A REALID ADE DO SONHO T ud o o q ue e le fa lava p arec ia ter o m esm o v alo r inc on tes tável d e sua bele za ; c om o s e, por n ão p oder po r em dúv ida o fato de s e r um ho me m belí ss imo, b elíss imo e m tudo , não p ud ess e igu almen te ser contes tado em n ad a. E n ão en ten dia n ada , abs olutame nte nada do que es tava s e pa ssan do c om e la! A o o uv ir as in terp retaç ões que , com ta nta s egura nça, ele dav a pra s e us m ov imen tos e a té, às vezes , para algumas in jus tific adas an tipa tias ou ce rtos s en tim en tos , v inha -lhe a te ntaç ã o d e u nhá -lo, esb ofe teá -lo, m o rde-lo. Me sm o p orque, com tod a aque la frie za e s e gu ranç a, a qu ele orgu lho de jovem b on ito, ele s e v ia d es am para do e m certo s mom ent os , e entã o se ach egava a ela , p orqu e p rec isav a de la. T ím ido , hum ilde ,su plica nte, o q ue tam bém a e nfas tiav a n ess es m om ent os , de mo do q ue, n ess as me sm as ocas iões , ela se sen tia irrita da ; p or is so , m esmo s e inc lin ando n a c e de r, s e end urec ia , em pa cav a ; e a lembra nç a de q ua lquer en levo, e nv en ena da no nasc edouro p ela irrita ç ã o, lo go se trans formav a em ra ncor. E le a rgume ntav a que o inc ôm odo e o fas tio qu e e la d izia s en tir diante de tod os o s h om ens e ra uma fixação. _ Voc ê sen te iss o, q ue rida , po rque pe nsa n iss o _ ob stinav a-s e a rep etir. _ Eu p ens o, que rido , porque s in to! _ rebatia e la_ Fixaç ão n ad a! Simples me nte s int o. É ass im. E devo agrad ecer a m eu pai, pela be la e duc aç ão qu e m e deu! Que r d uv ida r dis so tam bém? A h, qu an to a e sse p onto nã o h av ia o q ue objeta r. Ele m esm o expe rim entara a s itu ação dura nte o no iv ado . Nos quatro mes es que antec ede ram o c as am en to, lá , na c idade zin ha na tal, e le foi p roib ido não s ó de lhe toc ar a mã o, mas também de troca r d uas palav rin has em v oz ba ixa. O p ai, m a is c iume nto do q ue um tigre , in c ulca ra-lh e des de c rianç a um v erdade iro h orror o s home ns , nu nc a aceita ra qu e nenh um entra sse e m casa; todas a s ja nelas es tava m s em pre f echadas ; e as ra ríss im as v e zes em qu e a lev ara para fo ra, obrigara -a a an da r de c abeç a baixa c om o uma freira , qu ase c ontando as p ed ras do c alç ame nto . Nã o era de adm ira r qu e ago ra, n a p resenç a de um h om em , e la s e ntiss e e mbaraç o e n ão pu dess e olh ar nos olhos de nin gué m, n em sou bess e fala r o u s e m ov er. É v e rdad e q ue hav ia se is nos ela s e lib erta ra do pes adelo d aqu ele fero z c iú me p ate rno; v ia g en te em c asa, na rua; n o en tan to... Ce rtam en te não e ra m ais o terro r p ue ril d e an tes, m as o e mb araç o estava lá . Po r m ais q ue s e es forç ass em, s eus o lhos não eram ca pazes d e s us te nta r o o lha r d e n inguém; a lín gu a, ao falar, s e e mbolav a na b oc a, e, d e rep en te, s em sab e p or qu e, fic ava c om o ros to em brasa , d e mod o que to dos podia m jurar q ue e la p ens ava q ue m sab e o quê , qua nd o de fato n ão pe ns av a n ada ; em su ma , v