como Portugal e tendo início este ano na Inglaterra. Na maioria dos países, o intervalo adotado é de cinco anos, com cré-

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ditos obtidos em participação em congressos e cursos.O princípio básico FERREIRA JFM e col. da revalidação é fazer A especialização com que o médico se atuprofissional alize e possa se aprimorar por meio do estudo continuado. Em nosso meio, a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) foi uma das pioneiras em instituir tanto o Título de Es-

pecialista como sua revalidação. O Título de Especialista em Cardiologia fornecido pela SBC e aprovado pela AMB já existe desde a década de 80, tendo sido aprimorado e valorizado nesses últimos anos graças aos esforços de sua comissão. A revalidação, após muito se discutir, passou a vigorar em nossa sociedade desde 2000, fato que valorizou a cardiologia brasileira no cenário mundial. Por medida de resolução do CFM, desde o dia 2 de abril de 2005 a revalidação tanto do título de especialista como da área de atuação passa a ser obrigatória para todas as especialidades.

THE PROFESSIONAL SPECIALIZATION IN CARDIOLOGY JOÃO FERNANDO MONTEIRO FERREIRA, MIGUEL ANTONIO MORETTI Medical specialization is more and more necessary due to the increasing knowledge of diseases and to the endless number of advances in technology, both in therapeutic and diagnostic spheres. But the basic education can not be left aside. The rules should be adequated and the professional qualification should be faced in a grave form. The title of specialist is provided according to the rules of the Regional and Federal Medicine Councils, throughout the Brazilian Medicine Association linked to the societies of specialties. The title of specialist is an evidence to the society of the rating of a professional of health in one of the specialties, and it has to be validated close to the Federal Medicine Council. The revalidation of the title of specialist is a present issue, aiming to stimulate the continuous medical education as well as being an instrument to confirm the efforts of the professional of health addressed to his updating, allowing him to offer to his patients the most updated medicine. Key words: continuous medical education, specialization, Cardiology Certificate, re-certificate. (Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;4:306-10) RSCESP (72594)-1544

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LEITURA RECOMENDADA

FERREIRA JFM e col. A especialização profissional

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1. Resolução CFM 1.755/ 04. 2. Jornal do CFM. 2005; XX(154):21. 3. Jornal do CFM. 2004; XX(152):11.

4. Jornal do CREMESP. 2005;213:5-7. 5. Jornal do CREMESP. 2005;210:10. 6. Jornal do CREMESP. 2004;199:2-11. 7. Revista da APM. 2004;547:14-8. 8. Diretrizes para Obtenção do Título de Especialista em Cardiologia. 9. Estudo CRUSADE. 10. Código de Ética Médica.

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CURI JCM Defesa Profissional nas Sociedades de Especialidades Médicas

DEFESA PROFISSIONAL NAS SOCIEDADES DE ESPECIALIDADES MÉDICAS JORGE CARLOS MACHADO CURI Disciplina de Cirurgia do Trauma – UNICAMP Associação Paulista de Medicina Hospitais Irmãos Penteado e Samaritano – Campinas – SP CREMESP Endereço para correspondência: Rua Antonio Fálcaro, 106 – Condomínio Arboreto dos Jequitibás – CEP 13105-652 – Campinas – SP Honorários justos e condições adequadas para o exercício da Medicina são apenas duas das vertentes da Defesa Profissional. Estar vigilante quanto às pressões que ferem a autonomia profissional, organizar serviços jurídicos contra a indústria do erro médico e lutar por justiça tributária, pela regulamentação da profissão e por recursos para a saúde também são pontos fundamentais à defesa do médico. Palavras-chave: diretrizes, tributos, Lei do Ato Médico, defesa profissional, CBHPM, defesa jurídica. (Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;4:311-4) RSCESP (72594)-1545

Para pensar como deveria ser o perfil da ação de Defesa Profissional de uma Sociedade de Especialidade Médica, obrigatoriamente temos de refletir sobre as últimas avaliações do médico brasileiro em relação à profissão. O livro “O Médico e o seu Trabalho”, publicado em 2004 pelo Conselho Federal de Medicina, traz várias novas informações sobre a nossa profissão e que já vinham sendo sinalizadas desde o levantamento anterior, de 1996. Fica claro, por esses dados, que nossa classe médica, em sua quase totalidade, se encontra trabalhando na própria medicina (98%). No entanto, é crescente o número de colegas que exercem atualmente múltiplas atividades (28%) na profissão. Os médicos têm protagonizado uma autêntica ciranda de ocupações nos diversos setores empregatícios: consultório, privado, público, filantrópico e docente. Isso sem falar que aproximadamente 10% possuem algum tipo de trabalho fora da Medicina. É patente a preocupação dos médicos em garantir seu sustento enquanto gozam de saúde tanto física como mental,

diferentemente de outras profissões em que, com o avançar dos anos, o cidadão tem certeza de contar com uma aposentadoria digna. A maior parte (52%) atua em plantões, dos quais 64% de forma presencial. Esse quadro reflete bem o desgaste da profissão referido por 58% deles. O achatamento da renda mensal é evidente, pois na pesquisa anterior os que recebiam até US$ 2.000,00 representavam cerca de 45% e agora somam 52%. Já os que recebiam acima de US$ 4.000,00 eram 19% e agora são cerca de 9%. Esse quadro se reflete na insatisfação com sua vida relatada por um terço dos médicos, embora, como os dados demonstram, quase todos permaneçam nela e a maior parte (dois terços) se diz satisfeito. Somado a esse sombrio perfil de mercado, aparece a necessidade de atualização que nossa profissão exige continuamente e a dificuldade que grande parte dos colegas tem para freqüentar congressos ou se ausentar de suas atividades. É também relevante considerar

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na área privada a enorme restrição de que os médicos se queixam em relaCURI JCM ção à liberdade de fixação Defesa Profissional de honorários (84%), à dinas Sociedades de minuição da autonomia Especialidades Médicas profissional (78%) e à reduzida liberdade de escolha para o paciente (52%). Quase 40% dos colegas são contrários ao atendimento de planos de saúde e outros 40% são pouco favoráveis; no entanto, a maioria sabe da necessidade de se manter o atendimento por esses planos. É evidente, portanto, que almejam a mudança da postura negativa dos mesmos em relação à classe e aos pacientes. Não há dúvida de que existe enorme expectativa em relação à atuação de uma central reguladora, ou central de convênios, que iniba essa ação predatória e favoreça atendimento adequado, além de honorários dignos. Na área pública – em que pese algum avanço no atendimento do Programa de Saúde da Família (PSF), no qual os médicos têm atualmente valorização um pouco melhor –, é extremamente necessário que se crie um adequado plano de cargos e salários, condizente com a respeitabilidade e a complexidade da profissão, para que esse segmento fundamental não seja encarado apenas como “bico”. A tudo isso se acrescenta, ainda, a ação extremamente oportunista de empresas que gostariam que ocorresse, em nosso meio, a proliferação da “indústria do erro médico”, com processos envolvendo quantias fabulosas. É necessário considerar, ainda, os conceitos trazidos pelo Código de Defesa do Consumidor, que podem deturpar a boa relação médico-paciente, que já passa por interrogações em decorrência dos grandes avanços tecnológicos, diagnósticos e terapêuticos da Medicina, que nos ajudam a salvar vidas, mas que também criam falsas ou fantasiosas expectativas e aumentam a dificuldade de a sociedade moderna entender a Medicina como uma ciência de meio e não de fim. Outra dificuldade que os médicos têm, e que se apresenta de forma sempre progressiva, diz respeito a como montar e gerir seu consultório ou seu “negócio” e sua vida contábil e financeira, pois, aturdido com a necessidade de ter múltiplos empregos e ocupações, e sem o devido preparo, acaba sendo vítima freqüente de questões burocráticas e trabalhistas, tributárias ou até mesmo de manutenção de sua estrutura de trabalho. Com a dificuldade de recebimentos de planos de saúde e com a somatória de gastos para manter o consultório e, eventualmente, uma variedade de procedimentos com diferentes custos, como material, medicamentos, salários, impostos, etc., suas atividades podem

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acabar sendo inviabilizadas. Assim, um Departamento de Defesa Profissional de uma Sociedade de Especialidade, se quiser realmente atuar em toda a extensão da defesa do trabalho de seus associados, deve desenvolver ações em todas essas situações e ter estrutura para isso ou realizá-las em parceria com outras entidades. Não há dúvida de que existem inúmeras vantagens e conveniências para que essas ações sejam empreendidas de maneira associada ou em sintonia com a Associação Paulista de Medicina (APM), com a Associação Médica Brasileira (AMB) e outras entidades médicas (Conselhos Regional e Federal de Medicina e Sindicatos), e, ainda, com todas as inúmeras instituições que têm relacionamento às vezes vital com as especialidades, como as de ensino, caso das Faculdades de Medicina, a Associação Brasileira de Ensino Médico (ABEM) ou as Comissões Estadual e Nacional de Residência Médica, entidades hospitalares (como o Sindicato dos Hospitais do Estado de São Paulo – SINDOSP), entidades representantes de planos de saúde e medicina privada, representantes da saúde pública nos vários níveis, de defesa do consumidor (como a Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor – Procon), jurídicas (como a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB), e outras. Dentre essas ações em parceria com as entidades médicas, convém realçar as mais importantes do momento, que são a implantação da Classificação Brasileira Hierarquizada de Procedimentos Médicos (CBHPM), que, como o próprio nome diz, refaz a hierarquização de aproximadamente quase cinco mil procedimentos médicos, dos quais quase mil são novos. Esse trabalho foi realizado por iniciativa da AMB, junto com as demais entidades médicas nacionais (Conselho Federal de Medicina – CFM e representações sindicais) e as sociedades de especialidades médicas, por meio de um trabalho totalmente técnico realizado pela Fundação Instituto de Pesquisa Econômica da USP (FIPE), de forma inédita, interagindo com todas as especialidades e tornando a CBHPM uma referência absolutamente coerente e única e que, portanto, pode ser adotada tanto pelo sistema suplementar como pelo Sistema Único de Saúde (SUS), pela legitimidade e pela coerência em sua arquitetura. É lógico que um trabalho de tal envergadura pode e deve ser continuamente revisado para se manter atual e corrigir distorções. Neste último ano, as entidades médicas e as sociedades de especialidades estiveram envolvidas em um movimento que, de maneira inédita, mobilizou os médicos de praticamente todo o país na luta por sua implantação. Tão importante é sua adoção que se tornou uma resolução do CFM e existe um projeto de lei tramitando no Congresso Nacional (autoria do deputado Inocêncio de Oliveira e relatoria do deputado Rafael Guerra) para sua legítima adoção em todo

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o território nacional. Espera-se que o Ministério da Saúde e a AgênCURI JCM cia Nacional de Saúde SuDefesa Profissional plementar (ANS) tenham nas Sociedades de sensibilidade e determinaEspecialidades Médicas ção suficientes para encaminhar a implantação da CBHPM. E ainda para viabilizar uma contratualização adequada entre prestadores e planos de saúde, o que não foi conseguido pela regulamentação dos planos de saúde (Lei 9656-98). Aliás, uma lacuna que tem sido péssima tanto para médicos como para pacientes. Infelizmente o poderoso “lobby” das operadoras de planos de saúde tem se mostrado sempre presente no sentido de tentar impedir esse importante avanço que seria a aprovação da CBHPM e sua implantação para a devida regularização da atividade médica e para o benefício dos pacientes. Outra ação muito importante que vem sendo desenvolvida e merece todo empenho em sua ampliação é o Projeto Diretrizes, coordenado pela AMB em conjunto com o CFM e as sociedades de especialidades médicas. O projeto traz as melhores indicações, por intermédio da Medicina Baseada em Evidências, para o diagnóstico e o tratamento das diversas doenças, norteando os médicos a como melhor utilizar os milhares de procedimentos disponíveis atualmente. Isso é fundamental, tanto no contexto público como no privado, já que os recursos são poucos e precisam ser bem aproveitados. Além do mais, esse trabalho, que deve ser ampliado, poderia ser estendido inclusive com a participação das próprias empresas de planos de saúde, que poderiam sinalizar quais os procedimentos de maior freqüência e sua repercussão. Isso, de alguma forma, já vem sendo feito. Como prioridade, também no que tange à Defesa Profissional e em resposta aos processos contra os médicos e que podem ser de ordem ética, penal ou civil, é estratégico que se estruturem serviços jurídicos, no sentido de prontamente planejar e realizar a defesa dos médicos que simplesmente ficam atordoados e sem ação quando algo desse tipo lhes ocorre. E, nesse momento, é necessário calma e profissionalismo. Obviamente não pensamos em fazer seguros coletivos para a classe, mas sim assegurar uma excelente defesa e tranqüilidade para realizá-la com compe-

tência quando algo inesperado ou infeliz ocorre. Certamente, não se pode proibir ninguém de fazer os seguros, e cada colega e cada especialidade devem analisar sua situação particular, mas a impressão das entidades médicas, e em especial da APM e suas regionais, que possuem um serviço de defesa para todos os seus associados no contexto do “Erro Médico”, é de que ter o seguro em larga escala significa exatamente fazer o que as empresas oportunistas querem, multiplicando assim as ações e seus valores. Finalmente é necessário referir, como uma das maiores prioridades de Defesa Profissional, a campanha nacional pela aprovação do projeto de lei do Ato Médico (PL 25-2002), que regulamenta a profissão médica. É curioso que a Medicina, a mais antiga das profissões da Saúde (aproximadamente com 2.700 anos), seja praticamente a última a procurar sua regulamentação e que exista tanta resistência para que ela ocorra. No entanto, é fundamental que aconteça rapidamente, pois temos a obrigação de esclarecer a sociedade sobre o papel de cada profissional e o melhor que cada um pode fazer pelos pacientes, inclusive de forma integrada. Como um dos pilares de nossa sociedade, de nossa constituição e do próprio SUS, não podemos fazer discriminações e ter dois tipos de Medicina, uma para os que podem e outra para os que não podem, como, por exemplo, nas Casas de Parto, em que atendimentos temerários podem ocorrer pela não presença imediata do médico. É muito importante, portanto, que todos os médicos se empenhem com todas as pessoas de sua relação e com seus deputados para que o projeto de lei do Ato Médico seja aprovado. Felizmente está se consolidando o conceito da necessidade de se formar o médico com muito humanismo e que com muita sensibilidade usa toda sua capacidade para ouvir, observar e examinar seu paciente, e assim determinar qual a melhor opção de diagnóstico e de terapêutica para o mesmo, sem exagerar na utilização de métodos auxiliares. É fundamental que estejamos continuamente reafirmando e defendendo esse conceito, pois isso significa a proteção da essência da Medicina, desde os insuperáveis princípios deixados por Hipócrates, e a defesa de nossos pacientes e também nossa, pois perder isso seria igualar nossa espetacular e milenar profissão a um simples comércio entre cliente e prestador de serviço, o que ninguém quer, a não ser oportunistas que não enxergam a dimensão da Medicina ou que querem fragilizar a relação médico-paciente ou manipulá-la segundo seus interesses.

