Fernanda Barros Abras Pedro Henrique Nogueira Penido
De gatekeeper a cartógrafo da informação: a reconfiguração do papel do jornalista na web
Belo Horizonte Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Fumec 2006
2
Fernanda Barros Abras Pedro Henrique Nogueira Penido
De gatekeeper a cartógrafo da informação: a reconfiguração do papel do jornalista na web
Monografia apresentada ao Curso de Graduação da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Fumec como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo. Orientador: Prof. Ms. Jorge Rocha Neto da Conceição
Belo Horizonte Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Fumec 2006
3
Universidade Fumec Faculdade de Ciências Humanas Curso de Comunicação Social Habilitação em Jornalismo
Monografia intitulada “De gatekeeper a cartógrafo da informação: a reconfiguração do papel do jornalista na web”, de autoria dos bacharelandos Fernanda Barros Abras e Pedro Henrique Nogueira Penido, aprovada pela banca examinadora constituída pelos seguintes professores:
______________________________________________________________ Prof. Ms. Jorge Rocha Neto da Conceição - Orientador
______________________________________________________________ Prof.
______________________________________________________________ Prof.
Belo Horizonte, 13 de novembro de 2006
4
Dedicamos este trabalho a todos que contribuem para a evolução da pesquisa em cibercultura, especialmente àqueles que fazem avançar os estudos referentes ao webjornalismo.
5
Agradecemos ao nosso orientador, professor Jorge Rocha, por nos apresentar e fazer crescer o jornalismo na web.
Aos demais professores, por terem nos proporcionado o saber específico para o exercício da profissão.
A todos que amamos e que nos apoiaram nessa etapa tão desgastante, porém desafiadora.
6
“É possível encontrar e mostrar, a partir de qualquer ponto da rede, quase tudo aquilo que pode ser captado na esfera digital. A escrita e a leitura, a palavra e a escuta, o aprendizado e o ensino serão transformados por estas novas possibilidades de indexação. O ciberespaço em seu conjunto pode ser considerado como um hiperícone vivo, contendo o conjunto das imagens artísticas, científicas, registradas ou simuladas, produzidas ou captadas pelo artifício humano”. Pierre Lévy
7
RESUMO
A Internet atualmente faz parte do cotidiano de milhões de pessoas. Sua expansão afetou as relações sociais e, conseqüentemente, os processos comunicacionais. Hoje, a web já é percebida como uma mídia com fazer jornalístico específico: o webjornalismo. As características interacionais e hipermidiáticas da rede, aliadas ao seu caráter descentralizado, proporcionam à audiência a possibilidade de publicar conteúdo e colaborar na produção jornalística, o que vem afetando marcos teóricos tradicionais da comunicação, como os processos de gatekeeping e agenda-setting. Assim, o papel do jornalista vem se reconfigurando à medida que os recursos que a web oferece são utilizados de forma a aproveitar as suas potencialidades. Atribuições clássicas do profissional, como gatekeeper e agenda-setter, vêm cedendo espaço a uma nova forma de mediação: a cartografia da informação.
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................10
1 CIBERESPAÇO .......................................................................................................................14 1.1 Conceito de Ciberespaço ......................................................................................................14 1.2 Meios de Comunicação de Massa versus Meios de Comunicação Interativos ................17 1.3 O Jornalismo na Internet .....................................................................................................24 1.4 O ciberespaço como fonte e meio de escoamento de produção.........................................30
2 DO PENSAMENTO MASSIVO À PERSPECTIVA SISTÊMICO-RELACIONAL ........34 2.1 Hipótese do Newsmaking .....................................................................................................34 2.2 Hipótese da Agenda-Setting .................................................................................................38 2.3 Cartografia da Informação ..................................................................................................41
3 ANÁLISE DE SITES ................................................................................................................51 3.1 Caros Amigos .........................................................................................................................55 3.1.1 Histórico ...................................................................................................................55 3.1.2 Planejamento Editorial .............................................................................................56 3.1.3 Análise ......................................................................................................................57 3.2 NoMínimo ...............................................................................................................................62 3.2.1 Histórico ....................................................................................................................62 3.2.2 Planejamento Editorial ..............................................................................................62 3.2.3 Análise ......................................................................................................................63
9
3.3 OhMyNews International .......................................................................................................68 3.3.1 Histórico ....................................................................................................................68 3.3.2 Planejamento Editorial ..............................................................................................69 3.3.3 Análise ......................................................................................................................70
CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................................81
REFERÊNCIAS ...........................................................................................................................85
ANEXOS .......................................................................................................................................90
10
INTRODUÇÃO
A presença da Internet na sociedade passou de privilégio a necessidade. Se no princípio a grande rede de computadores era percebida apenas como ferramenta para auxiliar o trabalho jornalístico dos veículos tradicionais – e mais tarde utilizada como extensão dessas publicações – hoje, a web é entendida como uma mídia que possui um fazer jornalístico específico: o webjornalismo.
Além de seu poder de atualização constante, a Internet propiciou à audiência, pela primeira vez, o poder de publicar qualquer conteúdo, utilizando apenas um microcomputador com acesso à rede. As possibilidades de interação oferecidas pela web romperam com fórmulas engessadas do fazer jornalístico tradicional. Isso significa que o campo jornalístico ligado ao broadcasting perdeu a exclusividade na disseminação de informações, ou seja, o processo de gatekeeping vem sendo minimizado na Internet, principalmente por conta das possibilidades de interlocução entre produtores de conteúdo e audiência, que são estimuladas nesta mídia. Dessa forma, os modelos teóricos da comunicação de massa que têm o gatekeeper como figura central passam a ter sua aplicabilidade questionada no que se refere às Novas Tecnologias da Informação e Comunicação (NTICs).
Sendo assim, este trabalho discute e questiona a aplicação, na mídia interativa, das hipóteses do Newsmaking
e
da
Agenda-setting,
trabalhadas
na
pesquisa
norte-americana
(Mass
Communication Research). Esses estudos se voltam para o processo de produção da notícia e seus efeitos sobre o público. Apesar de alguns autores enquadrarem erroneamente a Internet em paradigmas antigos e relacionados aos meios de comunicação de massa, há a tendência de se
11
utilizar um novo paradigma – uma abordagem sistêmico-relacional – que ainda se encontra em desenvolvimento.
O caráter descentralizado da Internet – proporcionado pela arquitetura em forma de teia – propicia uma comunicação horizontal que, aliada às especificidades interacionais da rede, subverte a noção hierárquica de emissão e recepção presente nos estudos tradicionais da comunicação. Os membros da audiência na web, ao participarem ativamente da ação comunicativa, posicionam-se ora como emissores, ora como receptores, já que esses papéis são constantemente permutados entre os diversos atores que intervêm nessa mesma ação. Sendo assim, as noções de produtor e consumidor de informação se amalgamam no interagente na web, gerando um novo conceito: o termo prosumidores.
Se a World Wide Web vem afetando os diversos aspectos da realidade jornalística, um deles, senão o principal, refere-se ao profissional do jornalismo. A Internet, além de modificar os modos de acesso à informação e os modelos tradicionais de comunicação, está também trazendo à tona uma nova forma de mediação jornalística: a cartografia da informação. Às atribuições habituais do jornalista – e considerando a redução do seu monopólio na publicação do que vai figurar na esfera pública – somam-se os papéis de sistematizador e correlacionador de conteúdos, de elemento de ligação entre os diversos discursos (divergentes e consensuais), aquele que indica, reúne, aproxima e constrói narrativas explorando as potencialidades da hipermídia. Enfim, ao webjornalista cabe – dentro de um ambiente em que o fluxo informacional cresce a cada segundo – evitar a insuficiência ou a sobrecarga cognitiva, cartografando a informação dentro do ciberespaço.
12
E para que o cartógrafo de informação possa desempenhar adequadamente esse novo tipo de mediação, que leva em conta a participação dos prosumidores/interagentes, resta compreender que as especificidades do meio interacional transformam as relações sociais e, conseqüentemente, reconfiguram o espaço público, à medida que novos indivíduos são incorporados na produção de discursos diversos, contraditórios ou não.
Portanto, este presente trabalho visa a analisar o impacto da participação da audiência na produção da notícia e como o papel do jornalista vem se reconfigurando para atender a essa nova demanda do público leitor: participar. Para tanto, foi dividido em três capítulos. O primeiro traz a conceituação de ciberespaço – espaço em que a reconfiguração do papel do jornalista acontece – e apresenta as diferenças entre os meios de comunicação de massa e os interativos, que atuam, respectivamente, por meio dos sistemas broadcast (ou top-down news) e intercast (ou bottom-up news). O capítulo mostra, ainda, a evolução da prática jornalística na Internet desde meados da década de 1990, quando a web começou a ser utilizada como mídia, e aborda o jornalismo online como versões digitais de veículos tradicionais e o webjornalismo como publicações pensadas exclusivamente para web. Apresenta-se, ainda nesta parte, o ciberespaço como o ambiente no qual se desenvolvem todas as etapas do trabalho webjornalístico.
O segundo capítulo aborda a transição, desde que o jornalismo vem sendo praticado na Internet, entre um modus operandi ainda massivo até o funcionamento sistêmico-relacional dos sites de conteúdo colaborativo. Para isso, apresentamos as hipóteses do Newsmaking e da Agenda-setting, originárias da comunicação de massa, contrapondo-as à nova mediação que o jornalista assume na web: a cartografia da informação.
13
A terceira parte destina-se às análises de sites que exemplificam a transição exposta no segundo capítulo. Foram analisados os sites Caros Amigos, NoMínimo e OhMyNews International, que, nessa ordem, demonstram a evolução entre um modo de atuação ainda ligado à experiências das mídias tradicionais e uma nova práxis exclusiva da mídia Internet.
Este trabalho não pretende atribuir ao webjornalismo, em relação às praticas jornalísticas de outras mídias, o caráter de mais avançado ou melhor. A intenção é discutir as especificidades dessa nova práxis e a aplicação, de forma apropriada, das potencialidades dessa nova mídia – a Internet –, que não substitui as demais, mas apresenta uma alternativa para a realização de um jornalismo que contemple mais o interesse público.
14
1 CIBERESPAÇO
1.1 Conceito de ciberespaço
Para compreender de que forma se dão as modificações na prática jornalística a serem explicitadas neste trabalho, é necessário melhor dimensionar o ambiente informacional onde essas mudanças acontecem: o ciberespaço. Esse termo – do inglês cyberspace – foi criado por William Gibson, no seu livro Neuromancer, de 1984. Para Gibson, apud Lemos1, o ciberespaço é uma “alucinação consensual”, “um espaço não físico ou territorial, que se compõe de um conjunto de redes de computadores através das quais todas as informações (sob as suas mais diversas formas) circulam”.
Desde então, essa definição de Gibson foi se transformando. Com a rápida expansão das redes de computadores, o termo ciberespaço caiu em senso comum e vem sendo usado erroneamente como sinônimo para Internet – que representa o suporte midiático. De fato, a “rede das redes” é a faceta mais aparente do ciberespaço, já que atualmente a Internet faz parte do cotidiano de milhões de pessoas, conforme apontam os estudos do Media Center:
“Today one billion computers are connected to the Internet, most dialing in trough telephone lines. By the end of 2010, Intel predicts that more than 1.5 billion computers will be connected via high-speed broadband and another 2.5 billion phones will have more processing power than today's PCs”2.
1
Disponível em http://www.futuro.eng.br/CIBER.html Acesso em: 19/08/2006 “Hoje um bilhão de computadores estão conectados à rede, a maioria discando a partir de linhas telefônicas. Até o final de 2010, a Intel prevê que mais de 1,5 bilhão de computadores estarão conectados por meio de banda-larga de alta velocidade e outros 2,5 bilhões de aparelhos telefônicos [celulares] terão mais capacidade de processamento que os computadores atuais” [tradução nossa]. BOWMAN, Shayne & WILLIS, Chris. We Media: How the audiences are shaping the future of news and information. Disponível em http://www.hypergene.net/wemedia/download/we_media.pdf Acesso em: 19/08/2006 2
15
Uma das primeiras tentativas de conceituação, após a transformação da ficção de Gibson em realidade, foi dada por Pierre Lévy (2000:92), que definiu o ciberespaço como “o espaço de comunicação aberto pela interconexão mundial dos computadores e das memórias dos computadores”. Essa é uma definição que foi, com o passar do tempo e com a aplicação prática, suplementada. A Internet, com todo esse seu potencial midiático de crescimento, deve ser entendida como um dos componentes do ciberespaço, um novo ambiente que rompe com a limitação das distâncias físicas para oferecer uma dimensão em que predomina o tempo real e imediato.
Para demonstrar esta evolução conceitual, podemos recorrer inicialmente a Lemos, que define o ciberespaço por meio de duas perspectivas: “como o lugar onde estamos quando entramos num ambiente virtual (realidade virtual), e como o conjunto de redes de computadores, interligadas ou não, em todo o planeta (BBS3, videotextos, Internet...)”. Já Silva Jr. (2002:132) concebe o ciberespaço como “a grande miríade de artefatos, redes, aparelhos, dinâmicas e manifestações emergentes a partir do momento em que ocorrem em interação com dispositivos computacionais”. Dessa forma, percebe-se que, além da infra-estrutura técnica, os indivíduos também são incluídos na composição do ciberespaço, conforme atesta Leão (2003:158):
O ciberespaço engloba: as redes de computadores interligados no planeta (incluindo seus documentos, programas e dados); as pessoas, grupos e instituições que participam dessa interconectividade e, finalmente, o espaço (virtual, social, informacional, cultural e comunitário) que se desdobra das inter-relações homem-máquina.
O encontro desses elementos permite a criação de novos vínculos sociais. Pierre Lévy (2004:369) levanta a hipótese de que “a revolução do ciberespaço vai reestruturar profundamente a esfera 3
Bulletin Board System: Um dos primeiros sistemas de troca de informações por computador.
16
pública mundial, o que terá profundas repercussões sobre a vida democrática”. Lemos afirma que o ciberespaço aparece, então, como o ambiente pelo qual toda a sociabilidade contemporânea passará. Segundo o autor:
O ciberespaço é concebido como um espaço transnacional, onde o corpo é suspenso pela abolição do espaço e pelas "personas" que entram em jogo nos mais diversos meios de sociabilização [...]. Assim sendo, o ciberespaço é um "não-lugar", uma "u-topia" onde devemos repensar a significação sensorial de nossa civilização baseada em informações digitais, coletivas e imediatas.
Esta “rede de inteligências coletivas” representa uma fronteira entre o concreto – em que espaço e tempo são entidades físicas bem definidas – e o imaterial – em que a noção de espaço é perdida em função da noção de tempo real. Para Lemos, tal fato significa “a passagem da modernidade (onde o espaço é esculpido pelo tempo) à pós-modernidade (onde o tempo aniquila o espaço); de um social marcado pelo indivíduo autônomo e isolado ao coletivo tribal e digital”.
El Hajji (2001) demonstra essa ruptura quando compara os fenômenos da mundialização e da globalização. O autor se refere à mundialização como um fenômeno essencialmente espacial, que se relaciona com a descoberta e a conquista de novas regiões do mundo pelos europeus. Já a globalização é entendida por ele como um processo que “se inscreve na ordem info-temporal e tecno-organizacional”, proporcionado pela inserção das Novas Tecnologias de Informação e de Comunicação (NTICs), que rearticulam as relações sociais e de produção.
A especificidade dessas tecnologias [...] consiste no deslocamento das instâncias de mediação política, econômica e social da dimensão espacial para a temporal, e a instituição do princípio de instantaneidade e de imediatez como base de regulação de nossa experiência significativa (EL HAJJI, 2001:75).
17
Sendo assim, ao mesmo tempo em que o ciberespaço representa uma ruptura, uma fronteira entre o real e o virtual, revela-se também como um retorno às sociedades tribais, nas quais a sociabilidade era submetida à proximidade física. Só que, no caso do ciberespaço, de acordo com Vaz (2004:225), a proximidade é tecnológica, de todos com todos. “Eis o sonho: com a internet, enfim, a troca de mensagens assemelha-se a um diálogo ou ao que ocorre numa praça ou numa festa”.
1.2 Meios de Comunicação de Massa versus Meios de Comunicação Interativos
Podemos considerar que as NTICs causaram impacto aos modelos teóricos tradicionais, que “enquadram os meios de comunicação como um aspecto constitutivo do nascimento das sociedades de massa no final do século XIX”4. O surgimento de aparelhos e aparatos de transmissão rápida de informações, aliados à informática e às telecomunicações, propiciou o aparecimento de meios não necessariamente considerados como massivos.
[...] foi a emergência da comunicação planetária via redes de teleinformática que instalou definitivamente a crise nesse exclusivismo [dos meios de comunicação de massa] e, com ela, a generalização do emprego da palavra mídia para se referir também a todos os processos de comunicação mediados por computador (SANTAELLA, 2002:45).
A partir dos anos 1980, novos equipamentos começaram a provocar mudanças nos processos de comunicação e, conseqüentemente, nas relações sociais e na cultura. As “tecnologias comunicacionais do disponível e do descartável” – expressão usada por Santaella (2002:48) para 4
PEREIRA, Fábio Henrique & MORAES, Francilaine Munhoz. Mas afinal, Internet é mídia? Artigo apresentado no XXVI Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação (Intercom), Belo Horizonte, Setembro 2003. Disponível em http://reposcom.portcom.intercom.org.br/bitstream/1904/5145/1/NP2PEREIRA_FABIO.pdf Acesso em: 20/08/2006
18
se referir a fotocopiadoras, videocassetes, videoclips, videojogos, controle remoto, CDs e TV a cabo – deram início a um processo de desterritorialização e reorganização dos contextos culturais. Tal fato se deve à facilidade da circulação de conteúdos, que culmina na homogeneização dos bens simbólicos5, dentro do fenômeno da globalização, potencializado pelo surgimento das NTICs.
Aliada à telecomunicação, a informática permite que esses dados cruzem oceanos, continentes, hemisférios, conectando potencialmente qualquer ser humano no globo numa mesma rede gigantesca de transmissão e acesso que vem sendo chamada de ciberespaço. Catalizados pela multimídia e hipermídia, computadores e redes de comunicação passam assim por uma revolução acelerada no seio da qual a Internet, rede mundial das redes conectadas, explodiu de maneira espontânea, caótica, superabundante (SANTAELLA, 2002:52).
Essa transformação citada por Santaella culmina com o advento da Internet, que nasceu no final da década de 1960, nos Estados Unidos, como resultado de interesses militares. Em 1969, surgiu a Arpanet, uma rede de computadores montada pela Advanced Research Projects Agency (ARPA)6 e operada pelo Departamento de Defesa dos Estados Unidos. O objetivo era criar, no contexto da Guerra Fria, um sistema de interconexão – entre centros de pesquisa militares e acadêmicos espalhados pelo território norte-americano – que sobrevivesse a ataques nucleares. Caso um desses pontos fosse destruído, a comunicação entre os outros permaneceria intacta. A Internet ficou restrita a objetivos militares até a década de 1990, período em que seu uso comercial foi liberado, culminando com sua expansão para todo o mundo.
5
Pierre Bourdieu chama de bens simbólicos o resultado do processo de autonomização da produção intelectual e artística. A vida intelectual e artística permaneceu durante toda a Idade Média e o Renascimento sob a tutela da Aristocracia e da Igreja e esse processo de autonomização foi acelerado pela Revolução Industrial. Os bens simbólicos são produtos, ou seja, valorizados como mercadoria. Disponível em www.fmemoria.com.br/teoriaecritica/img/mercado_dos_bens_simb.pdf Acesso em: 28/08/2006 6 Agência do Departamento de Defesa Americano, hoje chamada The Defense Advanced Research Projects Agency (DARPA). http://www.darpa.mil
19
Assim, a finalidade pela qual foi criada explica o caráter descentralizado da rede, em que todos os nós são equivalentes e não existe um comando central. Essa arquitetura em forma de teia, com nós interligados e auto-suficientes, proporciona uma comunicação horizontal, distanciando a Internet dos meios de comunicação de massa – que tradicionalmente possuem um processo de comunicação vertical. Bowman & Willis7 chamam de broadcast (ou top-down news) e intercast (ou bottom-up news), respectivamente, os modos de atuação dos meios de comunicação de massa e dos meios de comunicação interativos.