ia-s e con denada a o ridíc ulo , a pass ar p or t ola , e s tú pid a e nã o s e c onf ormav a. In útil ins istir. Graç as ao pa i, prec is av a fic a r tranca da , s em v e r n ing ué m, pelo m enos para não s entir o d esg os to do em ba raç o es túpido e ridíc ulo que a d om in ava. Os am ig os , os m elhores , os qu e e le m a is tinh a e m c onta e g os taria de c ons e rva r c om o o rnam entos de s ua c as a, d o pe queno mu ndo que s e is a nos an tes , a o se c asa r, e le espe rav a c ons tit uir à s ua v olta , h av iam s e afas tado um a u m . Pu de ra! Ap arec iam em c asa , pe rgun tav am : _ E s ua mu lhe r? S ua mulh er es ca para c orre ndo a o primeiro toq ue da c am p ainha. Fingia s a ir p ara cham á-la, e ia realme nte ; a presentava-se a ela c om a fac e a flita , as mãos
a be rt as , m es mo s abe ndo q ue seria inú til, qu e a m ulher o fu lm ina ria c om olhos a ces os d e raiv a e g ritaria en tre o s dent es: ”Es tú pido! ”; e le dava a s c os tas , ret ornav a à sa la _ Deus s abe c om o s e sen tia por d en tro_ s anunc iav a sorrin do por fo ra: _ Te nha pac iênc ia , me u caro , ela nã o es tá bem: es tá de c am a. Um a , du as , três v e zes ; no final, c laro, s e c ans aram. Podia c e nsurá -los ? Re s tava m ainda d ois ou três , os ma is f iéis ou c o rajos os . E esses, pe lo men os e sses ele qu eria defend er, e sp ec ialmen te u m, o m ais in telig en te, cult o de v e rda de e a ves so ao ped ant ism o, ta lv ez a té po r certa os t entaç ão; jo rnalis t a finíss im o, en fim , u m am igo prec ios o . A lgu mas v ezes , po rém , a m ulh er a pare ceu pa ra a lgu ns desse s pouc os am ig os q ue res ta ram : ou porq ue foi to mada de surp res a, ou porque , num m om ento b om , s e re nde ra às sú plicas d o ma rido . E, pasm em , n ão é v erdad e que ten ha fe ito um p ap elão; ao c ontrá rio! _ Quand o v ocê n ão pens a n iss o , está v endo ... q ua ndo se e ntre ga à sua n atu reza... v oc ê é c h eia de graç a ... _ Obrig ada! _ É in teligente. .. _ Obrig ada! _ E não tem nad a de t ímida, juro! Desculp e-m e, mas por qu e eu gos taria de d eixá-la numa s ens aç ão d esco nfo rt ável? Voc ê fala com desenv o ltura , s im, às v ezes a té d em ais ... e é m uit o, m uit o div e rtida , ga ranto! Fic a t oda ac es a e os o lh os . .. quem d iss e qu e não sab em o lha r?! E les s oltam fa ís ca que rida ... E tamb ém d iz c oisas o us adas , é v erda de ... Es tá e spanta da ? Não qu e se jam incorret as ... m as ousadas p ara um a m ulher; com d es em ba raç o, desenv olt ura, enfim, co m es p írito, juro! A ca lora va-se n os e log ios ao nota r q ue ela, m es mo pro tes tan do não ac re dita r e m nada, n o fu nd o s ent ia p razer, e nrubesc i, não s abia s e s orria ou cerra v a o c en ho . _ É e xatam en te ass im , ass im m esm o, ac re dite : nã o pass a de fixaç ão s ua ... E le dev e ria pe lo menos s e p reo cupar co m o fa to de ela nã o ter protes tado d ian te das cem vezes rep etidas “fixação ”, ac olhen do os elogios s o bre sua fala fra nca, desenv olta e até ous ada c om ev iden te regozijo . Qu