Marcelo Guerra
Caminhos do Sonho (poesias)
TEAR DA MEMÓRIA 2009
ÍNDICE A MUSA AUTORETRATO METAFÍSICA DEZ MANDAMENTOS A LOUCA PALAVRA PASSAGEM A SOMBRA E SEU INVERSO TRICOT CAMINHOS DO SONHO IL PITTORE MANU GRAMÁTICA DE PAI PARA FILHA OUTRO-RETRATO O TEMPO E SUA PASSAGEM CAMOCIM ENCONTRO
RESPOSTA QUANDO O AMOR VEM CHEGANDO VOCÊ EM MIM ONTEM À NOITE SEU NOME AS MARCAS QUE NOS DEIXAMOS VOU FICAR CAIXINHA CANTO DA SEPARAÇÃO A PARTIDA CHEGA DE FEL: EU QUERO É MEL AMOR
A MUSA A Musa me toca e me toca mais Com o suave farfalhar de sua gargalhada Tão delicada Tão feminina A Musa se encosta e se encosta mais Com a sua presença espiralar e plena Em minha cena Em meu corpo A Musa me sopra e me sopra mais Fazendo-me nau lançada ao mar distante Além desse instante Além do horizonte A Musa me chama e me chama mais Fazendo-me dança e poesia por dentro do mundo No raso e no fundo No meu lugar
AUTO-RETRATO
Sou um guardador de memórias Pastoro sonhos e fantasias Varando noites e dias Aconchegando-me em estórias Sou um colecionador de instantes Catalogo olhares e sentimentos Perdidos nos exatos momentos Em que se fizeram importantes Sou um poeta do esquecimento Desenhando sombras e ventos Invocando antigos encantos E fazendo do silêncio meu canto
METAFÍSICA
Na calçada do tempo A vida olha o homem Repassando o tempo De sua vida na calçada Na esquina do sonho O mundo acorda o homem Reacendendo o sonho Esquecido na esquina Na vertigem da fala O homem ... dança Tocando tudo com a fala Que faz do ser vertigem
DEZ MANDAMENTOS
Mergulhar no fútil, Reconstruir o inútil Negar o ócio do negócio Consumir os céus Reinventar os véus Desfazer a cruz da encruzilhada Fazer do mundo arte Confundir o todo e a parte Submeter-se ao fim na definição
A LOUCA
Os olhos da louca desmentem o mundo E enxergam outro tempo A risada da louca desconcerta a rotina E diverte a menina A dança da louca revela os caminhos Do vento e de nossas histórias O canto da louca recusa o lugar Da Corte e de seus bobos
PALAVRA
Palavra é espada samurai Cortando, com toda perfeição metal, O silêncio em mistérios Palavra é horizonte Linha inexistente presente Entre o ser e o além Palavra é coral vivo Dançando, imóvel e invisível, Sob as cantigas das espumas
PASSAGEM
Numa esquina do segredo Deparo-me com um desejo Que se recusa a calar A sumir Numa estação do passado Encontro-me desassombrado O sonho que já esqueci De ser Do outro lado da porta Dessa obscura câmara Do tempo que me exorta E me assina Intuo a presença de outro Ritmo de outra memória Nem tanto minha, mas ainda Minha futura história
A SOMBRA E SEU INVERSO
Cansei De sentir tanto nada De contemplar imóvel O lugar vazio de meu sorriso Neste espelho que já se faz cruel Exauri Minhas forças Buscando uma saída Para além deste inverno de solidão Lutando em vão contra exércitos de ocas ilusões Rachei A falsa armadura Feita de esperança e dor Que ousei forjar para fazer sumir O que já foi meu corpo, agora só ausência trêmula Declaro-me extinto Tentarei Ainda assim me reinventar Costurando novos sentidos ao meu nome Forjando um novo espelho Para um outro olhar
Aceitarei A liberdade do silêncio O aconchego das grandes distâncias vazias Que ainda me cercam E sempre cercarão Sonharei Versos desenhados no afeto Olhares e sorrisos feitos de delicadeza Gestos ritmados cantando a pureza Do amor
CAMINHOS DO SONHO
Sigo e vou observando, despretensiosamente, os silêncios que percorrem o horizonte. Então lanço-me a eles, silêncios e horizonte, numa demorada curva de cores, que soam cordas etéreas, azuis. Sigo e vou pensando, com alguma pretensão, que de nada vale uma dúvida costurada entre a pele e a carne, sem a vontade de ir além da dor, percorrendo os vícios que habitam as entranhas do desejo.
