Arteterapia Com Adolescentes

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VALLADARES, A. C. A.; OLIVEIRA, C. A.; MUNARI, D. B.; CARVALHO, A. M. P. Arteterapia com adolescentes, Rev. Departamento de Arte terapia do Instituto Sedes Sapientiae, São Paulo, v.5, n.5, p.19-25, 2002. ISSN: 1414-6223.

ARTETERAPIA COM ADOLESCENTES1 2

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Ana Cláudia Afonso Valladares ; Cristina Alves Oliveira ; Denize Bouttelet 4 5 Munari ; Ana Maria Pimenta Carvalho RESUMO: O presente trabalho tem o intuito de analisar os efeitos da utilização da pintura arteterapêutica com adolescentes, sabendo-se que a pintura facilita o processo expressivo, de modo que promove a expansão e a liberação da psique do indivíduo. Norteia-se o estudo para a possibilidade da pintura desencadear o processo criativo, por meio de estímulo do imaginário, facilitando a expressão simbólica e a ordenação de experiências internas desses pacientes. Foi desenvolvido em um Colégio Estadual de Goiânia-GO, com dois adolescentes, sendo constituída de estudos de casos de cunho qualitativo. Verificou-se, através da produção simbólica da pintura, que foi facilitada a expressão da subjetividade do adolescente. Houve deveras benefício para o equilíbrio emocional dos participantes, auxiliando-os a superar bloqueios, medos, inseguranças e, ao mesmo tempo, a reconhecer seu potencial criador, dotando-os de uma auto-estima fortalecida, o que acarreta uma relação mais saudável consigo mesmo e com os outros. Unitermos: adolescente, arteterapia, pintura, saúde mental.

ABSTRACT: This work aimed at analyzing the effects of using art therapeutic painting with adolescents, once it is known that painting facilitates the process of expression by promoting the expansion and liberation of the individual’s psyche. The study was based on the possibility of painting’s triggering the creative process through stimuli from the imaginary, thus facilitating symbolic expression and the organization of these patients’ inner experiences. It was conducted at a public school in the city of Goiânia-GO, Brazil with two adolescents and consisted of case studies with a qualitative approach. Through the symbolic production of paintings, the expression of the adolescent’s subjectivity was facilitated. Therefore, painting rather benefited this person’s mental balance and helped him to overcome obstacles, fear, insecurity and, at the same time, to recognize his Pesquisa financiada pelo CNPQ/vinculada ao Núcleo de Estudos e Pesquisa em Saúde Integral/FEN/UFG 2 Professora do Curso de Especialização em Arteterapia da Universidade Federal de Goiás (UFG), Enfermeira Pediátrica, Artista Plástica e Arteterapeuta, Presidente da Associação Brasil Central de Arteterapia. E-mail: [email protected] 3 Arteterapeuta e Psicóloga 4 Professora Doutora da Faculdade de Enfermagem da UFG, Coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Saúde Mental (NEPS/FEN/UFG) 5 Professora Doutora do Departamento de Enfermagem Psiquiátrica e Ciências Humanas da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto – USP, Psicóloga

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creative potential, thus strengthening his self-esteem and enabling healthier relationships with oneself and others. Key words: adolescent, art therapy, painting, mental health.