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CURI JCM Defesa Profissional nas Sociedades de Especialidades Médicas

MEDICAL SPECIALIST ASSOCIATION AND PROFESSIONAL DEFENSE JORGE CARLOS MACHADO CURI To fight for fair remuneration and for adequate conditions for the exercise of the Medicine are only two of Professional Defense actions. To be vigilant on the pressures that wound the professional autonomy, to organize legal services against the medical error industry, to fight for tributary justice, for the regulation of the profession, for better resources for health care, among other points, also are basic to the defense of the doctor. Key words: guidelines, taxes, medical performance, laws. (Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;4:311-4) RSCESP (72594)-1545

LEITURA RECOMENDADA 1. CBHPM. Associação Médica Brasileira, 2003. 2. Código de Ética Médica – Conselho Regional de Medicina, 1988. 3. Estatuto da Associação Paulista de Medicina, 2004. 4. Estatuto da Sociedade de Medicina e Cirurgia de

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Campinas, 2001. 5. Projeto Diretrizes – Associação Médica Brasileira 2003/2004. 6. Regimento do Departamento de Defesa Profissional – APM – Jaú. 7. Manual de Ética e Defesa Profissional – Sociedade Brasileira de Pediatria.

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O ATO MÉDICO EM CARDIOLOGIA E VILA JHA O ato médico em Cardiologia e suas interfaces

SUAS INTERFACES JOSÉ HENRIQUE ANDRADE VILA Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo Câmara Técnica de Cardiologia CREMESP Endereço para correspondência: Av. Paulista, 2073 – Ed. Horsa I – 15º andar – sala 1512 – Cerqueira César – CEP 01311-300 – São Paulo – SP O cardiologista, clínico por excelência, deve realizar pessoalmente toda a parte inicial de anamnese e exame clínico, por conterem informações freqüentemente de natureza crítica e também porque é nesse momento que se estabelece o bom relacionamento entre médico e paciente, que será de grande valia em futuras decisões que se possam fazer necessárias. No pós-consulta e na reabilitação de maneira geral, o concurso de outros profissionais é desejado, inclusive no âmbito ambulatorial, como será comentado no artigo. Palavras-chave: ato médico, relação médico-paciente, médico e outros profissionais de saúde. (Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;4:315-8) RSCESP (72594)-1546

INTRODUÇÃO O ato médico, que aguarda regulamentação pelo Congresso Federal, explicita, de forma simples e concisa, que o diagnóstico e a orientação terapêutica das doenças permanecem, como há milênios, atribuição exclusiva da classe médica, respeitando-se as interfaces com outros profissionais, como tem sido feito há muitos anos. É preciso que as pessoas compreendam que nossa profissão milenar merece, como as demais, essa regulamentação, até porque ela é necessária. Lembramos que há mais de 70 anos consta como crime, no Código Penal Brasileiro, o exercício ilegal da medicina. Dentre as especialidades clínicas, entendemos que na Cardiologia o ato médico atinge toda sua plenitude, ou seja, desde a obtenção da história clínica inicial até os mais sofisticados procedimentos invasivos exigemse argúcia, equilíbrio, experiência e sentido humanístico do profissional médico, que não devem ser delegados a outros profissionais.

Discordamos de práticas correntes em países de Primeiro Mundo, em que as informações da anamnese, cruciais para o raciocínio diagnóstico, sejam obtidas por profissional não-médico, pois isso pode negligenciar sintomas sutis ou levar a dispendiosos e inúteis procedimentos diagnósticos. Características próprias da especialidade, com a gravidade potencial, com risco de morte súbita após sintomas aparentemente inofensivos, exigem do cardiologista grande experiência e adequado preparo, para que já no primeiro contato com o paciente sejam tomadas as providências enérgicas que o caso requer, com o cuidado e a delicadeza necessários, levando em conta a parte psicológica, para evitar situação de pânico entre pacientes e familiares. Somente o profissional médico bem preparado pode conseguir resolver com sucesso essas difíceis situações, tão freqüentes nos consultórios de cardiologistas, como arritmias graves, coronariopatias agudas, pacientes com hipertensão grave ou com descompensação aguda de ventrículo esquerdo. Quantos de nós

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VILA JHA O ato médico em Cardiologia e suas interfaces

já abandonamos o consultório, após o início da consulta, para levar o paciente a um serviço de emergência em nosso próprio automóvel? O PAPEL DO CARDIOLOGISTA

Como já dissemos, consideramos sempre necessário que a história clínica seja obtida pelo médico. Elemento absolutamente crucial para o diagnóstico, apresenta, entretanto, sutilezas que somente ao médico cabe distinguir. Lembramos a ausência de dor precordial típica no caso de isquemia miocárdica grave em pacientes idosos e diabéticos, que podem apresentar os chamados equivalentes anginosos, como tonturas, quadros pré-sincopais, náuseas inexplicáveis, fatigabilidade súbita, etc. Repetimos que, apesar de ser prática corrente em alguns países de Primeiro Mundo, não entendemos como atitude ética ou cientificamente defensável em nosso país delegar a história clínica para profissional não-médico. A quem cabe a distinção entre o relevante e o irrelevante, que evitaria os excessos intoleráveis que às vezes assistimos, se não ao cardiologista? Quadros de cervicobraquialgia à esquerda podem em tudo mimetizar a doença coronária, porém são facilmente esclarecidos com a reprodução dos sintomas, após a palpação das vértebras cervicais. Há muitos anos nosso livro de cabeceira de semiologia cardiovascular, editado por Jules Constant e que recomendamos aos jovens colegas, traz um “checklist” muito útil, porém quando aplicado por médico. O exame físico em Cardiologia permanece como elemento fundamental para a confirmação da suspeita diagnóstica inicial advinda da anamnese e para a complementação de informações para o diagnóstico mais completo possível. Em nenhuma outra especialidade clínica o uso dos sentidos pode trazer tantas informações, até sobre a gravidade da doença, como em Cardiologia clínica. Lembramos a ausculta das valvulopatias mitrais e aórticas e das cardiopatias congênitas, como comunicação interatrial, tetralogia de Fallot e coarctação da aorta, entre outras. Preocupa-nos a possibilidade de a multiplicidade e do alto nível dos exames auxiliares levarem os jovens colegas a negligenciar essa arte, que se consolidou há mais de século, transformando os cardiologistas em propedeutas de excelência. A palpação de todos os pulsos de grandes artérias do pescoço, fúrcula e membros deve ser cuidadosamente feita e anotada, juntamente com as alterações venosas visíveis, além do minucioso exame do precórdio, com inspeção, palpação e ausculta cuidadosas. No

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exame abdominal, entendemos que o cardiologista, além das visceromegalias, também deva se preocupar com a palpação da aorta para detecção de eventual aneurisma de aorta, tão freqüente em tabagistas inveterados. Desnecessário mencionar a importância da propedêutica pulmonar para a distinção entre os quadros de congestão das doenças próprias dos pulmões, freqüentemente confundidas quando se analisam, sem grande experiência, unicamente os dados radiológicos. Delegar a verificação da pressão arterial a outros profissionais é prática freqüente e, a nosso ver, incorreta. Somente o médico tem experiência para a distinção, em particular nos casos de insuficiência cardíaca, dos sons de Korotkoff, bastante apagados nessa condição, e sabe da utilidade de manobras como abrir e fechar a mão do membro em que se verifica a pressão, medida nas posições em pé e sentado e nos membros inferiores. Pior ainda quando, além da verificação da pressão arterial, é delegada também a decisão de medicar ou não o paciente internado, com base naquela medida. Entendemos esse fato como falta ética clara. A verificação da pressão arterial pelo pessoal de enfermagem nos horários indicados é útil para dar ao médico uma visão panorâmica dessa importante variável nas 24 horas, porém não para medicação pontual. Em casos preocupantes, deve constar “frente a tal e qual situação, avisar o médico”. Dos exames auxiliares, entendemos que somente a eletrocardiografia de repouso pode ser realizada por profissional bem treinado, sem a participação física do médico. Todos os outros exames, inclusive e particularmente a ecocardiografia, devem ser realizados pelo médico e/ou devem ser acompanhados em tempo real pelo especialista para que imagens falso-diagnósticas não sejam impressas, levando a laudos incorretos ou, pior ainda, à negligência de dados importantes. A primeira condição ocorreu, como sabemos, na época dos excessos diagnósticos de prolapso da válvula mitral. No teste de esforço, impõe-se a presença do médico em todo o procedimento, pois não são incomuns situações de emergência, que requerem pronta atuação do profissional. No restante dos exames mais especializados e invasivos, a atuação do médico é absoluta. Na terapêutica clínica, no coroamento de toda a jornada conjunta de médico e paciente, a participação daquele é absoluta na cuidadosa confecção da prescrição, com horários e advertências sobre o uso durante ou fora das refeições, possíveis sintomas colaterais, interações medicamentosas desfavoráveis, etc. Aqui, entretanto, o concurso de outros profissionais é bemvindo e passaremos a considerá-lo adiante. A INTERFACE COM OUTROS PROFISSIONAIS É salutar que clínicas cardiológicas de vulto, como

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as dedicadas a insuficiência cardíaca, além das dedicadas a hipertensão arVILA JHA terial e doença coronariaO ato médico em na, por exemplo, possuam Cardiologia e enfermeiras, nutricionissuas interfaces tas, fisioterapeutas, psicólogos e professores de educação física. Os enfermeiros, aliados de primeiro grau da atividade médica, têm importância inegável no pós-consulta: devem reforçar criteriosamente todas as informações da receita, devem dispor das medicações usuais, de preferência os genéricos, para exibir ao paciente, devem organizar métodos de controle de aderência terapêutica, etc. É bastante freqüente o fato de pacientes suspenderem por conta própria o uso de algum medicamento e não terem coragem de informar isso ao médico, por se sentirem envergonhados, mas informam a outro profissional, por sensação de culpa e preocupação. A freqüente agregação de toda a medicação matinal em uma única tomada, feita pelos pacientes, deve ser esclarecida como perigosa, especialmente quando do uso de vários vasodilatadores. Os nutricionistas ocupam hoje papel relevante no apoio ao tratamento dos cardiopatas, não só quanto às técnicas para restrição de sal como também para a abordagem dos difíceis casos de dislipidemia e obesidade. Vícios na técnica culinária, freqüentemente não detectados pelos médicos, são corrigidos por esses profissionais. Os psicólogos, principalmente diante de quadros mais graves, como, por exemplo, candidatos a transplante cardíaco e portadores de transplante cardíaco, são também aliados muito úteis do cardiologista no di-

agnóstico de alterações psicológicas e na detecção de quadros mais graves, que exigem o concurso de psiquiatras, etc. Freqüentemente dados importantes, como o uso de substâncias tóxicas proibidas, são informados ao profissional de psicologia, que se utiliza de técnicas mais sutis, e não ao médico cardiologista. Os fisioterapeutas têm importância fundamental na recuperação de pacientes cardiopatas mais graves hospitalizados, bem como no pós-operatório de cirurgia cardíaca com ênfase na parte respiratória. Muitos casos também podem se beneficiar dos cuidados fisioterápicos ambulatoriais para reforço de musculaturas específicas, permitindo o recondicionamento físico com sucesso. O excesso de repouso, tão freqüentemente recomendado de forma incorreta por colegas do passado, foi um erro que a moderna Cardiologia corrigiu. Os professores de educação física, dedicados e com formação específica em Cardiologia, são os melhores aliados para promover, após a necessária avaliação clínico-funcional, a reabilitação física desses pacientes, que sabemos hoje ser parte importantíssima na recuperação de muitos quadros, até avançados, de doença cardiovascular. CONCLUSÃO O cardiologista, clínico por excelência, deve realizar pessoalmente toda a parte inicial de anamnese e exame clínico, por conterem informações freqüentemente de natureza crítica e também porque é nesse momento que se estabelece o bom relacionamento entre médico e paciente, que será de grande valia em futuras decisões que se possam fazer necessárias. No pós-consulta e na reabilitação de maneira geral, o concurso de outros profissionais é desejado, inclusive no âmbito ambulatorial, como comentamos no texto.

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THE MEDICAL ACT IN CARDIOLOGY AND VILA JHA O ato médico em Cardiologia e suas interfaces

ITS INTERFACES JOSÉ HENRIQUE ANDRADE VILA The Cardiologist, clinician of excellence, must perform by himself the collection of the clinical history and also the critical data from the physical examination, because it is in this very moment that the important and decisive link between doctor and patient begins and, if strong enough, will be a most valuable tool in the entire treatment of the patient. After this, in the orientation of the prescription to the patient and in the rehabilitation program at the ambulatory level, the participation of other health professionals is welcome. Key words: medical act, doctor-patient relationship, doctors and other health professionals. (Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;4:315-8) RSCESP (72594)-1546

LEITURA RECOMENDADA 1. Semiologia Cardíaca – Diagnóstico e Tratamento Junto ao Leito. 5a ed. Lippincott Williams & Wilkins; 2002. 2. Schlant RC, Alexander RW, O’Rourke RA, et al., eds.