A primeira estratégia de publicação – broadcast (ou top-down news) – diz respeito ao processo quase linear utilizado pelas organizações comunicacionais tradicionais (ver figura 1). São estruturas sólidas e inflexíveis, regidas de acordo com decisões centralizadas, disseminadas para os patamares inferiores com feedback mínimo ou nenhum. Ao gerenciar o processo comunicacional nesta estrutura, o sistema broadcast impõe uma rigidez que desumaniza as relações entre os agentes envolvidos nos processos de comunicação. Os chefes afastam-se dos editores, que se afastam dos repórteres, que se afastam de suas fontes e do leitor. As matérias perdem profundidade e tornam-se valores de mercado que impulsionam uma marca, a do jornal, TV ou rádio, na sociedade. Apesar de ser provada a eficiência do sistema broadcast no trato à informação e sua devida disseminação entre os setores da sociedade, esse sistema não é aplicável à comunicação interativa.
7
Disponível em http://www.hypergene.net/wemedia/download/we_media.pdf Acesso em: 19/08/2006
20
Figura 1 - Broadcast (ou top-down news)8
Já a segunda estratégia de publicação – intercast (ou bottom-up news) – possibilita a reunião de leitores, editores, redatores, especialistas, testemunhas, entrevistados e repórteres em um único espaço de informação (ver figura 2). O sistema bottom-up news cresce como seu próprio nome denuncia: de baixo para cima, isto é, da base informativa, do universo de informações que engloba a sociedade, as instituições e seus agentes. Desde a discussão da pauta, até apuração e futuras correções, tudo pode ser feito nesses espaços que amalgamam as relações sociais. Ao fomentar a livre participação dos indivíduos na construção da mensagem, esse sistema privilegia a heterogeneidade em termos de expressão e associação, à medida que encoraja o desempenho de diferentes papéis dentro de comunidades virtuais diversas.
Figura 2 - Intercast (ou bottom-up news)9
8
Disponível em http://www.hypergene.net/wemedia/download/we_media.pdf Acesso em 20/08/2006 [tradução nossa] 9 Disponível em http://www.hypergene.net/wemedia/download/we_media.pdf Acesso em 20/08/2006 [tradução nossa]
21
Além da estrutura descentralizada, o modo de atuação nessa nova mídia lhe confere o caráter de meio interativo, como confirma Primo (2004:47): “a interação não deve ser vista como uma característica do meio, mas como um processo desenvolvido entre os interagentes10”. Dessa forma, a comunicação gerada nesse novo meio vai contra o modelo de comunicação tradicional, que possui uma audiência de massa. Para Wolf (1995:22-23):
A massa é constituída por um conjunto homogêneo de indivíduos que [...] são essencialmente iguais, indiferenciáveis, mesmo que provenham de ambientes diferentes, heterogêneos, e de todos os grupos sociais. Além disso, a massa é composta por pessoas que não se conhecem, que estão separadas umas das outras no espaço e que têm poucas ou nenhumas possibilidades de exercer uma acção ou uma influência recíprocas.
A Internet, ao contrário, possui uma audiência heterogênea, não-massiva, sendo então considerada como meio de comunicação interativo. Por isso, os marcos teóricos tradicionais, aplicados aos meios de comunicação de massa, tornam-se ineficientes para se avaliar a prática jornalística na rede. Um novo paradigma, ainda em desenvolvimento, já é utilizado por alguns autores: o da interatividade. De acordo com Morris & Ogan, “This concept has been assumed to be a natural attributte of interpersonal communication, but […] it is more recently applied to all new media”11.
O termo interatividade ganhou força com o advento da Internet, apesar de já ser presente, com menos intensidade, nos meio convencionais. Brecht (1984) já pensava sobre o conceito na sua
10
Interagentes são os indivíduos (jornalista, fonte, especialista, instituição, entusiasta, etc) envolvidos na construção de conteúdos nesse sistema de interlocução horizontal, sendo cada um deles um nó na rede. 11 “Esse conceito [interatividade] já foi assumido como atributo natural da comunicação interpessoal, mas [...] é mais recentemente aplicado para todas as novas mídias” [tradução nossa]. MORRIS, Merril & OGAN, Christine. The Internet as Mass Médium. Disponível em http://jcmc.indiana.edu/vol1/issue4/morris.html Acesso em: 26/08/2006
22
"Teoria do Rádio", que esboçou entre 1927 e 1932. Ele imaginou um meio em que o ouvinte fosse também emissor:
[…] para descubrir lo positivo de la radiodifusión, una propuesta para cambiar el funcionamiento de la radio: hay que transformar la radio, convertirla de aparato de distribución en aparato de comunicación. La radio sería el más fabuloso aparato de comunicación imaginable de la vida pública, un sistema de canalización fantástico, es decir, lo sería si supiera no solamente transmitir, sino también recibir, por tanto, no solamente oír al radioescucha, sino también hacerle hablar, y no aislarle, sino ponerse en comunicación con él (BRECHT, 1984:89)12.
Brecht acreditava que essa situação só seria possível com a superação da sociedade burguesa, e sua utopia povoou o imaginário de quase todos os teóricos do rádio que vieram depois. Finalmente, parecem estar dadas as condições técnicas para a sua realização, por meio da Internet, e dentro mesmo da sociedade burguesa. A possibilidade de a audiência difundir informações confere à Internet uma interatividade bem mais significativa em comparação com as outras mídias, conforme aponta Campos:
Enquanto na TV seu único instrumento de manipulação interativa era o controle remoto para “interferir” na programação, algo equivalente aos telefonemas e cartas-dos-leitores no contato com os jornais (e também com o rádio e a própria TV), agora o receptor da informação pode ser, ele próprio, um gerador de conteúdos13.
Para Mielniczuk (2001:175), a interatividade na comunicação é determinada por três fatores: uma ação comum entre dois ou mais agentes, a capacidade igualitária de ação desses agentes de forma que possam influir no desenvolvimento do processo e a imprevisibilidade das ações. Segundo
12
[...] para descobrir o positivo da radiodifusão, uma proposta para mudar o funcionamento do rádio: há que se transformar o rádio, convertê-lo de aparato de distribuição para aparato de comunicação. O rádio seria o mais fabuloso aparato de comunicação imaginável da vida pública, um sistema de canalização fantástico, se servisse não somente para transmitir, mas também para receber; portanto, seria não somente ouvir o rádio, mas também fazê-lo falar; não se isolar, mas pôr-se em comunicação com ele [tradução nossa]. 13 CAMPOS, Pedro Celso. Jornalismo Digital: novos paradigmas de produção, emissão e recepção do discurso. Disponível em http://paginas.terra.com.br/educacao/pedrocampos/jornalismodigital.htm. Acesso em: 22/08/2006
23
Steuer, apud Primo (2004:45), a interatividade é definida como “a extensão em que os ‘usuários’ podem participar modificando a forma e o conteúdo do ambiente mediado em tempo real”. O autor acrescenta que a interatividade se diferenciaria de termos como engajamento e envolvimento e seria uma variável direcionada pelo estímulo e determinada pela estrutura tecnológica do meio. Rafaeli, apud Primo (2004:37), diz que “interactivity is a widely used term with an intuitive appeal, but it is an underdefined concept”14. Diante de tantas conceituações, Primo (2004:51) afirma que os diversos enfoques utilizados para o termo interatividade levam a um conceito elástico e impreciso. O autor utiliza o conceito de interação15 para definir a relação estabelecida entre os agentes da comunicação no meio digital. Por se tratar de um atributo da comunicação interpessoal, esse conceito também será usado neste trabalho.
Estabelece-se dois tipos de interação mediada por computador: reativa e mútua. A interação reativa pressupõe previsibilidade e automatização das trocas, ocorrendo quando existem opções de escolha pré-determinadas e condicionantes, como é caso de se apertar este ou aquele botão em um ambiente virtual. A interação mútua é imprevisível, pois cada ação dos participantes repercute na relação e no comportamento de todos os envolvidos, e esse relacionamento vai se definindo à medida que novas (inter)ações são realizadas.
Ao se falar em interação mútua não se está querendo oferecer um pleonasmo. Esse conceito se insere em uma discussão maior. Visto que mesmo a reação mecânica será entendida como um tipo de interação, a interação mútua deve ser compreendida em contraste com a interação reativa. A palavra “mútua” foi escolhida para salientar as modificações recíprocas dos interagentes durante o processo (PRIMO, 2004:54-55).
14
“interatividade é um termo usado amplamente com um apelo intuitivo, mas é um conceito subdefinido” [tradução de Primo]. 15 Primo destaca que, segundo os estudos em lingüística histórica de Starobinsky, a palavra “interação” não possui antecedentes na língua latina clássica, e deriva do verbo inglês to interact, que significa agir reciprocamente, de acordo com o Oxford English Dictionary, de 1839.
24
As potencialidades de comunicação individuais e coletivas, muitas vezes suprimidas pelos meios de comunicação de massa, são redescobertas no ciberespaço com a formação de comunidades virtuais, nas quais os indivíduos interagem, exercendo influências entre si e nos discursos. Castells (2004) aponta que a comunicação horizontal, de cidadão a cidadão, possibilita ao indivíduo criar seu próprio sistema comunicacional na rede, na qual ele encontra as ferramentas necessárias para produzir a mensagem e, o mais importante, o canal para veicular o que lhe convier. Têm-se, agora, novas condições para a prática jornalística, pois a produção da mensagem deixa de ser monopolizada pelos grandes conglomerados da comunicação, o que exige do jornalista uma nova postura diante da inserção de outros atores no processo da construção da notícia.
1.3 O jornalismo na Internet
O jornalismo está presente na Internet desde que esta mídia começou a ser utilizada comercialmente, em meados da década de 1990. Durante esses anos em que a rede vem sendo usada para fins jornalísticos, Silva Jr.16 identificou três fases históricas distintas no desenvolvimento das publicações nesse meio: transpositiva, perceptiva e hipermidiática.
Na primeira fase, a transpositiva, os produtos oferecidos eram, em sua maioria, reproduções de parte dos conteúdos das publicações impressas, não apresentando diferenças na estrutura das matérias. A atualização de conteúdo também seguia o deadline dos veículos originais. A Internet era usada, então, apenas como vitrine das empresas midiáticas. 16
Disponível em www.bocc.ubi.pt/pag/junior-jose-afonso-interfaces-mediadoras.pdf Acesso em: 19/08/2006.
25
A fase perceptiva caracteriza-se pela incorporação de alguns recursos oferecidos pela Internet. Os produtos, mesmo ainda atrelados ao modelo da mídia impressa, começam a explorar ferramentas que possibilitam interatividade: passam a utilizar links entre os conteúdos; o e-mail passa a ser utilizado como forma de comunicação entre leitor e jornalista; a memória começa a ser explorada, disponibilizando-se acervos de publicações anteriores; são abertos espaços para enquetes e comentários do leitor.
A terceira e atual fase é marcada pelo uso efetivo das potencialidades hipermidiáticas oferecidas pela rede. Isso significa que as publicações típicas dessa fase não somente exploram as possibilidades que a Internet oferece, mas também possuem um modus operandi específico para a hipermídia. O termo hipermídia é comumente entendido como a somatória entre propriedades do hipertexto – conjunto de documentos textuais interligados por links, permitindo a consulta das informações de forma não seqüencial – e da multimídia – sons, vídeos, animações, gráficos. No entanto, Silva Jr. (2002) atenta para o fato de que entender hipermídia apenas como a convergência entre hipertexto e multimídia é insuficiente, pois, além de a navegação na Internet ser ilimitada, os recursos multimídia dizem respeito apenas a formatos de mídia fechados, reunidos num processo narrativo em que o interagente não tem condições de agregar conteúdo.
Hipermídia: é a modalidade surgida da convergência entre as características do hipertexto e da multimídia. Porém com navegação aberta, e capacidade, graças à digitalização, de ser disseminada em suportes e plataformas os mais distintos. Criando o que denominamos de estado de disseminação e disponibilização hipermidiática (SILVA JR.,2002:132).
Essa questão da disponibilização hipermidiática se relaciona diretamente com o que Wolton, apud Palácios (2003:21), estabelece como lógica de demanda – própria das NTICs, que
26
funcionam por disponibilização e acesso, num esquema “todos-todos” –, diferentemente da lógica de oferta – característica dos meios de comunicação de massa, que trabalham com a emissão por meio do modelo “um-todos”. Silva Jr. (2002:132) conclui que, no meio interativo, “o conteúdo encontra-se disponível, e não mais depositado para ser descarregado de maneira massiva e não interacional”.
Resta compreender que o conceito engloba também o modo de atuação nesse novo meio. Como atesta Silva Jr. (2002:137): “a hipermídia aponta para a compreensão de todo um processo de mediação e tratamento instaurado no ciberespaço, onde as noções e especificidades desse ambiente estão presentes e condicionados à dinâmica dos conteúdos gerados”. Analisar como se dá esse processo de mediação no ciberespaço é o objetivo dessa pesquisa, com a qual pretende-se verificar como se reconfigura o papel do jornalista na hipermídia, em comparação com a prática jornalística nos meios tradicionais.
Entendemos que as possibilidades hipermidiáticas representam uma ruptura com o modelo tradicional do fazer jornalístico, pois o fato de qualquer indivíduo conectado à rede poder acessar e publicar conteúdo aponta para uma situação em que “os papéis que o jornalismo atribuiu a si mesmo em meados do século XIX, (...) como gatekeeper, agenda-setter e filtro noticioso, estão todos em risco quando as suas fontes primárias se tornaram acessíveis às audiências”17.
Hall acrescenta que, “a partir do momento em que os leitores se tornam seus próprios contadores de histórias, o papel de gatekeeper passa, em grande parte, do jornalista para eles”. O autor, 17
HALL, Jim. Online Journalism - a critical primer. London: Pluto Press, 2001 apud AROSO, Inês Mendes Moreira. A Internet e o novo papel do jornalista. Disponível em www.bocc.ubi.pt/pag/aroso-ines-internet-jornalista.pdf. Acesso em: 19/08/2006
27
apesar de anunciar o fim do gatekeeper na Internet, vislumbra uma nova atribuição do jornalista nesse meio: “os jornalistas adicionaram a função de cartógrafo ao seu papel e, na biblioteca universal que é a Internet, também se tornaram autenticadores e desenhadores para aqueles que seguem os mapas que eles desenham” (HALL apud AROSO). Vaz (2004:218) reforça essa idéia de reconfiguração do papel do jornalista, ao afirmar que “a Internet coloca em crise um tipo de mediador, mas que necessariamente abre a possibilidade de outros”.
Torna-se necessário, portanto, compreender o funcionamento e a extensão desse novo fazer jornalístico, que atualmente é praticado em publicações pensadas exclusivamente para web – que pertencem ao que chamaremos de webjornalismo –, mas não significa que as versões digitais de veículos tradicionais – que se enquadram no que chamaremos de jornalismo online – não possam fazer uso dessa nova prática.
No que diz respeito aos termos aqui utilizados (webjornalismo e jornalismo online), é importante dizer que diferentes nomenclaturas, além dessas, têm sido usadas para definir a prática jornalística na Internet, tais como ciberjornalismo, jornalismo digital, jornalismo eletrônico, jornalismo hipertextual, jornalismo multimídia. Canavilhas18 apresenta as definições que mais se aproximam daquelas propostas neste trabalho:
Com o aparecimento da internet verificou-se uma rápida migração dos mass media existentes para o novo meio sem que, no entanto, se tenha verificado qualquer alteração na linguagem. O chamado "jornalismo online" não é mais do que uma simples transposição dos velhos jornalismos escrito, radiofónico e televisivo para um novo meio. Mas o jornalismo na web pode ser muito mais do que o actual jornalismo online. Com base na convergência entre texto, som e imagem em movimento, o webjornalismo pode explorar todas as potencialidades que a internet oferece, oferecendo um produto completamente novo: a webnotícia [grifo nosso].
18
Disponível em http://www.bocc.ubi.pt/pag/canavilhas-joao-webjornal.pdf Acesso em: 20/08/2006
28
Além da convergência midiática como potencialidade do webjornalismo, complementamos a definição de Canavilhas com a possibilidade de participação daqueles que, na mídia de massa, eram chamados de receptores. Tal termo torna-se impróprio, pois “a Internet como meio de comunicação rompe com a distribuição hierárquica entre emissores e receptores ao possibilitar que cada nó possa produzir e distribuir mensagens” (VAZ, 2004:225). Sendo assim, as noções de produtor e consumidor de informação se amalgamam no interagente na web, gerando um novo conceito: o termo prosumidores (do inglês prosumer), cunhado pelo norte-americano Alvin Toffler19. A estratégia de interlocução na Internet, proporcionada pelo conceito de prosumidores, aponta para uma atenção redobrada em relação ao princípio básico do jornalismo, que é fomentar discussões e possibilitar diálogos, construindo a informação dentro da sociedade de forma a transformá-la.
O comunicador deixa, portanto, de figurar como intermediário – aquele que se instala na divisão social e [que], em vez de trabalhar para abolir as barreiras que reforçam a exclusão, defende o seu oficio: uma comunicação na qual os emissores-criadores continuem sendo uma pequena elite e as maiorias continuem sendo meros receptores e espectadores resignados – para assumir o papel de mediador: aquele que torna explícita a relação entre a diferença cultural e desigualdade social, entre diferença e ocasião de domínio e a partir daí trabalha para fazer possível uma comunicação que diminua o espaço das exclusões ao aumentar mais o número de emissores e criadores do que o dos meros consumidores (MARTIN-BARBERO, 2004:69).
Para que o jornalista possa desempenhar adequadamente esse novo tipo de mediação, que leva em conta a participação dos prosumidores/interagentes, é necessário compreender que as especificidades do meio interacional transformam as relações sociais e, conseqüentemente, reconfiguram o espaço público. Tal espaço é definido por Wolton (2004:511) como o elemento
19
Ver TOFFLER, Alvin. A terceira onda. 15ª ed. Rio de Janeiro: Record, 1995. As três ondas a que Alvin Toffler se refere são o mundo agrícola, o mundo do industrialismo e, agora, o mundo da informação e da tecnologia. Já na década de 1970, Alvin Toffler anunciava que uma nova sociedade estava tomando forma, baseada no emprego crescente da tecnologia, na globalização da economia, na abolição de fronteiras, na universalização da comunicação. Toffler, com o conceito de prosumidor, pretendia fazer uma sobreposição entre os produtores e os consumidores, de bens ou serviços.
29
simbólico “no qual se opõem e se respondem os discursos, na sua maioria contraditórios, dos agentes políticos, sociais, religiosos, culturais e intelectuais que constituem uma sociedade”.
Essa definição de Wolton dialoga com a idealização do espaço público de Habermas (1984). Esse último autor relata como esse ideal se declina por meio da massificação da cultura, proporcionada pelo surgimento dos meios de comunicação de massa, que transformam os indivíduos em meros consumidores passivos, ou seja, retiram o caráter conflitante e inserem o consensual. As NTICs aparecem então, devido às suas características interacionais, como uma possibilidade de revitalização da esfera pública, à medida que possibilitam que os indivíduos sejam incorporados na produção de discursos diversos, contraditórios ou não.
No entanto, tal revitalização é condicionada pela mediação webjornalística, que impede que o fluxo contínuo e crescente de informações – resultado do aumento de agentes participativos – culmine num caos informacional. Nessa linha de raciocínio, Morin (2004:12) diz que “a informação, mesmo no sentido jornalístico da palavra, não é conhecimento, pois o conhecimento é o resultado da organização da informação. Ora, na atualidade, temos excesso de informação e insuficiência de organização, logo carência de conhecimento”. Wolton (2004:233) reitera essa idéia ao dizer que “quanto mais há informação e comunicação, transparência e imediatez, mais se devem reintroduzir mediações, filtros cognitivos”.
Além de organizar esse fluxo caótico de informação, o webjornalista aparece, também, como elemento de ligação entre os diferentes pontos de vista dos interagentes/prosumidores e das
30
comunidades virtuais, reconhecendo, como aponta Rocha (2006)20, “tanto os pontos divergentes quanto os convergentes dos demais prosumidores no processo de interlocução, evidenciando mais uma atuação relacional do que consensual”.
Esse novo modelo de produção jornalística impõe alterações significativas na mediação, que passa “de uma ‘estrutura monopolista’ para processos de co-enunciação” (ROCHA, 2005)21. O webjornalista transforma-se em um agente participativo que, por meio de processos de interlocução, deve selecionar, hierarquizar e classificar conteúdos, considerando que o ciberespaço é, ao mesmo tempo, fonte de pesquisa, suporte, ferramenta e canal de disponibilização de conteúdos.
1.4 O ciberespaço como fonte e meio de escoamento de produção
A Internet, desde a sua criação, vem sendo utilizada jornalisticamente de duas formas: como ferramenta para auxiliar a prática jornalística convencional dos meios de comunicação de massa (representa apenas uma forma a mais de obter conteúdos, além dos métodos tradicionais) e como mídia propriamente dita, explorando – em maior ou menor grau – as particularidades desse meio.