INTRODUÇÃO A arteterapia utiliza-se de técnicas e materiais artísticos diversos na busca de resultados terapêuticos, na expressão e na elaboração de conteúdos internos do indivíduo. A pintura foi escolhida, dentre várias técnicas, como cerne deste estudo, devido às valiosas qualidades da pintura arteterapêutica, enquanto facilitadora do processo expressivo e promotor da expansão e liberação da psique humana. A pintura constitui, desde a pré-história, uma prática constante do ser humano, que serve de comunicação de sentimentos, de idéias e de emoções. Alguns movimentos artísticos se prenderam mais à estética ou às regras, na linha mais racional; entretanto, a maioria desses movimentos reconhece o valor terapêutico da pintura e utiliza tal conhecimento para suprir a necessidade do homem de se expressar criativamente. As motivações que levaram à realização deste estudo se deram pelo fato de existirem poucas investigações sistematizadas na área da arteterapia, especialmente da pintura arteterapêutica, além de ser uma prática recente no Brasil. Para tanto, com o auxílio das áreas de saúde mental e arteterapia poderse-ia mais facilmente ampliar esta pesquisa e valorizar a pintura terapêutica dentro das áreas de promoção da saúde mental e prevenção de danos mentais destinadas aos adolescentes na rede regular de ensino. A fase da adolescência, marcada por intensas transformações bio-psicosociais na nossa sociedade, muitas vezes leva ao agravamento de várias doenças mentais, quando não for bem conduzida. O adolescente permite expressar mais seus conflitos através da conduta, em detrimento da comunicação verbal. Necessita assim, de um espaço para liberar seus conflitos internos. Pergunta-se, então, quais as técnicas da arteterapia mais produtivas para essa clientela, por serem essencialmente não-verbais? A pintura por ser

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uma técnica que trabalha a fluidez e a expansão de conteúdos internos ajudará os adolescentes a enfrentar esse período? Para tanto, esta pesquisa foi elaborada com o objetivo principal de analisar efeitos da utilização da pintura arteterapêutica com adolescentes. Este trabalho é parte do projeto de pesquisa: “Pesquisando caminhos para a Prevenção da Saúde Mental na Assistência em Saúde e na Formação de Recursos Humanos”, objetiva uma assistência humanizada ao indivíduo a ser atendido, tem a percepção do mesmo como um ser holístico, da mesma maneira que enfatiza a importância de preservar a sua própria integridade mental. REVISÃO DA LITERATURA * Conceituação, materiais e técnicas A pintura, segundo FERREIRA (1986, p.1333), é "a arte e a técnica de aplicar tinta sobre uma superfície plana a fim de representar figuras, formas abstratas etc, em quadros, painéis ou outras composições, tendo a cor como elemento básico". A técnica da pintura é freqüentemente confundida com a técnica do desenho. De conformidade, bem distingue PILLAR (1990, p.38) assinalando que: "o que difere a pintura do desenho é que, na pintura, a cor se torna

elemento fundamental de construção do espaço _ de construção analítica de um espaço que é essencialmente cor _ não se limitando aos objetos e invadindo os espaços entre eles. A cor é meio de conhecimento, transforma o real expressando uma visão particular do mundo."

Assim, a pintura apresenta um valor terapêutico distinto das demais técnicas, pois facilita a expressão das emoções através da fluidez da tinta e induz movimentos de expansão da psique do indivíduo. A pintura, também, é uma das técnicas de artes plásticas que trabalha com representações bidimensionais, com a coordenação motora fina e viso-motora e

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a discriminação visual, ajudando as pessoas a se estruturarem e se equilibrarem com esses elementos. Acrescentam PAIN & JARREAU (2001) que essa técnica possui, no mínimo, três grandes obstáculos: o limite da superfície trabalhada, as variações de tonalidades e as cores. Ao passo que a tinta oferece pastosidade, facilidade na mistura das cores, marcas de pinceladas, manchas, cobertura de planos e a integração de erros com a sobreposição de outras cores. Os materiais que podem ser utilizados são: a têmpera, a tinta guache, o nanquim, a tinta acrílica e a tinta óleo, a tinta aquarela, a cola colorida, o PVA, os corantes xadrezes entre outras. Como superfícies e suportes pode-se contar com pincéis variados, espátulas, rolos de pintura, cavaletes e paletas. Como materiais para superfícies e suportes têm-se: a tela, a madeira, o metal, os papéis brancos e coloridos, o gesso, o couro, a cerâmica etc. Os materiais de limpeza devem ser utilizados como suporte da pintura e incluem diluentes das tintas, trapos e copos com água. * Características e aspectos simbólicos da pintura arteterapêutica Na pintura arteterapêutica, não há a preocupação em reproduzir as formas da

realidade

captadas

pelo

sensorial.

