Textos, artigos, teishôs e Sutras do
zen budismo.
(© 2005) Em outubro de 1989 o monge Tokuda proferiu algumas palestras em Porto Alegre, em uma atividade conjunta do Centro de Estudos Budistas, Departamento de Filosofia/UFRGS e Sociedade Brasileira Para o Progresso da Ciência/RS. Estas palestras foram transcritas nas revistas Bodisatva 3, 4 e 5, aqui está a última. Este título “Deus e o Vazio”, pode parecer estranho. O vazio que é a teoria fundamental do budismo, principalmente do zen, é o “nada”. Dentro do cristianismo também podemos encontrar esta compreensão do vazio, como nas palavras de São João da Cruz, místico espanhol. Ele ganhou o título de “doutor em nada”. Como nas palestras anteriores, vou continuar falando sobre mestre Eckart, místico alemão, e mestre Dogen, fundador da linhagem Soto Zen no Japão. Em primeiro lugar escolhi este sermão de mestre Eckart: “Paulo levantou-se do chão e com os olhos plenamente abertos nada viu.” Na minha opinião, esse texto tem quatro sentidos: O primeiro é que, ao levantar do chão com os olhos abertos viu o “nada”, e o “nada” era Deus. O segundo: ao se levantar, nada viu além de Deus. Terceiro, em todas as coisas nada mais viu além de Deus. No quarto, quando viu Deus viu todas as coisas como “nada”. Esta frase “quando Paulo se levantou do chão com os olhos plenamente abertos nada viu” corresponde à experiência de São Paulo quando ia para Damasco. Era contra Jesus Cristo - nunca o vira pessoalmente, mas estava em oposição a ele. Nessa viagem, escutando a voz de Jesus Cristo, quase desmaiou. Caiu, levantou-se, tornou a cair, ficou cego três dias. Depois sua vida mudou totalmente. Em lugar de atacar Cristo, meio que tornou-se discípulo, mesmo nunca o tendo encontrado pessoalmente. Começou a pregar a palavra de Jesus Cristo para os estrangeiros. Chegou até a brigar com São Pedro. Na Bíblia encontramos esse tipo de experiência mística de São Paulo e São João. Comentada por mestre Eckart, a frase me lembra mestre Dogen no capítulo “vida e morte” do Shobogenzo, onde dois monges discutiam, “Em vida e morte existe Buda, logo, prá que preocupar com vida-e-morte? ‘Vida-emorte’ é o mesmo que ’samsara’; mundo ilusório. Na vida ’samsara’; que vivemos com vida, morte, sofrimentos, existe Buda. Por isso, não se preocupe com essas dores e sofrimentos, dizia um. E o outro, ” Não, nada disso, em vida-e-morte não existe Buda, não há que preocupar com vida e morte, pelo contrário. ” Um dizia que dentro da vida existe Buda e o outro afirmava o contrário. Discutiram até que um deles, percebendo que não conseguiam sair do impasse, propôs inquirir o mestre, que respondeu, ” Um está muito próximo e o outro longe” , e o monge que perguntou insistiu, ” Mas quem está mais perto e quem está mais longe?” e o mestre falou, quem está mais próximo não precisa perguntar. Em suma, quem perguntou, perdeu. Se existe ou não existe Buda dentro de vida-e-morte é questão ociosa, ambas as posições são verdadeiras, ambas são a mesma. São as duas faces de uma moeda. Uma moeda é composta das duas faces. Com pontos de vista diferentes chega-se a diferentes conclusões, da mesma forma que o desenho de um cubo, visto de um ponto ou outro, também muda. Mestre Eckart vê na experiência de São Paulo quatro possibilidades. Na primeira, quando ele se levantou do chão com os olhos abertos e viu o “nada”, o “nada” era Deus. Na segunda, ao se levantar ele nada viu além de Deus. Na terceira, em todas coisas ele nada mais viu além de Deus. Isto é igual à discussão anterior sobre o Buda em todas as coisas. Ou seja, em vida-e-morte existe Buda, por isso você não precisa se preocupar. Dentro de todas as coisas
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você pode encontrar Buda, Deus. Quarta: quando viu Deus, viu todas as coisas como “nada”. Esta é a outra possibilidade. Dentro de vida-e-morte não existe Buda nem Deus, mas “nada”. Por isso não é necessário se preocupar com vida-e-morte. “A luz que Deus é brilha no escuro.” Há outras passagens de mestre Eckart: “A luz que Deus é brilha no escuro. Deus é que é a verdadeira luz. Para ver isso a pessoa deve estar cega e deve tirar para fora de Deus tudo o que é algo. Um mestre diz que aquele que falar de Deus através de qualquer semelhança, fala de modo simplório Dele. Mas falar de Deus através do ‘nada’; é falar Dele corretamente. Quando a alma unificada entra na total auto-abnegação, encontra Deus como um Nada.” Aqui se diz “quando se fala de Deus através do nada, fala-se Dele corretamente”. Uma vez um dos monges, discípulo direto de Buda, cujo nome era Subhuti - aquele que no Sutra do Diamante faz as perguntas porque entende sunya, o vazio, profundamente -, estava sentado em meditação sobre uma pedra. Profunda concentração. De repente, sente algo cair sobre si. Eram pétalas de flores. ” o que está acontecendo?!” perguntou surpreso, e Deus Brama apareceu, “o que está fazendo aí?” Subhuti: “Admirando…” Brama: “Admirando o quê, qual nada, estás falando o vazio.” E Subhuti: “Não estou falando nada”. Então Brama concluiu, “É precisamente isso, estás explicando perfeitamente o vazio” , enquanto pétalas caíam. A história aqui é mitológica, pertence à mitologia budista. Diz em resumo que quando você não fala, fala perfeitamente, com o sermão do corpo, das figuras, dos gestos, que mostram o interesse, atenção, cansaço, etc. O corpo fala também durante a meditação. Estando naquele estado, o vazio fala perfeitamente. A luz de Deus brilha na escuridão, Deus é a verdadeira luz. Para ver isso deve-se estar cego, e tirar fora de Deus tudo o que é algo . Cego como ficou São Paulo durante três dias. Necessariamente. Há outro discípulo de Buda cujo nome é Anuruda. Em certa ocasião, durante um sermão de Buda, ele, sem querer, caiu no sono. Buda chamou sua atenção. De tão envergonhado, ele tomou a decisão de dali em diante não mais dormir. À noite, não mais deitava, meditava sentado dia e noite. Esse treinamento forte o deixou cego. Ele perdeu uma visão, mas diz-se que isso lhe abriu outra. Muita gente diz “abriu o terceiro olho”. Os budistas falam no olho do céu. Falam que temos cinco tipos de olho: o olho de carne, ou olho físico; o olho de sabedoria, que permite ver as coisas invisíveis; o olho do céu; o olho de Darma; e, por último, o olho de Buda. Assim, indo além do olho físico, você começa a ver as coisas que anteriormente não via. As pessoas acreditam no que estão vendo, mas será que você está vendo as coisas mesmo, ou a projeção de coisas de sua mente consciente e inconsciente? Ri-se de uma historia zen muito engraçada. Havia uma padaria em frente a um templo budista. O monge precisou viajar e pediu que o dono da padaria cuidasse do templo, atendesse visitas, etc. Ocorre que chegou um monge viajante à aldeia. Antigamente os monges viajavam, numa espécie de treinamento monástico, visitando outros monges, mestres e mosteiros. Desafiavam os mais fortes no Darma, e mantinham-se treinando. O recémchegado também praticava assim. Nessas batalhas do Darma, com perguntas e respostas, quem perdia era obrigado a deixar o templo; quem ganhava podia ficar como responsável. Uma batalha do Darma era algo muito sério. Não era uma batalha de luta, mas de conhecimento, de experiências, de linguagem. O monge visitante estava chegando e o dono da padaria, preocupadíssimo, ouvia a sugestão do chefe da aldeia, “Raspe a cabeça, coloque o manto e apenas sente-se diante da parede como se estivesse meditando. Faça como
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se estivesse em treinamento de silêncio, nada fale, nem escute e nem responda.” O dono da padaria se animou, “Ah, é fácil, isso eu posso fazer.” Raspou a cabeça, colocou o manto e sentou-se voltado para a parede. Nisso chegou o monge visitante e começou a fazer perguntas sobre o Darma, a doutrina budista. O dono da padaria assumiu um tom grave e fez “Shhh” . O monge entendeu, Ah, ele está fazendo muitos dias de treinamento de silêncio, mas já que estou aqui depois de tão longa caminhada nas montanhas você vou aproveitar e perguntar com gestos, assim ele também pode responder com gestos, sem quebrar seu voto de silêncio. “O que você vê depende de seu interesse.” Gesticulando, perguntou, Como é seu coração, seu espírito? O dono da padaria respondeu com um grande gesto para as dez direções, ou seja, os quatro pontos cardeais, os quatro pontos médios entre eles, para cima e para baixo, “Meu coração é corno o oceano.” Veio a segunda pergunta “Como viver este mundo?” , e o dono da padaria mostrou os cinco dedos da mão, panca sila , os cinco preceitos: não matar, não roubar, não cometer adultério, não conduzir os outros a erros, não usar intoxicantes. O monge sentiu-se tocado, “Ah, que bonito!” E mostrou três dedos da mão, perguntando, “Onde estão as três jóas, o Buda, o Darma, a Sanga?” Ao que o dono da padaria respondeu com o punho, “Não procure longe, está aqui muito perto, perto do olho, está aqui.” Impressionado, o viajante foi embora. Vendo isso, o chefe da aldeia correu até o padeiro, “O que aconteceu? Ele foi embora muito impressionado, me conta” , e o dono da padaria explicou, “Aquele monge é muito estúpido, primeiro, fez um gesto com as mãos, perguntando quanto custava o pão, se o pão era muito pequeno, e eu abri bem os braços mostrando que meu o pão é bem grande. Ele perguntou quanto custavam dez pães e eu mostrei-lhe cinco dedos, dizendo cinco moedas, mas ele me mostrou três dedos, pedindo que vendesse por três, e eu pensei, que sem-vergonha, e por pouco não lhe acertei um soco no olho!” Esta é uma história muito engraçada que mostra cada um vendo o que está pensando em sua própria mente, interpretando à sua maneira. Quando você fica velho, toda a manhã pega o jornal e busca qual página? A necrológica! … As cruzes com preto e dourado… Ah, morreu com oitenta e cinco anos, coitadinho, eu tenho 77 (risos), mas isto não é brincadeira para uma pessoa. Eu, ao abrir o jornal, nem penso na seção necrológica, nem na policial, mas corro logo os olhos para ver o que passa no cinema… “Karatê Kid III, ah, isto é interessante!…” O que você vê depende de seu interesse. Aquilo que não lhe interessa, ainda que esteja lá, você não vê. Muitas vezes ocorre o oposto, você vê o que não existe, você cria. Por isso, não confie muito naquilo que esteja vendo. Como podemos ver as coisas verdadeiramente? Como já disse em palestra anterior, aqui há uma mesa, mas mesa o que é? Madeira, árvore, pregos e o que mais? Afinal de contas, nada, vazio. Tudo é vazio. Para ver a verdade você tem que ser cego e tem que abrir a outra visão, o olho de Buda, 0 olho da sabedoria, o olho do Darma, e com isso você pode começar a ver as coisas invisíveis, ver até o que o outro está pensando, ou o que irá acontecer daqui a dez anos. Às vezes a gente vê e isto realmente acontece, não é algo sobrenatural. Meditando, aquela onda de consciência, a mente fica completamente tranqüila, como o lago rodeado de montanhas altas. Quando não há ondas, a água reflete com perfeição a lua cheia. Zazen é isto, sentando, refletindo, vêem-se as coisas como elas são. “Desaparecendo o seu corpo, aí há unidade.” Mestre Eckart: “Apareceu ante um homem como um sonho. Foi um sonho acordado em que ele ficou grávido com ‘nada’; como uma mulher com um filho no ventre. E daquele ‘nada’ um filho nasceu; este era o fruto do nada.” Deus nasceu do nada e por isso ele diz: “levantou-se do chão com os olhos abertos vendo nada.”