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Hurst’s the Heart: Arteries and Veins. 8a ed. New York, NY: McGraw-Hill, Inc.; 1994. p. 205-91. 3. Willerson JT, Cohn JN. Cardiovascular Medicine. 1995. p. 1-31. 4. Théroux P. Acute Coronary Syndromes. 2003. p. 148.

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PRONTUÁRIO DO PACIENTE: O PAPEL NA DEFESA GRINBERG M Prontuário do paciente: o papel na defesa profissional do médico

PROFISSIONAL DO MÉDICO MAX GRINBERG Unidade de Valvopatias – Instituto do Coração (InCor) – HC-FMUSP Endereço para correspondência: Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44 – Cerqueira César – CEP 04015-011 – São Paulo – SP Prontuário em Medicina é forma de comunicação escrita. Sem prontuário não há Medicina, sem prontuário prejudica-se a ética, sem prontuário enfraquece-se a Defesa Profissional. O cuidado com o prontuário presta-se, pois, tanto para os problemas de saúde do paciente como para a saúde profissional do médico. O prontuário ideal é aquele que cumpre seu papel, literalmente, o de ser o documento, testemunho com clareza e fidelidade, do vínculo entre médico e paciente. Pela visão de Defesa Profissional, não basta o médico agir com competência, é preciso documentá-la por escrito. A Defesa Profissional recomenda: prontuário, não saia da consulta sem o preencher. Palavras-chave: prontuário, defesa profissional, comunicação médica. (Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;4:319-27) RSCESP (72594)-1547

“O papel do prontuário não é nem página virada, nem página em branco, é folha corrida que deve valer a árvore que foi cortada.” DIRETO DO ARQUIVO Prontuário vem do latim “promptuarium”, lugar onde se guardam coisas que devem estar à mão. Prontuário, em Medicina, é forma de comunicação escrita, em que se usa uma linguagem de sinais e códigos que a comunidade médica desenvolveu entre seus membros. Ela é registrada numa propriedade do paciente, o qual, habitualmente, desconhece os sinais, os códigos e, inclusive, sua condição de proprietário. O médico e a equipe de saúde constroem e resgatam essa linguagem peculiar a cada fato novo da relação médico-paciente. O prontuário pode aparentar ser um monólogo a dois, mas, na verdade, em termos de Defesa Profissional, é um precioso diálogo virtual que organiza mensagens para permitir a decodificação ética do atendimento.

O médico deve ver o prontuário como elemento de condução de um vínculo profissional, sujeito a um processo de contínua interpretação. Há limites e conseqüências da referida linguagem, o que faz lembrar a Semiótica (Teoria dos Sinais) do filósofo Charles Sanders Peirce (1839-1914). O assinalado no prontuário representa o realismo pela palavra, que dá a idéia sobre uma verdade acontecida e permite que se desenvolva a percepção do que é informação-foco e do que é informação-fundo. Sem prontuário não há Medicina, sem prontuário prejudica-se a ética, sem prontuário enfraquece-se a Defesa Profissional. O prontuário colabora sobremaneira para uma ideal constituição de Defesa Profissional, eficiente a ponto de evitar uma desgastante batalha médico-paciente à margem do solidário combate à doença. ABRINDO O PRONTUÁRIO Definido pela Resolução 1638/2002 do Conselho

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Federal de Medicina (CFM), Prontuário é documento único constituído de GRINBERG M um conjunto de informaProntuário do paciente: o ções, imagens e sinais repapel na defesa gistrados, gerados a parprofissional do médico tir de fatos, acontecimentos e situações sobre a saúde do paciente e a assistência a ele prestada, de caráter legal, sigiloso e científico, que possibilita a comunicação entre membros da equipe multiprofissional e a continuidade da assistência prestada ao indivíduo. “O que merecer ser feito deve ser bem feito” aplica-se integralmente ao prontuário. Visto mais comumente como memória para o seguimento do caso, sua elaboração não pode prescindir da visão de servir para esclarecimento de dúvidas éticas na condução do caso (1). O cuidado com o prontuário presta-se, pois, tanto para os problemas de saúde do paciente como para a saúde profissional do médico. O médico, na qualidade de editor da biografia eticamente autorizada sobre o paciente, tem em suas mãos, literalmente, a diferença entre estar ou não estar ético, já que devemos subentender que ser ético é o “default” de todo médico. Prontuário não deve ser aquele cobertor curto que desprotege ora o paciente ora o médico. É anotação ética em três vias virtuais, uma para o paciente, uma para a equipe de saúde e uma para os tribunais (ética, judiciário). Cabe aqui menção ao aforismo, talvez não tão original, de Miguel Couto (1865-1934): há doentes, não doenças. Essa frase tem grande impacto na Defesa Profissional pelo prontuário. Se cada paciente não tivesse sua própria doença, poderíamos simplesmente escrever no prontuário, por exemplo, doença de Chagas, e o resto estaria dentro de um comportamento de estereótipo “de livro”. Todavia, a realidade é totalmente diferente. Cada caso é um humano, reagindo de modo peculiar, não importam as superposições de CID. Valeria dizer que cada prontuário é impressão digital pela unicidade, só que também apõe o dedo do médico que o elabora. AÇÕES PRÓ-DEFESA PROFISSIONAL DO MÉDICO Há um decálogo de ações pró-Defesa Profissional(2). Tê-lo em mente e praticá-lo são consideradas atitudes úteis por médicos e não-médicos que têm vivência com denúncias de erro profissional (Tab. 1).

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Tabela 1. Dez ações pró-defesa profissional do médico. (Adaptado de Colon(2).) 1. Ter boa comunicação verbal. 2. Ter boa comunicação por escrito. 3. Respeitar os valores do paciente. 4. Esmerar-se pela eficiência. 5. Aplicar o considerado Beneficência. 6. Ter em alta consideração a Não-Maleficência. 7. Agir com honestidade quanto a limites do conhecimento e da capacitação. 8. Ter boa-fé nas atitudes. 9. Zelar pelo sigilo. 10. Acatar o Código de Ética Médica e as leis referentes ao exercício profissional. COMUNICAÇÃO POR ESCRITO Os dois primeiros itens do decálogo referem-se às boas práticas da comunicação verbal ou por escrito. Elas permitem visibilidade e compreensão do cumprimento de preceitos da ética médica. Pela visão de Defesa Profissional, não basta o médico agir com competência, é preciso documentá-la por escrito. Essa lógica do conhecido ditado romano referente à mulher de César é essencial quando a documentação sobre o paciente sai do ambiente sagrado da saúde e vai parar no campo minado dos tribunais. Diálogo e redação formam dupla eficiente da Defesa Profissional(3). Mas quando eles batem cabeça, o descuido na comunicação transforma-se em Ataque ao Profissional por um adversário eticamente temível: o mau prontuário não somente não defende o médico como também o coloca na marca do pênalti, discutindo com o juiz ou simplesmente fazendo gol contra. Assim como é preciso ouvir-nos falar para evitar dominar indevidamente um diálogo e ouvir-nos ouvir para não nos distrairmos ou tirar conclusões apressadas apenas com nossa pretensiosa base interna de dados, devemos ver-nos escrever, desenvolver a habilidade da narrativa. Tinta de caneta economizada no prontuário pode vir a ser usada para assinaturas em audiências e julgamentos constrangedores. O correto preenchimento do prontuário requer disciplina, é uma ascensão ética, é um estado de espírito em relação ao habitat natural das informações sobre a relação médico-paciente. O prontuário ideal é aquele que cumpre seu papel, literalmente, de ser o documento, testemunho com clareza e fidelidade, de um vínculo entre médico e paciente. É um papel plural na medida em que dele se pretende a satisfação de diferentes objetivos: assistencial, pesquisa, ensino, econômico-financeiro, ético, judicial, controle da qualidade. A empatia na relação médi-

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co-paciente deve transparecer impregnada na aparência do prontuário. GRINBERG M Prontuário do paciente: o papel na defesa profissional do médico

CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA, RESOLUÇÕES DO CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA E LEI 10241/99 (SP)

Nosso Código de Ética Médica(4), as resoluções do CFM e a lei 10241/99 do Estado de São Paulo(5) fazem referências ao prontuário. Os dez itens apresentados a seguir expressam a responsabilidade do médico: 1. É vedado ao médico deixar de elaborar prontuário para cada paciente (art. 69 do Código de Ética Médica). 2. É vedado ao médico negar ao paciente acesso a seu prontuário (art. 70 do Código de Ética Médica). 3. É vedado ao médico facilitar manuseio e conhecimento dos prontuários por pessoas não obrigadas ao sigilo profissional (art. 108 do Código de Ética Médica). 4. É direito dos usuários da saúde acessar, a qualquer momento, seu prontuário, nos termos do artigo 3º da Lei Complementar 791 de 7 de março de 1995 (art 2º VIII da lei 10241/99). 5. É direito dos usuários da saúde ter anotadas em seu prontuário, principalmente se inconsciente durante o atendimento, todas as medicações, com suas dosagens, utilizadas e o registro da quantidade de sangue recebida (art 2º XIII da lei 10241/99). 6. A criança, ao ser internada, terá em seu prontuário a relação das pessoas que poderão acompanhá-la integralmente durante o período de internação (art 2º § 1º da lei 10241/99). 7. É obrigatória a criação da Comissão de Revisão de Prontuários nos estabelecimentos e/ou instituições de saúde em que se presta assistência médica, que deve ser coordenada por um médico (CFM Resolução 1638/ 2002). 8. As instituições de saúde devem garantir supervisão permanente dos prontuários sob sua guarda, visando a manter a qualidade e a preservação das informações neles contidas (CFM Resolução 1638/2002). 9. Compete à instituição de saúde e/ou ao médico o dever de guarda do prontuário e o mesmo deve estar disponível nos ambulatórios, nas enfermarias e nos serviços de emergência para permitir a continuidade do tratamento do paciente e documentar a atuação de cada profissional. Os prontuários em papel devem ser preservados por um prazo mínimo de 20 anos a partir do último registro. Os prontuários arquivados em meio

eletrônico são de manutenção permanente (CFM Resolução 1638/2002). 10. É vedado ao médico na função de auditor realizar anotações no prontuário do paciente (CFM Resolução 1614/2001). CONFIANÇA E BOA-FÉ A confiança entre os personagens envolvidos no atendimento precisa estar transferida para o prontuário. Deve haver credibilidade na comunicação escrita pelo médico em sintonia com cada passo dado, seja este firme ou hesitante. Prontuário é guardião da verdade, inclusive na função de documentar uma moderação a respeito de expectativas irrealistas de riscos e prognósticos, estimuladas pela expansão da divulgação da ciência médica entre leigos. Há uma tácita confiança na boa-fé do preenchimento do prontuário pela equipe de saúde. “Sou leigo, como eu poderia elaborá-lo?” expressa essa representação, mas o paciente delegar não significa que ele vá renunciar à supervisão de sua propriedade, à intenção de lêlo quando assim o desejar, ao direito de dar sua opinião e ao direito de usá-lo como prova de acusação contra o médico. É lição da beira de leito o quanto deve haver de boa-fé, como virtude, como respeito à verdade, num testemunho sobre a relação médico-paciente. Pode até haver equívocos, mas tem que ser a verdade sobre a qual acreditamos de fato. Não percebemos uma terceira bulha à ausculta, nos enganamos, mas o registro foi autêntico, fiel ao apurado. Assim, um prontuário elaborado com boa-fé pode conter dados originados por má captação, mas eles são verdadeiramente equivocados e, por isso, não configuram mentira. O médico é assim verídico pela anotação conforme o que sabe ou o que crê realmente. O prontuário que é sincero dignifica o médico-cidadão, aliás é uma exigência moral, porque nada mais antiético que a má-fé. O prontuário elaborado com boa-fé não deixa, todavia, de servir de base para ações de justiça, pois boa-fé não substitui a justiça, não vacina contra lapsos e acidentes; mas um erro profissional seria isento de evidências de má intenção. O mau uso da boa-intenção pode ser atenuante e má-fé é sempre agravante em situações de indícios de infração ao Código de Ética Médica. É emblemática a vigilância ética pelo art. 55 do Código de Ética Médica: “é vedado ao médico usar da profissão para corromper os costumes, cometer ou favorecer crime”. O crédito no prontuário é um dever ético, patrimônio da Medicina pelo qual todos devemos zelar. É princípio fundamental do Código de Ética Médica (art. 4)

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que “ao médico cabe zelar e trabalhar pelo perfeito desempenho ético da GRINBERG M Medicina e pelo prestígio Prontuário do paciente: o e bom conceito da profispapel na defesa são”. profissional do médico Desde a faculdade, aprende-se a usar o conhecimento acumulado e a deixar de lado a ilusão. Quem busca a verdade constantemente, no diagnóstico, na terapêutica, no prognóstico e na pesquisa, não poderia se comportar diferente na lide com o prontuário. Falso no médico, quem sabe, só o uso do placebo, assim mesmo sob a mira condenatória de certas opiniões da bioética. O prontuário não é uma crônica de felicidades e de infelicidades, é um diário de momentos felizes e infelizes, de expectativas e resultados, de decisões e de intenções de humanização. Por isso, o prontuário até pode não admitir certas verdades. É admissível não dizer – e não anotar – tudo em certas ocasiões. Há razões de não-maleficência, em que revelações naquele momento poderiam ser uma omissão de socorro psicossocial. E, daí, esconde-se uma parte da verdade, não falando e não escrevendo. O que precisa ficar bem claro é que a parte não revelada não deve ser preenchida por palavras mentirosas; deliberadamente anotar o que não se crê não constrói uma base ética. SEGREDO DO CONTEÚDO DO PRONTUÁRIO O prontuário é aquele diário com fechadura, caderno de anotações sob segredo, em que estão escritos muitos fatos que o paciente nunca revelaria para mais ninguém. São palavras que continuam pertencendo ao paciente, como que “emprestadas” para serem usadas em seu benefício e devolvidas em ações “doadas” pela equipe de saúde. Pela propriedade vem a privacidade e assim o conteúdo do prontuário não pode ser “invadido” sem a expressa autorização do “dono”. É um policiado pela ética. Há duas previsões de permissão ética para quebra do sigilo pelo médico, independentemente da vontade do paciente (art. 102 do Código de Ética Médica: por dever legal, atender expressa determinação judicial e para notificar compulsoriamente certas doenças à Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA). O Código Penal de 1940 prevê, em seu art. 269, detenção de seis meses a dois anos para o médico que deixar “de denunciar à autoridade pública doença cuja notificação é compulsória”, tipificado como crime contra a saúde pública. A Portaria nº 1943, de outubro de 2001,