As

imagens

devem

surgir

espontaneamente do criador, expressando os símbolos com a suspensão da sua mente racional. A habilidade de se comunicar por imagens é inerente ao homem. Sendo que a capacidade de criar imagens antecede a linguagem falada e não precisa ser ensinada ou de estímulos externos para se desenvolver. “O momento do fazer artístico, como um estado alterado de consciência, nos facilita focar no nosso universo interno, funciona como um ligar de um canal mais intuitivo, mágico, onde nos surpreendemos com nosso próprio fazer e o sentido que nele encontramos.” (CIORNAI, 1995, p.62)

Ao pintar espontaneamente, ou seja, sem a preocupação do que surgirá e sem julgamentos da mente racional, o sujeito simplesmente deixa-se levar pelo

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ato, deliciando-se na manipulação do material plástico. É como se envolver num processo de sedução, em que a pessoa direciona sua atenção num único objetivo (no caso, o pintar). Esquece tudo, até de si mesmo, movendo-se motivado pelo alvo de interesse e por sentimentos e emoções internas. O envolvimento é tão grande que se perdem a noção de tempo e o contato com a realidade externa mesmo que parcialmente. Assim, as defesas emocionais deixam de funcionar, ocorrendo a criação sem imposições da mente racional. A pessoa fica absorvida num outro estado de consciência não racional em que vai havendo uma diminuição dos pensamentos e a entrega a um estado total de abandono e confiança. Não há um planejamento prévio do que se irá pintar, as imagens carregadas de emoções vão surgindo do interior do indivíduo como manifestações do self (o Eu), expressando informações até então desconhecidas da consciência. “As pessoas podem expressar-se pintando estados de consciência

que ainda não estão emocionalmente amadurecidos e assumidos no mundo. Primeiro elas darão forma e expressarão simbolicamente seus desejos inconscientes e impulsos proibidos através da pintura espontânea. Através de uma pintura, vemos uma parte da psique necessitando expressar aquilo que não é ainda capaz de integrar dentro da estrutura do ego existente.” (BELLO, 1996, p.93)

Ainda, segundo BELLO (1996), nos símbolos que aparecem no pintar estão contidos conteúdos reprimidos de nível pré-verbal, da memória de longa duração, o que parece acelerar o processo terapêutico em comparação com outras abordagens, nas quais o verbal é o único meio de expressão. A expressão criativa advinda da pintura é menos suscetível às influências da mente racional que o verbal, agilizando o ressurgimento de símbolos até então inconscientes guardados bem longe do alcance da consciência. Por esses conteúdos serem muitas vezes carregados de emoções dolorosas são inconscientemente evitados. Ao pintar, tais conteúdos vem à tona, suave e discretamente, sem mesmo serem percebidos de imediato pelo criador. É como se saíssem de um lugar desconhecido e se concretizassem em símbolos que precisam ser desvendados

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para que possam ser reconhecidos, de acordo com as possibilidades e a realidade do autor da produção. Inicialmente, nem mesmo o autor conhece o significado de sua obra (pintura simbólica), pois são expressões de conteúdos inconscientes, ou seja, ainda não percebidos pela mente consciente. BELLO (1996) afirma que, trazendo o inconsciente para o consciente, integra-se o processo mental, criando uma terceira via de conhecimento. JUNG (s.d.) assevera que o inconsciente reflete as potencialidades e o propósito de vida do homem. Dessa maneira, a pintura arteterapêutica contribui para a evolução da consciência, reorganizando a personalidade em altos níveis de autoconhecimento e de realização. O pintor se deixa guiar pelos símbolos carregados de emoções do inconsciente como expressão do mundo interior. No pintar arteterapêutico, todas as emoções são aceitas e incentivadas, pois se acredita que a expressão criativa tem uma forte ligação com a saúde mental. Emoções que não podiam ser socialmente expostas (por não serem aceitas) encontrarão agora um meio aceitável de expressão. Com isso, tem-se a oportunidade de ser espontâneo e de resgatar-se como um ser criativo de possibilidades, interrompendo suas condições limitadoras e desmascarando seu falso self num autoconhecimento verdadeiro. JUNG

(s.d.)

testemunhou

várias

despotencializações

de

imagens

aterrorizantes por meio da pintura. Ao se configurar a imagem interna assustadora para o indivíduo pela pintura, toma uma forma concreta, tornandose mais familiar e inofensiva. Tais idéias são confirmadas por SILVEIRA (1992, p.22) em sua afirmação a seguir: “(...) a pintura e a modelagem tinham, em si mesmas, qualidades terapêuticas, pois davam forma a emoções tumultuosas, despotencializando-as e objetivam forças autocurativas que se moviam em direção à consciência, isto é, à realidade.”