Sigo e consigo, ou penso que vou conseguindo, deixar marcas na superfície de meu tempo, de minha passagem, ou da minha sombra, por meus sonhos e seus caminhos dissonantes.
CAMOCIM
O rio se espalha fácil Abraçando a cidade e seu povo O sol tem um cheiro doce Abafando os primeiros rumores da manhã Em volta do balcão O mercado vai acordando A fumaça se demora Nos copos de café com leite E as vozes da gente toda Se misturam ao trim-trim das bicicletas E o barro evapora aos poucos Sob o azul imóvel do céu.
AMOR
A palavra de amor não é verdadeira nem falsa: É carne. O tempo do amor é antes e é depois Agora. O amor não está aqui, nem ali: Está no ar... No amor todo gosto é feito de cor E silêncio. No amor é onde nascem todos os horizontes E os mundos.
QUANDO O AMOR VEM CHEGANDO
O silêncio se move em curvas entre nós E nossa respiração cortada nos percebe a sós Nossos olhos se engancham nas redes De nossos desejos reverberando nas paredes Dizer teu nome é a suave carícia Com que te toco cheio de malícia E me devolves com tua pronúncia marcada Por todas as paisagens de tua estrada Nos demoramos à beira dos segundos Nas entrelinhas em que misturamos nossos mundos Enquanto a chuva insiste em atravessar o teto Com respingos leves que nos deixam mais perto Nossas risadas já quase se tocam No curso de lembranças que se roçam E na despedida um beijo ignora os muros E nos escreve, no sonho, o nosso futuro
VOCÊ EM MIM
Segui cada um dos rastros de você Em mim (E são tantos) Segui cada um deles e sincronizei você Em mim (E sou tantos) Revivi
cada
uma
das
noites
que
ainda
nos
amaremos Relembrei cada um dos passeios que nunca fizemos Pois o que é o tempo para a paixão? Fiz-me muitos para caber você Fiz-me outro para ser você Fiz-me eu para ter você
ENCONTRO
As palavras escorriam em suas faces Como lágrimas de um sonho Sussurrado ao silêncio. A felicidade rondava meus gestos Como o andar das meninas Que se sabem belas. Tudo era música naquele instante, Em que os sons eram fios Quase invisíveis Fazendo nosso tempo mais plástico. Tudo era dança naquele entardecer, Em que as emoções iam sendo Tatuadas em nossas peles Num alfabeto estranho e misterioso. Reinventamos segredos perdidos. Remodelamos visões do esquecimento. Redescobrimos símbolos do antigo. E sem nenhum pudor... nos despedimos
OITO
Oito bifurcações resolvi Para te encontrar Oito rios cruzei Para chegar a ti Oito mistérios lancei Para te compreender Oito paraísos descobrirei Para te oferecer
ONTEM À NOITE
Ainda sinto meu olhar enlouquecido Agarrando-se ao teu corpo Erótico Lançado sobre o meu numa poesia nua Ainda sinto teu cheiro molhado Deslizando na minha pele Ávida Num feitiço dançado em frenesi Ainda sinto nossos gritos Tremeluzirem Nas paredes do quarto Fragmentos de beleza não catalogada Ainda sinto nossas entranhas Aflorarem Em cada gesto fincado No encontro de todas as distâncias
SEU NOME
Seu nome É repleto de mistério e perfume Significados que o tempo Não consome Sua fala É cheia de curvas e refúgios Cantigas que o tempo Não cala Sua história é feita de nós e espaços escrita no corpo do tempo da memória
AS MARCAS QUE NOS DEIXAMOS
Guardo de nossa história Uma lembrança
Com jeito de amor Trago de nossa separação Uma marca Em forma de dor Sei a sua distância Sereno Pelo cheiro que passou Canto a sua presença Pleno Com as letras de meu corpo
VOU FICAR
Vou ficar na beira desse teu olhar E me deixar ser pego pelo chamego Do teu cheiro cheio, feito noite de luar Vou ficar com a lembrança do teu mel Extravagância morena, plena e cacheada Derramada sobre meu corpo, agora puro fel Vou ficar a sós com meus medos Calado ao piano e sem plano de fuga Costurando silêncios à ausência dos teus dedos
RESPOSTA
Ensaiei um número exato (entre três e nove) De poesias Em resposta à sua deixa Deixa ficar no ensaio A poesia Que teria sido a minha tradução (literal) Até prefiro quando as palavras Se trançam Incertas e velozes feito sombras Sombras de mistérios fazendo do nada Esquecimento E do esquecimento surpresa e ciência
Eis-me, então, uma não-resposta feita De vento Paleta instável de carícias e perfumes Perfumes das horas e das distâncias Aninhadas Em caminhos adormecidos No sono horizontal das emoções Esquecidas Nas gavetas de nossas histórias
A PARTIDA
É tarde demais Você já fechou a porta Não há mais nada a dizer O elevador desceu Deixando o silêncio Não há mais nada a fazer O sino da igreja Tão cruel, tão exato Marcou inutilmente a hora Aí o mundo calou De um golpe e minha sorte Fez-se solidão, para sempre agora
CANTO DA SEPARAÇÃO
A meia cama vazia O meio banheiro intacto A carteira sem fotografia A moldura sem retrato É uma separação se consumando Em gestos cruelmente banais Um mundo que vai se apagando Uma história ficando para trás Mas ainda resta a poesia Com que reinvento o Universo Tirando beleza da agonia E descobrindo da dor o reverso.