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O treinamento zen no Japão se dá atualmente através de duas escolas, a escola Rinzai e a Soto. Eu sou da escola Soto mas fui treinado na Rinzai. Quando você encontra pela primeira vez seu mestre no mosteiro, geralmente o mestre dá um koan, uma pergunta, este é o método na escola Rinzai. A primeira categoria de koans chamamos de “hoshin”, ou “corpo cósmico de Buda”. A primeira experiência do zen é através da meditação onde você encontra o corpo cósmico de Buda. Abandonando o ego, desaparecendo o seu corpo, aí há unidade com o universo. Por isso há um koan inicial como o do cachorro, do mestre Joshu, ou o do som de uma só mão. Se batem-se palmas ouvem-se sons, mas quando há só uma mão, qual é o som? Ou o koan do carvalho do jardim da frente, ou ainda o do rosto original antes do nascimento, antes do nascimento dos próprios pais. Estas perguntas paradoxais se destinam a tirar todos os condicionantes mentais anteriores, limpar a mente. Hoje a escola Rinzai ainda treina assim, mas as perguntas e respostas originais eram um pouco diferentes. Um monge perguntou ao mestre Joshu, “Cachorro tem natureza de Buda?” e mestre Joshu respondeu, “Mu” , uma negação. Mas como Buda havia dito que todos os seres viventes têm a natureza de Buda, “Por que o cachorro não tem?” Então Joshu respondeu “Por que tem consciência cármica” . Aí outro monge repetiu a pergunta, “Cachorro tem a natureza de Buda ou não?” Desta vez mestre Joshu respondeu, “Sim” , e o monge complementou, “Por que então entrou Buda neste corpo coberto de pêlos?” Durante um retiro de meditação intensiva, você tem que fazer entrevista “dokusan” com o mestre, cinco vezes por dia. Você pensa, pensa e imagina ter achado uma resposta maravilhosa, “Ah, que bom!” , e mostra a resposta ao mestre que responde, “O quê? Nada disso! Vá embora!” O monge volta a pensar, pensar e pensar. Esforça-se e novamente pensa ter encontrado uma solução, leva ao mestre e, “Não! Você quer dar sermão para mim? Vá embora.” Desânimo, não era novamente… E assim vai, tentando, tentando… A função do mestre e dizer “não, não, não…”, sempre não! Mais nada deve dizer… O monge fica sem possibilidades. Depois de um ou dois dias elas estão esgotadas. Sem resposta, não pode mais visitar o mestre. Para responder o quê? Aí, não tendo mais o que pensar, ele senta em zazen, mas os monges veteranos vão buscá-lo, “Venha logo, o mestre está esperando para a entrevista” , e ele responde, “Eu sei, mas não tenho mais nenhuma resposta” . Eles arrastam o monge e o jogam à porta do mestre, “Ainda há tempo, vamos logo, o mestre está esperando!” Quando ele entra, e não há outra alternativa senão entrar, o mestre está na posição formal, sentado ereto, e pergunta, “Quem está aí? Ah, você, vá embora, vá embora.” O monge tem que entrar e responder, mas já não consegue nem mesmo entrar! Que sofrimento! Ter que responder onde não é mais possível; sentar, a única alternativa é sentar…! Não há resposta possível! Uma semana com cinco encontros diários é algo muito longo! Mas não ha como evitar, é preciso ir e ir novamente, novamente, etc. Cada um, no entanto, tem seus próprios koans, adequados ao seu nível de compreensão. No meu caso foi o primeiro koan, o “mu” do cachorro, de Joshu. .. Quando se chega ao retiro muitos são os monges novatos e o mestre não se lembra de todos, cada um tem que apresentar o que está fazendo, que tipo de koan está aprendendo. É preciso falar em japonês o enunciado todo do koan em uma voz empostada, uniforme e sem pontuação, mas enfática, como uma recitação de sutra: “UM MONGE PERGUNTOU A MESTRE JOSSHUUUUuuuu CACHORRO TEM A NATUREZA DE BUDA OU NÃOOOOoooo E JOSSHU RESPONDEUUUUuuuu MUUUUUUUUUUUUUUUUUUuuuuuuuuuuuuu” E o mestre responde “Humm; ainda muito insuficiente.” Quando você expira, tem que ser como uma cunha que corta um tronco, deve durar dez segundos, quinze segundos, até trinta segundos. Neste momento você não pensa
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em nada. E assim segue, “MUUUUUuuuuuu….” , dia e noite, como uma bola de ferro fervente, vermelha, queimando todos os pensamentos e idéias anteriores. Você não pode vomitá-la, não pude engoli-la e ela está aqui embaixo do umbigo também, no ponto de “kikai”. E não há resposta; chegando à frente do mestre, apresenta este “MU” e quando está muito bem o mestre resmunga “HUum HUum”. Que alívio, que bom! O monge está concentrado com todas as forças físicas do espírito e da vontade. O “mu” vem do topo da cabeça à extremidade do pé. E assim vai indo, vai indo… De repente, fazendo a concentração de “mu”, você encontra aquela parede, aquele paredão, aquela muralha de ferro. Você se concentra e não consegue, cai, tenta novamente e cai, e assim vai. Isto é mais do que um general enfrentando mil inimigos, pegando aquela espada de três quilogramas, onde ela passa corta tudo. Assim corta todos seus pensamentos anteriores e vai indo, indo, indo, às vezes uma semana, às vezes sete anos; durante sete anos apenas “muuuu…” - tem que ter muita paciência. Mas de repente essa parede quebra. Isto é “kenshu”, a primeira experiência zen. Não é fácil, é necessário ter muita força de vontade. “É preciso ir andando.” Voltando ao nosso assunto, cachorro tem natureza de Buda? Não, não tem. Por quê? Buda disse, Todos os seres viventes têm natureza de Buda, então por que o cachorro não teria? Se Buda está falando a verdade, o mestre está mentindo, se o mestre está falando a verdade, então Buda está mentindo. Isso é um dilema. Este é o método do zen, o dilema, buscando limpar todos seus esquemas de raciocínio lógico e com isto penetrar dentro do inconsciente. A função é essa. Hoje em dia vejo assim, mas naquela época não sabia nada disso. Apenas nada havia para ser dito, mas o mestre pegava o monge pelo pescoço e dizia, “Fala, fala, fala!”… Falar o quê? Nada havia para falar! “Fala, fala!” Ufa!! Não tenho nada para dizer!… “Fala, fala” . E brota o grito “KAAAAAAAAAaaaaaatttzzzz……” . O famoso “katz” . Parece uma loucura, mas é algo muito sério entre os que estão vivendo isso. “Chegou o momento de dokusan, anda.” Atravessando o corredor, passo a passo, firme. “Cachorro é Buda, mas não é preciso dizer.” E o fato do monge ter consciência cármica que o impede de atravessar o muro. Quem tem consciência cármica não consegue ver além de seus carmas! Outro monge vem e pergunta ao mestre, Cachorro tem natureza de Buda? Resposta: Tem. Então por que entrou dentro deste corpo coberto de pêlos? Ele entrou com um propósito, sabendo que em vez de entrar no paraíso entra no estado animal, ou no estado dos demônios famintos, ou até no inferno. Ele está pronto para isso. Hoje pela manhã foram citadas estas palavras de São Paulo: “Se for para a glória de Deus, posso ser até mesmo separado de Deus, posso entrar em quaisquer tipo de dificuldades.” Esse é o verdadeiro espírito de bodisatva. Mas quando você entra no inferno, a cada passo que é dado, este mundo muda e transforma-se no paraíso, isso é o que acontece. Isso é uma coisa milagrosa. Moisés atravessou o Mar Vermelho que se abriu para ele. Milagre! Mas isso acontece. Muitas vezes encontramos uma dificuldade insuperável; como atravessá-la se até mesmo a visão não é possível e está tudo nebuloso? É possível ver apenas um passo, dois passos, cinco metros, e só após andar um longo trecho a visão é possível novamente e o nevoeiro esta superado. E preciso ir andando. As dificuldades chegam de todos os lados à volta de você. Pensando logicamente é impossível chegar até lá, mas passo a passo vai-se indo, confiando no caminho de Deus ou de Buda, superando as dificuldades uma a uma e termina-se chegando no outro lado. Sabendo isto, com este propósito, entra-se no estado inferior. E como o exemplo de ontem. A esposa perdeu a vista e o marido perfurou seus próprios ólhos para acompanhála. Deus é isso. Deus está lá, por que precisaria vir aqui? Ele é puro, perfeito, por que escolher este mundo doloroso e chegar até mesmo a viver a crucificação como um criminoso, com suas mãos e pés pregados ao lenho?
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Ele estava lá tão bem com o Pai. Ele escolheu isto. Escolhendo este mundo inferior, doloroso, sofrido, Deus encarnou, tornou-se homem para ajudar a nós. É isso aí. Quando cachorro é cachorro, é Buda, porque dentro de todas as coisas Deus está. Além disso nada mais há. Dentro de todas as coisas pode-se ver Deus, apenas Deus, então por que não dentro de um cachorro? Então cachorro enquanto cachorro é Buda. Cachorro é Buda, mas não é preciso dizer que cachorro é Buda. Basta dizer “cachorro”. E por isso que se diz que dentro de vida-e-morte não existe Buda. Quando se diz “cachorro é Buda”, está se comparando, cachorro está sendo colocado como algo absoluto, como Deus, ou como Buda. Quando cachorro é realmente cachorro, nem é preciso dizer que é Deus, basta chamá-lo de cachorro, pronto. Então, nesse momento, Deus desaparece e com isto surge a perfeição, porque todas as coisas estão no seu lugar, no seu estado perfeito, absoluto, cada um de nós também. Neste momento você tem que realizar, não amanhã, ou depois de amanhã, mas nesta vida. Por isso se diz, aqui e agora você tem todas as condições. As jóias do tesouro já estão dentro de sua casa, apenas é necessário abrir a porta e usar livremente. RESPOSTAS A AUDIÊNCIA Não sei por que no Oriente a ciência não se desenvolveu. Creio que é pelo fato de a ciência, de certo modo, ser muito analítica e no Oriente trabalhar-se mais com a intuição. O que me preocupa como médico de medicina oriental é que o pensamento da ciência, buscando encontrar a verdade - e isso é muito bom -, se lança em analisar mais e mais, perdendo a visão global. A medicina oriental já se preocupa com isto, descobrir os meridianos. Dentro das orelhas com a auricultura, encontra-se todas as partes do corpo. Dentro das palmas das mãos também encontra-se todas as partes do corpo, da mesma forma nas palmas dos pés e no intestino grosso. Dentro dessas pequenas partes, o conhecimento da medicina oriental permite encontrar fígado, estômago, baço, pâncreas, etc. Não sei como foi isso descoberto. Hoje em dia a medicina tradicional está muito preocupada em analisar e encontrar a verdade “no fundo”, e com isso perde a visão global. O que acontece? Cada especialista de fígado, estômago, pulmão, vista, orelha, etc., perdeu a visão global da relação de cada órgão com os demais. Não sei como os orientais descobriram isto pela própria experiência. Hoje em dia a ciência está começando por baixo, aceita que existam os meridianos, que existam essas teorias - e realmente existem e funcionam. Então estamos vivendo o momento em que a experiência está à frente mas carece de explicações lógicas. O médico que incorpora práticas orientais milenares não tem explicações para o que observa e pratica, apenas vem praticar a arte da cura através da experiência. Desta forma, neste momento a ciência está começando a provar o que já se praticava há muito tempo na medicina oriental. De certo modo, podemos dizer que a ciência está atrasada e que agora é que começa a incorporar essas experiências. Nos Estados Unidos fizeram uma experiência muito interessante: primeiro uma câmara focava um parque em pleno centro da cidade, Nova Iorque ou Boston. No parque havia um casal de namorados sentados e abraçados. A partir desse ponto, a câmara começa a afastar-se cada vez mais, mostrando inicialmente o banco, depois o parque inteiro, a cidade inteira, a região metropolitana, o estado, o país inteiro, o continente americano, e afastando-se mais e mais, o globo terrestre e ainda a Terra como uma estrela entre outras. Depois voltando novamente até o parque, com o casal conversando no banco, e continua aproximando mais e mais, a pele, o interior do corpo, o átomo, o elétron, o próton e o que mais. Conseguindo isso, até onde é possível ir? Essa é a questão.
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Primeiro a busca das causas; a questão dos físicos e da ciência é, ao mesmo tempo, uma questão religiosa: “de onde veio a vida?” Os cientistas podem criar uma coisa com alguns materiais. Se não tiverem os materiais como ponto de partida, nada podem fazer e criar. Aí vem a pergunta “Deus nasceu de nada, como pode acontecer isso?” Ainda não temos resposta para isso, tanto na ciência como na religião. Fazendo como a câmara que se afasta, indo até os confins do universo, será que o universo tem fim ou não? Todos querem essa resposta mas ela não é conhecida, então como é o final do mundo? O universo é como um prédio grande? Mas então, ultrapassando a parede desse prédio, o que há além? O infinito não pode ser imaginado. E o vazio, o que é isso? Não entendo. Essa é a busca dos cientistas e da mesma forma é também a busca dos religiosos e dos budistas. Mergulhando-se mais e mais encontra-se o que? Encontra-se aquela experiência direta, o vazio, e vazio é tudo. Esse vazio não significa haver ou não-haver, ou o niilismo. Quando há o nada, há o tudo ao mesmo tempo. Encontra-se essa resposta. Aqui não há lógica. Encontra-se o tudo, mas com intuição direta, com experiência própria é que se encontra e com certeza absoluta. Sente-se isso, e isso é o encontro com Deus como o “nada”.
Ryotan Tokuda. todos os direitos reservados
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(© 2005) Esta é a transcrição da segunda palestra do monge Tokuda sobre o pensamento comparado dos mestres Dogen e Eckart, pronunciada em Porto Alegre, outubro de 1989, como promoção do Centro de Estudos Budistas. O que significam as expressões “plenitude do tempo” e “simultaneidade”? Inicialmente vamos ver algumas citações apresentadas por mestre Eckart com diferentes significados para a “plenitude do tempo”: São Paulo diz: ” Na plenitude do tempo, Deus mandou seu Filho. ” Santo Agostinho diz: “Esta plenitude do tempo consiste do seguinte: onde não existe mais tempo, isto é a plenitude do tempo.” Um outro significado da plenitude do: Se alguém tivesse habilidade e poder de ajuntar no momento presente o tempo e tudo o que aconteceu em seis mil anos ou o que acontecerá até o fim dos tempos, agora, isto é que seria a plenitude dos tempos. Em “A Palavra Secreta” falei que para escutar a voz de Deus existem três tipos de obstáculos: a corporalidade, a temporariedade e a multiplicidade. Tomemos inicialmente a temporariedade. Nessa dimensão de temporariedade é que temos a vida e a morte, os pecados e todo o tipo de dificuldades. Para superar essas dificuldades todas temos então que transcender a temporariedade. A “plenitude do tempo”, como compreendida por Santo Agostinho, significa “onde não há mais tempo”, ou seja, o tempo se torna a eternidade. Isso, essa dimensão, é a simultaneidade. Quem começou a empregar esta palavra nessa acepção foi Kierkegaard. Nesse contexto, . a expressão não significa que estão ocorrendo eventos diferentes ao mesmo tempo. Não. O sentido disso é diferente. O sentido é o da simultaneidade original, onde Jesus Cristo está com seu Pai; simultaneidade original transcendental. Sendo
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assim, par a superar a temporariedade é preciso que se morra enquanto existência temporal. Todos querem viver, mas é preciso morrer. De certo modo todos buscamos, o tempo todo, o caminho para chegar a esta eternidade, ao absoluto, à paz eterna. Com este objetivo nos encaminhamos ao cristianismo, ao budismo, ou a outras filosofias e religiões. Nos sentimos irresistivelmente atraídos e compelidos a encontrar esta eternidade. “Simultaneidade” é isto, o lugar de onde viemos e para onde voltaremos. É a origem e também o destino final de nosso ser. Este é o sentido da expressão. Há ainda a simultaneidade histórica, isto é, Jesus Cristo veio a este mundo, nasceu, e com trinta e três anos foi crucificado. Ele viveu como homem na terra, sofreu como nós, mas ao mesmo tempo está transcendendo o temporal, está sempre presente. Quem busca o encontro com Deus, a realização de si próprio, em primeiro lugar tem que ter a energia para buscar a direção da simultaneidade original, o lugar onde está Deus, imóvel, quieto: esta é a direção a percorrer. Mas, paradoxalmente, a dificuldade de chegar até lá está justamente na própria existência dessa vontade. Quando se tem essa vontade, há a idéia de que “eu estou aqui e algo absoluto está lá”. Isto é, há a dualidade, há “eu e o absoluto”. Fica tudo dual, todas as coisas ficam separadas. É preciso transcender isso, ou seja, na busca, a própria vontade é obstáculo para a realização. Mas se não há a vontade, como chegar lá? Indo, indo, indo e repentinamente reconhecendo que a vontade, ela mesma, é um obstáculo. Aí começa-se a abandonar tudo. Em vez de buscar, é então necessário esquecer, abandonar, cortar, morrer, perder. Dentro da experiência mística, esse tipo de morte não pode faltar. Chama-se “via negativa”. A via negativa é depois sucedida pela via positiva, mas primeiro sempre vem essa via negativa. O processo é doloroso mas e necessário passar por ele pois a presença do ego e sempre muito forte. “Se somos de natureza pura, para que treinar e realizar o caminho?” Para entrar no estado de simultaneidade é necessário transcender a temporariedade, a corporalidade e a multiplicidade. Buda ganhou a iluminação dia 8 de dezembro em Bodigaia. Sentado imóvel sob a árvore Bodi, viu as estrelas na madrugada e disse, “que maravilhoso, todos os seres viventes tem a natureza de Buda”. E completou, “juntos estão céu e terra comigo mesmo, ao mesmo tempo”. Isto é simultaneidade. Originalmente estamos iluminados junto com Buda. Quando Buda ganhou a iluminação, nós a ganhamos ao mesmo tempo. E com esta idéia, a prática de meditação, o treinamento budista, muda inteiramente. Geralmente a pessoa pensa que se pratica o caminho para colher frutos depois, que é necessário treinar para alcançar aquele estado. Neste enfoque, treinamento e iluminação são duas coisas diferentes. O tempo também é visto dentro do sentido convencional, primeiro o treinamento, depois iluminação. Este é um obstáculo! Há no entanto a outra idéia: estamos praticando, treinando, meditando… Por quê? Porque somos iluminados originalmente, por isso estamos sentando. Esta compreensão surgiu originalmente ao mestre Dogen. Mestre Dogen defrontou-se com uma grande dúvida: “Todos os budas dizem que somos intrinsecamente de uma natureza pura, sem qualquer mácula. Por que então treinar e realizar o caminho?” Consultou os mestres da época e nenhum soube responder, até que alguém disse, “retornou da China recentemente um mestre zen japonês. E a única pessoa que pode lhe dar a resposta”. A resposta que Dogen buscava não poderia ser verbal, mas deveria conduzir a realização, a entender mesmo, a sentir experimentando. A resposta tinha que conduzir à prática e à realização. Ele a encontrou no som dos vales e nas cores das montanhas, reconhecendo a impossibilidade de transmitir verbalmente essa experiência. Sobre isso, assim falou: “Saibam que esta realização [quanto ás cores das montanhas e ao som dos vales] é intransferível. Saibam que o Buda não pôde expor o sentido da apresentação da flor e nem Hui Neng, ficando em seu lugar, pôde alcançar a medula de Bodidarma. Mas graças às virtudes dos sons dos vales, às formas das
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montanhas e à terra imensa, todos os seres sensoriais realizam o caminho, ao mesmo tempo que Sakiamuni e todos os budas atingem o despertar no instante em que aparece a estrela da manhã. ” “Os seres sensoriais realizam o caminho ao mesmo tempo que Sakiamuni”, diz mestre Dogen. Quando o Buda Sakiamuni viu aquela estrela da madrugada, ganhou a iluminação. Ao mesmo tempo, todos os seres sensoriais realizaram o caminho perfeitamente. Ou seja, nada falta, apenas não percebemos isto. As cores das montanhas estão presentes, assim como os sons dos vales, como o sermão de Buda, como o corpo de Buda. Isso nunca esteve oculto, a dificuldade é nossa. Temos visão cármica, limitada, condicionada e por isso não vemos; eis aí o sentido do treinamento e da purificação. Qual é, no entanto, a razão da prática, se estamos já iluminados? É que sentando, já iluminado, cada um se encontra consigo mesmo. O momento da prática do zazen é então a própria realização. Mestre Eckart disse, “A alma é criada como se estivesse num ponto entre o tempo e a eternidade, tocando a ambos. Com os poderes mais elevados ela toca a eternidade, mas com os poderes mais baixos ela toca o tempo. Assim, observem, ela funciona no tempo não de acordo com o tempo, mas de acordo com a eternidade.” Isto é simultaneidade. O mundo é visto como fumaça, sombra, relâmpago, algo transitório. Mas, e se você encontrar esta simultaneidade, onde Deus sempre está presente? Então, é preciso compreender que apesar de Jesus Cristo ter nascido em Nazaré, vivido e morrido aos 33 anos, nós estamos em Porto Alegre, etc. Enquanto um lado toca o tempo, no mesmo instante o outro lado está tocando a eternidade. Então percebemos nosso sofrimento, nossas dores, e compreendemos que um dia morreremos. Mas ao mesmo tempo em que compreendemos isto, ao mesmo tempo em que compreendemos este aspecto temporal da existência, percebemos que vivemos na eternidade. Neste caso, nascimento-e-morte perdem seu sentido anterior. Houve o encontro com Deus, a realização. Isto é ao mesmo tempo budismo e cristianismo, assim é que vejo. “Simultaneidade e nirvana são a mesma coisa.” Não estou falando em cristianismo e budismo para comparar estas duas religióes; tampouco para comparar mestre Eckart e Dogenzenji. Claro, comparando podemos conhecer melhor a nós mesmos. Ainda assim, o sentido que me move a estudar mestre Eckart e Dogenzenji não é o de comparação. Através dessas duas figuras tento entender o que é o ser humano, e, afinal de contas, o que é Deus e o que é Buda, qual a origem do nosso ser; esta é a razão do meu estudo. Quando encontramos Buda-Deus, encontramos a paz eterna, apesar de estarmos sujeitos a surgimento e desaparecimento. Segue mestre Eckart: “Você sabe dizer me por que Deus é Deus? Ele é Deus porque é sem criatura não nomeouse no tempo. No tempo estão todas as criaturas, o pecado e a morte, e estes são, em certo sentido, parecidos. Tão pronto a alma sai do tempo, ali não existem dor e lamentação, até mesmo o desespero ela transforma então em alegria.” mestre Eckart está falando sobre o estado de nirvana. Aí não existem mais pecados, dores; mesmo o desespero se transforma em alegria. Desespero e dor existem mas não atingem esse estado, por isso chama-se de nirvana. Existem dois tipos de nirvana. Enquanto estamos vivos há o corpo, e por isso a doença, envelhecimento e morte. Isso ninguém pode evitar. Mas, morrendo, entra-se em parinirvana, o nirvana perfeito; este é o estado de simultaneidade. Simultaneidade e nirvana são a mesma coisa, são sinônimos, apenas as expressões são diferentes, como “cristão e budista”. “O passado infinito funde-se com o futuro infinito e ao mesmo tempo é o presente.”