Na pintura arteterapêutica, dá-se forma às experiências internas, sentimentos e maneira de ver o mundo, encontrando alívio para angústias e despotencializando figuras ameaçadoras, o que viabiliza a saúde mental do

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indivíduo. Muitas vezes, tais experiências internas não conseguem ser traduzidas em palavras, mas facilmente em imagens. De acordo com CIORNAI (1995) por ser uma linguagem pré-verbal e regressiva a arteterapia facilita o contato com conteúdos mais profundos e antigos e é uma linguagem individual, em que representações e símbolos são escolhidos ou criados pelo indivíduo. O símbolo é uma energia que vem das profundidades da mente e quanto mais energia psíquica contém, mais efeito exercerá na consciência que poderá persistir por muito tempo. “(...) o artista não é como parece, tão livre na sua criação quanto acredita ser. Se sua obra for realizada de maneira mais ou menos inconsciente, ela será controlada por leis da natureza que no plano mais profundo, correspondem às leis da psique, e vice-versa.” (JUNG, 1997, p.265)

O símbolo pode dizer a respeito de conteúdos do inconsciente coletivo ou individual, pode falar sobre passado, presente e futuro. Assim, a pintura vem antes do cognitivo, podendo expressar condições da psique que influenciarão futuros comportamentos. A energia dos símbolos pode revelar a essência do indivíduo e inclusive exercer efeitos curativos sobre o mesmo, desde que se entregue a tal energia para se expressar verdadeiramente e ser transformado. Os símbolos contêm significados subjetivos, relativos à realidade daquele que se expressou por meio deles. A mesma imagem poderá ter mais de um significado, pois os símbolos podem representar diversas realidades que não são exatas ou certas. É preciso tempo para que o significado de um símbolo seja reconhecido, para que esta imagem trazida faça uma conexão com a realidade emocional do indivíduo. Esclarece BELLO (1996) que o símbolo tem seu tempo próprio para se revelar e processar informações. Ele é formado por camadas de significados que vão sendo revelados aos poucos, algumas mais rapidamente que outras. Através dos símbolos, tem-se acesso a informações do inconsciente que comumente são reprimidas, evitadas, para que não cheguem à consciência, posto que contêm emoções positivas e negativas que não se adaptam à

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estrutura egóica. O ego pode não estar preparado para reconhecer o que está sendo informado pelas das imagens simbólicas. METODOLOGIA Sujeitos: a clientela-alvo foi composta por dois adolescentes saudáveis de ambos os sexos, com idades entre catorze e dezesseis anos. Foram feitas escolhas casuais simples entre os que estavam aquiescentes à pesquisa e eram alunos do colégio específico. Eles concordaram em participar do estudo assinando o termo de consentimento livre e esclarecido. Em relação à escolaridade, ambos cursavam o ensino médio, com pouca oscilação quanto ao nível socioeconômico, no caso baixo. Local: realizou-se em um Colégio Público de Goiânia - GO. Materiais e técnicas utilizadas: trata-se de um estudo realizado na abordagem metodológica do estudo de caso. Os recursos expressivos utilizados nas sessões foram conduzidos de forma livre e dirigidos aos pacientes. Foram utilizadas, além da técnica de pintura, outras atividades complementares, como: o relaxamento, a expressão corporal, a colagem, a fantasia criativa, o desenho e a escrita criativa. A partir do início do processo terapêutico, propôs-se aos clientes utilizarem a pintura como forma de expressão diante de sua problemática. Essa proposta era realizada de maneira simples e livre. Todos os comportamentos dos participantes, durante as sessões, eram observados e transcritos através de relatório. Com isso, os dados compreendem as etapas de início e fim das sessões com as devidas expressões artísticas e verbais formadoras do produto final da pintura. Os objetivos gerais das sessões de arteterapia com enfoque na pintura terapêutica tentaram abarcar os seguintes objetivos: a) estimular o autoconhecimento e a auto-estima; b) proporcionar