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do Ministério da Saúde relaciona mais de trinta doenças de notificação compulsória e cujo cumprimento, por ser quebra do segredo, precisa estar registrado e justificado no prontuário do paciente. Médico e/ou instituição têm alta responsabilidade em preservar o conteúdo do prontuário do conhecimento de quem desautorizado para tal. É de interesse da Defesa Profissional a redação do art. 107 do Código de Ética Médica (“é vedado ao médico deixar de orientar seus auxiliares e de zelar para que respeitem o segredo profissional a que estão obrigados por lei”) e do art. 108 do Código de Ética Médica (“é vedado ao médico facilitar manuseio e conhecimento dos prontuários, papeletas e demais folhas de observações médicas sujeitas ao segredo profissional, por pessoas não obrigadas ao mesmo compromisso”).(4) O PRONTUÁRIO É DO PACIENTE O prontuário pertence ao paciente, é elaborado pela equipe de saúde e guardado pela instituição; portanto, a denominação prontuário do paciente é preferível a prontuário médico. O prontuário é documento de porte obrigatório nas consultas, mas nenhum paciente, habitualmente, se preocupa em ter uma cópia ou “backup”. A idéia é de que o prontuário seja do doutor, pois a guarda é responsabilidade do médico/instituição Aliás, não se costuma observar interesse do paciente em conhecer o prontuário que lhe pertence, mas, como salientado, funciona, habitualmente, como posse virtual. Esse comportamento, de raízes culturais, inclui rejeitar um convite do médico para ler o que ele escreveu. Por incrível que possa parecer, esses médicos existem e uma pesquisa revelou que há receio por parte do paciente em ler seu diagnóstico de moléstia grave em geral, doença mental e, inclusive, os comentários sobre o caso; a rejeição acentua-se quando não houve ainda uma discussão mais aprofundada sobre tratamento e prognóstico(6). Aspecto interessante dessa virtualidade de propriedade do prontuário pelo paciente é a falta que faz quando ocorre um atendimento fora do local onde ele está guardado. Quantos plantonistas teriam podido dar melhor assistência se os pacientes estivessem na posse de suas informações por escrito? Paradoxalmente, o bom senso da Defesa Profissional recomenda que o prontuário só percorra um curto caminho, num círculo de poucos metros, desde o arquivo, e devidamente escoltado. PRONTUÁRIO NO CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA Nenhum médico deseja que o prontuário por ele

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elaborado seja motivo de apreciação por colegas delegados ou conselheiros GRINBERG M do Conselho Regional de Prontuário do paciente: o Medicina (CRM). Alguns papel na defesa até desejam para demonsprofissional do médico trar que a reclamação é infundada, mas, obviamente, depois da denúncia, por si só já uma auto-apenação para quem não é um eticopata. Desejando ou não desejando, o médico precisa evitar a má comunicação, reconhecer a diversidade natural das pessoas e preparar-se para qualquer comportamento desagradável do paciente, desde um simples mal-entendido até uma demanda complexa. Há reclamações de fazer inveja aos mais criativos. Meses após ter sido submetido a esplenectomia em decorrência de rotura do baço num acidente, que causara choque hemorrágico, o paciente manifestou ao CRM sua indignação por ter sido privado de um órgão sem sua autorização. Um prontuário impecável quanto à presteza do socorro e à intervenção cirúrgica determinou o arquivamento do expediente. Caso tivesse havido descuido na elaboração do prontuário, o médico teria ficado em desvantagem, apesar do absurdo questionamento(7). O cardiologista sabe que já passou o tempo em que a eletrocardiografia de 12 derivações era o supremo tribunal das arritmias, e até já se esqueceu dessa frase célebre. Mas não dá para esquecer que o prontuário representará eternamente um supremo tribunal da relação médico-paciente que sai do ritmo. Cerca de 80% das reclamações ao CRM fundamentam-se em alguma modalidade de má comunicação. O médico, envolvido no que lhe é rotina, muitas vezes não se apercebe da importância de esclarecer a quem vê tudo como inédito; em conseqüência, surgem reclamações por não ter falado ou não ter ouvido, e quem não dialoga com o paciente tem mais chance de não preencher adequadamente o prontuário. Todos são professores-doutores em preencher um prontuário, até o momento em que ele provoca uma situação desconfortável, ao não servir como o presente do passado E o que se verifica é que o contato freqüente do médico com ele, embora várias vezes ao dia, não traz imunização natural contra a escassez de anotação. Prontuário mal administrado favorece condenações por erro profissional e pagamentos de indenizações em vários países(8). É rotina inicial de expedientes instaurados no CRM solicitar o prontuário ou seu equivalente como ficha clínica. A palavra constante no prontuário, sobretudo para os colegas, traz a credibilidade da antecedência à re-

clamação. O prontuário admite a seguinte lógica: “está escrito no prontuário, foi feito; não está escrito, terá sido feito?”. Uma cicatriz na pele não é suficiente nem para afiançar que um órgão foi operado nem para assegurar a qualidade da técnica empregada; a descrição minuciosa do ato operatório no impresso próprio é a complementaridade eticamente correta. Esparadrapo sobre a pele e caneta sobre o impresso da descrição cirúrgica no prontuário são símbolos da proteção pós-operatória para o paciente e para o cirurgião. Pais desesperados acusam pediatra de erro profissional. Sua defesa é ter anotado no prontuário “ausência de rigidez da nuca” na consulta em que o registro foi de “virose” e que antecedeu por algumas horas a volta do paciente já em óbito em decorrência de meningite meningocócica. A Defesa Profissional fortalece-se com a experiência — temperada com intuição —, como é natural em qualquer ramo de atividade. Preocupar-se com condições sabidamente conflituosas, como a subtaneidade com que um quadro febril inespecífico se torna uma catástrofe, pode significar registrar no prontuário vários não propedêuticos, que funcionam como comprovantes antinegligência. Há situação de atenção da Defesa Profissional em que o ponto essencial é a deficiência das informações prestadas pelo paciente; há carência de anamnese inicial ou nos adendos, ausente ou subqualificada quando o paciente não verbaliza certos acontecimentos, espontaneamente ou na anamnese dirigida(9). A capacidade de ser um bom informante sofre influências do momento clínico e de certas características da pessoa, como idade e nível social.(10) O impacto do mau informante pode ser grande, tanto sob o ponto de vista assistencial como no uso do prontuário como Defesa Profissional. Intolerância a medicamentos (10%), omissão de tratamentos cirúrgicos (15%) e queixas crônicas (15%) são exemplos de omissões relativamente freqüentes(11). Entretanto, o maior porcentual de desinformação no prontuário (60%) parece ficar por conta de subvalorização da informação pelo próprio médico, por razões que não são claras(11). É possível que aspectos relativos a particularidades da formação profissional de especialidades exerçam influência sobre a valorização do detalhamento da história clínica. A receita médica é raramente testemunha de defesa do médico nos conflitos, pois é documento na posse do paciente-reclamante. Ela só costuma aparecer como peça de acusação; por isso, cada medicamento prescrito precisa ser anotado no prontuário, evitandose o não incomum “digo + HCT + iECA”. É conveniente escrever o nome do sal, a dosagem do comprimido, a dose diária, o período de uso, etc. Muitas vezes só valorizamos o que perdemos, e nenhum médico gostaria de reconhecer, posteriormente, o valor da oportunida-

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de perdida para bem anotar sua conduta. GRINBERG M Prontuário do paciente: o papel na defesa profissional do médico

REFLEXÕES SOBRE O PAPEL DO PRONTUÁRIO NA DEFESA PROFISSIONAL

Parece-nos que as dez reflexões a seguir são úteis para promover as boas práticas da Defesa Profissional na utilização de um prontuário(12). Parte-se do pressuposto de que um bom prontuário não necessariamente dá razão ao médico, mas que um mau prontuário é sempre desvantajoso para o médico. 1. Não se deve economizar palavras sobre o que se fez ou o se que pretende fazer. Não deixe de anotar o que foi dito para o paciente; evite ambigüidades; não deixe espaços em branco; registre atitudes destoantes; não abrevie o que não for de praxe; mantenha cópias de relatórios e atestados emitidos e guarde cartas de encaminhamento. Desenvolva um estilo que concilie praticidade e segurança. O registro de dados negativos no sentido de estarem sendo aguardados ou de terem afastado possibilidades pode ser útil. Informações que faltam trazem o perigo de poderem ser “completadas na mente” de acordo com interesses contrários de momento. 2. Todas as informações precisam ser legíveis ou computadorizadas e gramaticalmente corretas. “Letra de médico” já perdeu, há muito, o charme que um dia teve. As anotações devem ser acompanhadas de data, assinatura e carimbo com número do CRM (ou equivalente eletrônico). Facilidade de leitura, de identificação do profissional e de compreensão das idéias contribui para uma boa impressão sobre o autor, sendo o inverso ainda mais verdadeiro. 3. É conveniente exercer a supervisão de informações registradas por outros profissionais da saúde que estejam sob sua responsabilidade. 4. Todas as informações devem ser organizadas. Uma sugestão é utilizar o acrônimo SOAP(12): Subjetivas, as referidas pelo paciente/familiar; Objetivas, as obtidas pela equipe de saúde; Analíticas, raciocínios e justificativas; Planejamento, estratégias de tratamento, acompanhamento e prevenção. Um prontuário organizado como SOAP “é limpo, reduz atritos e fica mais difícil de ser pego”. A Bioética da beira do leito(13-16) cabe bem nas páginas de um prontuário organizado por quem valoriza a humanização. A integração entre S e O fundamenta as condutas para que A e P selecionem as com perspectivas de útil e eficaz. A beneficência tem base na experiência individual e na coletiva da literatura científica, como, por exemplo, em recomendações

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classes I e IIa de diretrizes propedêuticas e terapêuticas. A não-maleficência, como atitude antiimprudência, é organizada em hierarquia superior à beneficência. É o caso da conduta conceitualmente benéfica, mas que não se comporta dessa maneira na circunstância, ou daquele caso cujo histórico não recomenda. A anotação do por que não foi aplicado é essencial para não soar como negligência, como já referido. Habitualmente, o raciocínio sobre não-maleficência restringe-se ao aspecto clínico, mas não podem ser esquecidos certos aspectos morais, que são entendidos como prejudiciais pelo paciente. Essa não-maleficência, que evita prejuízo moral, é um dos pontos fortes de reflexões sobre o princípio da autonomia. É praxe subentender que a disposição do paciente em cumprir está embutida no registro dos exames solicitados ou da conduta recomendada. Dá ensejo, contudo, a dúvidas, quando de análises retrospectivas, quanto a ter havido simples anuência (heteronomia) ou consentimento de fato (autonomia). Anotações sobre o grau de participação do paciente na decisão podem vir a se tornar úteis, principalmente naqueles casos em que houve divergências de opinião. Ajustes de conduta podem ter acontecido após o exercício das três modalidades de autonomia: a do paciente, a do médico e a da instituição. A chamada “escolha de Sofia” exemplifica o valor de uma organização de registro de raciocínios e justificativas (A de SOAP). É importante, em termos de Defesa Profissional, que fique assegurado que quando há, por exemplo, dois pacientes para única vaga de internação a decisão foi ajustada por boa-fé, o que não invalida, todavia, nenhum ponto de vista entendendo ter havido injustiça. E que a escolha resultou de uma conjugação da autonomia do médico que representou o personagem Sofia e da instituição por meio de seus critérios de serviço. Em outro pólo fica o predomínio do entendimento do paciente, que discorda explicitamente do conselho do médico ou das normas institucionais e toma iniciativas contrárias. Por isso, é fundamental que o prontuário sirva de registro além das ações da equipe de saúde relativas ao conhecimento científico e à capacitação técnica. A Defesa Profissional exige que o prontuário contenha também memória das atitudes. Essa prática torna-se essencial, porque costuma ser uma atitude do médico que desagradou que dá início à maioria das divergências na relação médico-paciente. Exemplos não faltam na Seção de Denúncias de um CRM, incluindo omissão de socorro, atestados, honorários, dificuldade de vagas, assédio(7). O descumprimento de orientação médica é uma verdade do cotidiano e a frustração pelo evento que poderia ter sido evitado pode provocar acusações ao médico do tipo “eu não sabia e nada foi dito”. Exemplo é o registro que o paciente recebeu orientação para controle laboratorial periódico de anticoagulação oral, que não foi cum-