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Mestre Eckart diz: “Ele deve dar tudo ou nada. Seu soar é simples, completamente simples e perfeito, sem divisões. E não se dá no tempo, mas na eternidade. Estejam certos disto, assim como eu vivo. Se é que vamos perceber esta forma dele, devemos nos elevar até a eternidade, além do tempo. Na eternidade todas as coisas estão presentes.” Todas as coisas estão presentes, nada falta. Mestre Dogen disse: “Zazen é como um caramanchão no topo de um mirante.” Você está lá sentado e vê todas as coisas, tem aquela visão panorâmica. Estamos agora montando o Mosteiro de Ouro Preto, no morro de São Sebastião, o morro mais alto da cidade. De lá vemos a cidade. Vemos os carros, ônibus e motos entrando, passando e saindo. Ali pode-se ver passado, presente e futuro ao mesmo tempo. Isto mestre Dogen diz, “entrando nas montanhas, subindo montanhas, descendo montanhas… chega-se ao pico”. De lá você tem a visão panorâmica, muitas montanhas, muitos picos. É lindo! Vi a montanha de baixo, subi na montanha e estive em seu pico e agora estou aqui. Isto é passado, presente e futuro e está tudo aqui no presente. Isto chama-se “agora”, “absoluto”, “presente”. Aí não há mais tempo. Entrando nesse estado, presente, passado e futuro estão todos aí. Tive uma vez uma experiência um pouco esquisita. Meditando, pensei em cortar o tempo. Um ano em doze meses, um mês em 30 dias, um dia em 24 horas, uma hora em 60 minutos, um minuto em 60 segundos, e aí um segundo. Um segundo eu visualizei como uma unidade e comecei a cortá-lo, inicialmente pela metade, 1/2 segundo, e depois a metade da metade e assim por diante, até que restou algo bem pequenino como o intervalo de tempo, e não era mais possível cortar. Aí então eu usei meu “aparelho cerebral” e tomei essa porção como nova unidade e comecei a cortar, cortar… e com grande atenção, como se estivesse sentado sobre um galho seco sobre um rio e qualquer movimento pudesse me derrubar. Assim, prossegui cortando, cortando… Enquanto havia o tempo, podia cortá-lo, não é? Não sei durante quanto tempo isso se deu, repentinamente meu corpo mergulhou dentro desse instante, no momento. Esse instante tornou-se tanto o passado como o futuro. Esta é uma experiência muito estranha, o passado infinito funde-se com o futuro infinito e ao mesmo tempo é o presente agora! Isso não tem explicação, vejo assim! Com essa experiência eu posso dizer, o passado já passou, você não pode pegar; o futuro não veio ainda, e agora mesmo podemos pegá-lo, ou não? Quando dizemos “ah, peguei”, já passou… Como pegar o tempo? A única maneira é mergulhar dentro do tempo, onde não há mais tempo. Isto é prender o tempo, quando não há mais tempo, a eternidade. Com o espaço pode acontecer isto também. Não há mais espaço, não há mais dimensão. Quando criança, mestre Gensha era pescador, e ajudava seu pai no mar. Numa ocasião, foram pescar à noite. Durante a noite, às vezes, a pescaria é muito boa. Lá estavam quando, não sei por que, de repente seu pai caiu no mar, e ele imediatamente estendeu o remo em sua direção. Neste momento a luz da lua refletiu-se nas ondas e ele ficou paralisado, não mais movendo-se para salvar seu pai, abandonando-o a sua sorte. O pai chamou “oh, filho, o que você está fazendo?!” Ele então virou-se, e foi embora com o barco, enquanto seu pai, exausto, afundava no mar. Voltando à praia, deixou o mar, abandonou a pesca, e imediatamente buscou as montanhas procurando um mosteiro, onde tornou-se monge. Seu treinamento foi diferente do de outros monges, foi muito duro. Passou um ano, outro e mais outro com o mestre Sepu, um grande mestre. Mesmo assim não conseguiu realizar a compreensão, sofrendo muito sempre. Sentia que não conseguia avançar. Um dia pensou, “tenho um carma muito pesado, talvez não tenha condição de realizar a iluminação apenas com o auxílio desse mestre. Gostaria de fazer uma viagem, uma peregrinação, visitando outros mosteiros e conhecendo outros mestres”. E tratou de obter licença para a viagem.
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Liberado por seu mestre, descendo a montanha do mosteiro, no meio do caminho bateu o pé numa pedra, quebrou a unha, sangrou muito e teve de suportar muita dor. Em meio ao seu grito de dor, nesse exato momento, lembrou-se do sutra e perguntou, “de onde vem esta dor?” Mas não era verdadeiramente uma pergunta, e sim a realização dele, a sua própria iluminação. Com a dor, ele gritou “ai! ai!”; neste momento não tinha mais o seu corpo, o universo inteiro era dor. Já que o corpo inteiro, o universo inteiro era dor, de onde poderia vir essa dor? O sentido da pergunta era este. “Eu e Buda Sakiamuni somos colegas” Imediatamente ele voltou ao mosteiro de onde acabara de sair. Vendo isso, o mestre disse, “você começou sua peregrinação apenas para quebrar seus pés?” Ele respondeu “mestre, não brinque mais comigo…” E o mestre: “Tudo bem, mas por que você não retoma a peregrinação?” Gensha respondeu: “Bodidarma não veio à China, o segundo patriarca não foi à Índia.” Isto na verdade é um koan. Bodidarma foi da Índia para a China para transmitir o Darma correto. Ele foi o primeiro patriarca da China, isto todos sabem e pertence à história. Mas Gensha disse: “Bodidarma não veio à China e o segundo patriarca não foi à Índia.” E, historicamente, não foi. Aqui, a expressão “Bodidarma não veio e o segundo patriarca não foi à India” é uma afirmação que não se refere a ir e vir, mas ao não haver mais no mundo ocidente e oriente, Índia, China. Isto havia passado. Ele experimentava um mundo uno. Este é o sentido desse diálogo. Mestre Eckart diz, “Ali, o que está a mil quilômetros de distância está tão próximo a mim como o lugar onde estou agora. Existe plenitude e gozo na divindade, existe uma só unidade. Ah, que nobre é aquele poder que transcende o tempo e transcende o lugar, pois que está acima do tempo e tanto contém todo o tempo como é todo o tempo. E, por menos que o homem possa ter este poder que transcende o tempo, ele é rico de fato com isto, pois aquilo que está além do mar mais distante não está mais longe deste poder do que aquilo que está presente aqui e agora. Portanto, são tais os que o Pai procura. ” Para este poder do intelecto nada é distante ou externo. O que está mais além do mar ou a mil quilômetros de distância é tão verdadeiramente conhecido e presente quanto este lugar onde estou neste momento. Este poder apanha Deus nu em seu ser essencial. Ele é uno na unidade, não-semelhante na semelhança. Com esta experiência, ele entra na dimensão de simultaneidade, está tudo presente, em unidade. Mestre Gensha disse: “eu e Buda Sakiamuni somos colegas”. Ao que um monge retrucou, “estranho, com quem você aprendeu?”. E o mestre Gensha respondeu: “Jassapru”, nome do pescador menino antes de tornar-se monge. Este foi o segundo koan. “Eu e Buda Sakiamuni somos colegas”. Estranho, mas também acontece. Na Bíblia também encontramos frases assim. Jesus Cristo disse uma vez: “estou aqui antes de Abraão e Davi”. Estranho, não? Abraão e Davi aparecem já no Velho Testamento, e Jesus Cristo no Novo Testamento. Como poderia ele fazer tal afirmação tantos anos depois? O tempo está então invertido aqui! Por quê? Jesus Cristo é o único Filho de Deus. Quando Deus estava criando, Jesus Cristo estava lá, vendo. Assim, isso não é nada estranho. O tempo para nós existe aqui, mas em algum momento o tempo desaparece, e surge a eternidade. Temos que viver este mundo com o tempo e além do tempo. Você realiza a si próprio encontrando-se com Deus e trabalhando para os outros. Em João 15.15, diz Jesus: “Tudo o que ouvi de meu Pai eu vos disse; eu não vos chamei de servos, mas de amigos. O servo não conhece a vontade de seu mestre, mas o amigo sabe tudo que sabe o seu amigo. Tudo aquilo que ouvi de meu Pai transmiti a vocês, e tudo o que meu Pai sabe eu também sei, e tudo aquilo que eu sei vocês sabem, pois eu e meu Pai temos um só espírito” : São Paulo disse: “Se você for criado com o Cristo, então
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procure o que está acima, onde o Cristo está sentado ao lado direito de sen Pai, e que não provém das coisas que estão na terra. Vocês morrerão e suas vidas estão ocultas com o Cristo em Deus, no céu. ” “A prática já é a iluminação.” Simultaneidade é isto. Ao entrar na simultaneidade, Buda, assim como Jesus Cristo, são seus amigos, seus colegas, seus contemporâneos. Aqui não há o tempo, nem antes e nem depois, você vive no mesmo mundo, você vê com os mesmos olhos e escuta com os mesmos ouvidos dos budas e de Jesus Cristo, e tudo está realizado neste momento. Buda disse, “para entender a natureza de Buda, você tem que entender o tempo, mas estudando você chega aí”. Mestre Dogen interpreta isto assim: “O tempo vai chegar e você entenderá, mas na verdade o tempo já chegou, já está aqui”. Quando se fala “o tempo vai chegar”, mesmo treinando com mestres competentes, a realização nunca chega. Deixando o tempo, meditando e treinando, o tempo já chegou. Já está realizado neste momento. Mas não esperando o tempo chegar e amadurecer. Enquanto você esta sentado, você já está realizado. É difícil sentir isso com o consciente, mas é verdade. Por isso, independentemente de ganhar a iluminação ou não, treine, pratique. A prática já é a iluminação. Mestre Dogen disse: “chegando ao último ponto, não pare, continue!” “Os sete budas do passado aprenderam com quem?” Diz mestre Eckart: “Uma mulher perguntou a Nosso Senhor como deveríamos rezar, e Nosso Senhor disse: ‘Virá o tempo, e já chegou de fato, quando os verdadeiros veneradores vão venerar em espírito e em verdade, pois que Deus é um espírito; portanto, você deve rezar em espírito e em verdade.’” Anotem bem o que é dito, a hora virá e é agora. Aquele que veneraria o Pai, deve conduzir a eternidade em seus desejos e esperanças. Existe um ponto mais elevado da alma, que está além do tempo e nada sabe do tempo ou do corpo. Ele fala aqui da promessa ou juramento do Pai. Essa promessa também foi dada a nós, para que fôssemos batizados no Espírito Santo e recebêssemos o presente dele, morando além do tempo, na eternidade. No tempo , o Espírito Santo não pode ser dado e nem recebido. Dentro de treinamento zen, quando chega o momento, se recebe a transmissão do Darma. Esse documento chama-se “Shiho”. É um documento que demonstra sua árvore da linhagem de transmissão. Está escrito em seda pura, com a marca de uma flor de ameixeira. É raro esse documento. Aí encontra-se o nome de Buda e uma sucessão de nomes de budas e patriarcas até seu mestre. A linhagem dos budas e patriarcas começa com Shakamunibutsu Daiosho, após Makakasho Daiosho, Ananda Daiosho, etc., até Bodaidaruma Daiosho, seguindo ainda até o sexto patriarca. Depois prossegue, passando de nome em nome até o mestre atual e chega a uma linha final com o nome do novo Buda, o próprio nome do monge que recebe o documento. Após esse nome, há uma linha que conduz novamente de volta ao Buda Sakiamuni. Isto significa que nesse momento tudo fica uma coisa só; apesar de haver tantos patriarcas diferentes, na verdade todos são o mesmo. Isso é a transmissão. Os budas, patriarcas e grandes mestres, todos treinaram e transmitiram este Darma até a mim. Eu estou treinando; se isto for interrompido, essa transmissão não irá adiante para as próximas gerações, terminará em mim mesmo. Isso significa que todos os treinamentos dos que me antecederam acabam comigo. Minha responsabilidade é muito grande; esta é a única diferença entre monges e leigos. Os leigos podem aprender, alcançar, ter a iluminação da mesma forma que os monges, mas a especialidade do monge é a responsabilidade em transmitir adiante esses ensinamentos. Agora o budismo está chegando ao ocidente ocidente e também ao Brasil. Isto significa que também depende de mim e de meu treinamento a realização continuada de todos aqueles mestres, patriarcas e budas. Quando temos esta consciência, o treinamento do dia-a-dia não pode ser abandonado. Não é muita coisa, não, é simplesmente manter continuamente o treinamento de modo igual. Isto é