No primeiro caso, verifica-se o uso reducionista das NTICs como um apêndice do processo de produção da notícia nas redações tradicionais. Isso se deve, principalmente, à difusão de 20
ROCHA, Jorge. O papel dos jornalistas nos processos interacionais do Participatory Journalism. Artigo a ser apresentado no XXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação (Intercom), Brasília, Setembro 2006. Disponível em CD-Rom 21 ROCHA, Jorge. Participatory Journalism: conceitos e práticas informacionais na Internet. Artigo apresentado no XXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação (Intercom), Rio de Janeiro, Setembro 2005. Disponível em CD-Rom.
31
conceitos como jornalismo de precisão22 – cujo nascimento coincidiu, segundo Meyer, apud Lima23, com o acesso, pelos veículos, a computadores e bases de dados, nos anos 1970 – e reportagem assistida por computador24. Essas formas práticas de jornalismo usam a tecnologia como ferramenta “porque aperfeiçoa o trabalho sem desestabilizar os fundamentos da prática”25, o que faz com que as implicações tecnológicas do ciberespaço não sejam aproveitadas em todo seu potencial.
O segundo caso contempla a utilização das possibilidades hipermidiáticas para criar um “ambiente diferenciado com capacidade de fundar uma modalidade distinta de jornalismo [webjornalismo], em que todas as etapas do sistema de produção de conteúdos jornalísticos permanece [sic] circunscrita [sic] aos limites do ciberespaço"26. No entanto, o jornalismo online, por se tratar das versões digitais de publicações offline, não utiliza a contento essa potencialidade do ciberespaço, de ser o ambiente em que todo o processo informacional da web acontece. Machado defende a hipótese de que “o futuro dos projetos jornalísticos empreendidos no suporte digital [...] depende da adoção de técnicas de pesquisa e apuração adequadas ao jornalismo praticado nas redes telemáticas”.
22
A partir da década de 80, grandes jornais americanos passaram a fundamentar suas notícias e reportagens em pesquisas próprias, tanto por desacreditarem nas pesquisas solicitadas por políticos, quanto pelas baixas tiragens que levaram os editores desses jornais a procurar o aperfeiçoamento do produto jornalístico por meio de cobertura mais científica. 23 Disponível em http://www.cem.itesm.mx/dacs/publicaciones/logos/anteriores/n22/22_lsilva.html Acesso em: 28/08/2006 24 Ou computer-assisted reporting (CAR). É um conjunto de técnicas para capacitar jornalistas a utilizar os recursos oferecidos pela informática em sua busca por informação, tornando-os capaz de lidar com ferramentas como bancos de dados, Internet, planilhas eletrônicas, entre outras. 25 MACHADO, Elias. O ciberespaço como fonte para os jornalistas. Disponível em www.bocc.ubi.pt/pag/machadoelias-ciberespaco-jornalistas.pdf Acesso em 19/08/2006 26 MACHADO, Elias. O ciberespaço como fonte para os jornalistas. Disponível em www.bocc.ubi.pt/pag/machadoelias-ciberespaco-jornalistas.pdf Acesso em 19/08/2006
32
O ciberespaço, por sua essência hipermidiática, oferece ao webjornalista as condições necessárias para que ele exerça o seu papel de “cartógrafo da informação”27, pensando e realizando a pesquisa, a apuração, a produção e a disseminação da notícia sem precisar sair do ambiente virtual.
Um jornalista, ao conceber sua matéria, pode navegar por variados bancos de dados (estatísticas, estudos, artigos, infográficos, animações, fotos, vídeos), para se interar sobre determinado assunto, conseguir as fontes ou mesmo apurar a veracidade das informações enviadas por interagentes/prosumidores. Em seguida, pode acessar essas fontes (especialistas, pessoas interessadas ou próximas do fato, membros de listas de discussão e fóruns, etc.) por meio das muitas ferramentas de interação – mútua ou reativa – presentes na Internet (e-mail, e-groups, chats, programas de mensagens instantâneas, programas de voz por IP). Na hora de produzir e disponibilizar a matéria, o webjornalista constrói um processo narrativo aberto, baseado na estrutura hipertextual, inserindo links para os diversos conteúdos que utilizou. Assim, ele sugere aos prosumidores várias possibilidades de navegação, de forma que o próprio interagente possa criar o seu percurso narrativo de acordo com seus interesses, e, em alguns casos, interferir no conteúdo, que se torna uma construção infinita.
27
Ver ROCHA, Jorge. O papel dos jornalistas nos processos interacionais do Participatory Journalism. Artigo apresentado no XXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação (Intercom), Brasília, Setembro 2006. Disponível em CD-Rom. Rocha conceitua cartografia da informação como “processo de organização de significados em uma rede interrelacional comunicativa”. Esse conceito é detalhado no próximo capítulo.
33
É possível perceber que, com esse processo de construção da notícia, prioriza-se muito menos as fontes oficiais para privilegiar as fontes independentes28. Atores políticos, que até então só apareciam na mídia quando envolvidos em algum fato inusitado, passaram a ter espaço na mídia interativa e a figurar como fontes difusoras não menos importantes que as oficiais. A preferência dos meios de comunicação de massa pelas fontes oficiais se justifica pela credibilidade das instituições, respaldadas por suas reputações. Porém, Machado, citando Lage, alerta que
o mau hábito de julgar as fontes oficiais como as mais confiáveis trata-se de um vício no jornalismo porque a mentira ocupa lugar estratégico nas intervenções de personalidades ou instituições vinculadas aos poderes fáticos quando da defesa de interesses particulares, difundidos como manifestação da vontade coletiva.
Dessa forma, o webjornalismo concede a todos os interagentes/prosumidores (indivíduos ou instituições) o caráter de fonte potencial, à medida que os transforma em também publicadores de conteúdo. Isso tira do jornalista a exclusividade de escolher o que irá figurar no espaço público constituinte da web. Nas palavras de Machado:
Fica evidenciada tanto uma certa diluição do papel do jornalista como único intermediário para filtrar as mensagens autorizadas a entrar na esfera pública [gatekeeper], quanto das fontes profissionais como detentoras do quase monopólio de acesso aos jornalistas.
O próximo capítulo se destina exatamente a analisar como acontece essa diluição do papel do jornalista como gatekeeper dentro do processo de transição entre um fazer jornalístico ligado aos métodos tradicionais e uma nova práxis que opera numa perspectiva sistêmico-relacional.
28
Ver LAGE, Nilson. A reportagem: teoria e técnica de entrevista e pesquisa jornalística. Rio de Janeiro: Record, 2001. Para Lage, as fontes podem ser classificadas em oficiais, oficiosas e independentes. Fontes oficiais são mantidas pelo Estado, por instituições que preservam algum poder de Estado (como as juntas comerciais e os cartórios de ofício) ou por empresas e organizações (como sindicatos, associações, fundações). Fontes oficiosas são aquelas que, reconhecidamente ligadas a uma entidade ou indivíduo, não estão, porém, autorizadas a falar em nome dela ou dele, o que significa que o que disserem poderá ser desmentido. Fontes independentes são aquelas desvinculadas de uma relação de poder ou interesse específico em cada caso.
34
2 DO PENSAMENTO MASSIVO À PERSPECTIVA SISTÊMICO-RELACIONAL
2.1 Hipótese do Newsmaking
As hipóteses do Newsmaking e da Agenda-setting se desenvolvem no seio da pesquisa norteamericana (Mass Communication Research) – que surge com a difusão dos meios de comunicação de massa – e são estudos focados, respectivamente, na emissão e na recepção das mensagens. Tais estudos abordam o gatekeeping como processo fundamental à prática da comunicação. No entanto, essas hipóteses se restringem às exclusividades do pensamento massivo. O presente trabalho pretende verificar se tais modelos podem ser aplicados ao webjornalismo (respeitando seu caráter hipermidiático, descentralizado e não massivo) e, assim, pretende sistematizar quais são as efetivas modificações com relação ao Newsmaking (que se desenvolve em torno do processo de gatekeeping) e à Agenda-setting, uma vez que, na Internet, o campo jornalístico é colocado no mesmo patamar da audiência.
O Newsmaking diz respeito à produção das notícias, ou seja, à prática de transformar acontecimentos em matérias jornalísticas. É nesse âmbito que se encontram os estudos relativos ao processo de seleção das informações, chamado de gatekeeping. Traquina (2001:68) lembra que o termo gatekeeper29 foi apropriado por David Manning White nos estudos do jornalismo na
29
O termo foi cunhado por Kurt Lewin, em 1947, em um estudo de psicologia social que analisava as dinâmicas das decisões na esfera familiar, em especial no que se refere à modificação dos hábitos alimentares. Ao identificar os canais pelos quais passa uma seqüência de comportamentos, Lewin percebe que existem zonas que funcionam como filtro, controladas por gatekeepers, que deixam ou impedem a passagem de informações (WOLF, 1995).
35
década de 1950. White aponta em seu estudo30 que as tomadas de decisão acerca do que viria a ser publicado ou não partiam do próprio jornalista, de acordo com critérios subjetivos, ou seja, valores pessoais do profissional, oriundos de um “conjunto de experiências, atitudes e expectativas”.
Em 1955, o sociólogo norte-americano Warren Breed publicou um artigo no qual atribui o peso maior das decisões jornalísticas a uma série de questões burocrático-organizacionais, levantadas pelas empresas de comunicação. O autor aponta que os valores editoriais da empresa acabam por pesar mais que as crenças pessoais do jornalista. Analisando este processo histórico, Traquina (2001:70) explica que a teoria do gatekeeper de White é “uma concepção bem limitada do trabalho jornalístico, sendo uma teoria que se baseia no conceito de seleção, minimizando outras dimensões importantes do processo de produção das notícias”. Donohue, Tichenor & Olien, apud Wolf (1995:163), mostram que há muito mais fatores envolvidos na transmissão das mensagens do que a simples recusa ou aceitação:
O gatekeeping nos mass media inclui todas as formas de controle da informação, que podem estabelecer-se nas decisões acerca da codificação de mensagens, da selecção, da formação da mensagem, da difusão, da programação, da exclusão de toda a mensagem ou de suas componentes.
Podemos então considerar que a maior parte do trabalho de gatekeeping cabe ao espaço organizacional, pois coloca limites ao trabalho do jornalista, que acaba por se submeter às políticas e aos interesses corporativos. Hohlfeldt (2001:205) argumenta que esses processos atribuem aos meios de comunicação uma função de “controle social desenvolvido a partir do
30
White acompanhou o trabalho de um jornalista de meia-idade, de um jornal norte-americano de médio porte. O jornalista anotou, durante uma semana, os motivos que o levaram a escolher ou não determinadas matérias (TRAQUINA, 2005).
36
estabelecimento de práticas socializadas entre seus profissionais, os jornalistas”. O autor enumera seis influências às quais o processo de gatekeeping estaria submetido:
a autoridade institucional e suas eventuais sanções; sentimentos de fidelidade e estima para com os superiores; aspirações à mobilidade social da parte do profissional; ausência de fidelidade de grupo contrapostas [sic]; caráter agradável do trabalho; o fato de a notícia ter-se transformado em valor (HOHLFELDT, 2001:205-206).
Breed, apud Wolf (1995), argumenta que esses critérios organizacionais, que acabam por manter a linha editorial dos jornais, são apreendidos por um “processo de osmose”, no qual o jornalista é enquadrado em uma espécie de código de conduta velado, passado por meio da experiência e do contato com membros mais antigos da organização. Isso leva a uma situação em que o profissional, “em vez de aderir a ideais sociais e profissionais, redefine os seus próprios valores ao nível mais pragmático do grupo redactorial” (BREED, apud WOLF, 1995:164). Portanto, o gatekeeping implica em uma distorção involuntária da informação, em conseqüência desses valores institucionais e das rotinas profissionais,
que não significam manipulação, pura e simplesmente, eis que não são distorções deliberadas, mas involuntárias, inconscientes, que podem chegar, por isso mesmo, a níveis bem mais radicais e perigosos na medida em que omitem ou marginalizam acontecimentos que, por vezes, poderiam ser efetivamente importantes e significativos ao menos para determinadas coletividades (HOHLFELDT, 2001:206).
Além da influência organizacional, a produção de notícias tem ainda restrições relacionadas à organização do trabalho. Existe uma série de convenções que determinam o que é ou não notícia, estabelecendo-se assim o conceito de noticiabilidade, entendido por Wolf (1995) como a aptidão que cada fato possui para ser transformado em notícia. Segundo Hohlfeldt (2001:208), existe um “conjunto de critérios que operacionalizam instrumentos segundo os quais os meios de comunicação de massa escolhem, dentre múltiplos fatos, aqueles que adquirirão o status da
37
noticiabilidade”. Esses critérios são conhecidos como valores-notícia e são utilizados de forma combinada para realizar-se a escolha dos acontecimentos que serão transformados em matéria jornalística. Os valores-notícia levam em consideração fatores como atualidade, proximidade, interesse público, capacidade de entretenimento, exclusividade (ou “furo”), importância, envolvimento de personalidades famosas, e mais uma série de questões que variam de acordo com as especificidades do acontecimento, do público, do meio de comunicação e até mesmo da concorrência.
No que diz respeito ao formato e à rotina de produção noticiosa, mais limitações são colocadas ao jornalista: o espaço (limite físico – das publicações impressas – e temporal – das publicações de rádio e TV) e o tempo (respeito aos deadlines dessas publicações), que acabam muitas vezes por fazer da cobertura jornalística um acompanhamento factual dos acontecimentos, submetida à tirania do lead e da pirâmide invertida.
Uma outra questão importante é a captação das informações. As fontes representam um fator importante na qualidade das notícias produzidas pelos meios de comunicação. Pode-se notar que os jornalistas tendem a priorizar determinadas pessoas e/ou instituições, em “obediência” aos critérios organizacionais e aos fatores inerentes à rotina produtiva, citados anteriormente.
A rede de fontes que os órgãos de informação estabelecem como instrumento essencial para o seu funcionamento, reflecte, por um lado, a estrutura social e de poder existente e, por outro, organiza-se a partir das exigências dos procedimentos produtivos. As fontes que se situam à margem destas duas determinações, muito dificilmente podem influir, de forma eficaz, na cobertura informativa (WOLF, 1995:200).
38
Diante de todos esses pontos aqui abordados, percebemos que, se os estudos em torno do Newsmaking são realizados sob a perspectiva dos emissores, existe a contrapartida de todos esses fatores no âmbito da recepção. A questão dos efeitos das mensagens produzidas pelos veículos de comunicação de massa e a maneira como esses meios constroem a imagem da realidade social são aspectos contemplados pelos estudos da hipótese da Agenda-setting. Considerando a influência que a mídia exerce sobre o público, tal hipótese torna-se, então, mais uma premissa no momento da seleção do que irá figurar na esfera pública.
2.2 Hipótese da Agenda-setting
Os estudos sobre os efeitos dos meios de comunicação de massa estabeleciam, a princípio, que as influências sobre o público eram mudanças a curto prazo31. Hoje, essa noção não é mais válida e os efeitos são entendidos como conseqüências de médio e longo prazos, que criam um efeito cognitivo e cumulativo nos receptores, não impondo determinados conceitos, mas “incluindo em nossas preocupações certos temas que, de outro modo, não chegariam a nosso conhecimento e, muito menos, tornar-se-iam temas se nossa agenda” (HOHLFELDT, 2001:193).
Um dos marcos desses estudos em torno dos efeitos da mídia é a hipótese da Agenda-setting. Em 1972, McCombs e Shaw, ao analisarem os efeitos da mídia, lançaram tal termo na literatura acadêmica de comunicação, num artigo científico que se referia a uma pesquisa dos autores realizada dois anos antes. A pesquisa consistia em acompanhar as discussões dentro de grupos e
31
Quando o conceito de agendamento foi utilizado pela primeira vez, por McCombs e Shaw em 1972, o paradigma vigente apontava que o poder a mídia era reduzido e os seus efeitos limitados.
39
comunidades, de acordo com a sujeição dessas comunidades à “agenda midiática”. Conforme explicita Traquina (2001:18), nos anos 1920, Walter Lippman já havia ressaltado a existência de uma forte relação entre as agendas midiática e pública, argumentando que “os mass media são a principal ligação entre os acontecimentos no mundo e a imagem desses acontecimentos e nossa mente”. A hipótese da Agenda-setting, segundo Shaw, apud Wolf (1995:130), dispõe que:
em conseqüência da acção dos jornais, da televisão e dos outros meios de informação, o público sabe ou ignora, presta atenção ou descura, realça ou negligencia elementos específicos dos cenários públicos. As pessoas têm tendência para incluir ou excluir dos seus próprios conhecimentos aquilo que os mass media incluem ou excluem do seu próprio conteúdo. Além disso, o público tende a atribuir àquilo que esse conteúdo inclui uma importância que reflecte de perto a ênfase atribuída pelos mass media aos acontecimentos, aos problemas, às pessoas.
Sendo assim, Ferreira (2002) aponta que a hipótese da Agenda-setting pressupõe um impacto direto (imediato ou não) sobre os receptores, que se dá em um dois níveis: 1) os meios de comunicação de massa promovem uma tematização, conhecida como ordem do dia, que são os assuntos que se tornarão temas da agenda do público, ou seja, o que a mídia aborda será o objeto de conversa entre as pessoas; 2) acontece também uma imposição com relação à hierarquia desses assuntos, ou seja, os temas de relevo na mídia serão também os mais importantes para o público.
Estudos posteriores a McCombs e Shaw relativos ao assunto identificaram três componentes constituintes do processo de agendamento. O primeiro refere-se à agenda da mídia (os conteúdos escolhidos para serem veiculados), o segundo refere-se à agenda púbica (que estuda a relativa importância dos acontecimentos e assuntos do público) e o terceiro refere-se às agendas políticogovernamentais (as agendas das entidades do governo). Traquina (2001:24) afirma que “o campo jornalístico constitui um alvo prioritário da ação estratégica dos diversos agentes sociais, em
40
particular, dos profissionais do campo político”. Assim, o grau de autonomia da agenda da mídia, mais precisamente da agenda jornalística, é limitado pelas influências das agendas políticogovernamentais. Isso justifica, muitas vezes, o fato de os jornalistas priorizarem as fontes oficiais.
Com menor grau de influência, existem ainda outros fatores que interferem no processo de Agenda-setting. Um deles se relaciona com as características dos receptores. Alguns autores afirmam que o agendamento nem sempre se aplica a todas as pessoas, argumentando que as pessoas mais suscetíveis aos impactos do processo de agendamento são aquelas que necessitam de algum tipo de “orientação” em relação aos assuntos na agenda pública. A natureza do assunto também é um aspecto que interfere no processo de Agenda-setting: questões sobre as quais a sociedade tem alguma experiência promovem um agendamento menor do que aquelas sobre as quais a comunidade tem experiência mínima ou nenhuma. No que diz respeito à questão temporal, percebe-se que a mídia define o tempo que a discussão sobre determinado assunto permanece na agenda do público, à medida que o mantém em pauta.
Mas, como aponta Traquina (2001:29), as variáveis mais importantes que determinam a agenda jornalística são: a atuação dos próprios jornalistas – levando em conta os critérios de noticiabilidade utilizados na seleção das ocorrências – e a ação dos “promotores de notícias”, ou seja, as fontes, e os recursos que possuem para ter acesso ao campo jornalístico.
Sendo assim, Newsmaking e Agenda-setting podem ser entendidos como duas faces da mesma moeda, já que a inclusão e a exclusão realizadas pelos processos de gatekeeping – incluindo as distorções involuntárias e os valores-notícia utilizados na escolha dos temas – é que definem o que as pessoas incluem e excluem na lista dos assuntos que devem priorizar. Devido ao caráter
41
industrial do fazer jornalístico, acontece uma estandardização do pensamento daqueles que se servem da orientação midiática e, em conseqüência, uma padronização das discussões da agenda pública e do pensamento da sociedade. Por isso, é visível o papel ativo dos jornalistas na construção social da realidade32. Nesse aspecto, o webjornalismo apresenta possibilidades para que os profissionais da notícia cumpram com sua função social sem sofrer tantas limitações no seu exercício e proporcionando à audiência uma maior autonomia na decisão e na produção do que vai figurar no espaço público constituído pelas trocas informacionais neste meio.