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prida; a anotação facilitou a absolvição da acusação de negligência, alegada GRINBERG M pelo “desinformado”, após Prontuário do paciente: o ter sofrido evento hemorpapel na defesa rágico. Nesses casos de profissional do médico acusações de erro profissional por parte do “desobediente”, desencadeadas pela perda da aposta com as realidades da vida, o prontuário que registra uma “crônica das idas e vindas” funciona como um verdadeiro bumerangue da idoneidade tanto profissional como moral do médico, que volta ao eventual contestador(17). Uma ocasião em que a anotação de atitudes se torna fundamental em termos de Defesa Profissional é quando não seguimos exatamente uma diretriz. É preciso deixar explícito que não foi por desconhecimento da mesma; pelo contrário, sua atitude foi uma precaução, que privilegiou a não-maleficência. Diríamos, uma dupla não-maleficência: a ação acautelatória, que visou a não prejudicar o paciente (“primum non nocere”), e a redação, que objetivou não prejudicar o próprio médico. O Projeto Diretrizes da AMB/CFM(18) registra, com muita propriedade, que a relação entre qualidade de estudo e grau de recomendação é insuficiente se utilizada de maneira isolada, cabendo ao médico julgar a forma, o momento e a pertinência da utilização, conforme a diretriz. Um aspecto do dia-a-dia são as orientações, os ajustes, os acréscimos e as reduções do que foi anotado no prontuário, realizados por telefone. Não é hábito da maioria buscar a ficha e escrever o que acabou de recomendar, fora as ligações na residência ou pelo celular. Essa virtualidade da informação que agora substitui realmente a registrada merece reflexões sobre a rotina de atenção ao prontuário em termos de Defesa Profissional. 5. Não devem ser feitos comentários degradantes sobre a pessoa do paciente. Lembre-se, além de tudo, de que o prontuário pertence ao paciente; é como o médico atirar pedra na vidraça do vizinho tendo telhado de vidro. Aquelas anotações de mãe chata, paciente manipulador ou que só vem para falar mal do marido devem sofrer pronta autocensura. 6. Não anote no prontuário do paciente uma observação desrespeitosa a um colega também envolvido no atendimento. Evite, de modo geral, o supérfluo e o descabido, que denotam falta de profissionalismo e não são de interesse para o paciente. Embora o prontuário não seja local para “lavar roupa suja”, um plantonista escreveu, na evolução, que o médico-assistente deveria publicar aquela conduta que entendia inusitada(7). Há certas situações em que caberiam anotações expressando que o médico pretendeu mas não aconte-

ceu por fatores dependentes de um colega ou do hospital. Algo como “eximir da responsabilidade”, escrito de modo o mais respeitoso possível: “insistido para vir fazer a interconsulta”, “informado de que não há disponibilidade do material no momento”, “suspensa a cirurgia pela administração do Centro Cirúrgico”. 7. Proteja o prontuário contra quebra da confidencialidade de seu conteúdo. Devemos quebrar o sigilo da doença não do doente, o que, aliás, é do juramento na formatura. 8. Não se disponha a usar papeizinhos afixados com clipes ou autocolantes, pois são estranhos aos impressos e estão sempre em iminente perigo de perda. 9. Não adultere o conteúdo do prontuário. É infração eticamente inafiançável. O eticamente correto é anotar à medida que as informações se tornam disponíveis. Não faça acréscimos com data prévia. Não use o corretor “branquinho” para não suscitar que se pretendeu esconder alguma informação indesejada e comprometedora. Não faça anotações do tipo rodapé ou no meio da frase, pois podem dar margem a dúvidas de quando de fato elas aconteceram. É conveniente deixar à mostra o que eventualmente for imediatamente corrigido, para dar uma idéia, no futuro, da natureza da modificação. Quando errar, não fique riscando várias vezes em cima, basta um risco e seguir anotando, afinal não estamos encaminhando um artigo para publicação. Anotações enganosas no prontuário retiram do médico a condição de homem livre. As concessões o tornam refém das mesmas. O preço do resgate moral pode ser alto ou impossível de ser pago. O que fazer quando há extravio do prontuário ou acidente com a anotação eletrônica, incluindo “backup”? O caminho é, também, o da sinceridade e da reconstrução do que for possível. Nova anamnese, lembranças do exame físico e da evolução, resgate de exames originais guardados com o paciente ou de cópias de instituições efetoras podem compor uma segunda via. A participação do paciente é essencial, em primeiro lugar para ser comunicado do acontecido e depois para colaborar na reposição de informações. Esse novo conjunto de informações deve ser explicitamente nomeado como anotação de reposição e com a data atual. Caso tenha havido algum dano reconhecido no local do armazenamento ou no computador, é útil registrá-lo por fotos ou documentos, para contornar futuras alegações de intencionalidade. 10. Na eventualidade de ser necessário fazer uma correção tempos depois e de se querer evitar que alguém leia a anotação original como a verdade antes de chegar no adendo corretor, basta riscar uma linha sobre o que se deseja modificar e escrever “vide adendo”, o qual deve ser informado após a última anotação presente naquele momento e acompanhado da data da correção e assinatura. Fraudes podem ser como óleo na água para experientes e muitas delas podem ser

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GRINBERG M Prontuário do paciente: o papel na defesa profissional do médico

descobertas por métodos científicos Um caso verídico é a identificação do uso de uma tinta que só foi lançada no mercado dois anos depois da data do registro(12). FECHANDO O PRONTUÁRIO

É na faculdade que os hábitos da boa documentação começam a ser educados, em meio ao desenvolvimento das práticas segundo os preceitos da ética médica; contudo, há muitos

exemplos de que esses ensinamentos acadêmicos se perdem no cotidiano das atribulações do exercício profissional. Assim, em prol da Defesa Profissional, é útil que o tema “Prontuário como Papel da Defesa Profissional” seja incluído em programas de educação continuada de todas as especialidades médicas. ARQUIVANDO O PRONTUÁRIO Há aspectos da consulta médica que não precisam ser documentados; para todos os demais existe o prontuário. Ele é a apólice de seguro de vida profissional. A Defesa Profissional recomenda: prontuário, não saia da consulta sem o preencher.

MEDICAL RECORD: THE PAPER IN THE PROFESSIONAL DEFENSE MAX GRINBERG Medical record is a way of written communication. Without medical record there is no Medicine, the Ethics becomes impaired, and the Professional Defense grows weak. The care with the medical record helps to attend both health problems and the doctor’s professional health. The medical record is supposed to be a document that clearly and accurately reports the relation between the doctor and his patient. According to the point of view of Professional Defense, the doctor’s expertise is not enough, it is mandatory to write it down. The Professional Defense reccomends: an appointment should be concluded only after the filling up of the medical record. Key words: medical record, Professional Defense, Medical communication. (Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;4:319-27) RSCESP (72594)-1547

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INSTALAÇÃO DO PROCESSO ÉTICO: BOYACIYAN K Instalação do processo ético: o processo de julgamento

O PROCESSO DE JULGAMENTO KRIKOR BOYACIYAN Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo Endereço para correspondência: Rua Nebraska, 199 – ap. 81 – CEP 04560-010 – São Paulo – SP O autor descreve, pormenorizadamente, o processo ético-profissional que regulamenta as infrações contidas no Código de Ética Médica em vigor. Faz considerações desde o recebimento da denúncia e a instauração do processo disciplinar até o julgamento dos profissionais médicos pelo Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo. Palavras-chave: ética, Código de Ética Médica, Código de Processo Ético-Profissional, responsabilidade. (Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;4:328-31) RSCESP (72594)-1548

A atividade do médico está sujeita a ampla fiscalização e julgamento tanto pelos poderes judiciais, nas esferas criminal e civil, como pelos Conselhos de Medicina, na esfera ético-profissional. O Código de Ética Médica em vigor representa a consolidação dos princípios éticos assumidos por uma sociedade. Amplia e atualiza os ensinamentos hipocráticos e os princípios bioéticos, regulamentando sua aplicabilidade aos assuntos práticos da profissão. Com 14 capítulos e 145 artigos, o Código de Ética Médica foi instituído pela Resolução do Conselho Federal de Medicina No 1.246/88, de 8 de janeiro de 1988(1). Possui caráter normativo, pois tem a força da Lei Federal No 3.268/57, de 30 de setembro de 1957(2), regulamentada pelo Decreto Federal No 44.045/58, de 19 de julho de 1958(3). As falhas médicas no exercício profissional determinam, geralmente, dano e sofrimento aos pacientes. Resultados indesejáveis em conseqüência da ação ou da omissão dos médicos, estando em pleno gozo de suas faculdades mentais, são geralmente imputados a imperícia, imprudência ou negligência dos mesmos, conforme se encontra tipificado no artigo 29 do atual Código de Ética Médica: É vedado ao médico – Prati-

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car atos profissionais danosos ao paciente, que possam ser caracterizados como imperícia, imprudência ou negligência. A imperícia fundamenta-se na incapacidade, no desconhecimento ou na falta de habilitação para o exercício profissional. De acordo com a legislação em vigor, o médico pode exercer a Medicina em qualquer de seus ramos ou especialidades, exigindo-se somente o registro do diploma do curso médico e a inscrição no Conselho Regional de Medicina. A imprudência caracteriza-se pela ausência ou omissão de cautelas e pela transgressão de normas técnicas. O ato médico tem uma seqüência de passos, descrita na literatura técnica pertinente; o profissional, como regra geral, não deve ter conduta pessoal própria sobre aquilo que não foi adequadamente testado. A negligência baseia-se na falta de observância dos deveres que as circunstâncias exigem; caracteriza-se por indolência, desatenção, desleixo ou ausência. Como assinalamos anteriormente, na esfera da responsabilidade ético-profissional, compete aos Conselhos Regionais de Medicina receber, apurar e julgar todas as denúncias contra os profissionais médicos, na abrangência de cada Estado da Federação onde o

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médico estiver escrito, ao tempo do fato punível ou de sua ocorrência. Essa BOYACIYAN K tarefa é toda regulamentaInstalação do da pela Resolução do processo ético: Conselho Federal de Meo processo de dicina No 1.617/01, de 16 julgamento de maio de 2001, conhecida como Código de Processo Ético-Profissional(4). Assim, o processo ético-profissional, no Conselho Regional de Medicina, rege-se por esse Código (Resolução do Conselho Federal de Medicina No 1.617/ 01) e tramita em sigilo processual. Dessa forma, quando o médico é denunciado, está sujeito à apuração da denúncia, que, basicamente, é constituída por duas fases: a sindicância e a instauração de processo ético-profissional. A abertura de expediente (sindicância) é a fase preliminar para averiguação dos fatos denunciados. Poderá o expediente ser aberto a partir de reclamação encaminhada ao Conselho Regional de Medicina, por escrito ou tomada a termo, na qual conste o relato dos fatos e a identificação completa do denunciante; pela Comissão de Ética Médica, Delegacia Regional ou Representação que tiver ciência do fato com supostos indícios de infração ética, devendo esta informar, de imediato, tal acontecimento ao Conselho Regional; ou, então, por iniciativa do próprio Conselho Regional (“exofficio”). Instaurada a sindicância, é nomeado um Conselheiro sindicante, que apresenta relatório contendo a descrição dos fatos, as circunstâncias em que ocorreram, a identificação das partes (denunciante ou denunciantes e médico ou médicos denunciados) e a conclusão sobre a existência ou a inexistência de indícios de infração ética. Da referida conclusão do relatório da sindicância, que é apreciada por uma Câmara de Julgamento de Expedientes do Conselho Regional de Medicina, poderão resultar o arquivamento da denúncia com sua fundamentação, a homologação de procedimento de conciliação ou a instauração do processo ético-profissional. A conciliação orienta-se pelos critérios de simplicidade, informalidade e economia processual e exige expressa concordância das partes (denunciante ou denunciantes e médico ou médicos denunciados). Realizada a audiência e aceita, pelas partes, a conciliação, o Conselheiro sindicante elabora relatório circunstanciado sobre o fato, para aprovação pela Câmara de Julgamento de Expedientes, com a respectiva homologação pelo Plenário do Conselho Regional de Medicina.

Realizada a audiência e não aceita, pelas partes, a conciliação, a sindicância prosseguirá regularmente em seus termos. Tendo a Câmara de Julgamento de Expedientes deliberado pela instauração de processo ético-profissional, no Parecer Inicial deverão constar os fatos e a capitulação do(s) delito(s) ético(s), fundamentada pelo Código de Ética Médica em vigor. É nomeado um Conselheiro instrutor que irá coordenar a instrução do processo, quando as partes terão iguais oportunidades de apresentar provas de acusação e defesa. Aberto o processo ético-profissional, o mesmo não poderá ser arquivado por desistência das partes, exceto pela ocorrência de óbito do médico denunciado, quando então será extinto o feito. O denunciante é qualificado e interrogado sobre as circunstâncias da infração e as provas que possa indicar, tomando-se por termo suas declarações. O médico denunciado é qualificado e, depois de cientificado da denúncia, interrogado sobre os fatos relacionados com a mesma e o que tem a alegar sobre os fatos. Se houver mais de um denunciado, cada um é interrogado individualmente. Os advogados das partes ou o defensor dativo não poderão intervir ou influir de qualquer modo nas perguntas e nas respostas, durante as audiências, sendolhes facultado apresentar perguntas por intermédio do Conselheiro instrutor. Cada parte poderá arrolar até cinco testemunhas, que serão ouvidas individualmente. As perguntas das partes serão requeridas ao Conselheiro instrutor, que, por sua vez, as formula às testemunhas, recusando as que não tiverem estrita relação com os fatos ou importarem em repetição de outra(s) já respondida(s). O Conselheiro instrutor, quando julgar necessário, poderá ouvir outras testemunhas, além das arroladas pelas partes (testemunhas da instrução), sempre fundamentando sua decisão. Todos os depoimentos são registrados e assinados pelos depoentes, pelas partes e pelo Conselheiro instrutor. Se o intimado, na condição de denunciante, denunciado ou testemunha, for médico e não comparecer ao depoimento sem motivo justificado ficará sujeito às sanções previstas no Código de Ética Médica; se não for médico, estará sujeito às sanções previstas em Lei. Concluída a instrução do processo, após a apresentação das alegações finais pelas partes e a análise do parecer processual da Assessoria Jurídica do Conselho Regional de Medicina, o Conselheiro instrutor apresenta relatório circunstanciado. Em seguida, são designados um Conselheiro relator e um Conselheiro revisor, os quais ficam responsáveis pela elaboração de seus respectivos relatórios, após análise pormenorizada dos autos.