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importante. As dificuldades aparecem, os obstáculos. Estes momentos, ao transcender as dificuldades, tornarn-se momentos de iluminação, de realização. Dentro da tradição budista, temos sete budas do passado até Sakiamuni Buda, que são: Bibashibutsu Daiosho, Shikibutsu Daiosho, Bishafubutsu Daiosho, Kurusonbutsu Daiosho, Kunagonmunibutsu Daiosho, Kashobutsu Daiosho e Shakamunibutsu Daiosho, o Buda Sakiamuni. E Ananda perguntou, “esses sete budas do passado aprenderam com quem?”, Buda Sakiamuni disse, “eu sou o mestre deles”. Aqui também o tempo está invertido, os budas do passado, os que vieram antes de Buda, aprenderam com o novo Buda! Como pode ser isso? Uma coisa semelhante pode ser encontrada dentro da Bíblia. Quando Jesus Cristo chegou para ser batizado por João Batista, este disse, “não, eu não mereço isso!” E Cristo: “Eu compreendo, mas dá-me o batismo neste momento”. São João então falou, “vou dar o batismo com água, mas esta pessoa a quem batizo é que poderá batizar com o Espírito Santo”. Quando Cristo foi batizado o céu abriu-se e apareceu um pombo branco. São João então disse, “Eu não mereço nem mesmo lavar os seus pés, mas neste momento eu o batizo”. Assim são as relações mestre-discípulo. Quando torna-se “um”, o discípulo tem que ter capacidade de dar ensinamento para seu próprio mestre! Não fosse assim, essa força desapareceria. Na tradição zen diz-se que, se o discípulo tem uma força igual a do mestre, se ambos têm igual altura de ombros, então a força fica dividida por dois. O discípulo tem que subir e apoiar seus pés sobre os ombros de seu mestre. Tem que ser maior e melhor do que seu próprio mestre. Com isto ele consegue transmitir por inteiro a força completa de seu mestre, sem nada perder. Dentro do zen, essa transmissão é algo que preocupa muito. Passar de uma pessoa para outra é difícil. Neste momento, o oriente está querendo transmitir para o ocidente. Aí dá-se um grande choque cultural. A linguagem é diferente, os costumes, a religião, a comida, tudo é diferente. Mas mesmo assim, confiando na natureza de Buda e na alma pura, há essa possibilidade de transmitir. Isto porque, apesar de tudo, não há ocidente nem oriente para a natureza de Buda. Santo Agostinho encontrou duas grandes linhas de filosofia antiga, a filosofia grega e a hebraica, e ocorreu então um grande evento para os seres humanos e para a fé em Cristo: a sua obra teológica. O encontro do ocidente com o oriente já está acontecendo intensamente. Há grande intercâmbio entre padres católicos e monges zen. Em 1986, na cidade de Assis, na Itália, houve um encontro de todas as religiões, em todas suas variadas origens geográficas. Estiveram lá budistas, cristãos, africanos, índios, muçulmanos, judeus, hinduístas, etc., reunidos e falando sobre paz internacional. Isso revela este crescente espírito de intercâmbio e paz. “O primeiro passo é estar satisfeito com o que você tem.” Há um capítulo do Shobogenzo de mestre Dogen chamado “A Lua”. A lua tem quatro fases, a nova, a crescente, a cheia e a minguante. Todos pensam que quando a lua é cheia, está realizada, despertando aquela vontade de buscar o caminho supremo, depois o treinamento, a iluminação e nirvana. Mas mestre Dogen diz, quando a lua é crescente, mesmo aí já há a realização completa, não é necessário nem mesmo chegar à lua cheia. Com a lua minguante é a mesma coisa. Falta um pequeno pedaço, mas exatamente assim ela está perfeita e realizada. Essas afirmações nos aliviam muito, pois temos muitos defeitos e dificuldades. Porém com isto já há realização completa, por que preocupar-se? A única preocupação é praticar, seguir. Algumas pessoas já estão satisfeitas, nem mesmo precisam chegar à lua cheia. Alguns já realizaram, assim não precisam se preocupar se a lua está ou não cheia, ou se está começando a lua minguante. Nossa vida é assim, muitos querem aprender sempre mais; é bom, mas na verdade a realização já está pronta. É importante compreender que o primeiro passo no budismo é estar satisfeito com o que você tem agora. Ter poucos desejos, poucas ambições, e estar satisfeito. Quando você chega a este estado, você está já realizado, é lua
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cheia. Não precisa ter tudo. Uma pessoa que já realizou a sua vida não precisa de muito luxo, jóias, muitos carros. Simplificar a vida, a comida, a maneira de viver é bom. E com isso vem a felicidade, a ausência das preocupações bancárias… Neste sentido, mestre Eckart fala do sol pela madrugada, das 10 horas da manhã, do meio-dia, da tarde e da noite. Com o sol subindo o dia se aquece, mas depois começa a diminuir. A luz da manhã é a luz da natureza, a luz do meio-dia é a luz dos anjos, a luz da tarde é como a luz divina e, durante a noite, é a luz de Deus. A noite não tem luz, mas é a luz máxima. A luz começa aquecendo pela manhã, passando para o meio-dia o calor que vai se acumulando até a tarde. Ou seja, em cada um dos aspectos todos os outros estão presentes ao mesmo tempo. Quando desperta a vontade de buscar o Caminho supremo, já está realizado. Isso não quer dizer que deve-se interromper o treinamento aí, só despertar a vontade não basta. É preciso treinar. Treinar constantemente alimenta a vontade. A busca da mente Bodi é como olho de peixe, não é diamante, apodrece se não cuidar. É preciso apenas continuar constantemente. Chegando-se à iluminação pode-se pensar, “ah, cheguei, vou parar com isto”. Não, treinamento é iluminação, e iluminação é treinamento. Por isso Buda passou por seis anos de treinamento. Bodidarma foi à China e sentou nove anos antes de pregar. Esses nove anos não foram para obter a iluminação, ele já estava iluminado, foi apenas a continuidade do sentar. Ninguém pode mais parar. Dentro do zazen, com as pernas cruzadas, cruzam-se tempo e eternidade. Apesar de vivermos neste mundo mortal, quando você senta, está no estado de simultaneidade, junto com todos os budas do passado, presente e futuro!
Textos, artigos, teishôs e Sutras do
zen budismo.
(© 2005) Mestre Daisetz Suzuki foi quem apresentou o Zen ao Ocidente, no livro Mística Cristã e Budismo . Nesse livro, mestre Suzuki fala muito em mestre Eckart. Assim, quando se fala em mestre Eckart, todos lembram do ZenBudismo. Quando orientais tomaram contato com a obra de mestre Eckart sentiram-se como que lendo textos budistas. Sua linguagem, apesar de falar em Deus, expressa o Budismo, especialmente o Zen. (Monge Tokuda 25 de outubro de 1989) Hoje vou falar sobre a “palavra secreta”. Esta expressão “palavra secreta” é o título de um capítulo do livro de mestre Dogen, o Shobogenzo . Mestre Eckart diz: Eu vou em primeiro lugar falar das palavras da sabedoria eterna. Quem quer que me ouça não fique envergonhado. Quem quiser ouvir a sabedoria eterna do Pai deve estar dentro e em casa; deve ter se tornado uno. Então ele pode ouvir a sabedoria eterna do Pai. Existem três coisas que nos impedem de ouvir a palavra eterna: a primeira é a corporalidade, a segunda é a multiplicidade e a terceira é a temporariedade. Se o homem conseguisse transcender estas três coisas, ele moraria na eternidade. Ele moraria no mundo do espírito, ele moraria na unidade e no deserto, e ali ele ouviria a palavra eterna. Agora, Nosso Senhor diz “não há quem ouça a minha palavra ou o meu ensinamento a menos que tenha abandonado a si mesmo, pois para ouvir palavra de Deus é preciso um absoluto perder do ego”. Portanto, Nosso Senhor diz “Quem quiser ser meu discípulo, que abandone seu próprio ego. Não existe quem possa ouvir
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as minhas palavras ou o meu ensinamento a menos que tenha abandonado o ego. Todas as coisas nada são em si mesmas, por isso, abandonem este nada e assumam o perfeito ser no qual a vontade é justa. Aquele que abandonou toda a sua vontade, saboreia o ensinamento e ouve as minhas palavras.” Vivendo neste mundo, isso não é tão fácil. Os budistas usam a expressão “mundo saha”, e “saha” significa terra de paciência, ainda que não totalmente infeliz. Um pouco infeliz, mas também onde se vivencia alguma felicidade. Não há só sofrimento, mas também felicidade - um pouco de cada. Eu sempre brinco, em primeiro lugar é importante ter paciência, em segundo lugar paciência e em terceiro também paciência; em quarto lugar, ah, em quarto nada, e em quinto, sim, novamente paciência (risos…). Neste mundo a gente precisa de muita paciência. Muitas pessoas sofrendo suas dores vão visitar as igrejas e rezam para Deus. Você, rezando, pedindo, alguma vez escutou a voz de Deus? Talvez sim, ou, tendo ouvido algumas respostas, pense que sim. Muitas pessoas perguntam o que é realmente a palavra de Deus. Alguns respondem: é silêncio. Mas mestre Eckart diz que não, este é um método ainda, não é exatamente a palavra de Deus. Muitos amam a Deus como se ama uma vaca, esperando leite e queijo. Então rezam a Deus esperando uma coisa em troca. Este não é, entretanto, o verdadeiro amor a Deus. As pessoas têm medo de Deus, agradecem a Deus ou recebem muita coisa de Deus, mas ás vezes têm dúvidas. Deus é isto? Deus existe? Onde está? “A alma deve ser mantida completamente pura e voltada inteiramente para dentro” A finalidade tanto cristã como budista é encontrar Deus, encontrá-lo intimamente. Isto é muito importante. Por isso, praticar através de livros sagrados é muito importante, mas é necessário praticar também através da contemplação, mas contemplar realmente. Rezar interiormente; isto já é meditação, concentração, e então nós podemos encontrar com Deus. Nesse momento podemos escutar a voz de Deus, a palavra de Deus. Na teologia cristã, a palavra de Cristo é a palavra de Deus, ele veio a este mundo para revelar o que é Deus. Aqui temos também a palavra de mestre Dogen e de mestre Eckart. Mestre Eckart diz: Há uma afirmação comum a todos sábios: “quando tudo estava em meio ao silêncio, desceu a mim uma palavra secreta, desde o trono real do alto.” A alma onde isto acontece deve ser mantida completamente pura e viver de maneira nobre completamente em posse de si mesma e voltada inteiramente para dentro. Em primeiro lugar vamos tomar as palavras “em meio ao silêncio foi falada uma palavra secreta”. Mas, meu caro Senhor, onde está o silêncio e onde está o lugar onde a palavra é falada ? Corno acabei de dizer, está no lugar mais puro onde a alma é capaz de chegar, na parte mais nobre, no chão de fato, na essência mesma da alma, que é justamente a parte mais secreta da alma. Ali é que está o silencioso meio, pois nenhuma criatura, nenhuma imagem jamais entrou ali. Nem a própria alma teve desse lugar qualquer compreensão, portanto, ela não está consciente ali de nenhuma imagem, quer seja de si mesma ou de qualquer outra criatura. Mestre Eckart fala que para escutar a voz ou a palavra de Deus existem três tipos de obstáculos, primeiro a corporalidade, depois a multiplicidade e a temporariedade. É necessário transcender esses três obstáculos. A grande dificuldade é que neste mundo é exatamente com esses três aspectos que existimos. Com a corporalidade nascemos, recebemos este corpo até morrer. Com isto você existe, com isto eu estou aqui, você está aí. Já o tempo
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instala-se quando nascemos, e depois nos conduz à morte. Assim, para viver eternamente você não pode nascer. Quando nasce há morte. Por isso o Zen usa a expressão “não-nascido”. Antes de nascer, qual era sua face original? Antes de seus pais nascerem, qual era sua face original? Como é sua face original? A busca do Zen é isto: o chão, a origem de onde você veio. Corporalidade,. temporariedade e multiplicidade, ou seja, dualidade. Eu sofri tanto com isso! Estou aqui e você está aí. Então há o conflito. Todas as coisas apresentam isso. Bem e mal, rico e pobre, velho e moço, etc… Neste mundo tudo, tudo apresenta-se assim. Como podemos transcender isso? Mestre Eckart diz: “quando tudo estava em meio ao silêncio, então desceu a mim a palavra secreta.” Este silêncio é nirvana. A gente encontra o silêncio em todas as linhas de religião e filosofia. Fase silêncio é uma preparação para se ter esta experiência que é original, a experiência religiosa, mística. “Os joelhos, as pernas e as costas doem mas é preciso viver com esta experiência” Existem dois tipos de religiões, as religiões místicas - de busca e contato direto - e as outras, as religiões de profetas, com muitas regras, etc, que todos devem seguir. O Zen é talvez mais ligado à experiência mesmo de união com Deus. Neste caso é necessário o silêncio; meditação é silêncio, e com isto ocorre a experiência mística. Quando há internamente aquele silêncio, aquela tranqüilidade, aquela calma, nesse momento você vai ouvir a voz de Deus. Este estado, nirvana, mestre Eckart compara com o deserto, com o deserto cheio de areias. Hoje em dia vemos os documentários da televisão sobre o deserto e vemos que é cheio de vida, de insetos e plantas pequeninas. Mas deserto, deserto mesmo, não tem nenhuma vida, é morto. Esta é a experiência de morte religiosa. Não falando fisicamente, mas espiritualmente morte religiosa é uma experiência muito forte, muito importante, só assim é possível o verdadeiro renascimento. Nesta vida é necessário aprender a esquecer, desligar, perder até; isso é doloroso, mas depois ganha-se a verdadeira vida. É como na corrida de maratona: quando chega-se em certo ponto, surge a crise, parece impossível prosseguir, há dificuldade de respiração, dores, cansaço, o cor arece não poder ir além, isto é chamado de “dead point”, ponto-da-morte seria o significado. Quando, no entanto, ultrapassa-se esse ponto, tudo fica leve e fácil e pode-se correr até o final. Mesmo os jogadores de tênis, nadadores ou jogadores de futebol passam por treinamento, dificuldades e superações. O zazen também apresenta dores, dificuldades. Os joelhos doem com as pernas cruzadas, as costas doem, mas é preciso viver esta experiência. Mestre Dogen nasceu exatamente no ano de 1200 e morreu com 53-54 anos, relativamente moço. Já mestre Eckart nasceu em 1263. Um morreu, o outro nasceu. Apesar de viverem em países diferentes, ambos falam da mesma experiência. Mestre Dogen começou a escrever livros em língua japonesa numa época em que os monges escreviam sempre em chinês. Hoje em dia os pesquisadores de literatura japonesa clássica estudam o Shobogenzo como literatura, não apenas como o livro sagrado do Zen. Com mestre Eckart ocorreu algo semelhante. Hoje os estudiosos da língua germânica debruçam-se sobre a obra de mestre Eckart porque ele dava seus sermões e aulas na língua da época e não no latim que era a língua oficial. Ele tem estudos feitos em latim também, mas costumava usar a língua germânica para seus sermões e obras e seus contatos com discípulos, freiras e leigos. O que ele diz é o seguinte: “É difícil falar alguma coisa sobre Deus; tudo o que pode ser dito sobre Deus são enganos. Quando não se fala sobre Ele, é verdade.” Mas, de outro lado, mestre Eckart também diz, “eu gosto de falar de Deus”. Não se pode falar, mas ele quer e gosta de falar. Aí há um conflito de energias - é por viver certo tipo de experiência que ele não pode ficar calado. Mesmo que não exista ninguém aqui, eu quero falar com esta mesa. Quero falar. Há este impulso, mas o que se pode falar sobre Deus? O que não se pode falar? Isto o ZenBudismo, de certo modo, desenvolveu: a clareza do aspecto limitado da linguagem e das palavras. Esse capítulo