CHEGA DE FEL: EU QUERO É MEL
Pra você não me pensar Assim feito só de fel Assim todo tempo blue Fiz em mim um pedaço de céu Tatuando-me sem nome em azul E mesmo sentindo a vida amargar Ainda é tão doce viver Ainda tenho tinta, amor e papel Para redesenhar meu ser E me fazer também de Mel
CAIXINHA
Você me deu uma caixinha E dentro dela continha Amor, coragem e sonho. Lá dentro também tinha Como uma invisível pedrinha Uma trança de segredos Segredos revelados e ainda secretos Segredos calados, mas como que abertos Segredos compartilhados na felicidade e na dor
GRAMÁTICA Seu jeito Sujeito Ao pé do Verbo: Correto Objeto Um predicado Ao lado Do nome Completo Complemento Direto Preposição Do espaço Na conjugação Do abraço Conjunção De afeto
TRICOT
Nubinha costura o tempo com as lembranças Que a vida lhe prometeu Ela cruza os dias entre as andanças Que a solidão lhe concebeu Nubinha inventa as tardes com o bordado Ensinado pela chuva de verão Ela desenha um sonho encantado Sussurrado aos que virão Nubinha dança as canções que seu gato Ronrona a cada amanhecer E entre os silêncios que vêm do mato Vai se entregando ao anoitecer
MANU
Manu brinca Com as cores e os olhos De quem vê as cores Com que ela brinca Com seu olhos Manu pinta Com as lentes e o cotidiano Dos sonhos que ela arrasta E cola no cotidiano De quem sonha Manu inventa Uma risada em rede Com o foco no escondido Detalhe de divertido Uma pitada de sede de amor e dor
VEM, VIVI, VEM
Vem, Vivi, vem E me pega de jeito Com esse teu cheiro de mato Vem, Vivi, vem E me agarra sem defesa Com esse teu olhar de rio fundo Vem, Vivi, vem E me recebe inteiro Nesse teu corpo amazônico Vem, Vivi, vem E me leva contigo Nessa tua dança de fazer tremer o mundo
ROSTO E ALMA
Um gosto de alma Na calma do rosto Do gosto da calma Que acalma teu gosto Pelo rosto da alma Da calma do gosto Que é rosto e alma E calma e gosto
O PINTOR
O pintor cultiva suas cores Com cuidado e mistério O pintor cultiva seus mistérios Com luz e paixão O pintor cultiva suas paixões Com riscos e silêncio O pintor cultiva seus silêncios Com a sombra e a alma O pintor nos cultiva a alma Com matéria e magia
OUTRO-RETRATO
Sou minha fala E meu silêncio Sou meu sonho E minha vigília Sou minha decisão E minha dúvida Sou minha surpresa E minha previsão Sou nem sempre isso E algo mais Mesmo que nada disso Um pouco a mais
O TEMPO E SUA PASSAGEM
Tudo passa com o tempo Que passa Só o tempo permanece O mesmo Mesmo enquanto passa E enquanto passa o tempo Que permanece O mesmo Enquanto passa Vou virando Eu Que o tempo faz o Outro Passado pelo tempo Já não ser
DE PAI PARA FILHA
Você, menina, É puro encanto É toda espanto Tirando dos fatos, incertezas Fazendo das lições, surpresas Você, menina, Que do outro tudo sente E por mais forte que tente De si própria nada sabe Nem em si mesma cabe Você, menina, É só doçura Em cada etapa da procura Por seu lugar no mundo Para saber as coisas a fundo
Você, menina, Vai conseguir! Tudo é questão de ir Atrás de seu destino Com coragem, sem desatino Em você, menina, Eu, cheio de certeza, aposto Tudo aquilo que mais gosto Pois já vejo brilhar sua luz E ao mundo você faz jus.