conhecimento,

manipulação,

exploração

experimentação pela pintura arteterapêutica; c) resgatar potenciais desconhecidos ou inativados na arte;

e

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d) oferecer meios para que os conteúdos internos pudessem ser emergidos, por meio do restabelecimento do potencial criativo do indivíduo, possibilitando assim a sua elaboração; e) proporcionar uma melhor organização e equilíbrio interno através do processo criativo; f) trabalhar a inter-relação e a socialização do indivíduo no grupo. Coleta de dados: ocorrida durante os meses de setembro a novembro de 1999, em seis sessões, uma vez por semana. As sessões foram realizadas em salas de aula da instituição, com o total de doze horas, sendo duas horas para cada sessão. Houve um acompanhamento coletivo com dez adolescentes, nessas sessões, coordenados por duas arteterapeutas. Serão apresentados, neste trabalho, dois casos ilustrativos do processo. Os instrumentos utilizados para a coleta de dados foram: a) roteiro para observação sistematizada direta e participante das sessões; b) registro das imagens produzidas, na tentativa de ser o mais fiel possível ao conteúdo manifestado; c) cadastro de identificação dos casos em estudo. O Comitê de Ética em Pesquisa Médica e Humana e Animal do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás analisou e aprovou o protocolo de Pesquisa, bem como o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. E eles foram considerados em acordo com os princípios éticos vigentes, tendo sido, portanto aprovados para sua realização. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS A

análise

dos

dados

ocorreu

com

base

nas

descrições

dos

comportamentos (intra e interpessoal) dos adolescentes no decorrer do processo, bem como nas descrições de suas relações com as atividades oferecidas e nas produções (pintura). Uma síntese dos dados de cada participante é apresentada a seguir. * Dados de anamnese:

10 6

1) Pedro Sexo: M Idade: 16 anos Mora com os pais, avós, tio e primo. É o primogênito de uma prole de três. Diz ter bom relacionamento com a família, exceto com os irmãos e ter relacionamento satisfatório com os amigos e colegas. Foi encaminhado para as sessões de arteterapia por causa do relacionamento não satisfatório com os professores e a direção do colégio. Seu objetivo inicial, nas sessões de arteterapia, era de “tentar melhorar nas aulas, pois meus amigos já participaram e eu ainda não, e os vi muito melhores.” 7

2) Rita Sexo: F Idade: 14 anos Mora com os pais e um irmão mais velho. Refere que seu relacionamento não é muito satisfatório em casa e com os professores. Conversa pouco com os familiares e se relaciona bem, mas se considera um pouco distante dos amigos. Foi encaminhada às sessões de arteterapia pelos mesmos motivos expostos do caso A. Seu objetivo inicial em arteterapia foi “em primeiro lugar porque foi convocada e em segundo porque queria se conhecer melhor e também os seus colegas.” 1ª Sessão

_

Data: 30/09/99

Estratégia: fantasia dirigida e pintura arteterapêutica. Recursos: tinta guache colorida, pincéis, papéis brancos A3 e materiais de limpeza (copos com água, trapos etc). Presença de Pedro e Rita e mais outros oito adolescentes. Foi feito um aquecimento coletivo através da fantasia dirigida: “Loja abandonada e da loja de troca” (STEVENS, 1988, p.150). Depois se comentou sobre as experiências pessoais de cada um. Na atividade plástica específica utilizou-se a técnica da pintura de forma livre. Pedro optou por representar uma cidade imaginada durante a fantasia dirigida, com cores diversas, inclusive com sobreposição de cores escuras (marrom e preto) sobre as demais cores, posteriormente. Houve predomínio 6

Nome fictício

7

Nome fictício

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intenso de linhas fortes e retas sobre o papel e representou, também, um estádio de futebol todo em preto. Rita configurou imagens não específicas de tamanho pequeno e na cor preta. No fechamento da sessão, fez-se uma avaliação individual e coletiva dos trabalhos, com discussão dos sentimentos surgidos e da estética das imagens entre outros. 2ª Sessão