2.3 Cartografia da Informação
Apesar das diferenças apontadas no primeiro capítulo deste trabalho entre os meios de comunicação de massa e interativa, modelos e teorias tradicionais da comunicação massiva ainda são utilizados na análise das NTICs. Consideramos que os processos informacionais em espaços relacionais são marcados por uma transição entre um pensamento massivo – predominante na etapa transpositiva –, passando por um pensamento interativo – típico da fase perceptiva – e culminando em um pensamento interacional – que caracteriza o estágio hipermidiático.
É importante ressaltar que as hipóteses do Newsmaking (em que a figura do gatekeeper aparece como ponto central) e da Agenda-setting referem-se, respectivamente, aos estudos de emissão e recepção dos meios de comunicação de massa. Como já foi visto anteriormente, em razão da 32
Ver BERGER, Peter L. & LUCKMANN, Thomas. A construção social da realidade: tratado de sociologia do conhecimento. Tradução de Floriano Souza Fernandes. Petrópolis: Vozes, 1985. Original Inglês. Berger & Luckmann propõem, por meio de uma análise do conhecimento na vida cotidiana, uma teoria da sociedade como um processo dialético entre a realidade objetiva (instituições e leis) e subjetiva (identidade pessoal e estrutura social).
42
horizontalidade e das características interacionais das redes telemáticas, o binômio emissão/recepção perde o sentido quando o assunto são as NTICs.
Ao contrário das teorias tradicionais da comunicação, que estudam isoladamente os elementos envolvidos no processo comunicacional (emissor, receptor, mensagem, canal, etc.), importa-nos abordar o aspecto interacional entre os diversos prosumidores/interagentes, de forma a não nos determos às características individuais desses agentes. Interessa-nos investigar o que acontece entre os sujeitos, ou seja, analisar a comunicação no ciberespaço por meio de uma abordagem sistêmico-relacional (PRIMO, 2004:50).
Essa abordagem tem suas bases nos estudos de um conjunto de autores – antropólogos (Gregory Bateson, Erving Goffman, Edward T. Hall, Ray Birdwhistell) e psiquiatras (Jurgen Ruesch, Don D. Jackson, Paul Watzlawick, Albert E. Scheflen) – da Escola de Palo Alto. Tais estudos, realizados nas décadas de 1950 e 1960, ficaram conhecidos como “pragmática da comunicação” e são responsáveis por uma superação dos modelos lineares e transmissivos apresentados pelas teorias tradicionais da comunicação. Esses autores viam as questões relativas à comunicação humana numa perspectiva “orquestral” (em que todos os elementos envolvidos na comunicação estão em interação, como as vozes e os instrumentos de uma orquestra), em detrimento dos modelos “telegráficos” tradicionais (em que uma mensagem é transmitida de um pólo a outro).
Essa é uma perspectiva da comunicação interpessoal, na qual o interagente participa da ação comunicativa de maneira ativa, sem “congelar” seu papel em uma função de emissor ou receptor, já que esses papéis são constantemente permutados entre um conjunto de interlocutores que intervêm nessa mesma ação. Tal perspectiva se aplica às NTICs, pois os interagentes passaram a
43
compartilhar o mesmo espaço (sem, no entanto, a necessidade da proximidade física), e todos possuem as mesmas condições de publicar conteúdo, desde que munidos do aparato técnico necessário (computador e capacidade de acesso à rede, uma vez que os processos de inserção de conteúdo atualmente dispensam formação específica para tanto). A subversão da dicotomia emissão/recepção na Internet está justamente na possibilidade de a interação se dar pela própria rede (o que não acontece nos veículos de massa, ou seja, não se interage com as mídias televisiva ou radiofônica, por exemplo, por meio da própria televisão ou do próprio rádio).
Para os autores da Escola de Palo Alto, o conceito de comunicação é visto exatamente como essa interação, que, por sua vez, é tratada como um sistema. Watzlawick (1967:108) utiliza as propriedades da Teoria Geral dos Sistemas33 para proporcionar uma compreensão da natureza dos sistemas interacionais. O autor cita Birdwhistell para mostrar o caráter sistêmico da comunicação:
Um indivíduo não comunica; ele se envolve em comunicação ou torna-se parte da comunicação. Pode movimentar-se ou fazer ruídos [...] mas não comunica. De um modo paralelo, ele pode ver, ouvir, cheirar, provar ou sentir – mas não comunica. Por outras palavras, ele não origina a comunicação; participa dela. Portanto, a comunicação como sistema não deve ser entendida como um simples modelo de ação e reação, por mais complexamente que seja descrito. Como sistema, tem de ser compreendido no nível transacional (BIRDWHISTELL apud WATZLAWICK, 1962:64).
É por meio desse raciocínio sistêmico que podemos compreender como se organizam as práticas jornalísticas colaborativas na Internet, nas quais os conteúdos gerados (e em constante modificação) são resultantes da intervenção dos diversos atores envolvidos na ação comunicativa. Dentro dessa perspectiva sistêmico-relacional, as propriedades dos sistemas abertos, citadas por 33
A Teoria Geral dos Sistemas foi desenvolvida em 1936 pelo biólogo húngaro Ludwig von Bertalanffy. Sua idéia central é o desenvolvimento de uma teoria de caráter geral, que possa ser aplicada a fenômenos semelhantes que ocorrem em uma diversidade de campos específicos de conhecimento. Existem dois tipos de sistemas: fechados, que não têm qualquer relação com o respectivo ambiente, e abertos, que estabelecem uma inter-relação com o ambiente que o rodeia. Os sistemas sociais correspondem ao segundo tipo.
44
Watzlawick (1967), e que dialogam com a Teoria da Complexidade de Morin (1991), ajudam a esclarecer o funcionamento do webjornalismo.
A primeira propriedade, a globalidade, diz que “toda e qualquer parte de um sistema está relacionada de tal modo com as demais que uma mudança numa delas provocará uma mudança em todas as partes e no sistema total” (WATZLAWICK, 1962:112-114). Entendemos assim que uma das principais características de um sistema complexo é sua capacidade de auto-organização (adaptação relativa à sua evolução), que pode ser sintetizada em dois pontos: singularização – diferenciação parte/todo – e desenvolvimento simbiótico – desenvolvimento parte/parte34 (MORIN, 1991). Dentro dessa noção, estão os princípios da não-somatividade – um sistema não pode ser visto como a soma de suas partes – e da não-unilateralidade – uma parte não tem como afetar outra sem ser afetada também.
A segunda propriedade é a retroalimentação (ou feedback), que significa um comportamento inter-relacional, ao invés de cadeias lineares de causa e efeito, que leva a uma mudança ao longo do tempo, de forma que os resultados influenciam as informações originais e assim por diante. A última propriedade diz respeito à eqüifinidade, que, segundo Watzlawick (1967:115), “significa que os mesmos resultados podem brotar de diferentes origens, porque a natureza da organização é que é definida”. Isto é:
Em contraste com os estados de equilíbrio nos sistemas fechados, que são determinados por condições iniciais, o sistema aberto pode atingir um estado independente do tempo, independente das condições iniciais e determinado apenas pelos parâmetros do sistema (BERTALANFFY apud WATZLAWICK, 1962:115)
34
Tais pontos serão explicados mais detalhadamente no terceiro capítulo deste trabalho.
45
Levando-se em conta todas as suas características hipermidiáticas, o ciberespaço funciona, portanto, como um sistema complexo, no qual a atuação jornalística está vinculada ao conceito de interlocução. Sendo assim, o processo comunicacional neste meio encontra-se em constante desenvolvimento, por meio de fluxos e processos de cunho não-linear. Compreender o papel do jornalista nesse espaço relacional requer o entendimento de que o tradicional conceito de gatekeeping é minimizado, cedendo espaço a uma nova práxis, a qual Rocha35 chama de “cartografia da informação” e diz respeito ao modo de atuação jornalística em redes comunicativas inter-relacionais.
Esta mudança no tipo de mediação jornalística pode ser verificada ao longo dos anos em que a Internet é utilizada como mídia. A primeira geração de sites jornalísticos é marcada por um modo de atuação ainda massivo, já que havia apenas a transposição do conteúdo dos veículos impressos para a web. Na segunda geração, começa-se a perceber o início do pensamento interativo: alguns elementos hipermidiáticos começam a ser utilizados, mas o padrão da produção de notícias ainda é o mesmo da edição impressa. Nessas duas primeiras fases do jornalismo na Internet, podemos notar então que é grande a presença do gatekeeper, ou seja, as hipóteses do Newsmaking e da Agenda-setting ainda se aplicam às publicações36. Importante destacar que as versões digitais de veículos tradicionalmente massivos (que chamamos de jornalismo online no primeiro capítulo deste trabalho) também são regidos pela lógica da comunicação de massa e, portanto, preservam os papéis clássicos atribuídos ao jornalista, assim como as relações viciadas entre as organizações jornalísticas e as fontes oficiais.
35
ROCHA, Jorge. O papel dos jornalistas nos processos interacionais do Participatory Journalism. Artigo apresentado no XXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação (Intercom), Brasília, Setembro 2006. Disponível em CD-Rom. 36 Embora comecem a ser minimizadas na transição entre as etapas perceptiva e hipermidiática.
46
Na terceira geração do jornalismo na Internet, os sites já incorporam os aspectos hipermidiáticos na produção do conteúdo, criando uma narrativa específica para esse novo meio. É a partir de então que o pensamento massivo é abandonado, dando lugar ao pensamento interacional. Por isso, os conceitos clássicos começam a ser questionados. Primo & Träsel usam o neologismo gatewatching, criado por Bruns, em oposição à noção de gatekeeping presente nos meios de comunicação de massa:
Devido à quantidade de informação circulando nas redes telemáticas, cria-se a necessidade de avaliá-la, mais do que descartá-la. Não é mais preciso rejeitar notícias devido à falta de espaço, porque pode-se publicá-las todas. Nota-se um deslocamento da coleta de informação para a seleção da mesma. Assume-se um papel semelhante ao de um bibliotecário. É claro que alguém ainda precisa entrevistar as fontes e analisar dados, e a maioria dos profissionais que lidam com o webjornalismo acabam por assumir ambos os papéis. Este novo jornalista, que combina repórter e bibliotecário, é o gatewatcher. Do porteiro, passa-se ao vigia.37
Esse termo cunhado por Bruns ainda é insuficiente para abordar o novo tipo de mediação que o jornalista assume na web, em sua etapa hipermidiática, na qual sistemas colaborativos, como Wikipédia38, nos mostram a emergência da interlocução. Considerando que “a própria estrutura hipertextual favorece a referência às fontes primárias da notícia, de modo que o repórter se vê livre da necessidade de condensar todos os dados em sua própria matéria” (PRIMO & TRÄSEL), à atribuição do jornalista como “vigia” soma-se o papel de “elemento de ligação entre comunidades virtuais informacionais, atuando em um processo de co-enunciação” (ROCHA, 2006). Dessa forma, o jornalista aparece como cartógrafo de informação, ou seja, aquele que,
37
PRIMO, Alex & TRÄSEL, Marcelo Ruschel. Webjornalismo participativo e a produção aberta de notícias. In: VIII Congresso Latino-americano de Pesquisadores da Comunicação, 2006. São Leopoldo: Anais, 2006. Disponível em http://www6.ufrgs.br/limc/PDFs/webjornal.pdf Acesso em: 08/09/2006 38 Wikipedia é uma enciclopédia livre, escrita de modo colaborativo por muitos de seus leitores. http://www.wikipedia.org
47
utilizando as especificidades hipermidiáticas da rede, faz um mapeamento dos discursos – dissonantes e/ou consonantes – dos diversos envolvidos na construção da notícia.
A figura 3 resume graficamente o processo de transição entre o pensamento massivo e o interacional, com as conseqüentes mudanças no papel do jornalista. Figura 3
Essa nova atribuição do jornalista – a cartografia da informação – encontra seu espaço nos sites jornalísticos de conteúdo colaborativo, que lidam com o conceito de “cidadão-repórter”39 e funcionam de maneira sistêmico-interacional. Por meio do uso de hiperlinks40 que direcionam a leitura para outras publicações (o que não se verifica nos sites de jornalismo online, que apresentam na maioria das vezes apresentam somente links internos, configurando apenas uma interação do tipo reativa), o webjornalista proporciona uma interação mútua – na qual verifica-se,
39
Conceito utilizado pelos sites de jornalismo colaborativo para designar os membros da audiência que participam do processo de construção 40 São referências num documento em hipertexto a outro documento ou a outro recurso. Significa "atalho", "caminho" ou "ligação". Utilizando hiperlinks (ou apenas links) é possível produzir narrativas não lineares.
48
conforme aponta Primo (2004), a característica sistêmica da eqüifinidade – ao estimular que os prosumidores/interagentes complementem a informação, por meio de uma navegação aberta, mas que ao mesmo tempo evita a dispersão do interagente.
A interlocução webjornalística com outros prosumidores pressupõe certa identificação, certo reconhecimento de suas identidades e de seus valores neste processo de diálogo. Tal configuração deve estabelecer a construção de um saber que não se resuma a sistematizar conteúdo, mas sim correlacioná-lo de modo que não haja insuficiência de informações ou dispersão/sobrecarga cognitiva entre os prosumidores (ROCHA, 2006).
A sobrecarga cognitiva de que fala Rocha é proporcionada pelo imenso volume de informações na rede, que cresce exponencialmente à medida que novos prosumidores/interagentes são inseridos a cada dia. Isso justifica a necessidade desse novo mediador, o cartógrafo da informação, que se distancia da função de gatekeeper, conforme aponta Vaz (2004:232):
O mediador será, sobretudo, filtro aplicado ao excesso de informações produzidas, o que já o diferencia do mediador do interesse geral [gatekeeper] apropriado aos meios de comunicação de massa, que filtravam as informações que iam ser partilhadas por todos. O mediador na internet aparenta-se a um corretor que aproxima os singulares em sua singularidade. [...] Se muitos podem emitir e se é fácil não atentar ao que é incessantemente produzido, como fazer para ser escutado, mesmo que cada indivíduo possa distribuir informações para todos os que estão na rede? O mediador será aquele que não apenas facilita as expressões individuais, mas também permite a cada um encontrar seu público.
Portanto, a cartografia da informação atinge seu auge em sites que propiciem a participação ativa dos interagentes. Primo e Träsel destacam que esses sites não apenas oferecem a possibilidade de interação, mas também necessitam dela:
No webjornalismo participativo, o interagente é integrado ao processo de produção da notícia como nunca antes. Alguns sites noticiosos, inclusive, podem depender totalmente da intervenção dos internautas. Sem a participação ativa de um grupo em interação mútua, esses webjornais não têm qualquer função.
49
É esse processo interacional típico das redes telemáticas que proporciona a subversão de práticas jornalísticas tradicionais, como o Newsmaking e a Agenda-setting. Ao colocar-se a audiência no mesmo nível do campo jornalístico, proporcionando-lhe a possibilidade de participar do processo de construção da notícia, retira-se do jornalista o monopólio do jogo informativo (e, por isso, o caráter de controle social da mídia Internet), tanto no que diz respeito à seleção dos temas (gatekeeping) quanto no que tange à produção. Como é o cidadão comum quem participa ativamente no processo produtivo, ele não se submete a imposições burocrático-organizacionais das empresas jornalísticas e nem precisa respeitar critérios rígidos de noticiabilidade.
No que diz respeito aos processos de agendamento, a própria lógica de funcionamento da Internet – que funciona por demanda, e não por oferta como os meios tradicionais – já proporciona um furo na Agenda-setting, já que os interagentes buscam a informação, ao invés de a informação ser despejada na audiência. Sendo assim, os temas discutidos na rede podem ser definidos pelo público, configurando um fluxo contrário ao movimento de Agenda-setting típico dos meios de comunicação de massa. Ou seja, a definição temática e a hierarquia dos assuntos não vêm da mídia, e sim dos próprios interagentes. Isso faz com a cobertura webjornalística contemple mais o interesse público, e não somente o que interessa aos grandes grupos políticos e econômicos.
Dessa forma, a influência das agendas político-governamentais na produção webjornalística é minimizada, à medida que a informação é construída por pessoas “independentes” em relação às fontes oficiais. Ou seja, todos os setores da sociedade podem ser contemplados nas matérias webjornalísticas, promovendo uma abordagem muito mais profunda do que a cobertura realizada pelos meios tradicionais.
50
O tempo em que os assuntos permanecem em pauta na Internet também é uma questão que foge da imposição midiática, pois não há previsão de como e quando e discussão vai acabar. O espaço, por ser ilimitado, também é um diferencial em relação aos veículos massivos, não significando, portanto, uma restrição para a seleção dos acontecimentos que serão publicados.
A Internet tem especificidades e potencialidades que a diferenciam da mídia massiva. Suas características possibilitam a prática de um jornalismo mais independente, pois liberta a produção noticiosa de limitações normalmente encontradas nos meios de comunicação de massa. O webjornalismo proporciona, ainda, uma influência no modo de produção de notícias da mídia de massa, pois o fato de a audiência dispor de meios para acessar e publicar as informações que deseja pode fazer com que o processo de seleção de notícias nos meios massivos contemple mais o interesse público, desestimulando a manipulação ou a defesa de interesses meramente corporativos. Ou seja, o webjornalismo, além de colocar a audiência no mesmo nível de importância dos jornalistas, também pode proporcionar benefícios para o jornalismo offline.
51
3 ANÁLISE DE SITES
Vimos que a prática jornalística na Internet obedece a uma escala evolutiva desde o início da utilização da web como mídia. Este capítulo destina-se a exemplificar como acontece a transição entre um modus operandi ainda massivo (fase transpositiva), passando por uma etapa intermediária que já começa a explorar as possibilidades da rede (fase perceptiva), até chegar ao pensamento sistêmico-relacional (fase hipermidiática).
Em ordem, os sites Caros Amigos, NoMínimo e OhMyNews International (OMNI) são representantes desse movimento transitório do jornalismo na Internet. Os sites foram analisados durante o mês de outubro de 2006 e, para tanto, foram escolhidas categorias de avaliação do uso das características hipermidiáticas, que nos permitem classificá-los como predominantemente transpositivos, perceptivos ou hipermidiáticos.
A primeira categoria denomina-se “estratégias de produção e publicação”. Primeiramente, buscase analisar se o site opera apenas atrelado ao sistema broadcast (ou top-down news) ou se respeita as potencialidades do sistema intercast (ou bottom-up news). Para avaliar esse processo de organização de informação nos sites escolhidos, utilizaremos os conceitos de singularização e desenvolvimento simbiótico, relativos à Teoria da Complexidade (MORIN, 1991). A singularização – que está associada com a relação entre parte e todo – diz respeito à maneira como o material publicado ocupa o espaço disponível e, principalmente, como este espaço é pensado. Assim, por meio dessa observação pode-se constatar como o site trabalha em relação ao agenda-setting da mídia tradicional. O desenvolvimento simbiótico – que tem a ver com a característica da eqüifinidade dos sistemas abertos e com a relação entre parte e parte – diz
52
respeito ao fato de o sistema permitir e/ou fomentar a participação do usuário. Nesse aspecto, pretende-se analisar que tipos de ferramentas e espaços foram preparados para tanto, como funcionam e como o contato entre a audiência e o núcleo gestor do site pode colaborar para o aperfeiçoamento da publicação como um todo.
A segunda categoria de análise contempla os “processos de co-enunciação” e se divide em quatro subcategorias distintas: seleção, hierarquização, enquadramento e personalização. A estruturação de co-enunciação – uma das diferenças que a linguagem hipertextual da Internet apresenta em relação à linguagem linear – diz respeito à co-produção e à gestão de informações em um espaço inter-relacional. Para melhor compreender esse processo e sua aplicação na mídia Internet, é necessário antes entender o que é enunciação e enunciado. De acordo com Fiorin (2002:31), “a enunciação é o ato pelo qual o sujeito constrói o sentido, e o enunciado é o objeto que auxilia a definição deste sujeito”. Dessa forma, as análises relativas aos processos de co-enunciação mostram que é preciso buscar elementos do ato (enunciação) em seu produto (enunciado) para compreender esta relação que configura “um ato comunicacional dinâmico ou performance” (FIORIN, 2002:34).
Dentro ainda da segunda categoria, à seleção cabem os processos de estocagem de conteúdo, geração e manutenção de bancos de dados, ferramentas de busca, permanência do material, além da possibilidade dos usuários atribuírem mérito ou demérito a alguma informação – fazendo uma espécie de trabalho de ranking.
A hierarquização aborda práticas muito semelhantes às encontradas nas rotinas produtivas dos grandes veículos tradicionais. Trata da análise da organização do conteúdo de acordo com
53
processos de edição e recorte feitos por núcleos isolados do sistema. Assemelha-se ao trabalho de um editor na elaboração da primeira página de um jornal: decidir o que vai aparecer ali ou não.