ando e co m quem ela falara as s im ? P ouc os d ias an tes , c om o am igo “p recios o”; c om aqu ele que ela achav a , n atu ralmen te, o m a is antip átic o d e tod os. É v e rd ad e qu e ela recon hec ia a injus tiç a d e s uas antipa tias , acus and o de ma ior an tip atia jus tamen te aque les home ns q ue a d eixav am mais emb araç ad a. Ma s ag ora a a leg ria po r ter c o nsegu ido fala r dia nte d ess e amigo, e a té c om imp ertin ênc ia , deriv av a d o fato de que es te (cert ament e pa ra es pic açá-la ), dura nte u ma long a d iscus sã o s ob re o eterno tem a da ho nes tidade d as mu lhe res , tinha o us ado susten tar que p udo r e xces s iv o de nunc ia infa liv elm en te um tempera me nto s ens u al, de mo do qu e é prec iso descon fiar d e uma m ulher que e nrubesce po r q ua lquer c ois a , que n ão o us a ergu er os o lho s po rqu e tem e v e r em cad a pat ê um a ten tad o a o p róp rio pud or, e em c ada pa lav ra, ca da olh ar, um a ame aça a sua h on es t ida de. Iss o que r dizer qu e ess a mu lhe r é obc ec ad a po r im age ns t enta do ras , te m m e do d e se depa rar co m e las a todo ins tan te, p erturb a-s e c om a s imp les id éia . Claro q ue s im! Ao pass o que o utra , tranqü ila n as s e nsaç ões , n ão t em ess es p udo res e pod e falar s em s e pe rturb ar, in c lus iv e d e in tim ida des am orosa s, s em pens a r que p oss a h av er algo ru im e m uma ... s e i lá, c am is a m ais dec ot ada , num a m e ia furada , n uma s aia qu e d eixe entrev e r formas um p ouc o ac ima do joe lho . Co m isso ele obv iamente n ão q ue ria dize r q ue uma mu lhe r, para n ão p assa r p or sens ua l, tives se qu e s er d es pud ora da, deboc hada, os t enta ndo aquilo que não s e d ev e de ixa r transpa rec er. Iss o s eria um para do xo . E le falav a do pud or. E o pu dor, p ara ele , era a v inganç a d a ins inc e rida de. Não que não foss e s inc ero pessoalme nte . Ao c ontrá rio, e ra s inc eríss im o, m as como expre ssão de s en su alid ade. In s inc e ra é a
m ulher qu e p retend e sua sens ua lid ade a pres entando c om o p rov a o v erm elho do p ud or nas faces . Es sa mu lher pod e s e r ins inc era mes mo se m quere r, mesm o s em s ab er. Po rqu e na da é mais c om plica do do que a s ince rida de. T od os fing imos e sp ontaneamen te, não tanto p ara os out ro s , m as p ara nós mes mos; se mp re que p ens am os de nós o que nos a grada p ens ar, ven do -nos nã o c om o s om os na re alidad e, mas como p resu m im os que s om os seg un do a c ons truç ão ideal que fize mos de nós m esm os . Ass im po de o co rrer qu e u ma mu lhe r mes mo sendo s ens u alíss ima s em o s a be m, ac redite s inc e ram ente ser c as ta e s in ta repu ls a e d es prezo por sua sens ua lid ade , p elo me ro fato de enrubesc er por n ada . Ess e e nrub esce r por na da , q ue é por s i s ó e xp ress ã o s inc e ríss ima da s ua rea l s ens u alid ad e, é, no e nta nto ass um ido com o p rov a da s upos ta cas tid ade ; e s endo a ss im ass umido, torn a-s e na tura lmente ins inc e ro. _ Vamos , minh a s enh ora _ conc lu íra n