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Recebidos os relatóridias; os dos Conselheiros rela- – Pena E – cassação do exercício profissional “ad refetor e revisor, é marcado o rendum” do Conselho Federal de Medicina. BOYACIYAN K julgamento, e as partes Da imposição de qualquer penalidade cabe recurso Instalação do são intimadas com antece- de apelação, que pode ser interposto por qualquer das processo ético: dência mínima de dez partes, no prazo de trinta dias contados a partir do reo processo de dias. cebimento do acórdão, para o pleno do Conselho Rejulgamento Na sessão de julga- gional de Medicina (se foi realizado em Câmara de Julmento, o Conselheiro rela- gamento) ou, então, para o Conselho Federal de Meditor e o Conselheiro revisor cina. O recurso “ex-officio” é obrigatório nas decisões fazem a leitura de seus re- de que resultar cassação do exercício profissional (pena latórios e, em seguida, o E). Presidente da sessão dá a palavra, sucessivamente, ao(s) denunciante(s) e ao(s) médico(s) denunciado(s), para sustentações orais, pelo tempo de dez minutos. Efetuadas as manifestações orais, os Conselheiros solicitam esclarecimentos sobre o processo aos Conselheiros relator e revisor e, por intermédio do Presidente da sessão de julgamento, às partes. Finalizados os esclarecimentos, há a discussão dos fatos e do mérito, pelos Conselheiros, e, na seqüência, são concedidos cinco minutos, sucessivamente, ao(s) denunciante(s) e ao(s) médico(s) denunciado(s), para novas manifestações orais, se desejarem. Após a manifestação final das partes, os votos são proferidos, quanto às preliminares, culpabilidade, capitulação e apenação, quando houver, oralmente e seqüencialmente, pelos Conselheiros relator e revisor, pela manifestação de voto, divergente ou não, quando houver, e, ao final, pelos demais Conselheiros. Proferidos todos os votos, o Presidente da sessão anuncia o resultado do julgamento, designando para redigir o acórdão o Conselheiro relator ou o Conselheiro revisor; se estes forem vencidos, a redação caberá ao Conselheiro que propôs o voto divergente vencedor. O julgamento é realizado em ambiente dotado de toda privacidade para que o sigilo processual seja preservado, sendo permitida apenas a presença das partes e seus procuradores (advogados). As penas disciplinares aplicáveis pelos ConFigura 1. Fluxograma de procedimentos do Código de Proselhos Regionais de Medicina a seus membros cesso Ético-Profissional. são as previstas no artigo 22 da Lei Federal No 3.268/57, de 30 de setembro de 1957(2), e são as seguintes: A Figura 1 resume os procedimentos do Código de – Pena A – advertência confidencial em aviso reserva- Processo Ético-Profissional. do; Julgado o recurso em todas as suas instâncias e – Pena B – censura confidencial em aviso reservado; publicado o acórdão na forma estatuída pelo Conselho – Pena C – censura pública em publicação oficial; Federal de Medicina, os autos são devolvidos à instân– Pena D – suspensão do exercício profissional até trinta cia de origem do processo ético-profissional, para a

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BOYACIYAN K Instalação do processo ético: o processo de julgamento

execução do decidido. No período de janeiro de 1994 a dezembro de 2004, o Conselho Regional de Medicina recebeu 24.678 reclamações contra médicos:

20.470 (82,9%) foram arquivadas; 70 (0,3%), conciliadas; e 4.138 (16,8%), transformadas em processo disciplinar. Há, ainda, inúmeros processos em instrução, mas grande parte dos médicos denunciados já foi julgada: aproximadamente 50% desses profissionais foram inocentados(5).

INITIATION OF ETHICS PROCEEDINGS: THE TRIAL PROCESS KRIKOR BOYACIYAN The author describes, in details, the proceedings involved in professional ethics trials due to infractions of the actual Code of Medical Ethics. Aspects analyzed include the registration of the complaints, installment of the disciplinary process and the trial of the denounced physicians by the Regional Council of Medicine of the State of São Paulo. Key words: Ethics, Medical Ethics Code, Professional Ethics Code Process, responsibility. (Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;4:328-31) RSCESP (72594)-1548

REFERÊNCIAS 1. Código de Ética Médica: Conselho Federal de Medicina; 1988. (Resolução CFM No 1.246/88, publicado no Diário Oficial da União; 1988; Jan 26). 2. Conselhos de Medicina: Lei Federal No 3.268/57 (publicado no Diário Oficial da União; 1957; Out 4). 3. Regulamento dos Conselhos de Medicina: Decreto

Federal No 44.045/58 (publicado no Diário Oficial da União; 1958; Jul 25). 4. Código de Processo Ético-Profissional. Brasil: Conselho Federal de Medicina; 2001. (Resolução CFM No 1.617/01, publicado no Diário Oficial da União; 2001; Mai 16). 5. Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo. Seção de Registro Profissional. São Paulo; 2005.

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PROENÇA JMM Responsabilidade legal do médico – civil, penal e administrativa

RESPONSABILIDADE LEGAL DO MÉDICO – CIVIL, PENAL E ADMINISTRATIVA JOSÉ MARCELO MARTINS PROENÇA Faculdade de Direito – Universidade de São Paulo Faculdade de Direito Damásio de Jesus – Complexo Jurídico Damásio de Jesus Escola Superior de Advocacia – Seccional Paulista – Ordem dos Advogados do Brasil Escritório Approbato Machado Advogados Endereço para correspondência: Av. Paulista, 2073 – Ed. Horsa I – 15º andar – sala 1512 – Cerqueira César – CEP 01311-300 – São Paulo – SP O artigo informa sobre as responsabilidades dos profissionais de saúde em razão de sua conduta profissional, sinalizando a interpretação dos tribunais judiciais brasileiros sobre o assunto. Nesse contexto, a matéria é dividida em três tópicos distintos: implicações do Direito Civil, implicações do Direito Penal e implicações administrativas. No âmbito do Direito Civil, a atividade médica pode gerar a propositura de ações indenizatórias, em razão de uma conduta culposa que tenha gerado danos ao paciente, dependendo a condenação da comprovação de existência do nexo de causalidade. Ao lado da responsabilidade civil dos profissionais de saúde, a atuação médica pode ensejar a instauração de inquéritos policiais e processos penais para apuração de eventual crime. O objetivo, nesse campo, é o de impor ao profissional uma penalidade pelo desvalor da ação ou da omissão. A penalidade pode ser de restrição da liberdade de ir e vir (prisão), monetária (multa) ou de outra natureza, chamada de pena alternativa (como a de prestar gratuitamente serviços à coletividade). O terceiro tópico tratado deriva dos Códigos de Ética Profissional, que regulam as profissões liberais. Ao lado das responsabilidades civil e penal, o profissional da área da saúde pode, em razão de sua conduta (omissiva ou comissiva), sujeitar-se a processo ético. Nesse caso, as penalidades possíveis são: advertência confidencial, em aviso reservado; censura confidencial, em aviso reservado; censura pública, em publicação oficial; suspensão do exercício profissional até 30 dias; ou cassação do exercício profissional. Todas as disciplinas legislativas citadas poderão incidir em razão de um único ato médico, sujeitando-se o profissional a três processos distintos: ação de indenização na esfera civil, visando ao ressarcimento dos danos ocasionados; processo criminal, para a averiguação da prática de determinado crime; e processo ético administrativo, para a apuração de eventual transgressão de norma ética profissional. Palavras-chave: erro médico, responsabilidades civil e penal médica, processo médico, negligência, imperícia, imprudência. (Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;4:332-40) RSCESP (72594)-1549

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Este artigo visa a informar as responsabilidades dos profissionais de saúPROENÇA JMM de em razão de sua conResponsabilidade duta profissional, tudo selegal do médico – gundo a legislação naciocivil, penal nal e a interpretação dese administrativa sas normas manifestada pelos nossos tribunais. Dito de outra forma e sendo mais específico e fiel a seu exato conteúdo, pretendemos demonstrar a forma pela qual o Poder Judiciário vem trabalhando com as inúmeras ações judiciais promovidas contra os profissionais de saúde em razão do exercício da profissão. A matéria pode ser dividida em três tópicos distintos, uma vez que temos que nos ater às três responsabilidades médicas. Como será explicitado no decorrer de nosso trabalho, o profissional de saúde, em razão do exercício de sua profissão, sujeita-se aos dispositivos do Código Civil, no que se refere à responsabilidade civil; sujeita-se às normas do Direito Penal, podendo ser processado criminalmente; e sujeita-se, ainda, a seu Código de Ética Profissional, podendo sofrer processo administrativo perante o Conselho Profissional a que estiver submetido. No âmbito do Direito Civil, a atividade ou a inatividade humana, profissional ou não, pode gerar a propositura de ações indenizatórias, em razão de uma conduta culposa, ou seja, negligente, imperita ou imprudente, que tenha gerado danos a alguém.(1) A doutrina jurídica há alguns anos vem demonstrando, contrariando o que vinha ocorrendo, que o homem moderno se mostra dia a dia menos tolerante com danos de qualquer espécie, motivo do crescimento considerável das ações indenizatórias tramitando perante o Poder Judiciário, inclusive daquelas envolvendo profissionais de saúde. Os usuários dos serviços de saúde, mesmo aqueles que provêm de camadas sociais menos afortunadas, em decorrência, parece-nos, do aumento da disseminação da informação, têm uma idéia clara de seus direitos como pacientes. De fato, o exercício da advocacia na área médica permite-nos afirmar que os usuários dos serviços de saúde, hoje, detêm clara percepção do erro inescusável, da imperícia inadmissível, da negligência criminosa, sendo incentivados, portanto, à busca da reparação dos respectivos danos decorrentes da conduta de determinado profissional. Especificamente para os profissionais de saúde, o Código Civil Brasileiro regula essa responsabilidade civil, ou seja, a obrigação de reparar os danos causados, em seu artigo 951(2), nos seguintes termos: “O disposto nos artigos 948, 949 e 950 aplica-se ainda no

caso de indenização devida por aquele que, no exercício de atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho”.(3) Quanto a essa responsabilidade civil, ou seja, essa obrigação de reparar os danos, existem duas teorias sobre sua natureza: a da responsabilidade objetiva, em que o causador do dano, sem qualquer avaliação da culpa, é obrigado a indenizar o dano causado(4), e a da responsabilidade subjetiva, em que, para haver a condenação em indenizar pelos danos causados, é mister a existência de culpa, ou seja, de imprudência, imperícia ou negligência na conduta de alguém. No campo da responsabilidade dos profissionais de saúde, em regra, o elemento de referência é a análise da culpa, nos exatos termos do artigo 951 transcrito. Trata-se, portanto, da responsabilidade subjetiva. Esse é o entendimento manifestado, reiteradamente, pelos nossos tribunais. Nesse sentido, o Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina entendeu que, em se tratando de indenização decorrente de erro médico, a responsabilidade civil é subjetiva, de modo que cabe à vítima do dano provar a imprudência, a negligência e a imperícia do profissional para ser plenamente ressarcida.(5) O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, do mesmo modo, entendeu que a responsabilidade civil dos médicos somente decorre de culpa. Não resultando provadas imprudência, imperícia ou negligência, nem o erro grosseiro, fica afastada a responsabilidade dos doutores em medicina em virtude, mesmo, da presunção de capacidade constituída pelo diploma obtido após as provas regulamentares.(6) Esse mesmo Tribunal, em outro julgamento, manifestou o entendimento da inexistência de culpa profissional na conduta de profissional de saúde que, no atendimento de paciente, se utiliza de meios adequados e indicados pela experiência, pelo simples fato de não ter com seu atendimento alcançado o resultado exitoso. A responsabilidade do profissional da saúde é, então, em regra, “de meio”, e não “de resultado”. Cumpre a ele utilizar-se de toda perícia, diligência e prudência no atendimento de seus pacientes, não se obrigando, contudo, à respectiva cura ou a determinado resultado específico. Repita-se: a análise da aplicação da legislação nacional permite-nos afirmar que o profissional de saúde se obriga pelos meios que oferece à cura e não ao resultado que, muitas vezes, independe daquela. O Tribunal de Justiça do Paraná entendeu que, tratando-se de atividade-meio, na qual o médico não se compromete a curar, mas a aplicar toda a diligência na cura, não se pode falar de culpa quando não chega o profissional ao resultado desejado. Desde que o diagnóstico foi correto e a terapêutica adequada, não há que cogi-

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tar de relação de causa e efeito entre a atividade do médico e o dano. (7) Do PROENÇA JMM mesmo modo, entendeu o Responsabilidade Tribunal de Justiça do Rio legal do médico – Grande do Sul que, em se civil, penal tratando de obrigação de e administrativa meio, se exija dos médicos que envidem todos os esforços e todo seu empenho para a busca de um resultado satisfatório ao paciente.(8) O Tribunal de Justiça de São Paulo, na mesma esteira, em determinado caso entendeu que, sendo a prescrição da medicação pertinente e cercada das cautelas recomendáveis, e não havendo prova de que o profissional da medicina foi negligente, imperito ou imprudente, improcede a ação de indenização.(9) Verifica-se, portanto, que, para se impor ao profissional de saúde a obrigação de indenizar pelos danos causados em razão de sua conduta, não importa a verificação da efetividade ou não do resultado esperado, mas, sim, da existência ou não de conduta culposa do profissional. Em outras palavras, a conclusão é a seguinte: a doutrina jurídica qualifica a obrigação do profissional de saúde como obrigação de meio, ou seja, ele não se compromete a curar, mas a proceder de acordo com as regras e os métodos da profissão. Especificamente em caso de cardiopatia, o E. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná entendeu que não ocorreu erro médico em caso de paciente internado com diagnóstico de labirintite e que 24 horas depois faleceu por infarto agudo do miocárdio. Consta do acórdão: “Causa do óbito não relacionada com a do internamento – sintomatologia que apontava para o diagnóstico apresentado – ausência de quaisquer das modalidades de culpa do profissional – ônus da prova a cargo dos autores, porque a obrigação do médico era de meio, e não de resultado – ... O extrato de monografias no estudo da chamada ‘morte súbita’ circunscrito ao campo da cardiologia indica, na incidência de isquemia miocárdica silenciosa, como fator imprevisível e irreversível de razoável freqüência, a ocorrência de nenhum sintoma aparente” (acórdão n. 14.559, relator - Desembargador Ulysses Lopes). Contrariamente a essa, na obrigação de resultado, o profissional obriga-se a atingir determinado fim; o que interessa é o resultado de sua atividade, sem o qual não terá cumprido a obrigação e, portanto, deverá indenizar os prejuízos causados, o que, repise-se, não ocorre, em regra, para os profissionais da área médica. Verificada que a culpa, a atuação culposa, é condição indispensável para a condenação do profissional de saúde em indenizar os danos causados, é mister