Diferente da atribuição de importância hierárquica (definida e estática), o enquadramento visa um ponto diferente na organização do conteúdo. Enquanto a hierarquização depende de processos rígidos de estruturação e não permite que a importância dada a determinado material seja avaliada de maneira ativa e possivelmente mudada pelos usuários, o enquadramento já demanda exatamente o contrário. Nele a participação da audiência na concessão de valor positivo ou negativo às matérias é essencial. Assim, de acordo com mecanismos de “pontuação” ou “aprovação e desaprovação”, o público leitor e participante pode elencar os textos, mudando a “primeira página” do site de acordo com a qualidade do material lido, sem depender direta e estritamente da opinião de núcleos editoriais. Neste ponto, o trabalho de ranking e o enquadramento se assemelham, mas diferem na montagem do site. O trabalho de ranking atribui pontos, mas não interfere na posição ocupada pelas matérias, enquanto o enquadramento pretende reorganizar o conteúdo. Além disso, ao enquadramento também cabe – quando na produção em si de conteúdo (pois o trabalho de participar da produção da capa do site também é um processo produtivo) – a definição dos ângulos de trabalho e a construção de narrativas usando as potencialidades da rede. Isso é possível fazendo referência a outros sites por meio de links (fora do domo informacional do site em que trabalha), utilizando áudio e imagem, podcasting41, dentre outras maneiras de apresentar informação na web.
41
Podcasting é a forma de publicação de programas de áudio e/ou vídeo pela Internet. A palavra "podcasting" é uma junção de iPod - um aparelho que toca arquivos digitais MP3 - e broadcasting (transmissão de rádio ou TV). Assim, podcast são arquivos de áudio ou vídeo que podem ser acessados na Internet.
54
O quesito personalização trata da possibilidade prática de a audiência organizar o conteúdo de acordo com sua vontade. Como, por exemplo, trabalhar no site um sistema que apresente somente as editorias que lhe convierem, mudando as cores, organização das colunas e das divisões da homepage. Esta categoria é diferente do enquadramento, pois nela analisa-se a relação entre usuário e sistema apenas como um processo passivo. Por outro lado, o enquadramento demanda a participação de muitos interagentes para funcionar, já que a “edição” da primeira página do site é feita por meio da avaliação da audiência. Já a possibilidade de personalização é uma questão individual, em que o funcionamento do sistema pode ser alterado de acordo com as preferências do usuário.
A terceira categoria de análise, denominada “atividades em espaços públicos relacionais”, mostra não apenas como a publicação incentiva a participação de seus usuários, mas, principalmente, como o sistema oferece ferramentas e canais para que haja um processo de socialização com e entre o seu público leitor. Indica também como o site trabalha para que essa participação seja organizada e eficiente, oferecendo a todos a possibilidade de usar os recursos hipermidiáticos da rede.
A quarta categoria, chamada “configuração de espaço público relacional”, mostra como as relações sociais são tecidas no contexto do site, por meio da observação do tipo de estrutura que nasce dos embates entre os interagentes (jornalistas e audiência). Também será dividida em outras subcategorias: a primeira – processos de interlocução – expõe, por meio de demonstrações situacionais (se existirem no site analisado), as relações e a conversação dos interagentes no processo de produção e publicação de conteúdo; a segunda mostra como é o funcionamento estrutural do site – publicação, distribuição e a “alimentação” de conteúdo – procurando
55
explicitar como algumas publicações se diferenciam quando recorrem às práticas interacionais, potencializadas pelo uso de algumas ferramentas hipermidiáticas.
Finamente, a última categoria pretende observar se o site possibilita interação reativa ou mútua, o que permite-nos classificar as pessoas que compõem a audiência como apenas usuários ou, de fato, interagentes. Para tanto, observa-se se as publicações permitem que haja relações sociais entre seus membros. Não se aborda aqui apenas a conversação ocasional, mas sim a criação de uma comunidade de interagentes que se dedicam às práticas jornalísticas colaborativas.
3.1 Caros Amigos
3.1.1 Histórico
O primeiro site analisado, aqui denominado Caros Amigos online42, é a versão digital da revista impressa Caros Amigos. Segundo informações contidas no próprio site43, a publicação impressa, lançada em abril de 1997, é uma revista mensal de assuntos diversos, com distribuição nacional e tiragem média de 50.000 exemplares. É o carro-chefe da editora Casa Amarela, que edita revistas, fascículos e livros. O site foi criado em 2001 e sofreu uma reformulação no final de outubro de 2006.
Em entrevista realizada por e-mail, a editora de Caros Amigos online, Tatiana Estanislau dos Santos, afirmou que os objetivos, quando o site foi lançado, eram criar um meio de comunicação 42 43
http://carosamigos.terra.com.br http://carosamigos.terra.com.br/do_site/quemsomos.asp
56
mais rápida com os leitores da revista impressa e ter um novo caminho para divulgá-la. Segundo ela, o primeiro parceiro foi o Uol44. Hoje, o site está hospedado no Terra45.
3.1.2 Planejamento Editorial
A Caros Amigos impressa é uma publicação que se opõe à hegemonia do discurso neoliberal que geralmente pauta as grandes empresas jornalísticas. Segundo Câmara46, Caros Amigos tem como colaboradores “os que ficaram de fora dos MCM [meios de comunicação de massa] nos tempos de neoliberalismo ou ainda os que estão mais próximos do campo democrático-popular”. De acordo com o autor, são profissionais que prezam por um jornalismo sem concessões editoriais e pela divulgação de posturas ideológicas diversas.
Por ser uma publicação que conserva características da fase transpositiva, Caros Amigos online possui o mesmo caráter contra-hegemônico da revista impressa, mas não explora as potencialidades hipermidiáticas e interacionais do meio digital para acentuar tal postura ideológica. O site não demonstra pretensões de ser um veículo pensado e produzido para o (e no) meio digital. Caros Amigos online mostra-se, portanto, a exemplo de outros sites de veículos tradicionais, como um braço, uma extensão da revista impressa, tanto para os leitores já fidelizados, quanto para os leitores em potencial. Nesse último caso, a versão online seria uma espécie de chamariz para a publicação impressa, ou seja, uma vitrine de sua marca, que usa a Internet para ganhar mais visibilidade. 44
http://www.uol.com.br/ http://www.terra.com.br/revistas 46 CÂMARA, Marcelo Barbosa. O jornalismo independente de Caros Amigos: um processo de contra-hegemonia. Disponível em http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos/da250920022.htm. Acesso em 15/10/2006 45
57
3.1.3 Análise
Em virtude de uma reformulação do site, ocorrida durante o período de realização das análises, optou-se por fazer, quando necessário, as observações sobre as duas versões separadamente.
Na primeira versão – que data do ano de 2001 até meados de outubro de 2006 –, dentro do quesito singularização, Caros Amigos online reproduz o sistema utilizado pela mídia tradicional, conferindo ao site uma organização rígida, que mantém em pauta os assuntos discutidos na revista. Assim, apesar da publicação impressa pretender produzir material e abordagens alternativos, o site acaba por não se afastar do agenda-setting, limitado, nessa ocasião específica, pela própria revista. Apesar de em seu projeto editorial a Caros Amigos pretender abordar assuntos diversos e se tornar uma alternativa ao conteúdo massificador encontrado na grande imprensa, em sua versão virtual, o site não explora devidamente as possibilidades hipermidiáticas da Internet e se transforma em uma vitrine da revista impressa. De maneira geral, pode-se dizer que Caros Amigos online, assim como a revista impressa, consegue não se tornar prisioneira do agendamento da grande mídia, mas o site acaba se transformando em prisioneiro do método de trabalho da revista impressa.
No quesito desenvolvimento simbiótico – que reflete a construção da publicação mediante o encontro dos agentes da comunicação (leia-se não tão somente o repórter, editor e outros profissionais da comunicação, mas também o leitor) – Caros Amigos online tem um processo jornalístico próprio, herdado da publicação impressa. A conversação entre leitores e jornalistas é mínima. A publicação não incentiva a participação ativa da audiência. O site não possui um sistema, ou sequer foi estruturado, para estimular a colaboração do leitor na produção das
58
matérias e do conteúdo. Para possibilitar uma mínima participação, são utilizadas algumas ferramentas de interatividade, como e-mails de contato e sistemas de comentários. Pode-se dizer que o feedback não é estimulado e acontece ocasionalmente.
O critério seleção, dentro dos processos de co-enunciação, aborda características como a estocagem de conteúdo, sistema de ranking e os processos de aprovação e desaprovação de conteúdo. Em Caros Amigos online, o único sistema de estocagem (referente ao acesso a publicações anteriores) acontece na parte dedicada à publicação impressa, quando o leitor tem acesso às capas passadas e a algumas matérias de tais publicações, disponibilizadas no site. Em relação ao conteúdo do próprio site e às opiniões, artigos e material enviado pelo leitor, não se percebe nenhum link que aponte para um banco de dados do conteúdo. Existe um “arquivo de reportagens”, cujo acesso só pode ser feito depois de ler uma reportagem até o final. Na estrutura do site não existe link para este arquivo, o que aponta uma despreocupação ou desconhecimento em relação aos aspectos hipermidiáticos. O sistema de ranking de conteúdo não acontece em Caros Amigos online, uma vez que a publicação é feita por um núcleo próprio, que define estrategicamente qual será o conteúdo, e, mesmo assim, também não permite que a audiência selecione qual matéria é melhor de acordo com atribuição de “pontos”.
Conseqüentemente, existe forte hierarquização do conteúdo na página. Como o conteúdo é transpositivo, oriundo de uma organização jornalística que possui uma publicação impressa, todo o material é apresentado de maneira a obedecer políticas editoriais rígidas, que não permitem que material enviado pelo leitor seja “capa” do site.
59
Como o leitor não interfere na disposição do conteúdo do site, a categoria enquadramento – que diz respeito à configuração do site (quando alterada pela audiência) e à construção do processo narrativo dentro do conteúdo – não se aplica. Ao leitor não cabe nenhuma função de coorganizador de conteúdo. Com relação às narrativas, em Caros Amigos online as matérias são tradicionais e não usam recursos hipermidiáticos, como a utilização de sons e imagens em movimento, além de não trabalharem com a disponibilização de links para outros sites, de maneira a complementar as matérias.
Também não existe a possibilidade de se personalizar o site quanto à estrutura, já que todo material enviado pelos usuários está sujeito à aprovação ou desaprovação dos próprios responsáveis pelo site. Ou seja, a “capa do site” não pode ser configurada de acordo com as preferências do leitor, pois é criada pelos editores e não está mais sujeita a modificações até novas atualizações (que respeitam períodos definidos). A única ferramenta que poderia ser considerada como uma personalização é o recebimento do “Correio Caros Amigos”47, por e-mail. Mesmo assim, não há como o leitor separar por assuntos ou editorias de sua preferência.
Em Caros Amigos online existe a configuração de algo semelhante ao que a categoria atividades em espaços relacionais propõe. Na seção supracitada, “Correios Caros Amigos”, há um sistema parecido com um fórum de discussão. No entanto, o site não visa a criação de uma comunidade que opere na produção de conteúdo e participe ativamente na estruturação do próprio site. As possibilidades de participação do público são voltadas para permitir que o usuário veja seus textos publicados e continue visitando a página, e não facilitam o fortalecimento da relação entre 47
Segundo consta no próprio site, “o Correio Caros Amigos é um informativo da editora Casa Amarela totalmente gratuito de periodicidade semanal destinado a estimular o debate e informações importantes e relevantes para todos nós”. Disponível em http://carosamigos.terra.com.br/do_site/correio.asp# Acesso em:20/10/06
60
os profissionais de comunicação envolvidos no site e a audiência. A produção de conteúdo jornalístico é limitada aos jornalistas de Caros Amigos e a atualização de tal conteúdo é defasada, com períodos mal-definidos. A seção “Novas”48 do site, por exemplo, no momento da análise (outubro de 2006) tem uma matéria publicada em julho do mesmo ano, o que contradiz o nome do próprio do espaço. Não há um cuidado dos responsáveis pelo site em pensar no usuário como potencial colaborador, e não são propostos espaços para que haja qualquer tipo de socialização mais ampla, exceto pelos ocasionais debates que acontecem em algumas caixas de comentários.
A configuração de um espaço público relacional em Caros Amigos online é defasada. Os processos de conversação entre os usuários são mínimos, restritos a seções não dedicadas especificamente a esses propósitos. Falta em Caros Amigos online espaços como salas de batepapo, listas de discussão, grandes estruturas sistematizadas para permitir a participação de muitos usuários na discussão de variados temas, sempre com ponderações e moderações feitas pelos profissionais envolvidos na confecção do site. Quanto à distribuição e à publicação da informação, estas respeitam periodicidades definidas. A seção “Coluna do Leitor” é um acessório do site, com proposta de apenas apresentar produções diversas do leitor, não o fomentando a compartilhar experiências e informações acerca do material da própria publicação. Ademais, a seção “Palanque” conta com grande participação do usuário. No entanto, essa participação é condicionada, uma vez que o leitor é convidado a falar sobre pautas sugeridas pelo próprio site. Na ocasião da análise dessa seção, a pauta em voga era: “O que você achou do segundo debate entre Lula e Alckmin?” Os leitores aqui “postam” informações das mais variadas. Algumas com cunho jornalístico, bem redigidas, apresentando informações e bem articuladas. Outras “postagens” são opiniões diversas a respeito dos candidatos. Em alguns momentos os leitores 48
http://carosamigos.terra.com.br/novas_corpo_ci.asp?not=1128
61
completam e/ou questionam algumas informações o que caracteriza, muito limitadamente, um processo de interlocução. As mensagens são listadas por ordem de envio e não há qualquer registro de data, fato que dificulta a contextualização do “diálogo”. As mensagens nesta seção são mantidas com atualização contínua, isto é, assim que enviadas já vão para a lista de mensagens do site, sem moderação. Na seção “Chute o Balde” o usuário é convidado a falar do que quiser e como quiser. Aqui o conteúdo das mensagens não tem tema definido, o que configura a seção como um espaço descentralizado, de opiniões variadas simplesmente dispostas em ordem de inserção. Apesar da proposta de se falar do que quiser, esta seção não trabalha com atualização contínua, isto é, há algum tipo de moderação.
Mediante a análise de tais categorias, percebe-se que o leitor de Caros Amigos online não pode ser enquadrado como interagente (indivíduo convidado ou ajudado a participar da publicação jornalisticamente). Os recursos de interação mútua (PRIMO, 2004) não são utilizados pela publicação, que se limita à interação reativa (passiva).
62
3.2 NoMínimo
3.2.1 Histórico
De acordo com informações fornecidas, em entrevista por e-mail, pelo jornalista Xico Vargas, editor de NoMínimo49, o site deriva de uma revista diária de informação na Internet, que se chamava NO. (Notícia, Opinião e Ponto). Segundo o editor, depois de dois anos, embora NO. tivesse conquistado média mensal de audiência superior a 1,5 milhão de visitações, um de seus investidores decidiu interromper os aportes de recursos. A partir de então, parte do grupo de jornalistas que integrava a redação de NO. decidiu formar o site NoMínimo, que está no ar há mais de quatro anos. De acordo com Xico Vargas, a média de visitação de NoMínimo é entre 2,5 e 3 milhões de pageviews50 mensais, com 900 mil a 1,1 milhão de usuários únicos51. O site está hospedado no ibest52.
3.2.2 Planejamento Editorial
Ainda segundo informações fornecidas por Xico Vargas, NoMínimo é uma publicação independente, mantida por contratos para fornecimento de conteúdo com os portais IG, iBest e
49
http://nominimo.ibest.com.br Visualizações de página [tradução nossa]. É o número de vezes que determinada página (site) é carregada no navegador. 51 A contagem de usuários únicos refere-se às visitações por IP (Internet Protocol). Cada maquina conectada à rede tem um IP. Alguns sites registram os IPs das máquinas que os acessam e fazem uma contagem. Assim, pode-se saber, em média, o número de pessoas (de máquinas diferentes) que visitaram a página. 52 http://www.ibest.com.br 50
63
BRTurbo, além do faturamento publicitário e da venda de colunas e matérias para veículos impressos.
É um site que explora algumas ferramentas de interação com a audiência. Os leitores participam sugerindo, eventualmente, temas que gostariam de ver abordados e manifestando suas opiniões, por meio das caixas de comentários, enquetes e e-mails dos colunistas e editores do site. NoMínimo não oferece outros canais de relacionamento com o público e, segundo o editor, não há a intenção, pelo menos por enquanto, de inserção de outras ferramentas, como fóruns, listas de discussão e salas de bate-papo. Xico Vargas afirma que os editores planejam introduzir novidades em áudio e vídeo.
3.2.3 Análise
A singularização em NoMínimo ainda segue um modelo misto, que reúne características da mídia tradicional e da mídia interacional. A “capa do site” é construída por um sistema de edição, isto é, algum membro do corpo editorial escolhe o que vai ocupar qual lugar na página. O site é dividido em quatro partes distintas: a primeira é uma coluna à esquerda, um grande menu, no qual o leitor pode navegar entre as seções dos colunistas e entre um conjunto de editorias; a segunda é uma barra superior dinâmica, isto é, seu conteúdo é rotativo, de maneira que os boxes que são ali mostrados, com títulos e chamadas para o conteúdo do site, são atualizados constantemente; a terceira é a coluna da direita, que também possui sistema de boxes com conteúdo rotativo, ao mesmo tempo em que tem um sistema de conteúdo fixo – com links para algumas colunas separadamente, para a “frase do leitor escolhida” e para sites parceiros; a quarta parte é o quadro
64
central, no qual o conteúdo de NoMínimo é todo apresentado. A “capa do site” geralmente funciona como um blog, com as matérias sendo apresentadas em uma coluna somente, em ordem de atualização. No entanto, ao contrário do sistema tradicional de blog, algumas matérias mais antigas estão ocupando espaços das matérias mais recentes. Pode-se concluir então que há um trabalho de edição na “capa do site”, o que nos permite aproximar o modelo de publicação de NoMínimo dos processos de agendamento, uma vez que os autores fixam alguns tópicos, guiando a leitura do público.
A respeito do desenvolvimento simbiótico, o site não foca seu trabalho em aproximar leitores e editores. O público participa timidamente, nas seções de comentários e na seção “Fala Leitor”, que, no entanto, tem um sistema de funcionamento mal planejado (não fica claro ao leitor como publicar conteúdo nessa seção). O jornalista Xico Vargas, editor do site, afirmou que “´Fala leitor’ é como uma coluna de cartas. São mensagens enviadas para os jornalistas de NoMínimo por e-mail (ou seja, fora dos comentários). Normalmente a seleção é feita por cada editor que recebe a mensagem de seu leitor”.
Percebe-se que o encontro dos agentes do processo
comunicacional em NoMínimo é pequeno. Algumas seções de comentários contam com mais de trezentas mensagens do público, e, em raras ocasiões, o próprio autor posta algo respondendo às críticas. Mas o próprio formato estrutural dessas seções (janelas pop-up53) concede um grau de menor importância ao que é ali apresentado, pois aparenta mostrar que as mensagens do público são adjacentes ao espaço do site e não parte dele.
53
Janelas pop-up são janelas do navegador que abrem, com tamanhos reduzidos, sem as opções de barra de endereços e que têm como função apresentar conteúdos menos importantes ou publicidade.
65
A seleção em NoMínimo, referente aos processos de co-enunciação, é razoavelmente trabalhada. Algumas editorias e alguns colunistas possuem um sistema de arquivamento, trabalhando a memória informacional e criando um banco de dados. O site conta com avançado sistema de busca, por períodos de tempo, autor específico ou frases inteiras. Além disso, é possível encontrar resultados das enquetes, o que confere ao site um caráter de fonte de dados eficaz. No entanto, a busca falha ao não encontrar algumas colunas ou textos, mostrando apenas uma página de erro.
A hierarquização de conteúdo em NoMínimo acontece de acordo com a vontade de seu conselho editorial, o que impede o usuário de participar da organização. Apesar de existir certa ordem de publicação cronológica, algumas matérias de capa são mais antigas, como já apontado anteriormente.
A característica enquadramento pode ser analisada unicamente sob seu aspecto de construção de narrativas, uma vez que não há interferência do usuário na estruturação do site. Poucos colunistas, como Pedro Dória e Guilherme Fiúza, fazem uso das opções de links para publicações externas em seus textos. Aparece aqui o caráter perceptivo de NoMínimo, no qual se vê certo aproveitamento de algumas possibilidades hipermidiáticas, feito, no entanto, ainda timidamente.