oite s at rás a que le amigo p rec ios o _, a m ulher, p or n atu reza (s a lv o as exc eç ões , c la ro), é toda se ntid os . Bas ta saber to má la, e xc itá-la e dom ina-la . As mu ito pud ic as nem p rec is am s er exc ita das , s e e xc ita m e inc end eiam s ozinhas , a um s imp les to que. E la e m n enh um m om en to d uv idara de que tod a aque la fa la se re feria a e la; e , tã o lo go o am igo pa rtiu, v oltou-se fe rozme nte c on tra o m a rido , que dura nte a longa d isc uss ão não fizera ma is que s o rrir c omo u m c retino a ap rov ar. _ In su ltou -me de todos os m od os po r d uas h oras , e voc ê, em v ez d e me d efe nde r, a pen as s orriu , a prov ou , dand o a en ten de r que c onc o rdav a c om ele , p orqu e voc ê m eu marid o, v oc ê, a h, você p od ia s ab er... _ O qu ê? _ exc lamou ele, es tupe fato . _Voc ê e stá d elira nd o... Eu? Qu e voc ê s eja s e nsual? Mas q ue h is tória é essa ? Ele falav a da m ulher e m g eral; o qu e voc ê te m a v e r c om isso? Se ele tives se s us peit ado de que voc ê pud esse tom ar para si o q ue e le dizia , não te ria dado um p io! De resto , m e desc ulpe, m as co mo eu podia ima gin ar iss o se, c om ele, v ocê nã o dem ons tro u ser aquela m ulher pu dic a que e s tav a e m ques tão? Nem s equ er en rube sceu ; d efendeu c om ímpet o e fervo r sua o pin ião . E eu s orri po rque es tava g os tand o, po rque v ia ali a p rova d e tudo que s em pre diss e e a firm ei, ou s eja, q uan do v ocê não pens a, lo go es quec e a tim id ez e o e mbaraç o ; afinal, e sse e mb araç o não pass a de fixação. O que isso te m a ve r c om o p ud or de qu e e le fa lav a? Nã o enc o ntrava res pos ta às jus tific ativ as do marid o. Fe cha ra-se em c opas , s om bria, rem oend o o m otiv o p or qu e s e s entira tão intim am ente fe rida pela fala do s uje ito . Nã o era p ud or; não , não , abs olutame nte , não e ra pudor o qu e ela s en tia , a qu ele pud or a bjeto d e qu e o out ro falava; e ra em ba raç o, emb araço , emba raç o ; mas é c laro q ue um su je ito m aldos o c om o aquele po dia tom a r aqu ele em ba raço p or p udo r e , ass im, pensa r foss e ela uma ... uma delas . No en tant o, s e ela de fa to não s e mos trara em baraç ada como d izia o ma rido , p or d entro o embara ço exis tia; po dia até s upe rá-lo , es forç ar-s e pa ra n ão d em ons tra lo, m as o s e ntia . Ora, se o m arid o negav a s eu em ba raç o, iss o que ria d ize r que ele n ão pe rce bia na da . Po rtanto n em seq uer not aria s e ess e e mbaraç o foss e o utra c ois a, is to é, o ta l pudo r de q ue o o utro fala ra. S eria poss ív e l? Ah , Deu s, não! Só de pens a r lhe dav a no jo e ho rro r. T od av ia... A revela çã o oc orre u num so nho. Co m eç ou co mo um des afio _ o s o nh o _ , c om o um a p rov a a qu e ela era s ub me tid a por aquele h om em odioso, log o em s eg uid a à d iscussão ocorrid a três n oites antes . E la dev e ria de mo ns trar a ele qu e nã o enru besc eria p or na da; q ue e le po dia fa ze r co m ela o q ue quis ess e, sem a deixar min im am en te p ertu rbad a nem co nfu sa .