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nos aprofundarmos nessa questão. Para a caracterização da culpa não se torna necessária a intenção, basta a simples voluntariedade de conduta, que deverá ser contrastante com as normas impostas pela diligência, pela prudência ou pela perícia comuns. A culpa, assim, nos exatos termos da legislação, é caracterizada pela negligência, pela imprudência ou pela imperícia. A negligência caracteriza-se por inação, inércia, passividade, configurando-se pela falta de observância aos deveres que as circunstâncias exigem. Trata-se de um ato omissivo, como o abandono do doente, a omissão de tratamento, o esquecimento, em cirurgia, de corpo estranho no abdome do paciente. Nesse sentido, o Tribunal de Justiça do Paraná entendeu que “é induvidosamente negligente o médico que, após realizar uma episiotomia em parturiente, não dá maior atenção a suas queixas posteriores, deixando de proceder a um exame mais detalhado, muito embora o quadro anormal, permitindo a formação de um abscesso de graves proporções do reto, que exigiu cirurgia de emergência no dia imediatamente após a última consulta com o profissional, sem que qualquer providência mais atuante fosse tomada”.(10) Por sua vez, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro entendeu que o ato de esquecer agulha de sutura no organismo do paciente configura grave violação dos deveres impostos ao cirurgião e equipe, assim como ao hospital conveniado, incidindo reparação civil e reconhecendo a negligência médica.(11) O mesmo tribunal, em determinado caso, entendeu que o médico, ao deixar o bisturi elétrico junto da mão da paciente, provocando-lhe queimaduras, agiu com negligência, de modo a configurar sua conduta culposa e, conseqüentemente, o dever de indenizar.(12) O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, reconheceu a obrigação de indenizar decorrente da conduta negligente do médico quanto aos cuidados posteriores à intervenção cirúrgica.(13) Para um caso cardiológico, entendeu o Tribunal de Justiça de São Paulo que houve falha do hospital por não atentar à evolução rápida de dores e do estado geral de paciente, que, mesmo sem poder se comunicar, foi mantido em sala de repouso, vindo a falecer “em razão de grave problema que o vulgo costuma denominar de síncope ou ataque cardíaco”(14). Na imprudência há culpa comissiva. Age com imprudência o profissional que tem atitudes não justificadas, açodadas, precipitadas, sem usar de cautela. Imprudência é o contrário de prudência e prudência é sinônimo de previdência. A doutrina exemplifica casos de imprudência como o do cirurgião que não espera pelo anestesista, realizando, ele mesmo, a anestesia; como o médico que resolve realizar em trinta minutos cirurgia que, normalmente, é realizada em uma hora. Nesse sentido, entendeu o Tribunal de Justiça de

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São Paulo que é imprudente o profissional da ortodontia que se utiliza de PROENÇA JMM técnicas cirúrgicas não Responsabilidade aprovadas pela comunidalegal do médico – de científica em virtude do civil, penal comprometimento de e administrativa enervações e da estrutura óssea.(15) A imperícia, por sua vez, consiste na falta de observação das normas, deficiência de conhecimentos técnicos da profissão, despreparo técnico. Trata-se da incapacidade para exercer determinados ofícios, por falta de habilidade ou ausência dos conhecimentos necessários, rudimentares, exercidos em uma profissão. A doutrina exemplifica casos de imperícia como o de um médico que emprega meio de tratamento anteriormente utilizado, mas já abandonado; o caso de um ginecologista que empregou, sistematicamente, um método que não oferecia mais todas as garantias requeridas pela boa técnica; o de obstetra que, na operação cesariana, corta a bexiga da parturiente. Nossos tribunais, por sua vez, já manifestaram o entendimento de que comete erro profissional, sob a modalidade de negligência e imperícia, o médico que, ao atender criança vítima de desastre por queda sobre uma cerca, faz sutura em sua face sem constatar a presença de estrepe encravado na carne e ainda deixa de ministrar vacina antitetânica, causando a morte do infante.(16) O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul proferiu entendimento de que age com negligência, imperícia e imprudência o médico que sem saber exatamente o quadro clínico como um todo, a extensão da moléstia ou, ainda, a integralidade da enfermidade realiza cirurgia de catarata congênita na criança, que padecia de processo infeccioso.(17) Por sua vez, o Tribunal de Justiça de São Paulo entendeu ser imperito e negligente o médico cardiologista que não encaminhou ou reencaminhou um paciente senil ao profissional adequado (neurologista), dados os sintomas que apresentava, tendo sido apurado, posteriormente, que o paciente, em razão do traumatismo craniano decorrente de uma queda, apresentava quadro neurológico grave, com a presença de hematoma subdural de progressão lentificada.(18) Para sintetizar todos os elementos configuradores da culpa, expressivo é o entendimento manifestado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: “É negligente o médico plantonista do setor de urgência que deixa de investigar corretamente as circunstâncias do acidente, no seu aspecto de gravidade, e que deixa de encaminhar a exame radiológico ao profissional habilitado. É imperito o facultativo que examina chapas de

raio X e delas não extrai o que a ciência lhe obrigara. É imperito o médico que não constata lesões externas no mesmo dia diagnosticadas na necropsia e imprudente é o profissional da medicina que libera menino de onze anos com história de acidente envolvendo um caminhão e que padece de fortes dores, prescrevendo analgésicos e pomada inflamatória”. A título de contraponto e conclusão, deve-se entender que não é imperito quem não sabe, mas aquele que não sabe aquilo que ordinariamente um profissional da saúde deve saber; não é negligente quem descura alguma norma técnica, mas aquele que descura norma que todos os outros observam; não é imprudente quem usa experimentos terapêuticos perigosos, mas aquele que os utiliza sem necessidade. Para a subsistência da responsabilidade civil, ou seja, da obrigação de indenizar os danos causados, não basta a conduta culposa, é necessária a existência efetiva de um dano. O dano revela-se, portanto, elemento constitutivo da responsabilidade civil, que não pode existir sem ele. Mesmo em se constatando conduta culposa, em não havendo dano, nada haverá a indenizar. Os danos advindos da conduta médica podem ser: a) Físicos – Trata-se do prejuízo corporal e se compõe de elementos variáveis, indenizáveis separadamente conforme a invalidez parcial ou total, permanente ou temporária. Exemplo: perda de movimentos corpóreos, amputação de membros, cicatrizes, etc. b) Materiais – Trata-se de conseqüências dos danos físicos. Exemplos: lucros cessantes, despesas médico-hospitalares, medicamentos, viagens, contratação de enfermeiros, pensão alimentícia daqueles que se privaram em caso de evento morte, etc. c) Morais – Trata-se da dor sofrida, o profundo malestar advindo de danos causados à esfera das relações sociais, a frustração pela abrupta cessação de uma atividade profissional ou perda de ente querido, etc. De acordo com os danos apurados, especifica-se ou arbitra-se o montante para o ressarcimento. Os danos podem ser classificados em emergentes, ou seja, o que se perdeu (como as despesas com novos tratamentos ou cirurgias, transporte, etc.), ou lucros cessantes, ou seja, aquilo que se deixou de ganhar (como a suspensão do recebimento de rendas em razão da incapacidade temporária ao trabalho).(19) Assim, em caso de uma conduta culposa de profissional de saúde que tenha causado a morte de paciente pai de família, poderá haver condenação ao reembolso de todas as despesas com hospitais, médicos, medicamentos, funeral, etc. (a título de danos emergentes), ao pagamento de pensão alimentícia aos filhos e dependentes do falecido (lucros cessantes), bem como ao dano moral, a ser arbitrado pelo Juízo, em

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face da dor proporcionada aos familiares do paciente. PROENÇA JMM Por fim, é mister ressalResponsabilidade var que a leitura atenta do legal do médico – já transcrito artigo 951 do civil, penal Código Civil leva-nos à e administrativa percepção de que, além da ação ou da omissão culposa e da efetividade do dano, para a existência da obrigação de indenizar, deve haver ainda a demonstração do nexo de causalidade entre a ação culposa e o dano, ou seja, o dano ocorrido tem que ter por causa a ação ou omissão culposa. Verificada a existência de dano, de prejuízo à saúde do paciente, mas não evidenciado o liame de causalidade desses danos com o comportamento do profissional de saúde, improcedente deverá ser o pleito indenizatório. No tocante ao nexo de causalidade, deve-se despender maior cuidado na análise da sua (in)existência. A prática tem-nos mostrado que pacientes poliqueixosos, após serem submetidos a um tratamento ou cirurgia, com ou sem sucesso, tendem a responsabilizar o profissional de saúde pelos outros males, preexistentes ou supervenientes. Aduzem que o primeiro tratamento foi incorreto, que trouxe seqüelas, etc., não obstante os males reclamados decorrerem, na verdade, da própria condição orgânica do paciente ou mesmo serem preexistentes à atuação do profissional de saúde. Frise-se, ainda, nesse tópico, que a verificação do nexo de causalidade, em alguns casos, pode ser extremamente difícil. Dois pacientes acometidos do mesmo mal e tratados de modo idêntico podem apresentar reações absolutamente distintas à terapia: num caso, a cura; noutro, o agravamento da enfermidade ou mesmo o óbito. Assim, em ações judiciais envolvendo profissionais de saúde, nunca se deve descartar a ponderação acerca das condições orgânicas ou preexistentes do paciente, nem sempre possíveis de avaliação pelo profissional. Essas condições podem ser as responsáveis pelo eventual dano sofrido pelo paciente, ou seja, independentemente da conduta desenvolvida pelo profissional de saúde, o dano efetivou-se, inexistindo, portanto, nexo de causalidade entre a ação ou a omissão do profissional e o dano ocorrido. Tal problema é bastante enfrentado pelos tribunais. Em caso de paciente com histórico de luxação congênita displásica bilateral dos quadris submetido a cirurgia, sem maior sucesso, gerando, ao contrário, agravamento de suas condições de locomoção, entendeu

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o Tribunal de Justiça de São Paulo que, em razão da comprovação da regularidade da cirurgia, que era a indicada pela patologia diagnosticada, é lícito presumir que o insucesso decorreu muito mais de fatores imponderáveis relacionados à natureza biológica da paciente. No mesmo sentido, conforme decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, “as condições clínicas inerentes a cada paciente, como biótipo, hipertensão arterial, situação emocional e outros fatores, são capazes de interferir no resultado da cirurgia, independentemente da boa técnica cirúrgica utilizada”, motivo pelo qual foi julgada improcedente a pretensão do paciente em ser indenizado pelos prejuízos que alegou ter sofrido(20). Assim é que, mesmo que tenha ocorrido dano ao paciente, poderá inexistir a responsabilidade em indenizá-lo, quer pela falta de conduta médica culposa quer pela inexistência de nexo de causalidade. Nesse sentido: “Responsabilidade civil. Deformidade decorrente de moléstia palmar – ‘contratura de Dupruyten’. Cardiopatia hipertensiva constatada após a realização de cirurgia. Prova pericial que atestou a inexistência de erro médico. Nexo causal não configurado. Apresenta-se improcedente o pleito que busca responsabilizar médico cirurgião-plástico por deformidade na mão, decorrente da moléstia denominada Contratura de Dupruyten, quando não houve comprovação de ser inadequado o tratamento ministrado. Nexo causal não configurado a ensejar a obrigação do médico a ressarcir os danos postulados na inicial”.(21) Ao lado dessa responsabilidade civil dos profissionais de saúde, que enseja o dever de indenizar pelos danos causados, a atuação na área da saúde pode ainda ensejar a instauração de inquéritos policiais e processos penais para apuração de eventual crime. O objetivo, nessa seara, não é impor a obrigação de indenizar a vítima do evento pelos prejuízos experimentados, mas sim o de impor ao profissional uma penalidade pelo desvalor da ação ou da omissão. Em outras palavras, o objetivo, no âmbito do direito penal, é impor ao agente uma sanção que vise a, primordialmente, desestimular a reiteração da conduta dada como ilícita pelo legislador. A penalidade pode ser de restrição da liberdade de ir e vir (prisão), monetária (multa) ou de outra natureza, chamada de pena alternativa (como a de prestar gratuitamente serviços à coletividade). Os principais tipos penais relacionados com a atuação de profissionais de saúde estão descritos a seguir. a) Homicídio culposo, estabelecido no artigo 121, parágrafo 3o, do Código Penal (pena de um a três anos de detenção) – O homicídio é considerado culposo quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia, que, dentro do direito penal, são entendidas de maneira semelhante ao direito civil, ou seja: a imprudência está relacionada com