Dentro das possibilidades de personalização, NoMínimo conta com uma ferramenta que permite ao usuário determinado grau de participação. Trata-se da possibilidade de receber, por e-mail, os textos de um autor predileto, sem ter que acessar o site continuamente. Apesar disso, nada mais pode ser configurado pelo usuário à sua vontade.
66
Sobre as atividades em espaços relacionais, NoMínimo, mesmo experimentando algumas das possibilidades da web, não disponibiliza nenhum espaço para que sua audiência mantenha contato entre si e com os próprios editores. Não existe a proposta de se criar uma espécie de comunidade, que se organize de acordo com os limites do site. O contato com o público não é a proposta de NoMínimo, apesar de ocorrer nas seções de comentário. No entanto, o contato se dá muito mais pela qualidade da publicação do que pela possibilidade de a audiência ter uma participação ativa.
O encontro da audiência e sua participação nos debates propostos pelo site são tópicos analisados na categoria “configuração do espaço relacional”. O único espaço em NoMínimo em que acontecem interações entre os usuários é na seção de comentários. Muitas vezes estão cheias de mensagens variadas e desorganizadas, mas, em algumas ocasiões, conseguem estabelecer um debate entre dois ou mais leitores, o que, de fato, é um ganho para a “comunidade” criada ao redor do site. Em uma coluna chamada “Olha Só: TV, Cinema e DVD”, o colunista Ricardo Calil apresenta uma matéria chamada “Quinze Minutos de Vexame”, na qual levanta a discussão sobre celebridades que são flagradas pela mídia em atos duvidosos e que, a partir disso, dão a volta por cima e conseguem contratos milionários com publicidade, abordando o caso de Daniela Cicarelli como melhor exemplo. Nos comentários, transcritos no quadro abaixo, encontramos opiniões distantes, mas que, no entanto, estabelecem discussões e fazem um bom debate.
67
TEXTO Eu acredito que essa postura de “perdoar” as celebridades reflete uma coisa mais grave: a banalização que todas coisas importantes da sociedade sofreram. Crimes hediondos são vistos com o maior descaso. Guerras onde morrem milhares de inocentes é tido como uma coisa mais que comum. Milhões de pessoas morrendo de fome só servem para fomentar a criação de ONG’s que ficam na porta dos ricos tentando chamar a atenção, sem se dedicar realmente a ajudar os necessitados (claro que neste caso há poucas e valorosas exceções). Haja vista os escândalos políticos no Brasil. Vários dos indiciados foram reeleitos. Sem contar que os que não foram indiciados só não foram por falta de vontade política, pois é raro um político que não tenha o rabo preso ou não esteja envolvido em falcatrua.
AUTOR E DATA
E A Midia fica aonde? SE os sites Terra, Ibest e cia ltda não ficam dando destaque a isso eu nem saberia que a Cicareli é uma putinha, nem que a Karina Bacchi beijou o arrgg baixinho? Voce vendem o peixe de voces e querem que a sociedade tenha moral e etica. Reflitam voces tambem.
Maguilla
Se a mídia careta continuar a exibir fartas porções de Daniele Winits, Cicarelli e Juilana Paes, u só tenho a dizer que ser quadrado nunca foi tão bom para mim. Que venha o próximo escândalo. concordo com o texto do Calil…e epoca em que vivemos eh simplesmente ridiculo..e sabe do que mais? quando aconteceu o tal episodio da Cicarelli nem precisou eu ser um publicitario de renome pra sacar que ela logo lucraria e muito com essa palhacada toda…
James Bond 23/10/2006 09h58
hoje em dia quem eh pego em flagrante, simplesmente assume a culpa e parte pra cima tentando virar o jogo, se fazendo de vitima…o prizidenti eh um exemplo maior de toda essa bandalheira de hoje em dia..
Flávio 23/10/2006 09h22
23/10/2006 09h35
Abstrato 23/10/2006 10h08
sao pegos com a boca na botija, viram pra voce e perguntam e dai?? E nós com isso? Cada um mostra ou faz o que quer, Não é uma demogracia? A sociedade deve dar um fim nisso ou deve continuar pondo pano quente? Não sei Acredito que daqui a 20 ou 30 anos, continuaremos a comentar fatos semelhantes, pois a midia não muda. Ela está atraz do $$$$$$$$. Infelizmente não só a mídia está atrás do dinehiro. Pior ainda é saber que somos responsáveis pelo que acontece e acabamos por nos acomodar e não fazer nada. Comentamos, nos dizemos indignados mas não fazemos nada. Acho que o ditado mais certo é o que diz que cada povo tem o governo que merece. Nós nos acomodamos e agora aceitamos qualquer um, literalmente, para traçar os rumos desta que poderia ser uma grande nação.
Álvaro 23/10/2006 10h30
Flávio 23/10/2006
A discussão perdura e os focos vão se movimentando. Vale notar que tudo começou com a discussão das celebridades e, até aqui, um trecho recortado, termina com debates políticos. Até o final dessa análise o debate discutia valores como moral e ética.
68
Na seção “Fala Leitor”, o material apresentado é selecionado pelo editor dentre um conjunto de e-mails que ele recebe sobre algumas matérias. Essa seleção do material não aponta para uma configuração de um espaço de atuação do leitor, uma vez que sua participação depende da concessão de outrem. O grande momento de encontro entre os visitantes do site acontece nas centenas de seções de comentários, ao término das matérias de alguns editores (as matérias publicadas em formato blog, como a seção Weblog, de Pedro Dória).
3.3 OhMyNews International
3.3.1 Histórico
O OhMyNews54 é um site de jornalismo colaborativo criado em 2000 pelo jornalista sul-coreano Oh Yeon Ho. Em 2004, devido ao sucesso do sistema, foi fundado o OhMyNews International (OMNI) 55, disponibilizado em inglês. Por questões lingüísticas, optamos pela análise do OMNI. Para compreender o motivo pelo qual o site foi criado, é preciso analisar o seu contexto histórico. A Coréia do Sul, país onde o site foi idealizado, passou por um regime político ditatorial – instaurado no começo da década de 1980 por meio de um violento golpe militar – que durou até meados da década de 1990. Segundo Brambilla56, o cenário midiático pós-ditadura era sustentado por três grandes conglomerados de comunicação, com linha editorial conservadora,
54
http://ohmynews.com http://english.ohmynews.com 56 Disponível em http://ambrambilla.blaz.com.br/genealogia_do_ohmynews.pdf. Acesso em 15/10/06. 55
69
representando 80% da imprensa sul-coreana. A grande maioria das emissoras de televisão também sofria controle por parte do governo.
A censura promovida pelo Estado, a impossibilidade de livre opinião e a cobertura superficial realizada pela imprensa criaram um cenário favorável ao projeto de Oh Yeon Ho. A idéia era criar uma opção de jornalismo independente do poder e de fontes oficiais, que suprisse a necessidade do povo sul-coreano de manifestar suas idéias. O site traz o slogan “Every citizen is a reporter”57, que define bem a proposta editorial de OhMyNews.
3.3.2 Planejamento Editorial
O site é um noticiário cujo diferencial é a abertura do acesso e da produção de informação, utilizando a noção de citizen reporter58. Contando com a participação de milhares de membros cadastrados, OMNI possui uma série de regras jornalísticas bem definidas, e ainda conta com dezenas de profissionais da comunicação contratados para auxiliar os “cidadãos-repórteres” na produção de conteúdo noticioso.
Segundo Brambilla, a política editorial do site é definida por “progressista aberta”, ou seja, é uma mídia de caráter progressista, objetivando diminuir a disparidade entre o número de veículos conservadores e as publicações alternativas. De acordo com a autora, no início, o OhmyNews contava com 727 cidadãos-repórteres, uma equipe distinta do corpo permanente de repórteres do
57 58
Todo cidadão é um repórter [tradução nossa] Repórter-cidadão [tradução nossa]
70
site. Os cidadãos-repórteres são responsáveis por relatarem os acontecimentos do entorno de onde se encontram, de acordo com Brambilla, “a partir de uma perspectiva própria e não orientada pelo caráter conservador da maioria da mídia coreana”. Os repórteres profissionais são responsáveis pela edição de todo o material enviado pelos cidadãos-repórteres e pela produção das notícias e coberturas mais complexas e densas, como os assuntos ligados à política e economia. Brambilla afirma ainda que o número de reportagens sobre negócios, assuntos internacionais, cultura e entretenimento tem aumentado devido à participação dos cidadãos-repórteres.
Com relação à periodicidade, Brambilla ressalta que a grande participação de cidadãos-repórteres fez com que a edição semanal fosse substituída por uma edição diária do noticiário e, atualmente, já não se pode identificar a periodicidade de uma edição: “com cerca de 38 mil colaboradores cadastrados e grande parte deles atuante, o OhmyNews tornou-se um site de atualização permanente, várias vezes ao dia”.
3.3.3 Análise
Analisando a singularização em OhMyNews International (OMNI), pode-se constatar que o layout do site se aproxima da estrutura noticiosa dos grandes jornais online. O site possui um sistema fixo de editorias na coluna da esquerda e no quadro superior. Existem dois quadros à direita, nos quais estão alinhadas informações mistas com conteúdo do site, conteúdo de outras publicações (Herald Times) e links para alguns recursos hipermidiáticos, como enquetes (interação reativa) e salas de bata-papo (interação mútua). Em um outro quadro está o conteúdo rotativo da capa do site, com algumas chamadas, cadernos especiais, apresentação dos melhores
71
colaboradores e comentários do dia. O quadro principal é facilmente percebido, pois é o maior deles, e é nele que se inserem as chamadas de capa (geralmente com fotos), títulos (em tamanho maior) e bigodes (subtítulos, em tamanho diferente da fonte corpo do texto). Ao final da página, uma coluna dupla mostra as últimas inserções de conteúdo de acordo com as editorias e, mais abaixo, são mostradas as últimas inserções de todo o sistema, com data e hora.
Apesar de seu formato se assemelhar ao formato dos jornais impressos, utilizado em muitas publicações online e webjornalísticas, o OMNI se organiza de maneira independente em relação ao conteúdo editorial. A “capa do site" é criada de acordo com decisões de um conselho editorial, que avalia o material enviado e a importância de cada informação (já que OMNI é uma publicação mundial). No entanto, apesar de haver um conselho editorial que define a capa, o site consegue se afastar do agenda-setting por ser mantido pela audiência. Em alguns momentos, como a agenda do público é alterada pela agenda dos grandes meios de comunicação de massa, o próprio público acaba reconfigurando o espaço do site, na medida em que se atém aos mesmos assuntos. Em um contato com Yu-jin Chang, um dos diretores membros do conselho editorial de OhMyNews, por meio do Google Talk59, perguntamos sobre o uso de algumas imagens na capa do site que apontam links para assuntos específicos, como a tensão com a Coréia do Norte60 e também as questões do Oriente Médio61. A resposta de Chang foi reveladora: “when there are a lot of stories about a big topic, such as the midease conflict, we make the decision to make a special section, and by doing this, it also stimulates more stories on that topic”62. Consideramos
59
Google Talk é um serviço de mensagens instantâneas desenvolvido pelo Google – empresa que criou e mantém o maior site de busca da Internet – e incorporado ao Gmail (conta de e-mail gratuita oferecida também pelo Google). Qualquer pessoa que possua uma conta Gmail pode conversar instantaneamente com outra que também possua. 60 http://english.ohmynews.com/english/eng_section.asp?article_class=13 61 http://english.ohmynews.com/english/eng_section.asp?article_class=16 62 “Quando temos muitas histórias sobre um grande assunto, como os conflitos no Oriente Médio, nos decidimos fazer uma seção especial, e fazendo isso, também estimulamos mais histórias sobre o assunto”. [tradução nossa].
72
que esta é, inclusive, uma maneira de evitar que a maior quantidade de histórias sobre determinados assuntos ocupe demasiado espaço na capa do site ou no decorrer das demais editorias. Assim, consegue-se organizar as informações e mantê-las, de certo modo, sempre à vista.
No que se refere ao seu desenvolvimento simbiótico, OMNI é um dos sites de conteúdo colaborativo mais eficientes. Utilizando um leque de recursos hipermidiáticos, a publicação estimula a participação do leitor em todos os aspectos. Desde o primeiro momento, as produções já chamam o usuário para participar, seja por meio de comentários ou de novas matérias. Os níveis de participação do usuário e o uso de outras ferramentas serão melhor abordados a seguir. Esta categoria observa o grau de participação do público não somente na inserção de material, mas também na análise e aprimoramento da performance funcional do site. Em OMNI, nas salas de Reporter’s BBS, Newsroom e Announcements, encontradas dentro da seção Reporter’s Desk é mantida uma discussão contínua entre os membros do site e seus editores. Analisando essas salas, vêem-se algumas mensagens de usuários insatisfeitos ou confusos com o sistema do site, e ali recebem instruções de outros usuários e dos próprios editores.
No quesito seleção, já analisando os processos de co-enunciação, o OMNI apresenta um elaborado sistema de estocagem de conteúdo, configurando a possibilidade hipermidiática da memória informacional. Além disso, o site ainda conta com uma eficiente ferramenta de busca, que procura por material relacionado a determinado autor, título ou palavra-chave. No entanto, o OMNI não possui um arquivo geral do conteúdo, com indexação feita mediante data de inserção. No que diz respeito ao processo de ranking, todo visitante ou membro do site pode aprovar ou desaprovar os comentários de outros visitantes. Este processo visa apenas apontar a credibilidade
73
do autor, uma vez que os comentários que recebem maior ou menor número de aprovações ou desaprovações não são relocados no espaço do site.
Analisando a hierarquização em OMNI, percebe-se que a capa do site é organizada pelo conselho editorial. Os assuntos de maior importância, de acordo com definições editoriais desse conselho, ganham destaque por alguns momentos, até que novas matérias sejam enviadas e ocupem seu lugar. É um processo rígido e ao mesmo tempo flexível. Rígido quando a ordem das publicações na capa é definida por um interagente apenas (nesse caso, um conselho de editores) e flexível quando está sujeita a novas inserções sem um período de tempo definido, ou seja, assim que um novo material for enviado e selecionado, ele já é inserido na capa. A equipe de editores e conselheiros de OMNI faz um trabalho de correção de erros e checagem sobre a qualidade jornalística do material (material respeitoso, fundamentado, bem redigido, com fontes, etc.) e não interfere nos assuntos discutidos pela audiência.
Em termos de enquadramento, OMNI é uma publicação que estabelece um tipo diferenciado de participação da audiência. Além de permitir que o próprio interagente faça uso de todo tipo de recursos disponíveis para a web em suas matérias – como tabelas, caixas de links, podcasting, transmissão de gravações em formato mp3, enquetes – o site ainda se reorganiza por demanda do público – como no caso supracitado das chamadas de capa para os assuntos relacionados com a Coréia do Norte e com o Oriente Médio. No que se refere à construção de narrativas, grande parte das matérias apresentam muitos links para sites distintos, excluindo-se a possibilidade da criação de uma espécie de domo informacional restrito ao espaço do próprio OMNI. Em parceria com outros sites, OMNI explora um recurso interessante: ao fim de cada matéria o leitor pode
74
enquadrá-la nos serviços de “melhores seleções” espalhados pela web, como o Digg63. Apesar de essa ser uma das características da comunicação hipermidiática, entende-se que o uso restrito dela em OhMyNews visa apenas a organização do conteúdo.
No que se refere à categoria personalização, nota-se que em OMNI há poucas possibilidades de a audiência moldar a publicação à sua vontade. Não há opção de estruturar o site de acordo com preferências individuais, ou seja, os interagentes não podem selecionar editorias, cores, organização dos itens, dentre outros tipos de customização.
Dentro da categoria “atividades em espaços públicos relacionais”, é evidente que o sistema de OMNI permite e fomenta a participação dos interagentes de várias formas. Por meio de um trabalho de acompanhamento editorial das propostas de pautas, e até mesmo das matérias, interligam-se as performances jornalísticas dos profissionais da comunicação com as dos “cidadãos-repórteres”. Dentro do espaço do site, salas de bate-papo, enquetes, sistema de mensagens privadas entre os membros do site, possibilidade de comentar uma matéria e até mesmo comentar um comentário, são provas do pensamento interacional, que visa o contato entre todos. Fora do espaço do site, ainda acontece, em um sistema de lista de discussão, um trabalho de crítica, sugestões e conversação entre estes usuários, levando a interação aqui para além dos limites estruturais do OMNI. Nosso contato com o corpo de diretores de OMNI foi feito em questão de segundos por meio dessa lista de discussão. O processo de publicação das matérias conta com um diálogo entre os interagentes que é fundamental. Assim, o uso de alguns recursos web mais avançados é feito pelo editor de acordo com as necessidades do repórter.
63
Digg é um site que trata de categorização e ranking de conteúdo. Ao usuário do Digg cabe a tarefa de selecionar material de outros sites e atribuir-lhe pontos negativos ou positivos. http://www.digg.com
75
OhMyNews é o site que, atualmente, possui a melhor estratégia para possibilitar e fomentar a atuação ativa do interagente. Toda estrutura do site foi criada (e é aperfeiçoada) para fazer da publicação um espaço concentrador de debates e discussões. Como já dito anteriormente, em OMNI a audiência é chamada a participar e recebe todas as instruções e ferramentas necessárias para inserir material no site. Além disso, o domo informacional de OMNI contempla vários tipos de recursos hipermidiáticos destinados exclusivamente à possibilidade de se estabelecer contato entre os agentes da comunicação ali inseridos, como os editores responsáveis pelo site, e também os próprios leitores e “cidadãos-repórteres”. Para tanto existem salas de bate-papo, enquetes e listas de discussão. Mas, o espaço onde os debates acontecem mais comumente são as seções de comentários. Nelas qualquer um pode escrever o que quiser. Além disso, em OMNI acontece um processo que ainda é muito pouco utilizado nas publicações online: a possibilidade de se comentar um comentário, isto é, depois de lido algum comentário, o leitor pode dar sua “aprovação” ou “desaprovação” e escrever, se desejar, um novo comentário sobre o que acabou de ler. Percebe-se aqui claramente o compromisso de OMNI com a participação da audiência, permitindo que as conversas se estendam.
Em um artigo chamado “Bush Declares War on Habeas Corpus”64, a autora Claudia Nelson, fala da tentativa do presidente norte-americano George W. Bush de diminuir os limites do direito constitucional do habeas corpus. Além de algumas fontes, a autora termina com um press release da Casa Branca sobre o assunto, com o discurso de Bush. Ao final de todo o material publicado em OMNI existe sempre a “caixa de comentários”. Até a data desta análise (25/10/2006), 64
Bush declara guerra ao Habeas Corpus [tradução nossa]. Matéria publicada em 19/10/2006. Disponível em: http://english.ohmynews.com/articleview/article_view.asp?code=2118905&menu=c10400&no=323946&rel_no=1& opinion_no=6&page=&isSerial=&sort_name=&ip_sort= Acesso em: 30/10/2006
76
existiam sete comentários sobre o assunto. Abaixo, recuperam-se esses comentários e o processo de diálogo que nasce com eles. TEXTOS These not the people whom you catch on battle-field regrading whom the Geneva convention was devised. These are invisible enemies who will bomb your malls, trains, buses, schools to cause maximum civilian casaulties. They have no concern for any fault of the individuals they are killing. You need special measures to tackle them in the interrim. Probably harder measures are on the way Estas não são pessoas que você captura em um campo de batalha considerados quando a Convenção de Genebra foi formalizada.Estes são inimigos invisíveis que vão bombardear shoppings, trens, ônibus, escolas para causar o máximo de mortes civis. Eles não tem consciência por qualquer indivíduo que estão matando. Você precisa de medidas especiais para detê-los no ínterim. Provavelmente medidas mais duras estão a caminho. [tradução nossa] There will be a big unraveling, soon. When USA and North Korea go to war, millions of people will take to the streets to protest it hopefully, and that will be the beginning of the end, or the beginning of a new enlightenment. Haverá uma grande revelação em breve. Quando EUA e Coréia do Norte forem à guerra, milhões de pessoas irão para as ruas para protestar esperançosamente, e isto será o começo do fim, ou o começo de um novo Iluminismo. [tradução nossa] I absoulutely agree..we are our own enemy... Eu concordo totalmente, somos nosso próprio inimigo. [tradução nossa] if i start telling people about this, i can be thrown in jail without questioning or justice now, so its either too late, or i dont know!!!!!!!!!!!!!!!!! Se eu começar a contar isso às pessoas, eu posso ser jogado na cadeia sem questionamentos ou justiça agora, então é tarde demais, ou eu não sei! [tradução nossa] I agree. We have to stand up to our government... wait! That great new show "Lost" is on. Okay, so lemme watch that first, maybe grab some Wendy's, check out some internet porn... Come to think of it, let's just do it tomorrow. Shit, I'm getting my new satellite tv installed tomorrow. How 'bout next week sometime? Eu concordo. Temos que enfrentar nosso governo... espere! Aquele ótimo novo programa “Lost” está passando. Certo, então deixe-me assisti-lo primeiro, talvez ver um pouco de Wendy’s, conferir alguma pornografia na Internet... Venha pensar a respeito, mas vamos fazer isso amanhã. Merda, vão instalar minha nova tv por satélite amanhã. Que tal uma outra hora na semana que vem? [tradução nossa]
AUTOR E DATA Ma Khan 19/10/2006
Este comentário recebeu três desaprovações
Rick 20/10/2006 Obteve três aprovações.