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do Shobogenzo sobre a palavra secreta fala sobre isto. Em outro capítulo, de título curioso, “0 sermão dos seres insensíveis”, também mestre Dogen fala sobre isto. Buda ganhou a iluminação - Budakaia. Surgiu-lhe então aquela dúvida: “Eu consegui isto, este Darma, mas quem poderia compreendê-lo? Este Darma é muito diferente das coisas do mundo. Totalmente diferente, muito difícil de entender.” Ele então procurou dois de seus primeiros professores, mas estes já haviam morrido. Aí lembrou-se de seus cinco últimos companheiros. Quando Buda tornou-se monge, o rei, seu pai, mandou cinco companheiros treinar com ele. Depois de seis anos de treinamento como asceta, Gotama abandonou o treinamento porque compreendeu que esse não era o verdadeiro caminho. Abandonou o ascetismo, e, por conta própria, começou a prática de zazen sob a árvore Bodhi, atingindo assim a iluminação e libertação completas. “Às vezes eu falo o que não faço com a própria experiência. isto é mentira.” Hoje em dia, abrindo o mapa, de Budagaia a Sarnath - onde houve o primeiro sermão para os cinco monges - há muita distância mesmo para quem for de carro, muito mais se considerarmos que Buda foi a pé. Quando estava chegando em Sarnath, um dos seus ex-discípulos disse: “Lá vem Gotama. Ele abandonou a prática ascética, mas se quiser voltar para nós não há problema, a gente deixa, mas já não precisamos respeitá-lo como antigamente pois ele abandonou a prática.” Mas enquanto Buda aproximava-se mais e mais, mesmo nada tendo feito, os cinco monges levantaram-se, um preparou água para lavar seus pés, o outro preparou um lugar para ele sentar, o outro logo trouxe alguma comida ou chá, e assim todos os cinco, mesmo sem notar, estavam preparando e dando as boas-vindas ao Buda. Por que isso? É algo fora do comum. Isso é reconhecido como o sermão da luz radiante. Antes que ele começasse a falar, já havia a luz radiante. Esse foi o primeiro sermão. Com isso as pessoas já estavam preparadas inconscientemente, levantando-se e dando as boas-vindas. Assim, percebendo inconscientemente a luz radiante, eles estavam já preparados para o que Buda iria dizer. Esse sermão da luz radiante mostra que o sermão não é apenas o que sai pela boca. E eles começaram falando, “você, Gotama”, e Sakiamuni disse: “Não, de agora em diante vocês não devem mais chamar-me de bo (você), mas de Buda ou Tatagata “. “Tatagata” significa “aquele que vem e que vai”. Como é o nome de Deus? Deus é Deus, não tem nome. Da mesma forma Buda, não sendo uma pessoa, responde, “eu sou Tatagata”. E a seguir o Tatagata começou a falar as quatro nobres verdades. Imediatamente um dos discípulos entendeu; no segundo dia dois ou três compreenderam e finalmente todos os cinco entenderam, ganharam a iluminação, tornaram-se Arhats. Então Buda prosseguiu sua vida de sermões e ensinamentos. É preciso lembrar, no entanto, que antes do sermão com as palavras, já ocorrera o sermão da luz radiante. “…muitos hippies, poetas e cantores praticavam meditação, na época do movimento contra a guerra do Viet-Nam.” Para nós, monges Zen, o importante não é a boca que fala. As pessoas falam, falam, falam e não fazem o que falaram. O importante é observar o “sermão do corpo físico”, o “sermão da atitude”, o “sermão da atividade do corpo físico”. Com atitude não se pode mentir, já a palavra, às vezes para impressionar, mistura mentiras. Às vezes eu falo o que não faço com a própria experiência. Isso é mentira. A boca pode mentir, mas com as “costas” não se pode mentir. O que as costas falam não contém mentiras. As crianças têm problemas, o pai e a mãe chegam e dizem, “meus filhos têm problemas”. Mas os filhos fazem exatamente o que pai e mãe fazem! Não
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adianta dizer, “você não pode fazer isto, meu filho”, o pai e a mãe estão praticando aquilo também, e os filhos apenas imitam exatamente o que vêem. O pai fala, mas nas suas costas, inconscientemente, a mensagem é diferente e o filho está vendo isso. Chegando ao mosteiro, o noviço pensa que vai ouvir grandes sermões, grandes aulas, mas nada disso acontece. O mosteiro mantém silêncio e até os mestres mantêm a prática de agricultura, com enxada e foice. Vendo aquela maneira de limpar o jardim, sente-se que é diferente; mesmo na limpeza com vassoura nota-se a diferença. O mesmo se dá com qualquer tipo de atividade e é a característica das artes marciais. Quando se vê alguém praticando o katá, há quantos anos a pessoa repete o mesmo katá, o mesmo golpe? No primeiro ano está praticando o katá, depois, no segundo ano, no terceiro; no quinto ano já há algo diferente. Com a prática de zazen se dá o mesmo. Eu gosto de usar esta imagem: no início, quando uma pessoa começa o hábito de tomar cachaça, a pessoa e a cachaça são duas coisas separadas. Depois há um segundo estado, a cachaça toma cachaça. Você toma cachaça, fica um pouco bêbado e o coração fica grande. No início você diz, “quero apenas um pouquinho, bem pouquinho, é só, obrigado”, depois você diz, “é gostoso, traga outra garrafa”… Aí a cachaça, ela mesmo já está chamando mais cachaça. No início ele bebia a cachaça, agora, neste momento, a cachaça passa a bebê-lo… (risos) Assim é o processo de treinamento. No início é necessário esforço, fazendo zazen, acordando cedo, agüentando dores, etc. Você está fazendo zazen, fica contente, mostra orgulho, etc… - a dualidade ainda está presente. Depois, com a continuidade da prática de zazen, da mesma forma que a cachaça chama a cachaça, o zazen chama o zazen. Não sei bem por que, mas fica o costume de sentar constantemente em zazen. Ás vezes eu não tenho vontade, estou cansado, com preguiça, mas onde eu vou - é meu karma - existem grupos de zazen esperando para a prática de zazen. Então digo, “vamos sentar”. Não posso dizer, “ah, estou cansado, a viagem foi muito cansativa, preciso dormir mais, etc…”, devo estar de acordo, sentar junto. Algumas vezes durante o zazen chego a dormir (risos), mas acompanho o zazen. Neste caso eu sou fraco, e o Darma é forte. Olhando de outro lado, isto é bom. Quanto mais fraco você for, melhor. Sendo forte, há o ego, você diz, “eu sou forte, pratico o zazen”… - o ego está presente. Bem, mas estava falando sobre a palavra secreta… No Shobogenzo se conta, “…uma vez o mestre Ungan Donjo recebeu um ministro”. Naquela época acontecia isto, ministros, escritores, artistas praticavam zazen. Como aconteceu também nos Estados Unidos, com muitos hippies, poetas e cantores que praticavam meditação, na época do movimento contra a guerra do Viet-Nam. Então, na história, um ministro chegou ao mosteiro e perguntou ao mestre: “Falam que Buda Gotama transmitiu a palavra secreta a Makakasho, que a compreendeu e não a escondeu; o que significa isto, a palavra secreta de Buda?” Então o mestre Ungan Donjo dirigiu-se ao ministro dizendo, “ministro!” E este respondeu, “sim!” O mestre completou: “É só isto, entendeu? Se você entendeu, entendeu, e então Makakasho não escondeu. Se você não entendeu, pode então compreender por que esta é chamada de a palavra secreta de Buda.” “Buda passou, como símbolo de transmissão, o seu manto dourado - o kesa - e uma tigela ” Vocês entenderam? (risos…) Isto é um koan. Este é um típico koan Zen - fica-se tonto. É preciso voltar atrás e lembrar um pouco a história toda dessa transmissão contínua do Darma. O importante, o essencial na vida do Zen é a transmissão do Darma, este ensinamento que vem de Buda diretamente, e após, de mestre a discípulo
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através dos budas e patriarcas. O primeiro foi o Buda Gotama, que transmitiu para seu discípulo Makakasho. Desde o momento em que Buda ganhou a iluminação, com 35 anos, até finalizar sua vida, com 80 anos de idade, não se fixou em nenhum lugar, sempre andando, andando, pregando o ensinamento durante 45 anos em mais de 360 lugares diferentes. Na última parte de sua vida, ficando velho, uma vez uma pessoa ofereceu-lhe uma flor e pediu, “por favor, dê um sermão com esta flor”. Essa flor chamada “udombara” abre uma vez a cada cem anos ou uma vez a cada mil anos, ou seja, é algo muito raro. “Por favor, dê-nos um sermão sobre esta flor”, pediu a pessoa. Buda aceitou a flor e todos ficaram esperando o que haveria ele de dizer. Nesse momento Buda não falou nada, apenas mostrou a flor diante da congregação dos monges. Mas aconteceu que entre os monges estava Makakasho, um dos primeiros de seus discípulos e posteriormente seu sucessor, que então, em meio à assembléia, abriu um grande sorriso. Geralmente Makakasho fazia um treinamento muito duro. Ele tinha nascido em uma família da elevada casta dos brâmanes, e mantinha o treinamento de simplicidade de vida, tanto em roupa como em comida e moradia. Não buscava luxo, nem comida de monges, apenas aceitava o que ganhava. Assim era o seu esforço: treinamento duro, cara fechada. No entanto, ele abriu o sorriso! Vendo isso, vendo o sorriso de Makakasho, Buda disse: “Eu tenho o Shobogenzo , o tesouro que é o Olho do Darma Correto, e transmiti tudo a Makakasho”. Assim foi transmitido a Makakasho o ensinamento essencial de Buda; todos viram, mas nada entenderam do que havia efetivamente se passado. Então Buda passou, como símbolo de transmissão, o kesa, ou seja, o seu manto dourado, e uma tigela que ele usava sempre. Além de Makakasho ter recebido a tigela e o manto, recebeu uma coisa especial, a palavra secreta! Já Mestre Eckart diz: “0 que eu ouvi do Pai, não escondi de vocês.” É isto. Mestre Eckart viveu aquela experiência original, escutou a palavra de Deus e por isso dispôs-se a falar sobre essa palavra. Mas para falar essa palavra ele tem que tê-la ouvido e tem que ter a força para que a pessoa possa também ouvi-la. Os que quiserem ouvir devem estar preparados. Precisam de silêncio, precisam estar afastados da prática do ego, só nesse momento você pode escutar. O koan do mestre Ungan Donjo ao ministro se dá no contexto desta experiência de transmissão. “Neste mundo todos uerem viver eternamente, mesmo sabendo que devem morrer” Assim, além da transmissão via tigela e manto, houve algo muito especial transmitido, como entre pai e filho, somente como entre pai e filho. Outra pessoa, mesmo vendo, não compreende. Mas Mestre Eckart diz, “do que ouvi nada escondi para vocês”. E assim, na verdade, para escutar essa palavra você tem que se retirar. Nesse momento, então, o que acontece? Unidade! Unidade é intimidade. Buda torna-se “um” com o discípulo. O pai treina o filho, é isto, e assim o filho torna-se o pai também. Trindade é o Pai, o Filho e o Espírito Santo, mas mestre Eckart diz “Gotheit”, origem de Deus. Antes de termos as três coisas se aradas temos uma unidade onde retornamos. Então o Pai tornou-se Filho. Há uma outra história que mestre Eckart conta. Havia um casal, marido e mulher, e por acidente ou doença ela perdeu a visão. Ficou muito triste, mas o marido a tratava com muito carinho, e a consolava. A esposa falou, “estou triste não porque perdi a visão, mas porque por isso vou perder o seu amor”. Mas o marido disse, “você
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não precisa preocupar-se, eu gosto de você, eu a amo”, e, tomando uma agulha, furou seus olhos e disse “bem, agora estou cego igual a você”. “Vocês não vêem porque sua visão está contaminada com a idéia de ego” Da mesma forma, Deus está lá, absoluto, eterno, paz infinita, mas escolhe fazer-se carne e vir ao mundo, e, perdendo a visão, fica igual a nós. Jesus Cristo é Pai, Filho e Espírito Santo. Jesus Cristo é Pai também. É assim que mestre Eckart expressa como nasceu o único Filho de Deus. O Cristianismo tem certas dificuldades quanto a este aspecto; pode gente tornar-se Deus? Não. Já no Budismo não há isto. Buda significa “desperto”. Todos temos a natureza de Buda e então temos a possibilidade de tornarmo-nos Buda também. Pode o Cristianismo dizer que as criaturas venham a tornar-se Deus? Parece difícil. Mas para Eckart, sim! Quando escutar a palavra de Deus, a palavra secreta, oculta, eterna, interna, você se torna o único Filho de Deus. Tornar-se Filho significa adquirir a capacidade de ser Pai. Neste mundo todos querem viver eternamente, mesmo sabendo que devem morrer. Então como fazem? Casando…, virão os filhos. Como os filhos até certo ponto têm a mesma qualidade dos pais, ao crescer vão casar e por sua vez terão filhos. Dessa forma algo transmite-se eternamente. O desejo sexual não é só prazer não, é a necessidade imensa de viver eternamente. Com a religião é diferente, é entrar naquela dimensão absoluta onde não há mais nascimento e morte, é o estado eterno, absoluto. Isto é nirvana, e vivendo-se este estado de nirvana não há mais vida e morte. Religião é isso, e dessa maneira vive-se eternamente. O Pai tornou-se Filho, mas isso não significa que é algo ocorrido entre criaturas. Quando falamos “criatura”, há imediatamente duas individualidades “criador” e “criatura”, e há ainda o tempo. Quando falamos no tempo, surgem todos os defeitos deste mundo. O que nasce, já está condenado a morrer. Somos mortais. Viver eternamente significa transcender. Quando mestre Eckart usa esta palavra “nascimento”, para ele isto significa que Deus nasceu neste mundo sem perder a qualidade de ser Deus que foi capaz de viver a simultaneidade original, transcendental, e a simultaneidade histórica. Jesus Cristo viveu neste mundo por trinta e três anos. Nasceu em Nazaré e morreu. Mas nasceu, viveu e morreu durante esse tempo em uma simultaneidade, ou seja, naquele lugar fundo no chão onde há o absoluto e eterno. Mostrou para nós o corpo físico, sofreu igualmente na cruz, mas alguma coisa mostrou-se transcendente. Dizer que o único filho de Deus nasce dentro da alma limitada significa a possibilidade de nos tornarmos o único filho de Deus. Tornar-se Deus, ou seja, viver neste mundo desde a eternidade. Isto chama-se “satori” ou “iluminação” no Budismo. Isto tem que ocorrer nesta vida. Muitos perguntam, “existe a reencarnação ou não?”, ou, “você acredita na reencarnação?”. A resposta é “sim e não”. De uma certa maneira sim, mas quando há a experiência de nirvana, de silêncio, a experiência do deserto, instala-se a dimensão do eterno e absoluto, então não há mais reencarnação. Jesus Cristo ou esse marido que furou os olhos escolheram este mundo, voltaram para cá, descendo. Em lugar de dizer, “venham até aqui em cima”, o que seria difícil para as pessoas, Deus disse, “eu vou”, é muito fácil. Deus faz isto quando você está preparado para tal. O que é necessário para a preparação? Apenas que você entre no silêncio, que abandone a si próprio. É necessário abandonar o ego.