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a prática de atos não justificados, precipitados, sem cautela; a negligênPROENÇA JMM cia, com desleixo, inação Responsabilidade e torpidez; e a imperícia, legal do médico – com o despreparo técnico civil, penal prático ou insuficiência de e administrativa conhecimentos técnicos no exercício de uma profissão. A pena poderá ser aumentada em um terço se o crime resultar da inobservância de regra técnica, de profissão, ou se o agente deixar de prestar imediato socorro à vítima, não procurar diminuir as conseqüências de seu ato ou fugir para evitar a prisão em flagrante. Nossos Tribunais, ao enfrentarem questões relacionadas aos profissionais de saúde, entenderam que um profissional médico cometeu homicídio culposo, agindo com negligência, ao deixar de examinar convenientemente uma criança em estado de saúde precário, que, logo após ter deixado o hospital em que foi atendido, em situação anormal e tecnicamente desaconselhável e sem medicação prescrita, veio a falecer.(22) Em outro caso, entendeu o Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo que desenganadamente pratica homicídio culposo o médico que, sem previamente providenciar testes de sensibilidade em paciente, encarrega, sem sua supervisão, um estagiário de enfermagem de aplicar injeção de soro antitetânico, vindo a vítima a falecer, instantes depois, em razão de problema cardiopático.(23) b) Lesão corporal culposa, prevista no artigo 129, parágrafo 6º do Código Penal (pena de dois meses a um ano de detenção, podendo ser ela aumentada nos mesmos termos do homicídio culposo) – Para a configuração desse tipo penal é mister que o profissional de saúde, no desempenho de sua profissão, venha a agir com imprudência, negligência ou imperícia, causando danos à integridade física do paciente. Como exemplo, pode-se conjeturar o caso de um cirurgião plástico que, ao ignorar regras técnicas médicas, causa deformidade em seu paciente. A jurisprudência brasileira mostra o caso de um médico que, ao realizar uma operação de fimose, com emprego de bisturi elétrico, após a anestesia geral do paciente, procedeu à assepsia da região pubiana com a tintura “mertiolate”, passando à cauterização da veia do frênulo com o bisturi elétrico. Nesse momento, conforme explicação do médico, ocorreu o acidente como um choque elétrico, tendo sido produzidas queimaduras na glande, no prepúcio, no corpo do pênis e, inclusive, na pele do escroto. As queimaduras determinaram a necrose do órgão genital do paciente, tornando-se necessária a ablação do mesmo. O entendimento manifestado pelos julgadores foi o de que: “Ao iniciar o trabalho de cauteriza-

ção, utilizando-se do bisturi elétrico – logo após a assepsia efetuada com “mertiolate” –, o médico praticamente ateou fogo na região pubiana do paciente. Cumpria-lhe, em verdade, retardar a intervenção cirúrgica durante o tempo necessário a que o anti-séptico aplicado perdesse, pela evaporação, a característica de substância inflamável. Logo, houve delito culposo, indiscutivelmente, pela omissão de cautela necessária a impedir o resultado antijurídico”. O médico, nesse caso, foi condenado à pena de cinco meses de detenção, com “sursis” pelo prazo de dois anos.(24) Em outro julgado, entendeu o Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo que “comete crime de lesão corporal culposa o médico que por imperícia, ao submeter vítima à cirurgia para retirada de pino metálico inserido em osso lesado, pinça nervo ciático conjuntamente com vaso sangrante, acarretando total comprometimento desse nervo, atrofia do membro atingido e equinismo do pé.”(25) c) Omissão de socorro, previsto no artigo 135 do Código Penal (pena de um a seis meses de detenção ou multa, sendo a pena aumentada em metade se da omissão resultar lesão corporal de natureza grave, e triplicada se resultar em morte). Trata-se de crime consistente na vontade consciente e livre de não prestar o possível socorro à pessoa em grave ou iminente perigo ou não pedir, nesse caso, o socorro da autoridade pública. Sobre esse tipo penal, expressivo foi o julgamento, já ocorrido, com a condenação de um médico do interior que, estando de plantão na Santa Casa local, deixou de atender pessoa que ali se apresentou com forte crise de bronquite, em razão de a mesma não possuir convênio hospitalar. Cuidava-se de situação de grave e iminente perigo enfrentada pelo paciente. Entenderam os julgadores que “o dever de prestar socorro a quem se acha especialmente afetado em sua incolumidade física ou fisiológica nasce da situação de fato e fundamenta-se no valor ético social da solidariedade humana”. Ainda nesse sentido, conforme decisão proferida pelo Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, configura o crime de omissão de socorro a conduta de médico que recusa assistência a doente grave, a pretexto de falta de pagamento de honorários.(26) O mesmo tribunal, em outra decisão, entendeu que “responde por omissão de socorro o médico que, embora solicitado, deixa de atender de imediato o paciente que, em tese, corria risco de vida, omitindose no seu dever de facultativo.(27) Em outro caso, entendeu o Tribunal de São Paulo que não se encontra tipificado o crime de omissão de socorro quando o médico se recusa a mandar ambulância buscar parturiente com rompimento de bolsa do líquido amniótico, face à ausência de perigo imediato e grave, uma vez que o parto não é imediato ao rompimento da bolsa. Não obstante serem esses três tipos penais os de incidência mais freqüente na área da saúde, outros ti-

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pos podem incidir pela conduta dos profissionais dessa área, como o aborPROENÇA JMM to ilícito, prescrito nos arResponsabilidade tigos 125 e 126 do Código legal do médico – Penal (com pena de até civil, penal dez anos de reclusão). e administrativa Também é reiteradamente discutido no âmbito dos profissionais da saúde o crime de falsidade ideológica, previsto no artigo 299 do Código Penal (pena de reclusão de um a cinco anos e multa, se o documento é público, e reclusão de um a três anos e multa, se o documento é particular), caracterizado pela omissão, em documento público ou particular, de declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante, bem como o de falsidade de atestado médico, previsto no artigo 302 do Código Penal (pena de detenção de um mês a um ano, que poderá ser cumulada com a pena de multa, se o crime for cometido com o fim de lucro), que se caracteriza especialmente pela conduta do médico, no exercício da profissão, quando emitir atestado falso. O terceiro tópico a ser tratado deriva dos Códigos de Ética Profissional, típicos instrumentos reguladores das profissões liberais. Assim, ao lado das responsabilidades civil e penal, já ventiladas, o profissional da área de saúde poderá ainda, em razão de sua conduta (omissiva ou comissiva), sujeitar-se a processo ético perante seu órgão de classe. Nesse sentido, o Código de Ética Médica (Resolução do Conselho Federal de Medicina nº 1246/88) prescreve um rol de condutas, cuja prática é vedada aos médicos. Exemplos: artigo 29 – Praticar atos profissionais danosos ao paciente, que possam ser caracterizados como imperícia, imprudência ou negligência; artigo 42 – Praticar ou indicar atos médicos desnecessários ou proibidos pela legislação do País; artigo 46 – Efetuar qualquer procedimento médico sem esclarecimento e/ou consentimento prévios do paciente ou de seu responsável legal, salvo em iminente perigo de vida; artigo 57 – Deixar de utilizar todos os meios disponíveis de diagnóstico e tratamento a seu alcance em favor do paciente. Instaurado o processo administrativo, que tramita e é julgado pelo próprio órgão de classe, poderá o profissional sofrer as penalidades estampadas na própria legislação, quais sejam: a) advertência confidencial, em aviso reservado; b) censura confidencial, em aviso reservado; c) censura pública, em publicação oficial; d) suspensão do exercício profissional até trinta dias; e e)

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cassação do exercício profissional. É importante salientar que todas as disciplinas legislativas citadas (civil, penal e ética) poderão incidir em razão de uma única conduta médica, sujeitandose, assim, o profissional de saúde, em razão daquela única conduta, a três processos distintos – ação de indenização na esfera civil, visando ao ressarcimento dos danos ocasionados; processo criminal, para a averiguação da prática de determinado crime; e processo ético administrativo, para a apuração de eventual transgressão de norma ética profissional. Assim, exemplificando, pode-se conjeturar que, configurada a conduta culposa em parto gerando o óbito do nascido, poderá ser instaurado um processo civil de natureza indenizatória, um processo penal sob o argumento da ocorrência de homicídio culposo, e um processo ético perante o Conselho Regional da respectiva profissão. De outro lado, salientamos que poderá haver uma conduta de profissional de saúde que configure ato ilícito civil, com a conseqüente condenação na obrigação de reparar os danos causados, sem que haja condenação na esfera criminal e ética e vice-versa. Exemplos: falsidade ideológica, sem qualquer conseqüência na esfera civil – há a incidência da norma penal, sem, contudo, qualquer relevância de natureza civil; e firmar contrato de assistência médica que subordine os honorários ao resultado do tratamento ou à cura do paciente, sem qualquer conotação civil ou penal. Antes de finalizar este artigo sobre a responsabilidade legal do médico, não poderíamos omitir as disposições do Código de Defesa do Consumidor relacionadas com os profissionais de saúde. Referida legislação, vigente em nosso País desde 1990, trouxe novas regras para as relações de consumo (relações entre fornecedores e consumidores de produtos ou serviços), em que se inclui, sem dúvida, a relação entre paciente e profissional de saúde. O artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor prevê: “O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes e inadequadas sobre sua fruição e risco”. Assim é que, em um primeiro momento, poderia se afirmar que os profissionais de saúde, após o advento do referido Código, responderiam, objetivamente, ou seja, sem averiguação de culpa, pelos danos sofridos pelos seus pacientes. Entretanto, o parágrafo quarto do referido artigo estabelece, em relação aos profissionais liberais, a necessidade da existência de culpa como pressuposto da responsabilidade civil. Assim, os profissionais de saúde, como os advogados e os contadores, respondem pelos danos ocasionados a seus pacientes ou clientes, quando comprovada uma atuação negligente,

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PROENÇA JMM Responsabilidade legal do médico – civil, penal e administrativa

imperita ou imprudente. Em conclusão, o erro, quer para profissionais de saúde quer para todas as outras atividades, pode acarretar conseqüências jurídicas relevantes e de-

sagradáveis, motivo pelo qual procedimentos e investimentos de qualquer ordem para preveni-lo configuram conduta inteligente, devendo ser incentivados. Assim é que o velho brocardo “é melhor prevenir do que remediar”, largamente utilizado pelos profissionais de saúde em destinação a seus pacientes, também deve balizar a conduta desses profissionais.

LEGAL RESPONSIBILITY OF THE PROFESSIONAL OF HEALTH – CIVIL, PENAL, AND ADMINISTRATIVE JOSÉ MARCELO MARTINS PROENÇA The article is focused on the responsibilities of the professionals of health regarding their professional procedure, according to the Brazilian judicial courts. It is divided in three distinct topics: implications of the Civil Law, implications of the Penal Law, and administrative implications. Regarding to the Civil Law, the medical activity can generate compensate actions, on account of a faulty procedure that has generated mischief to the patient, depending on the condemnation of the high connection between medical act and damage. Besides the civil responsibility of the professionals of health, the medical action is able to start police inquiries and penal trials aiming at the verification of occasional crime. The penalty can be of restraint of the liberty of go and come (prison), monetary (fine), or of another nature, called alternative penalty. The third topic is based on the Codes of Professional Ethics, which regulate the liberal professions. Besides penal and civil responsibilities, the professional of health is able to, on account of his conduct, subject himself to ethical trial. In that case, the possible penalties are: confidential warning, in private notice; confidential censure, in private notice; public censure, in official publication; suspension of the professional exercise for 30 days; or permanent suspension of the professional exercise. Key words: medical malpractice, penal and civil medical responsibilities, medical activity, negligence, unskilfulness, carelessness. (Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;4:332-40) RSCESP (72594)-1549

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NOTAS PROENÇA JMM Responsabilidade legal do médico – civil, penal e administrativa

1. Nesse sentido, a redação do artigo 186 do Código Civil Brasileiro de 10 de janeiro de 2002 – Lei 10.406: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral,

comete ato ilícito”. 2. Referido artigo substituiu o de número 1.545 do Código Civil anterior, de 1916, que assim disciplinava a questão: “Os médicos, cirurgiões, farmacêuticos, parteiras e dentistas são obrigados a satisfazer o dano, sempre que da imprudência, negligência ou imperícia em atos profissionais resultar morte, inabilitação de servir ou ferimento”. 3. Os artigos 948, 949 e 950 citados no próprio artigo 951 transcrito referem-se aos danos a serem reparados: Artigo 948 – “No caso de homicídio, a indenização consiste, sem excluir outras reparações: I - no pagamento das despesas com o tratamento da vítima, seu funeral e o luto da família; II – na prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a duração provável da vida da vítima”. Artigo 949 – “No caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até o fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido”. Artigo 950 – “Se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer seu ofício ou profissão ou se lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até o fim da convalescença, incluirá pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou ou da depreciação que ele sofreu. Parágrafo único – O prejudicado, se preferir, poderá exigir que a indenização seja arbitrada e paga de uma só vez.” 4. Como exemplo, pode-se citar a hipótese descrita no

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artigo 936 do Código Civil: “O dono, ou detentor, de animal ressarcirá o dano por este causado, se não provar culpa da vítima ou força maior”. 5. Decisão proferida nos autos da Apelação Cível nº 97.003506-3, Relator Des. Sérgio R. Baasch Luz. 6. Decisão transcrita na Revista dos Tribunais 558/178. 7. Decisão transcrita na Revista dos Tribunais 714/206. 8. Decisão proferida nos autos dos Embargos Infringentes nº 70003739042, Des. Relator Clarindo Favretto. 9. Decisão transcrita na Revista dos Tribunais 613/46. 10. Decisão transcrita na Revista dos Tribunais 608/ 160. 11. Decisão proferida nos autos da Apelação Cível nº 4486/93, Rel. Des. Pedro Américo Rios Gonçalves. 12. Repertório de jurisprudência IOB – nº 4/2002 – caderno 3 – p. 90. 13. Decisão proferida nos autos do Recurso Especial nº 73.958, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar. 14. Decisão proferida nos autos da Apelação Cível n. 113.803-4/9-00, relator Des. José Osório. 15. Decisão proferida nos autos da Apelação Cível 94.807, Rel. Des. Renan Lotufo. 16. Decisão proferida pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região, nos autos da Apelação Cível 89.01.226480. 17. Decisão proferida nos autos da Apelação Cível nº 70002471480, Rel. Des. João Pedro Pires Freire. 18. Decisão proferida nos autos da Apelação Cível no 83.927.4/2, Rel. Des. Ivan Sartori. 19. A indenização deve ser fixada de acordo com os artigos 948, 949 e 950, transcritos na Nota 3. 20. Decisão proferida nos autos da Apelação Cível nº 6928/94, Relator Des. Marlan Marinho. 21. Acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul de no 700002384857/2001/Cível. 22. Decisão proferida pelo Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, nos autos da Apelação Criminal nº 20855. 23. Decisão proferida nos autos da Apelação Criminal nº 198237. 24. Decisão transcrita na Revista dos Tribunais 578/ 391. 25. Decisão proferida nos autos da Apelação Criminal nº 579959/4. 26. TACrSP, julgados 83/321. 27. Jurisprudência do TACrimSP 47:223.

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