E ntão ele inic iav a a prov a c om fria a udác ia. Prim eiro pass ava a m ão s uav eme nte no s eu ros to . Ao to que aquela m ão, e la fa zia um es forç o v iole nto para e scon der o arrep io que a pe rc o rria in teira , se m velar a m ira da e mantendo os olhos fixo s e impass ív eis , c om um tênue s o rris o n os lábios . De pois ele aproxim av a os d ed os da s ua boc a ,do brava-lhe d elic ad am en te o lábio inf erio r e me rgulhav a a li, na c av ida de úm ida , um b eijo qu ent e, longo, de in fin ita doçu ra. Ela ce rrava os d entes ; e nrijec ia-se toda pa ra dominar o t rem or, o frê mito do c orp o; e e ntã o ele c omeç av a lenta mente a lhe desnu da r o s eio e... O qu e lh e ha v ia de mal? Não , n ão, n ad a de m al. Mas . .. oh , Deus , n ão... ele se de morava p erfid am en te n as ca ríc ias . .. nã o, n ão. .. é dem ais ... e ... Venc ida, p erdida, p rim eira me nte sem qu ere r,ela c om eç ava a c ed er,n ão p or força de le, n ão, m as pe lo la ng or espas mód ic o de s eu p róprio c o rpo ; a té que ... A h! Pulo u do s on ho em co nv uls ão , des feita, trêm ula, c h eia de rep ulsa e de h orror. Fixou o marido que dorm ia a s eu lad o, alhe io; e a v e rgon ha q ue s en tia d e s i tra ns form ou -se su bitame nte em ojeriza a ele , co mo s e ele fosse à ra zão da igno mínia que ainda lhe p rov ocava pra zer e as co ; ele , ele pela es túp id a obstinação d e rec e ber e m cas a esses amigos . P ronto : ela o tra íra em son ho, t raíra, e nã o sentia remo rso, não, mas ra iva de s i, po r t er s ido venc id a; e ranc o r, ra nc or po r ele , q ue em seis anos d e c asa mento n unc a so ube ra fa ze -la s en tir o que expe rim enta ra a li, em s o nho , com um ou tro. A h, toda s entid os ... Então e ra verd ade? Nã o, nã o. A c u lpa e ra dele, do marid o qu e, nã o que rendo ac red itar no s eu e mbaraç o , fo rçav a -a a s e d ob rar, a co meter um a v iolênc ia c on tra a s u a nature za , e xp ond o-a as provas e aos des afios d e que b rota ra o s onho . Co mo res is tir a tal p rova? Ele q uis ass im , o marid o. Es te e ra o c as tigo. E ela teria g ozado s e, com a leg ria ma lig na qu e s entia ao pe ns ar n o c as tigo dele , p udess e se des fa ze r da v ergonha q ue s e ntia po r s i. E ago ra?
O confro nto aco ntece u na ta rde do dia s eguinte, d ep ois de um du ro s ilênc io c on tra qualque r pe rgun ta do marid o, q ue ins istia em s aber po r que ela es tav a ass im e o que hav ia oc orrid o. Foi d ura nte o anúnc io da ha bitual v is ita do am igo prec ios o . A o ouv ir n a sa leta de entra da a voz de le,e la es tremece u de repe nte , c on trafe ita. Uma ra iv a fu rios a escap ou -lhe dos olh os . Saltou s o bre o ma rido e , tre me nd o d os pés a c abeç a, intim ou-o a nã o rec e ber a quele ho me m. _ Não qu ero! Não que ro! Faç a -o ir em bo ra! De iníc io , ma is d o qu e es pa nto, e le sen tiu q uas e ass om bro d iante da reaç ão fu rios a. Não pode nd o entender a razão de tan ta repulsa , qua ndo aliás já ac re ditav a q ue o am ig o, por tudo que conv e rs aram de po is da d iscus sã o, tives se c aído n as g raças da m ulhe r, irritou-se fero zm en te c om aquela intimidaç ão a bs urda e p eremp tória . _ Mas v oc ê es tá m aluc a o u que r m e deixa r do ido ?! Então p rec is o p erde r re alm en te t odos os a m igos p or c aus a de s ua es túp ida louc u ra? E , desvenc ilhando -se de la, que se agarra v a a ele , ord enou à c riad a q ue fize ss e o s e nho r entrar. E la correu e fo i s e esc o nde r no q ua rto ao lad o, lanç ando-lhe , antes d e s um ir a trás da po rt a, um o lha r de ód io e desp rezo. De s abo u na poltrona co mo s e as pernas de re pe nte tivess em s ido q uebrad as , m as to do o s a ng ue lhe ardia pe las v eias , t odo o ser s e re v irav a po r den tro, m as n um a ba ndo no d esespera do , ouv indo a trav és d a po rta fecha da as e xp ress ões d e ale gre