Kelly 20/10/2006 Obteve duas aprovações. Anonomous 20/10/2006 Obteve duas aprovações e 1 desaprovação.
Castle 22/10/2006
Obteve três aprovações e 1 desaprovação.
We ARE doomed!!! I have yet to hear our "so-called" media talk about this!!! Even Art Bell and George Norrie haven't said a word about it??? Estamos condenados! Eu ainda tenho que ouvir a “tão aclamada” mídia falar sobre isso!!! Até mesmo Art Bell e George Norrie não disseram uma palavra sobre isso???
Dan 25/10/2006 Obteve duas aprovações.
I agree with u! There is a blind-media operating in US.
Seifor 25/10/2006
Eu concordo com você! Existe uma mídia cega operando nos EUA.
77
Esse último comentário foi feito especificamente sobre o penúltimo, em uma caixa de texto própria, uma vez que, como explicado anteriormente, em OMNI o leitor pode “comentar o comentário”.
As análises dos três sites mostram como o conteúdo jornalístico na web se divide de acordo com o uso dos recursos e possibilidades hipermidiáticas. Alguns sites se propõem unicamente a inserir conteúdo na Internet de forma a reproduzir o sistema engessado do jornalismo tradicional offline, não explorando outras ferramentas, ou seja, restringindo-se a apresentar o e-mail dos autores e opções de caixa de comentários. Ao nosso ver, essas ferramentas são utilizadas como uma espécie de medidor de freqüência dos usuários, uma espécie de contador de visitantes integrado com feedback. A publicação Caros Amigos online é exemplo dessa fase, tipicamente transpositiva.
Algumas outras publicações, como o site brasileiro NoMínimo, são genuinamente virtuais, feitas exclusivamente para web, sem qualquer extensão offline. O corpo de redatores de NoMínimo publicam conteúdo com periodicidade variada, sendo que alguns se dedicam a apresentar material novo diariamente, em textos dinâmicos. Com exceção de alguns colunistas, os redatores constroem narrativas usando, no decorrer dos textos, links para outras publicações, com o intuito de explicar conceitos, eventos e/ou personagens, sem ter que fazer referência no próprio texto.
Vale ressaltar que tanto Caros Amigos Online quanto NoMínimo caminham para uma adaptação às novas potencialidades da web, uma vez que ambas passam por reformas que já são pensadas de acordo com a usabilidade dos recursos hipermidiáticos. Durante o processo de confecção deste trabalho, a Caros Amigos Online passou por uma reestruturação gráfica e funcional. Além da
78
mudança nas cores e no design da homepage, uma das seções que contavam com a participação do público, até então restrita a pautas definidas, passou a se destinar à convocação da audiência para expor quaisquer pontos de vista, sugerindo o debate de idéias. Uma outra seção, chamada “Novas”, construída com material enviado por colaboradores (assessores de imprensa de órgãos ou entidades, especialistas, etc), foi valorizada. Na versão anterior do site, tal seção estava abandonada e desatualizada e, já nesta segunda versão, novos textos têm sido publicados. Apesar da tentativa de explorar melhor as possibilidades de interação, o leitor ainda não pode ser considerado como um interagente. Caros Amigos online poderia fazer uso do site não somente como uma extensão da revista impressa, já que a linha editorial da publicação defende a pluralidade de discursos. As possibilidades interacionais da web viriam ao encontro da proposta contra-hegemônica de Caros Amigos, sem tirar o valor da publicação impressa. Além de abrir espaço para a diversidade de idéias, o site poderia também ser utilizado para publicação do material da revista impressa, porém sem a edição, ou seja, o material “bruto”. Essa estratégia poderia não somente explorar o espaço (quase que ilimitado) que a mídia Internet oferece, como criar no leitor a curiosidade pela publicação impressa, estimulando-o a comprar a revista para ver como aquela matéria lida no site foi editada.
Em NoMínimo, o uso de alguns recursos web também será valorizado, segundo o editor Xico Vargas. Ele informou que em breve o site vai explorar som e imagem em movimento. Assim, arquitetado exclusivamente para a Internet, NoMínimo é uma transição entre o jornalismo tradicional e o potencialmente hipermidiático, o que revela o site como representante da fase perceptiva. Sem seguir a linha editorial de uma publicação offline, NoMínimo é um exemplo do uso da rede como não apenas ferramenta que estende a projeção de uma determinada publicação, mas como suporte jornalístico independente. Em NoMínimo há participação da audiência por
79
meio das seções de comentários por e-mails. No entanto, percebe-se que, apesar de contar com um público fiel, a publicação não explora as potencialidades interacionais. Os gestores do site poderiam criar espaços dedicados exclusivamente ao encontro dos usuários (para que sejam, de fato, interagentes/prosumidores), dentro do domo informacional do site. Salas de bate-papo, contas de usuário com possibilidade de envio de mensagens privadas entre a audiência, integração com recursos extras da web, como fóruns ou listas de discussão, seriam formas seguras de reunir o público de NoMínimo e possibilitar uma relação todos-todos, dentro das possibilidades explicadas no sistema intercast (ou bottom-up news)
Representante da terceira fase do jornalismo na Internet – a hipermidiática –, OhMyNews International é um dos precursores (e tem sido referência) na utilização, para a prática jornalística, dos recursos que a rede oferece. O site possui um modus operandi que só funciona mediante a participação da audiência na construção do conteúdo, o que acaba por valorizar o material jornalístico apresentado. OMNI ainda está em constante aperfeiçoamento, sempre acompanhando as novidades e incorporando-as ao site. Nota-se que o sucesso que essa publicação alcançou deve-se não somente ao uso das características hipermidiáticas, mas também ao contexto histórico no qual está inserida, como atesta Yu-jin Chang, membro do conselho editorial de OMNI : Much depends on the journalistic, literary and political cultures. For example, in Korea the specific culture allowed a citizen journalism site to flourish whereas it hasn't been able to take root yet in other places. These Korean conditions have to do with the political climate and dissident tradition but also the literacy rate the cultural emphasis on writing and of course the technological conditions of deep broadband penetration. 65
65
Muito depende da cultura jornalística, literária e política. Por exemplo, na Coréia a cultura específica permitiu um a site de jornalismo cidadão florescer, sendo que ele não foi executável em outros lugares. Estas condições coreanas têm a ver com o clima político e a tradição dissidente, mas também com o nível literário e a ênfase na cultura da escrita e, claro, as condições tecnológicas de profunda penetração de banda-larga [tradução nossa].
80
Por isso, o jornalismo colaborativo apresenta-se ainda como uma potencialidade pouco explorada, já que depende, além da técnica, de questões políticas, econômicas, culturais e ideológicas, muitas vezes submetidas à lógica do capital.
A partir das análises, pode-se dizer que o trabalho de gatekeeping diminui à medida que a cartografia da informação aumenta. Se um site está mais próximo da fase transpositiva, como é o caso de Caros Amigos online, existe ainda um pensamento massivo que faz com que a prática jornalística seja próxima do modus operandi dos meios de comunicação de massa. Em NoMínimo, os jornalistas ainda têm influências da prática jornalística tradicional, mas já começam a experimentar a interlocução com a audiência e com outros conteúdos encontrados na Internet. No caso do OhMyNews, o site aparece, atualmente, como o melhor exemplo desse novo modo de mediação jornalística, na qual o processo de gatekeeping é reduzido em função do uso colaborativo que faz da rede.
Gradualmente, as publicações virtuais vão explorando as características interacionais da Internet e começam a abrir espaço a uma nova prática jornalística. Minimiza-se o monopólio do jornalista na disseminação de informação ao mesmo tempo em que aumenta o seu papel de cartógrafo da informação, aquele que indica, reúne, aproxima, sistematiza e correlaciona conteúdos, construindo narrativas dentro da hipermídia, de forma a evitar a insuficiência ou a sobrecarga de informação dentro desse ambiente em que o fluxo informacional cresce a cada segundo.
81
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O surgimento das NTICs, ao propiciar o aparecimento de meios não massivos, afetou modelos teóricos tradicionais. A rápida evolução dos aparatos tecnológicos e seu conseqüente barateamento possibilitam que, a cada dia, mais e mais pessoas travem contato com as particularidades do ciberespaço, esse ambiente desterritorializado no qual as informações circulam, sob os mais diversos formatos. A inserção do público no processo de produção informacional é, portanto, uma situação não somente irreversível, mas que se expande velozmente.
Prova disso é o desenvolvimento de serviços, aplicativos, recursos, tecnologias e conceitos que permitem um maior grau de interação e colaboração na utilização da Internet – a chamada Web 2.0. Na verdade, esse termo diz respeito ao que chamamos, neste trabalho, de fase hipermidiática, ou seja, a utilização a contento dos recursos oferecidos pela rede. Trata-se da criação e aperfeiçoamento de várias ferramentas dentro do ciberespaço como e-mail, instant messengers, fóruns e listas de discussão, programas de conversação por IP, webcams integradas com áudio e simuladores de realidade virtual. Uma das premissas da Web 2.0 é a valorização do conteúdo colaborativo e da inteligência coletiva, em que o conteúdo deve ser produzido e consumido por qualquer usuário da rede, de forma simples e direta. Os blogs são exemplos desta premissa.
O advento da Internet, devido à sua arquitetura em forma de teia e às suas características hipermidiáticas, proporcionou pela primeira vez que um meio de comunicação funcionasse de maneira descentralizada e horizontal, de forma semelhante ao que acontece na comunicação interpessoal. Sendo assim, a estratégia de publicação na Internet – sistema intercast (ou bottom-
82
up news) – representa uma forma inédita de tratamento da informação, ao propiciar a participação igualitária dos diversos atores do processo comunicacional (desde que munidos de computador com acesso à rede). A web difere-se, portanto, dos meios de comunicação de massa – que utilizam o sistema broadcast (ou top-down news) – ao proporcionar e utilizar a interação (atributo da comunicação interpessoal) para a produção de conteúdo. Enquanto as mídias de massa trabalham numa lógica de oferta – no modelo transmissionista “um-todos” – a Internet funciona por demanda, ou seja, por disponibilização e acesso – no modelo “todos-todos”.
Esse modus operandi da mídia interativa reconfigura o processo de Agenda-setting apresentado tradicionalmente pelo sistema broadcast, pois é a própria audiência que busca a informação. Isso significa que a escolha temática e a hierarquia dos assuntos na Internet podem ser definidos pelo público e não apenas pela mídia. Além disso, questões como espaço e tempo em que determinado assunto continua em discussão deixam de ser limitações, o que influencia também no processo de agendamento.
No que diz respeito ao processo de produção de notícias – o newsmaking –, o contato do público com as ferramentas de produção e disseminação de conteúdo afetou diretamente o monopólio da informação até então exercido pelos grupos de comunicação. Isso implica em modificações num dos papéis clássicos do jornalista: o gatekeeper. A possibilidade de que qualquer usuário de informações da Internet possa publicar informações faz com que esse papel se dilua entre todos aqueles que de alguma forma inserem conteúdos nesta mídia e, conseqüentemente, pode apresentar novas configurações da esfera pública.
83
Essa reconfiguração do gatekeeping, ao retirar o jornalista da posição central do processo comunicacional, cria um certo temor em relação à perda do poder do profissional ou à redução do seu espaço de atuação. No entanto, a minimização desse tipo de mediação na Internet abre a possibilidade para outro tipo, que chamamos de cartografia de informação.
O jornalista na web, ao contrário do que acontece na mídia tradicional, não ocupa um lugar central de passagem obrigatória da informação que pode ser tornada pública, e sim se estabelece, assim como todos os outros interagentes, como um dos nós da rede. E como à rede se somam novos nós ilimitadamente, e portanto mais fontes de informações, o jornalista aparece como aquele que organiza, sistematiza e promove a ligação entre conteúdos já publicados, além de convocar a audiência para participar do processo jornalístico. O cartógrafo de informação é, portanto, o profissional jornalista que usa os recursos da web não tão somente para propiciar ao público a participação na construção de conteúdos em ambientes informacionais colaborativos, mas também para auxiliar na visualização e nos processos cognitivos relacionados à organização da vasta quantidade de informação presente no ciberespaço.
A análise dos sites – Caros Amigos Online, NoMínimo e OhMyNews International – mostra a evolução do contexto hipermidiático, apontando para um movimento simultâneo de diminuição do gatekeeping e aumento da cartografia da informação. Nessa transição, foi possível verificar as diferenças no trato dado à audiência por estas publicações virtuais. De acordo com a maneira como os sites jornalísticos lidam com os recursos hipermidiáticos e com as possibilidades interacionais, a participação da audiência é estimulada em maior ou menor grau. Dessa forma, dependendo do nível de participação que o site oferece, o interagente pode até mesmo exercer um papel jornalístico semelhante ao do próprio profissional em questão.
84
Aplicando elementos de análise baseados nos processos de comunicação interpessoal, encontramos em NoMínimo e Caros Amigos online um modo de produção ainda atrelado à atuação da mídia de massa, não fazendo uso efetivo do potencial da Internet. Ambas as publicações fazem uso de modelos jornalísticos característicos da mídia de massa, uma vez que seu conteúdo contempla uma visão instrumentalista da web, abrindo mão do efetivo potencial da hipermídia. Em Caros Amigos online encontra-se um jornalismo que faz da Internet uma vitrine informacional da revista impressa, utilizando o mínimo de recursos interacionais. Segundo a editora do site, Tatiana dos Santos, o objetivo da publicação é ser mesmo uma extensão da matriz offline. Já o site NoMínimo, mesmo sendo uma publicação genuinamente virtual, ainda é tem um funcionamento típico dos meios tradicionais.. Porém, nesta publicação, é possível perceber alguns avanços na percepção das possibilidades hipermidiáticas, explorando ainda timidamente um contato com a audiência.
O site OhMyNews International encara o jornalismo na Internet de uma forma diferente. A publicação sul-coreana, recém-traduzida para o inglês, não tão somente fomenta a participação da audiência na produção de conteúdo, como também depende dessa participação para existir. Os leitores de OMNI são chamados de cidadãos-repórteres e o site criou uma espécie de grande comunidade virtual de prosumidores. A publicação é, atualmente, o principal exemplo da realização da cartografia da informação. Porém, ainda são poucas as publicações webjornalísticas – ou seja, aquelas que realizam esse novo tipo de mediação – dentro desse infinito universo informacional que é o ciberespaço.
O webjornalismo precisa se afirmar como uma modalidade jornalística específica, distanciandose do que chamamos neste trabalho de jornalismo online, ou seja, aquele que se serve da web
85
apenas como uma extensão de publicações offline. Fica-nos claro que a Internet exige um fazer jornalístico próprio, em que todas etapas da produção e da disseminação do conteúdo aconteçam no próprio ciberespaço, conciliando e explorando todas as ferramentas e as potencialidades da rede, de forma que o profissional se aproxime da audiência para produzir material noticioso.
Ao profissional jornalista caberá a tarefa de perceber-se – e perceber também a audiência – em um domo informacional que opera numa perspectiva sistêmico-relacional, no qual a matériaprima e os meios de produção encontram-se ao dispor de todos. Ali, em um infinito número de links e páginas recheadas das mais variadas informações, o jornalista deverá fomentar o debate e mantê-lo, permitindo não tão somente o informe noticioso, mas também o diálogo entre as fontes, de maneira a provocar a reflexão.
86
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
BERGER, Peter L. & LUCKMANN, Thomas. A construção social da realidade: tratado de sociologia do conhecimento. Tradução de Floriano Souza Fernandes. Petrópolis: Vozes, 1985. Original Inglês. BERTALANFFY, Ludwig Von. General System Theory: a Critical Review. In General Systems Yearbook, 7:1-20, 1962 apud WATZLAWICK, Paul et al. Pragmática da Comunicação Humana: um estudo dos padrões, patologias e paradoxos da interação. Tradução de Álvaro Cabral. São Paulo: Ed. Cultrix, 1967. Original Inglês. BIRDWHISTELL, Ray L. Contribution of Linguistic-Kinesic Studies to the Understanding of Schizophrenia. In AUERBACK, Alfred (org). Schizophrenia: na Integrated Approach. Nova Iorque: The Ronald Press company, 1959, p. 99-123 apud WATZLAWICK, Paul et al. Pragmática da Comunicação Humana: um estudo dos padrões, patologias e paradoxos da interação. Tradução de Álvaro Cabral. São Paulo: Ed. Cultrix, 1967. Original Inglês. BRECHT, Bertold. El Compromisso en Literatura y Arte. 2ª ed. Barcelona: Ediciones Península, 1984. CASTELLS, Manuel. Internet e Sociedade em Rede in MORAES, Denis de (org.) Por uma outra comunicação. Rio de Janeiro: Record, 2004 EL HAJJI, Mohammed. Da Semiose Hegemônica Ocidental - Globalização e Convergência. Rio de Janeiro: Eco-Rizoma, 2001 FERREIRA, Giovandro Marcus. As origens recentes: os meios de comunicação pelo viés da comunicação de massa. In HOHLFELDT, Antônio et al. (org) Teorias da Comunicação: conceitos, escolas e tendências. Rio de Janeiro: Vozes, 2001. FIORIN, José Luiz. As astúcias da enunciação – as categorias de pessoa, espaço e tempo. São Paulo: Ática, 2002. HABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural da esfera pública. Rio de Janeiro: Biblioteca Tempo Universitário, 1984. HOHLFELDT, Antônio. Hipóteses Contemporâneas de Pesquisa em Comunicação. In HOHLFELDT, Antônio et al. (org) Teorias da Comunicação: conceitos, escolas e tendências. Rio de Janeiro: Vozes, 2001. LAGE, Nilson. A reportagem: teoria e técnica de entrevista e pesquisa jornalística. Rio de Janeiro: Record, 2001. LEÃO, Lúcia. O Labirinto e a Arquitetura do Ciberespaço. In NOJOSA, Urbano e GARCIA, Wilton (orgs.) Comunicação e Tecnologia. São Paulo: Nojosa, 2003.