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Abandonar corpo e mente é a experiência fundamental de mestre Dogen. Mestre Eckart também fala, “é preciso abandonar”. Abandonar é difícil por quê? Porque há compreensão errada, distorcida. E com isto se sofre. Mestre Eckart diz que abandonar a si próprio não ê sofrimento, é o caminho mais rápido para encontrar com Deus, e então a palavra secreta revela-se. Na verdade, a realidade última deste mundo não está nada escondida. Por isso se diz aqui que Makakasho não escondeu nada. Essa verdade está presente dentro de nós. O paraíso não se dá após a morte, está aqui. Vocês não vêem porque sua visão está contaminada com a idéia de ego, vocês praticam a consciência kármica. É preciso sair disto, arrancando este “olho-de-ego” e colocando o “olho-de-Buda”. “Repentinamente tudo muda, tudo se revela, nada permanece escondido.” Os budistas falam que existem cinco tipos de olhos: olho físico, olho de Darma, olho de sabedoria, olho de Buda e olho de ser. Temos apenas um olho, o físico, e este está contaminado. O que está vendo, será que está vendo verdadeiramente? Está vendo apenas a projeção de sua mente, de sua consciência e de seu inconsciente também. Você vê o que quer. Você não vê o que existe e vê o que não existe, e assim, segue projetando suas consciências. Isso é o que chamamos de karma. Você não consegue ver de nenhuma outra maneira, isto é o karma. Praticando o silêncio, pratica-se a purificação. O silêncio é escuridão, noite. Como o místico espanhol São João da Cruz, na subida do monte Carmelo, fala na noite da consciência, na noite das idéias, na noite da vontade, na noite das lembranças, na noite do espírito, noite da alma, etc., e com isto, subindo montanhas em processo de meditação, passa pelo processo de purificação e chega ao topo da montanha. Na verdade, o topo da montanha está aí, embaixo dos seus pés. Nunca esteve escondido. Nosso problema não é que Deus tenha escondido algo, você é que tem a culpa por sua consciência contaminada que dá nascimento e suporte ao ego. Quando se vivencia a consciência de ego, sente-se, “eu estou aqui e você está ai. Surge imediatamente a dualidade a multiplicidade e a corporalidade. E a questão do físico. Estou tomando este espaço com este corpo, este espaço você não pode tomar, de jeito nenhum. Isso é bom, mas ao mesmo tempo é um limite. Então chega o momento de transcender a corporalidade, a temporariedade e a multiplicidade. Nesse momento ocorrem o deserto, a morte, a unidade - o uno. “Você sabe pintar a primavera? Então pinte!” O rei Salomão encontrou aquela lendária flor, o lírio. Ele tinha enormes riquezas, mas foi justamente dentro de uma flor que encontrou mais riquezas do que todas as suas riquezas reunidas. Por quê? Deus estava ali presente. Deus é um, além dele nada há. Se você entende isto, mesmo dentro de um mosquito você encontrará Deus, e este mosquito, o pernilongo, se tornará, então, mais sublime do que quaisquer dos anjos mais elevados. Nada está escondido, apenas não vemos. Conta-se que um monge estava passando pela frente de um açougue e escutou o diálogo do freguês com o açougueiro. O freguês perguntou, nesta carne é fresca? O açougueiro respondeu, “na minha loja nada há que não seja fresco, de boa qualidade”. Quando o monge escutou, “na minha loja é tudo bom, toda a carne é boa”, nesse instante atingiu a iluminação. Neste mundo é tudo bom. Nada tem defeito. Por que então tantas dificuldades, tantos problemas entre nós? Porque a mente cria problemas, oculta a verdade. Cria o bem, o bom, o mau. Na verdade não existe o bem e o mal, isto é apenas uma dualidade, uma discriminação. É preciso penetrar a não-discriminação. Tudo está em seu
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lugar no mundo do Darma, do absoluto. Nada falta. Nós, no entanto, fazemos a discriminação, “isso é bom, isso é ruim” Cada um constrói seu próprio sofrimento ao fazer essa discriminação. Você mesmo sofre com isso. Neste mundo está tudo perfeito, o problema é você mesmo. Aqui e agora você pode encontrar o absoluto, o eterno. Está tudo perfeito, nada há para se queixar. O fato de muitos japoneses terem os olhos puxados conduz muitos a terem complexos. Uma pessoa diz, “eu sou brasileiro, nasci aqui”, o outro fala, “eu nasci no Japão, sou japonês, tenho olhos puxados”, surge então o complexo, “tenho cabelo preto, liso e por isso quero tingir de outra cor, mas isso me deixa mais feio”. Quando você aceita os olhos puxados, com isto pode manifestar a glória de Deus! As coisas todas são diferentes umas das outras, as plantas são diferentes entre si, essas diferenças revelam a glória de Deus. Uns são baixinhos, outros feios, uns ricos, outros pobre, ou aleijados, mancos; isso não importa, cada um revela a glória de Deus. Em um determinado momento, repentinamente tudo muda. Tudo se revela, nada permanece escondido. Então o mestre chamou, “ministro!”, e este imediatamente respondeu, “sim, mestre!” O que está acontecendo aqui? Nós temos tudo. Há um outro episódio em que um ministro visitou um outro mestre. O mestre estava assando batata-doce nas brasas e assoprava continuamente para avivar o fogo. O ministro chamou, “mestre, mestre!” O mestre, ocupado com o fogo e a batata-doce, e com o nariz que pingava sem parar, não atendeu imediatamente. O ministro zangou-se e, virando-se começou a sair. O mestre então chamou, “ministro!”. Este imediatamente parou e voltouse. Então o mestre concluiu, “porque você respeita os ouvidos e não respeita os olhos?”. O ministro ouviu e, sentindo a força da lição, inclinou-se ao mestre. “O que é o caminho?”, perguntou então. O mestre respondeu, “está vendo? Nuvens estão no céu e algo está dentro da garrafa”. O segredo não tem nenhum segredo. Um monge Zen procura seu mestre e pede-lhe, “por favor, ensine-me o segredo do Budismo”. O mestre responde, “sim, se você quiser; quando todos houverem saído, ninguém mais estiver aqui, procure-me aqui e eu lhe ensinarei”. O monge responde, “ah, sim”, e mais tarde volta e sussurra, “mestre, agora não há mais ninguém aqui, por favor, ensine-me o segredo!” O mestre então leva o discípulo ao jardim e diz, “está vendo? Esta árvore é muito alta e essa outra é muito baixa, entendeu?”. “Árvores altas e árvores baixas”, com isso ele mostra tudo! Num canteiro, plantando sementes de ameixeiras, cerejeiras, crisântemos ou o que seja, ele lida com estas variedades de plantas. Plantando bambú, é bambú que crescerá, ninguém tem o poder de trocar isso. É isso ai - nós é que complicamos a nós mesmos querendo classificar as coisas e mudar tudo. “Quando você vai purificando a mente e torna-se residente do deserto, alguém passa a falar-lhe internamente.” Eu estava falando sobre os vários tipos de sermões: o sermão da luz radiante, o sermão da atividade com o corpo e ações…, mas há outro sermão, o sermão de “um tom” ou “uma voz”. Quando Buda falava, todos entendiam de acordo com seu estado de consciência e compreensão. Estas histórias podemos também encontrar dentro da Bíblia. Quando Jesus Cristo apareceu e recebeu o Espírito Santo, havia muitas pessoas provenientes de países de línguas diferentes, mas, ainda assim, quando falou com o Espírito Santo, todos entenderam. Lembram dessa passagem? Como pode ocorrer isso? Um tom, um som, uma voz. Até pedras entendem, até paredes e portas escutam, porque é o Darma. Isto é a “palavra secreta”. Quando você vai purificando sua mente e torna-se residente do deserto, alguém passa a falar-lhe internamente. Quem é este alguém? É vocé mesmo!
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O primeiro capítulo do Evangelho de São João diz: “no princípio era o Verbo”. “No princípio” significa o quê? Princípio do tempo? Não! “No princípio significa “origem”, o período antes de Deus haver criado este mundo. Jesus Cristo estava à direita de Deus Pai, ele estava vendo o Pai criar o mundo. Ele mesmo estava lá. Daisetz Suzuki certa vez dirigiu-se a vários pensadores cristãos, dizendo: “Tenho uma pergunta para vocês, cristãos: quando Deus estava criando o mundo, quem estava vendo isso?” Ninguém respondeu e então ele mesmo ofereceu a resposta: “eu”. “Como estão agora todos velhos e moços, no exato momento presente, neste exato instante?” Sempre é importante esta atitude, “eu, agora, aqui”. Deus criou este mundo - criou é passado, mas está ainda criando agora, neste exato momento. Estamos constantemente criando o mundo a cada instante. E esta mesa, existe ou não? Não existe? E o que estamos vendo? Se voltarmos aqui amanhã e a encontrarmos? E se morrermos nesse espaço de tempo? Alguém vai vê-la. Mas, ainda assim, esta mesa está sendo criada por nós, agora, a cada momento, a cada instante. Fitando o espelho, vemos nosso envelhecimento. Alguns ficam tristes por ficarem velhos. Não precisam ficar tristes, não. Mestre Eckart diz, “dez anos antes nosso rosto era liso e bonito; agora, dez anos se passaram e apareceram muitas rugas, e surge então a tristeza”. Não é preciso olhar assim, essa não é a realidade! Hoje estamos encontrando um novo rosto e fitando-o como da primeira vez, é uma e experiência totalmente nova. Amanhã será também um novo rosto e assim por diante! A cada vez fitamos uma forma totalmente original, a cada vez nos defrontamos com o absoluto! Criamos constantemente o mundo, neste exato momento fazemos isso. Tudo vai mudando sempre, isto é criar. “Um tom”, Sermão de “um tom”. O que é este “um tom”? Mestre Eckart diz, “escutei a palavra do Pai e vou falar para vocês”, EIe mesmo tem que se tornar a palavra e a palavra mesma tem que falar! Não é a boca que fala a palavra, a palavra se fala. A palavra secreta, a palavra de Deus, ela mesma fala a palavra - aí está a diferença. O sermão geralmente apresenta muitas histórias, ensinamentos - a boca está falando. Às vezes eu minto, apenas falo o que aprendi, mas o importante aqui é tornar-me as palavras. Isto significa que aquilo que estava oculto aparece, mostra-se, revela-se. Esta é a função das palavras. Então em “Gotheit”, origem de Deus, o Pai está lá, escondido. Quem vê Deus tem que morrer. O Pai entrou no Filho, veio a este mundo, apareceu com corpo físico, nós pudemos ver. Se o único Filho de Deus nasce dentro de sua alma, você escuta a palavra secreta e torna-se o Filho de Deus. Escutando a palavra, você recebe todas as potencialidades, todas as forças. Você pode falar a palavra, pois não mais será a boca apenas que fala, você mesmo é a palavra e fala. Nesse momento você vive este mundo realmente, isso é a realização de si próprio. Há um capítulo do Shobogenzo que diz assim, “você sabe pintar a primavera? Então pinte!” Como é isso? Pintou. “Deixe-me ver… Ah, isto não é primavera, é flor de cerejeira…” - no Japão as cerejeiras florescem na primavera. “Isto não é primavera não, isto é flor de primavera, isto é flor de cerejeira, por favor, pinte a primavera!” Como pode a primavera ser pintada? Nova tentativa. “Isto é flor de ameixeira, não é primavera.” Como podemos pintála? Entendeu? Estamos vivendo este mundo, vivendo condenados à morte, mas muitos vivem como uma fumaça, como uma faísca, como espuma ou como uma sombra, não estão vivendo não. Para viver realmente, tem que ser capaz de pintar a primavera, e não cerejeiras ou ameixeiras. E preciso pintar a primavera mesmo. Como? O mestre toma então o pincel, “ah, já pintei a primavera”. “Como? O que é isto? Isto é a primavera? Isto é flor de cerejeira, isto é flor de ameixeira!?” “Sim, quando a primavera está presente, a flor de ameixeira abre, a flor de
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cerejeira desabrocha, então, dentro da flor de ameixeira e de cerejeira está presente a primavera!” Dentro de você, de seu corpo, sejam altos ou magros, baixos, gordos, inteligentes, ignorantes, aí está a primavera, a presença de Deus, de Buda. Fora daí não existem nem a primavera, nem Deus, nem Buda - nada encontrará. Vazio apenas, vasto nada. Quando Madalena visitou o corpo sem vida de Cristo, encontrou dois anjos. “O que está procurando?”, perguntaram eles. “Se você está procurando aquele Jesus Cristo que morreu, não vai encontrar.” Mestre Eckart interpreta essa passagem assim: “Deus não é encontrado em nenhum lugar; para a parte mais elevada da alma, Deus não está em lugar algum, mas para a parte inferior da alma, Deus está presente em todos os lugares.” Então, em sua própria vida, você, encontrando-se consigo mesmo, pode manifestar a glória de Deus, revelar o que é Deus. Com dificuldade, com sofrimento, com defeitos. É com isso mesmo que você pode mostrar. Muitas pessoas estão constantemente vivendo com a mente no futuro ou no passado. Jovens dizem, “ah, sou muito pobre, preciso estudar, é importante que eu me forme como engenheiro, como médico, como advogado, etc., só assim vou ganhar dinheiro e estarei realizado…”. Isto é ainda o futuro, ainda não chegou. Os velhos dizem, “ah, eu já fiz muito nessa vida, sou muito importante, tenho cargos importantes”. Isso tudo é passado. E como estão agora todos, velhos e moços, no exato momento presente, neste exato instante? Como estão todos, fora do referencial do tempo passado e do tempo futuro, fora da temporariedade, como estão frente à eternidade? Nada podem mostrar, não estão realizados, vivem confusões apenas! Plenitude é preencher tudo aqui e agora. Com isso se chega ao estado. Isso depende da mente. A mente é que faz o sofrimento, a alegria, a felicidade.
Textos, artigos, teishôs e Sutras do
zen budismo.