a co lhida que o marid o ded ic av a ao outro , c om q uem ela , na n oite ante rior, em s on ho, o hav ia t ra ído . E a v o z daqu ele ho mem ... oh, Deus ... as m ã os, as mãos d aq uele homem ... De re pe nte, enqu ant o s e en rodilhav a toda na p oltro na , a pertand o braç os e s eios co m os d edos tens os , de u um grito e d esabou no c hão , toma da po r uma te rrív e l c ris e de ne rvos, um v erd ad eiro ata que de louc u ra. Os do is corre ram para o quarto ; para ram po r um ins tan te a terroriza dos dia nte d ela , que s e c on torc ia n o ch ão como uma se rpen te, gemen do e ulu lan do; o ma rido te ntou erg ue-la; o amig o se ap ressou em aju dá-lo.Melhor se nu nc a o tiv ess e feito! Se ntindo -se toc adas toc a da p or a que las m ãos , o c orpo de la, m erg ulhad o na inc ons c iênc ia e n o abs o luto d om ínio dos s entid os a in da ativos , c om eç ou a tre me r p or inte iro, um tremor v o lup tuos o; e, sob os o lh os do m arido, ag arro u-s e à quele h omem , exigindo -lhe a ns iosame nte, com uma urg ênc ia me don ha, as c arícias fre né ticas d o sonho . Ho rrorizad o, o m a rido a arra ncou dos braços do am igo; ela grito u,d eba teu -s e , d ep ois s e atirou s ob re e le quas e exânime e fo i p os ta na c am a. Os dois homens s e o lha ram es ta rrec idos , s em s ab er o qu e pensar ou o que d izer. A ino cênc ia era tão ev iden te no es panto doloros o d o am ig o qu e o ma rido não fo i c apa z de ne nhu ma s us peita . Ped iu-lhe q ue saíss e do qua rto; diss e q ue d es de a m anhã a mu lhe r es tav a pe rturbada, n um es tado de es tran ha alte raç ão ne rv osa ; a co mp anhou -o até a porta , desc u lpand o-s e por disp en sá-lo após um inc id en te tão d olo ros o e im prev is to; e v o lto u corren do para o q ua rto d ela . E nc ontrou-a s ob re a c ama , já c onsc iente, enc olhid a c omo uma fera , c om os o lhos v id rados , t odos os me mb ros trem ia m c om es pas mos v iolentos , c omo s e tiv ess e frio . Qu ando ele se a pro ximou , turv ado, e lhe perg untou o q ue hav ia ac on tec ido , e la o rechaç ou c om a mb as as mãos e , de dentes c erra dos , com uma volúpia d ev as tad ora, jo gou-lh e na c ara a c o nfissão d e traiç ão . Dizia c om u m s orris o c ruel, c onv u ls iv o , c o ntra ind o-se toda e es pa lm and o as mã os : _ No s onho! ... No s onho! ... E não poupo u n en hum d eta lhe . O beijo d en tro dos lábios . .. a c a ríc ia n os s eios .. . Com pé rfida c e rteza d e qu e e le, m esm o sen tind o como e la q ue a traiçã o era u ma rea lida de e, como ta l, irre v ogáv el e irrep ará v el, po rque c onsum ida e degus tada a té o fu ndo , não pod ia ac usá-la de culpa. Seu c o rpo_ ele o pod ia espa ncar, ferir , a rrebe nta r, m as s e u corpo tin ha s id o de um o utro , na inc ons c iênc ia do sonho. Pa ra o o utro não hav ia de fa to a traiç ão ; ma s a traiç ão oc orrera e pe rmanec ia ali, ali, para e la, no seu c o rpo que go zav a , uma realida de. De qu em s eria a culp a? E o q ue ele po deria fa ze r?
“La realtà d el sogno “,1 914 Lu ig i Pirandello