87
LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 2000 ___________. Pela Ciberdemocracia. In MORAES, Dênis de (org.) Por uma Outra Comunicação. Rio de Janeiro: Record, 2004 MARTIN-BARBERO, Jesus. Globalização Comunicacional e Transformação Cultural. In MORAES, Dênis de (org.) Por uma Outra Comunicação. Rio de Janeiro: Record, 2004 MIELNICZUK, Luciana. Considerações sobre interatividade no contexto das novas mídias. in LEMOS, André; PALACIOS, Marcos (Org.) Janelas do ciberespaço: comunicação e cibercultura. Porto Alegre: Sulina, 2001 MORIN, Edgar. A Comunicação pelo Meio (Teoria Complexa da Comunicação). In MARTINS, Francisco Menezes e SILVA, Juremir Machado da (Orgs.). A genealogia do virtual – comunicação, cultura e tecnologias do imaginário. Porto Alegre: Editora Sulina, 2004 ____________ . Introdução ao pensamento complexo. Lisboa: Instituto Piaget, 1991. PALÁCIOS, Marcos. Ruptura, continuidade e potencialização no jornalismo online. In PALÁCIOS, Marcos e MACHADO, Elias (orgs.) Modelos de Jornalismo Digital. Salvador: Calandra, 2003. PRIMO, Alex. Enfoques e Desfoques no Estudo da Interação Mediada por Computador. In BRASIL, André et al (orgs.) Cultura em Fluxo: Novas Mediações em Rede. Belo Horizonte: Pucminas, 2004. RAFAELI, Sheizaf. Interactivity: from new media to communication. In Sage annual review of communication research: advancing communication science. Bervely Hills: Sage, 1988 apud PRIMO, Alex. Enfoques e Desfoques no Estudo da Interação Mediada por Computador. In BRASIL, André et al (orgs.) Cultura em Fluxo: Novas Mediações em Rede. Belo Horizonte: Pucminas, 2004. SANTAELLA, Lúcia. A Crítica das Mídias na Entrada do Século XXI. In Crítica das Práticas Midiáticas: da sociedade de massa às ciberculturas. São Paulo: Hacker, 2002 SILVA JUNIOR, José Afonso da. Do Hipertexto ao algo mais: Usos e abusos do conceito de hipermídia pelo jornalismo on-line. In LEMOS, André; PALÁCIOS, Marcos (orgs.) Janelas do Ciberespaço. Porto Alegre: Sulina, 2002. STEUER, Jonathan. Defining virtual reality: dimensions determining telepresence. Journal of Communication. Calgary: Autumm, 1992 apud PRIMO, Alex. Enfoques e Desfoques no Estudo da Interação Mediada por Computador. In BRASIL, André et al (orgs.) Cultura em Fluxo: Novas Mediações em Rede. Belo Horizonte: Pucminas, 2004. TRAQUINA, Nelson. O estudo do jornalismo no século XX . São Leopoldo: Unisinos, 2001. TOFFLER, Alvin. A terceira onda. 15ª ed. Rio de Janeiro: Record, 1995
88
VAZ, Paulo. Mediação e tecnologia. In MARTINS, Francisco Menezes e SILVA, Juremir Machado da (Orgs.). A genealogia do virtual – comunicação, cultura e tecnologias do imaginário. Porto Alegre: Editora Sulina, 2004. WATZLAWICK, Paul et al. Pragmática da Comunicação Humana: um estudo dos padrões, patologias e paradoxos da interação. Tradução de Álvaro Cabral. São Paulo: Ed. Cultrix, 1967. Original Inglês. WOLF, Mauro. Teorias da Comunicação. Lisboa: Ed. Presença, 1995. WOLTON, Dominique. Internet et après: une theorie critique des noveaux medias. Paris: Flammarion, 1999 apud PALÁCIOS, Marcos. Ruptura, continuidade e potencialização no jornalismo online. In PALÁCIOS, Marcos e MACHADO, Elias (orgs.) Modelos de Jornalismo Digital. Salvador: Calandra, 2003. WOLTON, Dominique. Pensar a Comunicação. In MATELLART, Armand & MATELLART, Michele (orgs.) Pensar as Mídias. São Paulo: Loyola, 2004.
REFERÊNCIAS DIGITAIS:
AROSO, Inês Mendes Moreira. A Internet e o novo papel do jornalista. Disponível em www.bocc.ubi.pt/pag/aroso-ines-internet-jornalista.pdf. Acesso em: 19/08/2006 BOURDIEU, Pierre. O Mercado de Bens Simbólicos. Disponível em www.fmemoria.com.br/teoriaecritica/img/mercado_dos_bens_simb.pdf Acesso em: 28/08/2006 BOWMAN, Shayne & WILLIS, Chris. We Media: How the audiences are shaping the future of news and information. Disponível em http://www.hypergene.net/wemedia/download/we_media.pdf. Acesso em: 19/08/2006 CÂMARA, Marcelo Barbosa. O jornalismo independente de Caros Amigos: um processo de contra-hegemonia. Disponível em http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos/da250920022.htm Acesso em 15/10/2006 CAMPOS, Pedro Celso. Jornalismo Digital: novos paradigmas de Produção, Emissão e Recepção do Discurso. Disponível em http://paginas.terra.com.br/educacao/pedrocampos/jornalismodigital.htm. Acesso em: 22/08/2006
89
CANAVILHAS, João Messias. Webjornalismo: Considerações gerais sobre jornalismo na web. Disponível em http://www.bocc.ubi.pt/pag/canavilhas-joao-webjornal.pdf. Acesso em: 20/08/2006 GIBSON, William. Neuromancien. Paris: La Découverte, 1985 apud LEMOS, André. As Estruturas Antropológicas do Ciberespaço. Disponível em http://www.futuro.eng.br/CIBER.html. Acesso em: 19/08/2006 HALL, Jim. Online Journalism - a critical primer. London: Pluto Press, 2001 apud AROSO, Inês Mendes Moreira. A Internet e o novo papel do jornalista. Disponível em www.bocc.ubi.pt/pag/aroso-ines-internet-jornalista.pdf. Acesso em: 19/08/2006 LEMOS, André. As Estruturas Antropológicas do Ciberespaço. http://www.futuro.eng.br/CIBER.html. Acesso em: 19/08/2006
Disponível
em
LIMA, Lara Viviane Silva. Jornalismo de Precisão: História e Conceito. Disponível em http://www.cem.itesm.mx/dacs/publicaciones/logos/anteriores/n22/22_lsilva.html. Acesso em: 31/08/2006 MACHADO, Elias. O ciberespaço como fonte para os jornalistas. Disponível em www.bocc.ubi.pt/pag/machado-elias-ciberespaco-jornalistas.pdf. Acesso em 19/08/2006 MEYER, Philip. Periodismo de precision. Barcelona: Bosch, 1993 apud LIMA, Lara Viviane Silva. Jornalismo de Precisão: História e Conceito. Disponível em http://www.cem.itesm.mx/dacs/publicaciones/logos/anteriores/n22/22_lsilva.html. Acesso em: 31/08/2006 MORRIS, Merril & OGAN, Christine. The Internet as Mass Médium. Disponível em http://jcmc.indiana.edu/vol1/issue4/morris.html. Acesso em: 26/08/2006 PEREIRA, Fábio Henrique & MORAES, Francilaine Munhoz. Mas afinal, Internet é mídia? Artigo apresentado no XXVI Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação (Intercom), Belo Horizonte, Setembro 2003. Disponível em http://reposcom.portcom.intercom.org.br/bitstream/1904/5145/1/NP2PEREIRA_FABIO.pdf. Acesso em: 20/08/2006 PRIMO, Alex & TRÄSEL, Marcelo Ruschel. Webjornalismo participativo e a produção aberta de notícias. In: VIII Congresso Latino-americano de Pesquisadores da Comunicação, 2006. São Leopoldo: Anais, 2006. Disponível em http://www6.ufrgs.br/limc/PDFs/webjornal.pdf Acesso em: 08/09/2006 ROCHA, Jorge. Participatory Journalism: conceitos e práticas informacionais na Internet. Artigo apresentado no XXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação (Intercom), Rio de Janeiro, Setembro 2005. Disponível em CD-Rom. ROCHA, Jorge. O papel dos jornalistas nos processos interacionais do Participatory Journalism. Artigo apresentado no XXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação (Intercom), Brasília, Setembro 2006. Disponível em CD-Rom
90
SILVA JUNIOR, José Afonso da. A relação das interfaces enquanto mediadoras de conteúdo do jornalismo contemporâneo. Agências de notícias como estudo de caso. Disponível em www.bocc.ubi.pt/pag/junior-jose-afonso-interfaces-mediadoras.pdf. Acesso em: 20/08/2006.
ENTREVISTAS
VARGAS, Xico. 22 out. 2006. e-mail. Entrevista concedida a Pedro Henrique Nogueira Penido. SANTOS, Tatiana Estanislau. 06 nov. 2006. e-mail. Entrevista concedida a Pedro Henrique Nogueira Penido. CHANG, Yu-jin. 16 out. 2006. Instant Messenger. Entrevista concedida a Pedro Henrique Nogueira Penido. CHANG, Yu-jin. 16 out. 2006. e-mail. Entrevista concedida a Pedro Henrique Nogueira Penido.
91
ANEXOS
Anexo I – Homepage de Caros Amigos, antes da reformulação ocorrida no final de outubro de 2006, capturada em 15/10/2006.
92
Anexo II – Homepage de Caros Amigos, depois da reformulação ocorrida no final de outubro de 2006, capturada em 06/11/2006.
93
Anexo III – Homepage de NoMínimo, capturada em 06/11/2006.
94
Anexo IV – Homepage de OhMyNews International, capturada em 06/11/2006.
95
Anexo V – Entrevista com Tatiana Estanislau dos Santos, editora de Caros Amigos online, concedida em 06/11/2006 a Pedro Henrique Nogueira Penido.
1 - Conte-nos um breve histórico do site e a idéia de sua criação. Quais as propostas? Qual o perfil editorial? Qual o público da Internet? Houve parcerias com outros grandes sites? No início, a idéia foi de usar uma nova mídia, um novo espaço que, em primeiro lugar, pudéssemos nos comunicar com nossos leitores de maneira mais rápida e outro motivo foi a possibilidade de ter um novo caminho para divulgar a Caros Amigos. Nosso primeiro parceiro foi o UOL. Quanto ao perfil do leitor, nossa última pesquisa feita em 2001 indicou o seguinte perfil de nossos leitores: 72% são homens com idade entre 20 e 49 anos. 91% têm superior completo, 19% pós-graduados. Este nível de escolaridade se reflete nas classes econômicas A (17%), B (49%) e C (30%). Pouco mais da metade são solteiros (55%) e trabalham (67%).
2 - O site pretende expandir a revista para a Internet ou pretende ter "vida própria"? O site pretende, como no início, complementar a revista.
3 - Qual a média de visitantes diários? Baseado nas opções de participação do público (Chute o Balde, Coluna do Leitor e Palanque) e nas opções de enviar e-mail para os autores, como vocês percebem a participação do público? Acontecem "correções" no site baseado em novas informações cedidas pela audiência do site? Em média são 10.000/dia. Por mês, são 800.000 páginas visitadas e 100.000 usuários únicos. Muitas vezes tentamos perceber o que esperam da revista nas páginas dedicadas aos leitores, isso quando não perguntamos diretamente para o leitor. Já fizemos isso algumas vezes.
96
4 - Em relação aos aspectos de interatividade, fora as seções “Palanque”, “Chute o Balde”, “Coluna do Leitor” e e-mail dos editores, vocês vislumbram alguma outra ferramenta, como fóruns, listas de discussão e salas de bate-papo para reunir o público leitor ao redor da publicação, criando uma comunidade virtual jornalística? Temos o Correio Caros Amigos que é um boletim semanal com um texto de nossos colaboradores, que serve de tema para a discussão da semana e é enviado para o e-mail de mais de 110.000 cadastrados, o número é impressionante porque nunca compramos mailing, as pessoas que estão lá, são pessoas que se cadastraram e que usam realmente o espaço como um meio de discussão e críticas.
5 - Existem publicações na Internet, como o site OhMyNews, que trabalham possibilitando que o público também publique material. O que acham dessa idéia? A Caros Amigos tem um espaço para textos no site. Chama-se coluna do leitor, com seções para conto, artigos, poesia e avaliação da revista. Gostamos dessa sintonia com o leitor, mas devemos tomar um certo cuidado. Nem sempre quem está do outro lado quer usar o espaço da forma que é proposta.
6 - Qual a periodicidade (deadline) de publicação de material em Caros Amigos online? Procuramos fechar a edição juntamente com a chegada da edição impressa nas bancas. Para o material exclusivo do site, só fixamos uma data para o Correio Caros Amigos.
7 - Por que houve a reformulação do site? Em relação à versão anterior de Caros Amigos online, quais as principais mudanças (no conteúdo e na estrutura)?
97
Estávamos com o modelo anterior por 4 anos. Podemos dizer de modo geral que estamos aprendendo a usar a Internet, o avanço é muito grande e aquele modelo já estava engessado. Pela facilidade de desenho e mudanças de um site, resolvemos fazer diferente e se você navegar no site pelas páginas antigas, vai ver que não mudamos o antigo projeto.
8 - Houve uma mudança na seção “Palanque”, que, antes servia para colher opiniões dos leitores de acordo com um tema pré-definido. Agora, "Palanque" dedica-se a reunir comentários diversos e discussões entre os leitores, sem moderação da equipe. Qual foi a intenção da mudança? Na verdade, ainda não mudamos a seção, estamos em discussão. O aviso é para tentar conter os palavrões e preconceito.
98
Anexo VI – Entrevista com Xico Vargas, editor de NoMínimo, concedida em 22/10/2006 a Pedro Henrique Nogueira Penido.
1 - O que levou à criação de NoMínimo? Um breve histórico do site e da idéia de sua criação. Houve parcerias com grandes sites? NoMínimo deriva da primeira revista diária de informação da Internet brasileira, que se chamou NO. (Notícia, Opinião e Ponto). Ao final de dois anos, embora tivesse conquistado média mensal de audiência superior a 1,5 milhão de pageviews, um de seus investidores decidiu interromper os aportes de recursos. A partir daí, parte do grupo de jornalistas que integrava a redação de NO. decidiu formar a NoMínimo, que está no ar há mais de quatro anos. Trata-se de publicação independente mantida por contratos para fornecimento de conteúdo com os portais IG, iBest e BRTurbo, além de faturamento publicitário e venda de colunas e matérias para veículos impressos. Nunca houve parceria com outros sites (apenas contratos com os portais) porque, graças à simpatia e generosidade dos seus leitores, NoMínimo é o maior site independente da Internet brasileira.
2 - As seções de "Comentários" sempre estão cheias de mensagens. Como os editores trabalham esse contato com o leitor? O público leitor ajuda, de algum modo, na produção das pautas? Qual a média de visitantes diários? Os "Comentários" são espaços abertos para a participação do leitor, para que se manifeste com liberdade, expresse sua opinião. Ali o leitor pode dizer o que quiser. Só não pode ser mal educado. Sim, os leitores eventualmente sugerem temas que gostariam de ver abordados.
99
Existe alguma sazonalidade motivada por feriados prolongados e férias, mas nossa média de audiência situa-se entre 2,5 milhões e 3 milhões de pageviews mensais, com 900 mil a 1,1 milhão de usuários únicos.
3 - Em relação aos aspectos de interatividade, além das seções de comentários, enquetes e email dos editores, vocês vislumbram alguma outra ferramenta, como fóruns, listas de discussão e salas de bate-papo? Pretende-se aproximar mais ainda a audiência? Não. Por enquanto, pelo menos, não pensamos nisso. Estamos, porém, planejando novidades em áudio e vídeo.
4 - Existem publicações na Internet, como o site OhMyNews, que trabalham possibilitando que o público também publique material. O que acha dessa idéia? No Brasil essa modalidade começou a ser explorada intensamente. Pode vir a ser interessante. Por enquanto traduz apenas interesse por audiência fácil.
5 – Durante a análise do site, ficamos com dúvida em relação à seção "Fala Leitor". Como o material publicado na seção é enviado para o NoMínimo? Fala leitor é como uma coluna de cartas. São mensagens enviadas para os jornalistas de NoMínimo por e-mail (ou seja: fora dos comentários). Normalmente a seleção é feita por cada editor que recebe a mensagem de seu leitor.
6 - Nem todos os autores trabalham publicando diariamente. Como funcionam os prazos (deadline) de NoMínimo?
100
Normalmente os blogs têm renovação diária (dependendo do assunto de cada área, mais de uma vez por dia). Algumas colunas são semanais, algumas quinzenais e algumas, ainda, mensais.
101
Anexo VII – Entrevistas com Yu-jin Chang, membro do conselho editorial de OhMyNews international, concedidas em 16/10/2006 a Pedro Henrique Nogueira Penido [tradução nossa].
Por Google Talk (Instant Messenger do Gmail), em 16/10/2006
Pedro Penido: Can you answer some questions about OMNI? [Você poderia responder algumas perguntas sobre o OMNI?] 5:30 PM Yu-jin Chang: yes go ahead [sim, prossiga] Pedro Penido: in OMNI site we can see some especific link boxes, like "Middle East" or "North Korea" [no site do OMNI podemos ver algumas caixas de link específicas, como “Oriente Médio” ou “Coréia do Norte”] 5:31 PM why this links were make? Who made it? [Por que estes links são criados? Quem os faz?] Yu-jin Chang: they're just categories for our stories [são apenas categorias de nossas histórias] they help organize our stories on special topics [Elas ajudam a organizar nossas histórias em tópicos especiais] 5:32 PM Pedro Penido: yes. But I wanna know if the site editor make it first, to estimulate stories about them, or they're consequence of the big number of articles about these themes? [sim. Mas eu quero saber se o editor do site faz isso primeiro, para estimular histórias sobre eles, ou se eles são apenas conseqüências do grande números de artigos sobre esses temas?] Yu-jin Chang: a little of both [um pouco de ambos] 5:35 PM Pedro Penido: this decision is made by the editor's council or just for one man? [esta decisão é feita pelo conselho editorial ou apenas por uma pessoa?]
102
5:36 PM Yu-jin Chang: there's some discussion about it first...we don't add many of these [há alguma discussão sobre isso primeiro… nós não acrescentamos muitos deles [temas especiais]] 5:37 PM Pedro Penido: hum. I'm producing a study about Colaborative Journalism [hum. Estou produzindo um estudo sobre Jornalismo Colaborativo] 5:38 PM when u said "little of both", what did u mean? I don’t understand how is it possible. [Quando você disse “um pouco de ambos”, o que você quis dizer? Eu não entendo como é possível] 5:39 PM Yu-jin Chang: when there are a lot of stories about a big topic, such as the midease conflict, we make the decision to make a special section, and by doing this, it also stimulates more stories on that topic. [Quando existem muitas histórias sobre um grande tópico, como o conflito no Oriente Médio, nós tomamos a decisão de fazer uma seção especial, e fazendo isso, também estimulamos mais histórias nesse tópico] Pedro Penido: great. I imagined it... [ótimo. Eu imaginei isso…]
Por e-mail, em 16/10/2006
1 - What's the impact of the Internet in the Journalism? How did Internet change the journalism practice? [Qual o impacto da Internet na produção jornalística? De que forma a Internet transformou o fazer jornalístico?]
I can't answer the first question, other than to say that it opened the possibility of becoming a "journalist" to millions and indeed billions. The internet has changed journalism practice in profound ways that are still being felt. This question can be answered in just a few sentences or in hundreds of pages. [Eu não posso responder à primeira pergunta, exceto para dizer que se abriu a possibilidade a milhões de pessoas, ou mesmo bilhões, se tornarem jornalistas. A Internet
103
mudou a prática do jornalismo de maneiras profundas, que estão sendo sentidas ainda. Esta pergunta pode ser respondida em apenas algumas sentenças ou em centenas das páginas].
2 - The Internet presents inumerable possibilities of production, treatment and publication of content, besides allowing the audience participation. In your opinion why some sites explore these potentialities and others don't? [A Internet apresenta inúmeras possibilidades de produção, tratamento e publicação de conteúdo, além de permitir a participação do público. Na sua opinião, por que alguns sites exploram essas potencialidades e outros não?] Much depends on the journalistic, literary and political cultures. For example, in Korea the specific culture allowed a citizen journalism site to flourish whereas it hasn't been able to take root yet in other places. These Korean conditions have to do with the political climate and dissident tradition but also the literacy rate the cultural emphasis on writing and of course the technological conditions of deep broadband penetration. [Muito depende da cultura jornalística, literária e política. Por exemplo, na Coréia a cultura específica permitiu um a site de jornalismo cidadão florescer, sendo que ele não foi executável em outros lugares. Estas condições coreanas têm a ver com o clima político e a tradição dissidente, mas também com o nível literário e a ênfase na cultura da escrita e, claro, as condições tecnológicas de profunda penetração de bandalarga].
3 - How do you understand the participation of the audience in the journalistic production? [Como você enxerga a questão da participação do público na produção de conteúdo?] The audience is often simultaneously the producer, the distinction is slowly eroded and even lost. Not only in the sense that readers are often the ones who write the news now, but also determine which news gets written. [A audiência é quase sempre simultaneamente a produtora, a distinção é
104
vagarosamente corroída e até perdida. Não somente no sentido em que os leitores são freqüentemente os que escrevem a notícia agora, mas também determinam que notícias serão escritas].
4 - Do you think possible to apply theories and hypotheses from the mass comunication studies, like agenda-setting, gatekeeping and newsmaking, in the study of journalism in internet? [Você acha possível aplicar teorias e hipóteses oriundas dos estudos de comunicação de massa, como o agenda-setting e o newsmaking, no estudo do jornalismo na Internet?] Yes, in theory. But I can't speak to specifics. [Sim, na teoria. Mas não posso falar especificamente].
5 - The fact of audience publish (or help publishing) content make the colaborative journalism independent of political-editorial favors? [O fato da audiência publicar (ou ajudar a publicar) conteúdo faz o jornalismo colaborativo ser independente de favores políticoeditoriais?] Yes, in general. [Sim, no geral].
6 - In your opinion, the journalist working in colaborative sites have new atribuitions? [Na sua opinião, o trabalho do jornalista nos sites colaborativos sofre reconfigurações?] Not really. [Não exatamente].