(© 2005) Palestra dada em Buenos Aires, para um grupo de psicólogos, de 19 a 23 de outubro de 1983) Caros amigos, para encerrar este ciclo de palestras, hoje à noite eu vou falar sobre o Budismo Zen. O Budismo Zen começou na Índia com o Buda Gautama e, até o meu mestre, houveram oitenta e quatro patriarcas. Esta disciplina e ensinamento foram transmitidos através de mestre e discípulo, pela Índia, China e Japão, agora nós estamos aqui na Argentina. A escola Zen é considerada como o Budismo transmissão correta, uno e puro, porque não é realizada através de leituras ou livros, mas é transmitida fisicamente com o mestre e discípulo se encontrando face a face e transmitindo o Dharma de coração para coração. A palavra Buddha significa literalmente homem iluminado, homem desperto. Quando o Buda Gautama ganhou o Iluminamento embaixo da árvore sob a qual meditava ficou muito feliz, durante uma semana inteira ele ficou naquele estado de muita felicidade. Depois surgiu uma dúvida: eu encontrei esta resposta com muita dificuldade, mas será que alguém vai ser capaz de compreender os meus ensinamentos? Todo mundo está dormindo e tem os Três Venenos: o apego, a raiva e a ignorância. Assim, mesmo que eu for ensinando por aí, ninguém vai entender. Este foi justamente o primeiro perigo da vida de Buda, e nesse momento ele despertou aquela grande compaixão: se eu falar, talvez algumas pessoas entendam, pois algumas pessoas têm somente uma fina camadade poeira nos olhos; essas pessoas serão capazes de compreender a doutrina.. Jesus Cristo também teve estas mesmas tentações no deserto antes de começar o seu ensinamento. Aqui é onde se mostra a diferença entre o mundo comum, profano, e o mundo sagrado. Quando o Buda Gautama viu uma pequena lagoa, várias flores de lótus estavam embaixo da água, outras estavam no mesmo nível da água e algumas estavam acima e fora da água. Então ele compreendeu: se eu falar, algumas pessoas vão entender, tal qual o sol que doura os lagos cobertos de lotus e vê quais os botões
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que estão próximos a se abrirem a seus raios, e quais os que não sairam ainda das suas raízes. Esta sensação de solidão no Caminho dos mestres, todos eles já percorreram esta trilha. Um sapo começou a viajar e chegou a uma outra lagoa muito distante, mas nesta lagoa moravam sapos dotados de um só olho. Eles diziam: ah, este tem dois olhos, é um aleijado. Para nós é uma coisa muito clara, nós temos dois olhos, mas se a gente encontrar um mundo em que todos tenham apenas um olho, nós estamos errados. Isto significa que nós temos percepções limitadas. Por que existe o sofrimento? Viver é sofrimento, doença é sofrimento, envelhecimento é sofrimento, e finalmente a morte é um sofrimento. A separação daqueles a quem amamos é sofrimento, encontrar com aquelas pessoas a quem odiamos também é sofrimento. Quando queremos ganhar uma coisa, e não conseguimos, sofremos. E, finalmente, viver com saúde também é sofrimento, porque temos desejos para comer, dormir, sexo, fama, poderes e bens materiais. Então por quê este sofrimento? Porque tudo é impermanência. Nós queremos que as coisas durem, mas elas são impermanentes, mudam constantemente. Um dia a pessoa começa a procurar religiões. Por quê? Para viver nós precisamos de comida todos os dias, mas a cultura por exemplo, algumas pessoas podem viver sem ela. Para certas pessoas não se pode viver sem cultura, como literatura, pinturas, ou músicas bonitas; sem isto não se pode viver. Agora eu pergunto: e quanto à religião? Algumas pessoas não precisam, mas algumas pessoas, talvez poucas pessoas, precisem. Uma pessoa viajava, de repente encontrou um tigre. Então fugiu para o outro lado, aí encontrou outro animal, um urso, uma onça, um outro animal muito perigoso. Aí descobriu um poço profundo e entrou dentro deste poço segurando numa corda. No fundo do poço havia um jacaré esperando, de boca aberta. Exatamente esta situação é a nossa vida, não tem jeito de escapar destes perigos. Uma pessoa estava segurando com as duas mãos um cipó trançado sobre um abismo e aí apareceram dois ratos, um branco e um preto, e começaram a comer aquele cipó. A pessoa começou a ficar desesperada, mas de repente ela encontrou na beira do precipício uma flor muito bonita que deixava cair um néctar doce, “ah que gostoso”, e começou a beber o néctar que caia em cima de sua língua e assim esqueceu todos aqueles perigos. Exatamente nós estamos vivendo neste mundo sem saída, condenados à morte com o passar dos dias e das noites, mas este mundo tem muita coisa divertida. Hoje em dia os japoneses dizem: três S; o primeiro S é speed, velocidade. O segundo é o sexo, e o terceiro é o suspense. Os jovens usam speed (droga, ou sexo) e assim esquecem todos os perigos e impermanências, não há outro mundo, então porque não viver neste? Falando dessa forma, muitos materialistas vivem como querem e bem entendem. Os jovens estão procurando pelo Caminho, sem saber onde ele vai. Estão como que dormindo ou bêbados, sonhando dentro de um sonho, precisam uma vez pelo menos despertar. Algumas pessoas têm muita dificuldade de perder o valor que as coisas representavam para elas. Até ontem, ele dava muita importância para a casa ou para a esposa ou o marido, mas de repente perde tudo. Com as guerras, a pessoa pode perder o seu filho ou marido, com um incêndio sua casa pode ser destruída. Com esta inflação, o dinheiro também não vale mais nada. Então estas coisas começam a cair e a pessoa se sente insegura, porque deseja uma coisa segura e certa. O que podemos segurar? Exatamente por isto foi que o Buda começou a pregar o seu ensinamento. Para quebrar as percepções distorcidas. A escola Zen coloca algumas perguntas paradoxais. Por exemplo: as montanhas verdes estão sempre se movendo e uma mulher de pedra dá a luz de noite. Falando dessa forma ninguém entende, e então as pessoas dizem: isto não pode ser compreendido pelo intelecto. Mas não é isto. Podemos entender isto com o intelecto sim. Não são somente as montanhas que estão se movendo, mas é a Terra também que está a se mover. Antigamente as pessoas pensavam que o Céu ou o Sol é que estavam se movendo e a Terra não. Hoje em dia, até crianças do
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grupo escolar sabem que não é o Sol, mas a Terra que está se movendo, como Galileu Galilei, ou como Copérnico descobriram. Da mesma maneira, um cientista estava vendo o mapa mundi, de repente descobre que se aproximassem os continentes da África e da América do Sul, eles se encaixavam perfeitamente. Então ele percebeu que a América do Sul estava ligada à África e também à Europa, e que não havia o Oceano Atlântico, há muito tempo atrás. Aquelas ilhas do Havaí, a mesma coisa também aconteceu com elas. Há muitas ilhas surgindo no Havaí hoje em dia, porque as lavas dos vulcões formam uma ilha, aí a ilha formada começa a impedir a saída de mais lava, então a lava empurra esta ilha e ela se desloca, passa para outro lugar, e então a lava forma uma nova ilha. Uma a uma, vão aparecendo todas aquelas ilhas do Havaí. Se você declarar para um peixe, a sua casa está correndo sem parar, ele vai se assustar. Talvez ele diga, não brinca comigo, a minha casa sempre esteve firme aqui. Toda a nossa percepção sobre o mundo é limitada. Mas porque é que isto acontece? Porque nós temos a idéia de ego, o egocentrismo. Esta idéia de ego funciona constantemente, mesmo que a pessoa esteja dormindo ou em estado de coma, esta idéia já está na inconsciência. Principalmente quando uma pessoa está próxima da morte, aparece o apego a este corpo, o apego a este ambiente material, ao que a pessoa julga lhe pertencer. Não é somente a casa ou o carro, mas a família, o marido, filho e também experiências e sabedorias. Até à vida futura a pessoa tem apego. Esta é a nossa realidade, mas ninguém pode acompanhar quem está morrendo, a pessoa que está morrendo tem que ir sozinha. Então, precisa quebrar esta idéia de ego, por isto a prática Zen diz: o treinamento de Zen é aprender sobre si mesmo. Aprender sobre si mesmo significa esquecer de si mesmo. Esquecer de si mesmo significa limpar a idéia do ego. Limpar a idéia do ego é tornar-se a própria Verdade. Assim, quando se diz que uma montanha verde está sempre se movendo, a pessoa se assusta mas quando pensa um pouco mais, não são somente as montanhas, até a própria Terra está se movendo. Quem não conhece este movimento das montanhas verdes, não conhece o movimento de si próprio. Porque acontece isto? Nós temos lembranças, desde a infância e mesmo antes dela. Então, dentro de mim, alguma coisa, aquela idéia de identidade está continuando. Mas há vinte, trinta anos atrás eu era outro, era um menino pequeno. Hoje, e depois no futuro, daqui a vinte ou trinta anos, vou ficar mais velho e aí sou outra coisa. Assim, cada momento está mudando, mudando sem parar. Quando acendo uma vela, esta continua acesa. Parece que a chama é sempre a mesma, mas não é. Quando você chega perto da chama ela está fazendo um barulho de dzzz, dzzz que está continuando e por isto nós estamos enganados em pensar que existimos para sempre. Um senhor ficou muito velho, ele era milionário e tinha muitas mulheres, mas estava perto da morte. Ele disse para a primeira mulher agora eu vou morrer, me acompanha junto na morte. Não!! Absolutamente não! Até agora, nós sempre vivemos juntos, por isto eu vou até o cemitério com você, mais do que isto eu não vou, disse ela. Aí ele falou para a segunda mulher: eu te amei muito, por isto você pode me acompanhar na morte. Não, até dentro do caixão eu vou, mas mais nada, falou a segunda. Disse para a terceira mulher que era a mais jovem e a mais bonita, eu amei você de uma forma muito especial, você podia me acompanhar na morte. Mas também esta mulher disse que não, ora, a primeira e a segunda mulher recusaram, porque é que tenho que ir? Ele tinha a quarta mulher, esta era quase como uma empregada, como uma escrava. Bom, eu te maltratei e não posso te pedir muito, mas você me acompanharia? Aí ela disse: claro que eu vou. Onde é que você vai? Agora eu pergunto: O que é que são estas mulheres? A primeira mulher talvez sejam os bens materiais, móveis, cama, espelhos, mesas e coisas assim, isto pode ir até a morte, mas depois não pode mais ser usado. Agora, a segunda e terceira mulheres talvez sejam a fama, títulos, estas coisas que podem acompanhar a pessoa até que ela entre dentro do caixão, o homem continua com a fama dentro da caixão. A quarta mulher simboliza o Karma, aquilo que você fez na sua vida em ações, palavras e pensamentos, isto vai acompanhando a pessoa até o fim. Os Budistas pensam da seguinte forma: não é Deus que manda você ao céu ou ao inferno, mas são os seus próprios atos, com a lei de causas e efeitos, que fazem com que você caia no inferno ou no paraíso.
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Podemos dizer que quando nascemos, junto conosco nasce um Deus, e este Deus está sempre nas nossas costas. Qualquer coisa que eu faça, de bem ou de mal, este Deus anota tudo. E quando nós morremos, ele começa a contabilizar nossa vida com um computador, ele tem um espelho como se fosse uma televisão e nele se mostra tudo aquilo que a pessoa fez na vida, uma espécie de videocassete, no qual já está tudo gravado. Já imaginaram, nós todos vendo aquilo que fizemos durante a vida? É realmente uma coisa horrorosa. A gente pode enganar a outras pessoas, não mostrar, esconder, mas àquela lei de causas e efeitos, ninguém escapa. É desta forma que a montanha verde está sempre se movendo. Isto é a impermanência, nós estamos mudando, mudando, e por isto não existe nada em que possamos nos segurar. Talvez existam dois tipos de religiões: a primeira é como se segurar numa coisa, como se fosse um apoio, um encosto. No outro tipo de religião, não tem nada para se segurar, não há nada para se agarrar, por isto mesmo é que tudo é vazio, por isto está tudo tranqüilo. Esta idéia de vazio, do nada, é a filosofia fundamental do Budismo. Muitos místicos cristãos também falam no nada, como Maister Eckhart, ou São João da Cruz, que fala sobre a noite escura. Então uma montanha verde está sempre se movendo, e uma mulher de pedra dá a luz de noite. Nós precisamos mergulhar para nos encontrarmos conosco mesmo, naquela noite escura do espírito. Quando uma pessoa quer ter aquela experiência religiosa, ela precisa ter uma preparação. Rezar, afastar-se dos demais e começar a meditar em silêncio. Dentro de qualquer religião nós podemos encontrar aquele silêncio bem profundo, através deste silêncio é que começamos a nos preparar para uma purificação, para poder chegar até aquele estado místico. Como disse São João da Cruz: a noite dos sentidos, a noite do espírito, a noite da alma. Através desta viagem interna começamos a nos afastar do mundo exterior e começamos a trabalhar sobre o mundo interior, mergulhando, mergulhando dentro da nossa subconsciência, da inconsciência. Quando chegar ao fundo desta escuridão, há aquela união com Deus, com o amor. Para esta experiência, a escola Zen coloca uma palavra, a Iluminação, o satori. Este estado, um mestre o expressou da seguinte maneira: numa noite escura, quando escuto a voz do corvo sem cantar, tenho saudades do meu pai antes que eu tivesse nascido. Este verso mostra aquele encontro no fundo com o verdadeiro eu, a união com Deus. Numa noite escura, totalmente escura, não dá para ver nada, escuto a voz do corvo sem que este cante. O corvo é um pássaro preto, dentro da escuridão não se vê nada e ainda por cima, ele está sem cantar. E quando escuto a voz do corvo sem que ele cante, tenho saudades do meu pai antes que eu tivesse nascido. Pai é masculino, não tem aquela força de fazer nascer, só a mulher é que pode fazer isto. Mas quando escuto a voz do corvo sem que este cante, tenho saudades do meu pai. Esta experiência é muito especial, é uma coisa sagrada, uma coisa para nós seres humanos. Nos discursos de grandes místicos cristãos, podemos encontrar vários tipos de expressões parecidas. Eles falam sobre essa dificuldade de expressão: inefabilidade, difícil de expressar com palavras. Mas quando há aquela experiência, aquela felicidade, aquela alegria, a pessoa não pode manter-se calada, tem que procurar transmitir aquilo para os outros. O estado do êxtase, a dificuldade de expressão é momentânea, mas é muito forte e muito marcante, e, mesmo assim, os sábios não ficaram calados e sempre começaram a falar para outras pessoas; felizmente isto foi transmitido até hoje através de seus sermões e atos. Neste caso, não há nenhuma diferença entre o Oriente e o Ocidente. Apesar de haver países diferentes e línguas diferentes, culturas diferentes, estamos falando do mesmo estado: Quando a pessoa tem essa experiência mística e começa a expressá-la em palavras, é aí que aparecem as diferenças, porque cada pessoa é educada e criada em certa cultura e com certa religião. Por isto, quando a pessoa tem esta experiência e começa a se expressar, usa palavras e termos dos quais ela teve experiência e nos quais ela viveu. Naturalmente assim, ela usa as palavras do Cristianismo ou do Budismo ou do Hinduísmo, etc. Hoje em dia já se iniciou um intercâmbio entre o
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Cristianismo e o Budismo, especialmente o Zen. No ano passado sessenta monges Zen foram convidados para ir à Alemanha, para praticar meditação junto com os Freis Dominicanos. O que importa é esta experiência fundamental, através da meditação ganhar sabedoria. Esta não é uma sabedoria deste mundo; não importa se a pessoa é doutor, médico, advogado, etc. Isto não quer dizer sabedoria, apenas conhecimento. A sabedoria deste tipo de experiência vê uma outra dimensão deste mundo. Atravessar para mais além destas percepções limitadas, mas como? Quando tiver esta experiência da escuridão total, a pessoa faz uma limpeza total do egocentrismo. Este trabalho é de certa maneira muito doloroso, porque nós temos muitos apegos, muitas ignorâncias. É necessário limpar isto tudo completamente, através da meditação. A meditação está sempre ligada com a sabedoria. Há quatro tipos de sabedoria: a primeira sabedoria é a sabedoria de um espelho redondo e grande, sendo o tamanho dele o universo inteiro. Ele reflete todos os fenômenos deste mundo, um espelho muito antigo. De madrugada, uma senhora cega e de idade encontrou com este espelho. Então, o que é que acontece? O espelho refletiu exatamente aquela senhora idosa e cega, mais nada. Mas isto é difícil de entender, porque nós temos discriminação ou apego. Se aparecer uma moça bonita, aí sim, que bom, quando ela vai indo embora ah, não vai não. Quando o contrário acontece, isto é, a moça é feia, então não desejamos que ela fique. Mas o espelho nunca faz esta discriminação. O espelho simplesmente reflete tudo aquilo que aparece. O espelho reflete quando aparece a senhora de idade ou a moça, porque para ele não faz a menor diferença, isto significa que cada presença que aparece em frente ao espelho é absoluta, eterna e perfeita. Quando não fazemos discriminação de qualidade, cada pessoa está perfeita, assim mesma como ela está. Nós nascemos carregando todos aqueles Karmas de vidas passadas e podemos mudar de vida, o presente e o futuro e até o passado, mas o que se recebeu até agora, ser de naturalidade argentino, brasileiro, japonês, isto não pode ser mudado nunca, este é o nosso Karma. Mas, isto não importa, a única coisa que posso fazer é aceitar isto, viver isto com a minha responsabilidade total. Quando eu encontrar dificuldades, problemas, sofrimentos, é porque estou pagando o meu Karma. Se a pessoa pode entender isto, o sofrimento não é mais sofrimento, é muito simples. Por isto, cada um de nós que está aqui presente, está vivendo totalmente perfeito. O Budismo diz: nós somos Buda originalmente, mas nós estamos perdidos, bêbados e dormindo, como se estivéssemos gritando de sede no meio da água. Um monge perguntou para o mestre: mestre, por favor, me ensine o segredo do Budismo. Ah, sim, mas hoje tem muita gente, quando não tiver mais ninguém eu vou te ensinar, disse o mestre. No dia seguinte, o monge chegou de novo: mestre, não tem mais ninguém, me ensine agora. Ah, vem cá, e foram para o jardim. Aí o mestre disse: está vendo? Esta árvore é alta e esta outra árvore é baixa. Este é que é o segredo do Budismo. Não há nenhum segredo, tudo está aberto, transparente e está na frente de todo o mundo, mas o problema é que as pessoas fazem diferenças, se isto é alto então isto é bom, essa árvore é grossa então posso vender mais caro, esta outra árvore é baixa e feia e não vale nada, são as pessoas que fazem diferença. E tudo isto é Karma que está aparecendo. Dessa forma, este tipo de sabedoria reflete o que aparece na frente da pessoa e não faz diferença. Com isto nós chegamos à segunda sabedoria: a segunda sabedoria é perceber a igualdade. A natureza de Buda está dentro de cada um, mas isto é difícil de entender. Cada um pensa que é diferente. Claro, há diferenças, como a água, que em uma forma é gelo, e uma outra que é neblina, ou nuvens ou chuva, mas afinal, tudo é a mesma água.
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Descobrir que nós somos água, esta é a sabedoria da igualdade. Não há diferenças e porque não há diferenças é tudo igual. Isto não quer dizer por exemplo que o presidente de um país seja a mesma coisa que um trabalhador comum, de baixa categoria. O trabalhador comum pode estar preocupado com o futuro do país, mas talvez ele não possa fazer nada pelo país, cada um tem a sua função e papel, cada um faz o que pode no seu trabalho. Dentro de um mosteiro Zen há várias tarefas diferentes. Há o cozinheiro, os diretores do mosteiro, o disciplinário, etc., mas isto não significa que o valor de cada pessoa seja diferente. Por isto os Budistas quando se encontram fazem o Gasshô. Gasshô significa reverenciar a natureza de Buda que está dentro de você. Estamos vivendo e sofrendo, com dores, mas no fundo nós temos a mesma qualidade. O treinamento de Zen é descobrir o verdadeiro eu, e depois aplicar isto dentro da vida cotidiana, esta capacidade e potencialidade são muito grandes. Para se encontrar esta experiência e esta sabedoria, tem que se viver neste mundo a vida cotidiana. Temos diferenças, mas no fundo é tudo igual. Por exemplo, se se colocar o orvalho transparente em cima de uma folha verde, nós vemos um orvalho verde. E o mesmo orvalho transparente, se você colocar em cima de uma flor vermelha, você vê a cor vermelha. Assim, nós estamos vendo cores e formas diferentes em cima de cada pessoa, mas neste momento o que ninguém vê é aquela cor transparente. A igualdade do vazio está dentro de nós, por isto a primeira experiência Zen, através da meditação, é encontrar o corpo do Buda cósmico. Este trabalho é difícil, porque é necessário limpar tudo aquilo que já se aprendeu desde que nasceu, e também aqueles Karmas que estamos carregando. Por isso, o importante é começar a escutar o ensinamento e experimentar o ensinamento. O Buda disse, vocês não devem me respeitar apenas com as aparências, vocês devem experimentar as minhas palavras como se experimenta e testa o ouro dentro do fogo. Dessa forma, quando a pessoa tem esta experiência, a sua fé e a sua confiança se tornam absolutas, e não mudam mais, não importa o que aconteça. Eu falei de dois tipos de sabedoria: a primeira aquela sabedoria do espelho, e depois a sabedoria da igualdade. A terceira sabedoria é a pessoa começar a trabalhar dentro deste mundo mundano, como uma flor de lótus que desabrocha no meio das chamas. Como pode uma flor abrir dentro das chamas? Isto pode acontecer. Moisés atravessou o Mar Vermelho. Um homem chamado Jesus Cristo, o Nazareno, mudou o mundo inteiro. Através do treinamento, o que nós procuramos não são forças sobrenaturais, nós damos muita importância é à nossa consciência. Através da meditação nós não vamos voar pelo espaço, mas o nosso intelecto consegue chegar até à lua. Realmente, isto é uma coisa milagrosa. Este tipo de trabalho, quando a pessoa conhece a si mesmo, o seu eu verdadeiro, ela começa a mudar todos os pontos de vista, cento e oitenta graus. Este mundo tem muitas compreensões erradas. Pensamos que existe um eu, mas um eu não existe, apenas os materiais e elementos estão se unindo provisoriamente, formando este corpo. Nós temos a consciência e a inconsciência depositando todas as lembranças das vidas passadas e com isto se forma a identidade do eu, mas o eu verdadeiro não é tão pequeno. É necessário aprender aquilo que é não nascido, porque quando nasce, morre. Quando não nasce, então não morre. Quando estamos passando pela praia, nós vemos ondas chegando e desaparecendo, isto é o nascimento e a morte da vida. Quando se vê a água do mar, vê-se o aparecimento e o desaparecimento, mas a água do mar nunca vai diminuir e nunca vai aumentar; por isto, com experiência, nós mergulhamos neste samadhi de oceano. Neste caso, não há mais um nascimento e nem morte, é algo eterno, mas mesmo assim, há nascimento e há morte: isto é um pouco complicado, isto é sabedoria. Por exemplo: o meu nome é Tokuda, mas eu não sou Tokuda. Entenda isto, é muito simples. Tokuda é apenas um nome, como se fosse um rótulo. Pode colocar um outro nome para facilitar, pode chamar japonês
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careca, assim todo mundo entende. A sabedoria do Zen é esta: eu sou Tokuda mas eu não sou Tokuda. Eu sou Tokuda, mas eu não sou Tokuda, e é por isto que eu me chamo Tokuda. Parece complicado, mas é necessário dobrar duas ou três vezes as idéias, aí nós chegamos realmente até nossa identidade e quando nós sabemos isto, nós vivemos a vida absolutamente. Nesse caso, nossa presença é a manifestação de todas as nossas vidas passadas. A pessoa inteligente ou ignorante tem todas as razões para ser ignorante ou inteligente, ou bonita, ou feia, mas isto não quer dizer que ela seja melhor ou superior e que o outro seja inferior. Cada um de nós está vivendo totalmente dentro do mundo de Buda. Quando se entender isto, vem o quarto tipo de sabedoria, que é a pessoa não viver mais neste mundo de uma forma atrapalhada, porque nós mesmos somos dignos de respeito, temos que respeitar a nós próprios, não podemos mais viver fazendo tanta confusão.. Mas pensando bem, dentro de mim mesmo, será que eu mereço este respeito? Nós temos muitas e muitas sujeiras realmente, mas quando estamos sentados em meditação de pernas cruzadas, mãos cruzadas e com a boca fechada, nós somos Buda. Por que? Porque com esta posição não se pode fazer atos maus, com as pernas cruzadas, com aquela postura e com aquela respiração correta não se pode mais falar mal dos outros. Com isto, naturalmente vêm os pensamentos chamados corretos, então você mesmo é Buda. É difícil aceitar isto, mas quando você senta, que seja somente vinte minutos, trinta minutos, você é vinte minutos, trinta minutos de Buda. Este é o ensinamento de Buda. Reconhecer a si mesmo como Buda é difícil, mas isto não tem muita importância. Vamos supor que eu queira ver o meu rosto dormindo, o olho em frente ao espelho. Quando abro o olho, já não estou mais dormindo. O treinamento para se chegar até o estado de Buda é muito difícil, mas a primeira coisa que a pessoa tem que fazer é começar a imitar. Se você começa a imitar um ladrão, então você é um ladrão. O ladrão é aquele que rouba. Então você imita o ladrão, rouba e é preso pelo guarda, não senhor guarda, estou apenas imitando um ladrão, ele vai te colocar na cadeia assim mesmo. Nós temos a idéia de ego, mas é bom imitar, fazer coisas boas, seguir o exemplo da prática dos sábios. Diz a Bíblia que a mão esquerda não pode saber o que a mão direita fez. Realmente esta idéia de ego é muito forte, mas a única maneira através da qual nós podemos avançar é imitando as coisas boas, que são melhores do que as coisas ruins. Quando se faz coisas boas, recebe-se os efeitos bons, pela lei de causas e efeitos. Estas experiências estão sendo registradas de momento a momento, dentro de nosso inconsciente, é como uma semente que está se depositando e quando encontra as condições favoráveis brota, aí a gente começa a ver este mundo de uma forma totalmente diferente. Existem muitas pessoas que pensam que nós nascemos neste mundo, mas não é isto. Nós nascemos no nosso próprio mundo e estamos vendo a nossa própria consciência. Por isto quando conseguimos a limpeza total dentro da nossa inconsciência, começamos a ver então um mundo maravilhoso. A pessoa está vivendo neste mundo como se fosse uma guerra, como um inferno, porque isto é um estado de consciência. Um samurai (samurai é um antigo guerreiro japonês) chegou a um mestre e perguntou: mestre, é verdade que realmente existe um inferno e também um paraíso neste mundo? O mestre disse: idiota, você não sabe destas coisas até hoje? E ainda tem a audácia de vir aqui me perguntar? Antigamente, os guerreiros samurais tinham aquele orgulho muito forte. Nem meu próprio pai me chama de idiota. Mesmo o senhor, mestre, caso não se retratar do que disse, não poderei deixar o senhor viver, e vou te matar com minha espada, disse o samurai. O mestre disse: muito interessante, você quer tirar a espada da
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bainha? Aí está o inferno. O samurai compreendeu as palavras do mestre e começou a abrir um grande sorriso. Ah, muito bem disse o mestre, agora seu sorriso é o paraíso. Dessa forma, estamos vivendo cada momento no estado de inferno, apegados como se fôssemos demônios famintos, temos aquela falta de inteligência como se fôssemos um animal, e fazemos complicações como se fôssemos Asuras. Para nós seres humanos, a água é água, claro. Mas para os peixes, a água não é água. Água para os peixes é casa, ou é um palácio. Para os seres divinos a água é como se fosse um espelho, ou uma jóia. Para os demônios e para os espíritos famintos, água não é mais água, mas sim fezes, pus e sangue. Assim, a forma como se vive neste mundo depende do estado de consciência de cada um e por isto o treinamento de Zen é transformar este corpo físico de carne e osso no corpo de Buda. Este corpo quer dizer inclusive a nossa consciência. Quando o mundo interno se transforma, então o mundo externo também começa a se transformar. Da maneira que eu mudo o presente, começo a mudar o futuro e posso até mudar o passado. Há mais ou menos vinte anos atrás eu estava treinando no mosteiro no Japão, e lá eu apanhava muito, este é um método de Zen, mas hoje em dia eu agradeço aquele tipo de treinamento que passei. Naquela época eu sofria e pensava porque estou aqui? Tudo isto que estou fazendo é bobagem. Pensava desta maneira, mas hoje sou agradecido realmente, foi tudo muito bom para mim. Eu perdi o meu pai com a última guerra, a segunda guerra mundial. Meu pai dizia para nós, que somos três irmãos, que um talvez fosse médico, um monge e o outro músico. Ele era marinheiro e foi à segunda guerra mundial, sabia que iria morrer e realmente morreu, mas estava tranqüilo e hoje em dia eu agradeço o fato dele ter morrido com a guerra, porque com isto recebi esta mensagem, e pude realizar pelo menos um de seus desejos. O médico, o monge, o músico, então pelo menos uma destas coisas eu cumpri. Com a morte dele, estou aqui e estou muito contente com aquilo que estou fazendo. Eu sempre quis este tipo de trabalho no Brasil e agora também na Argentina. Eu me encontro comigo mesmo, estando aqui. O treinamento Zen sempre coloca viver o aqui e o agora. Se a pessoa consegue viver aqui e agora fazendo bons trabalhos, não é futuramente que as coisas vão ficar boas. É neste momento mesmo, imediatamente, que o mundo inteiro fica bom. 2. DEMONSTRAÇÃO DA POSTURA DE ZAZEN A prática do zazen requer detida atenção para a postura, pois no zen, a forma é o vazio e o vazio é a forma. Logo, não negligenciar a forma é vital. Esta postura tem como base tres pontos tocando no chão, os dois joelhos e a base da coluna, numa pequena almofada, chamada zafu. A coluna deve estar perfeitamente reta. Queixo puxado para dentro, força no ponto de acupuntura kikai, VC6, a 3 dedos abaixo do umbigo, que é o ponto de concentração do zazen. A mente deve ser despertada sem se fixar em lugar algum. Como fazer isto? A parte física da postura não deve ser negligenciada, pois quando estamos felizes a postura está naturalmente ajustada, e ajustando a postura, ficamos naturalmente felizes. 1. Mostra a postura do lótus completo , com a perna direita na coxa esquerda, e a esquerda na coxa direita. É a melhor postura, mas a meio lótus também é aceitável. 2. Mostra o meio lótus , com a perna direita em baixo e a esquerda por cima. 3. Mostra como deve ficar a coluna , forte e vital, e não curva como estátua do “pensador” de Rodin.
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