_

Data: 14/10/99

Estratégia: desenho do gráfico da vida representado por pintura. Recursos: giz de cera, pastel a óleo, tinta guache colorida, pincéis, papéis branco A3 e materiais de limpeza (copos com água, trapos etc). Presença de Pedro e Rita e mais outros oito adolescentes. O aquecimento inicial compôs-se de movimentos corporais livres e dirigidos. Fizeram, a seguir, uma atividade de desenho representando um gráfico com os altos e baixos de momentos diversos (agradáveis, desagradáveis, fáceis, difíceis entre outros) da vida, desde a infância até os dias atuais. Após a confecção do gráfico, foi proposto fazer uma pintura em outro papel que incorporasse o trabalho anterior através de imagens, formas e cores. Pedro representou uma cabeça humana com cores fortes e pesadas (preto) e forma assimétrica, dividindo-a ao meio, sendo que o lado direito representava uma pessoa comum e o esquerdo a figura de uma pessoa em forma diabólica segurando na mão uma goiva. Rita expandiu muito, ao transpor seu pequeno gráfico para uma intensa pintura. Confeccionou uma mandala colorida grande no centro do mesmo e um fundo com predominância do preto. Fez um outro trabalho com fundo todo em preto, um coração branco e rosa e um sol amarelo de tamanhos médios no centro da folha. No fechamento da sessão, foram discutidas questões como a confiança do grupo e a falta de envolvimento pessoal de alguns membros nas atividades. Sugeriu-se que fosse pensado sobre “o que cada um poderia estar trazendo de pessoal para o grupo a fim de que ele se configurasse como tal.”

12

3ª Sessão

_

Data: 28/10/99

Estratégia: confecção dos envelopes para guardar os trabalhos realizados com técnicas livres de desenho, pintura e colagem. Recursos: giz de cera, pastel a óleo, tinta guache colorida, pincéis, cartolina, papel pardo, materiais de limpeza (copos com água, trapos etc), revistas, tesoura, cola, fita crepe. Presença de Rita e outros sete adolescentes. Pedro estava ausente. O aquecimento foi realizado com o espalhar dos trabalhos feitos em sessões anteriores, no chão, de forma seqüenciada pela data e a observação do processo criativo individual. Foram confeccionados envelopes para guardar todos os trabalhos individuais das sessões de arteterapia, além de um trabalho plástico para ser colocado na frente do envelope, diferenciador dos demais colegas. Eles deveriam escolher a técnica e eram livres para melhor expressar o seu processo individual. Rita escolheu trabalhar com a técnica da pintura. 4ª Sessão

_

Data: 04/11/99.

Estratégia: pintura dirigida. Recursos: tinta PVA, pigmentos coloridos, rolinhos de parede, fita crepe, jornal, bandejas de isopor, pincéis, papel tamanho A1, materiais de limpeza (copos com água, trapos etc). Presença de Pedro e Rita e outros oito adolescentes. No aquecimento, foi sugerido que fechassem os olhos e percebessem seus sentimentos naquele exato momento (emoções, sensações etc). Pediu-se, em seguida, que representassem esses sentimentos nos papéis que estavam pregados nas paredes. Pedro fez um trabalho único, colocando de forma abstrata várias cores. Posteriormente, jogou a cor preta e vermelha intensivamente sobre o desenho, sobrepondo dessa maneira sobre todo o colorido do mesmo. Sobre sua figura, o mesmo escreveu: “Eu tentei expressar um sentimento de culpa. Eu estou com

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medo de algumas pessoas que vão me matar, eu fiz uma paisagem e por cima da paisagem uma mistura de vermelho, significando amor, e de preto o medo de viver.” Rita fez três trabalhos: um todo em preto com um coração grande branco no centro superior e com centro preto; um arco-íris iniciando com a cor preta e que intermediava as outras cores; outro trabalho todo em preto com um quadrado azul de tamanho médio no centro. Escreveu sobre eles: “No papel, eu expressei que dentro de mim é muito escuro e o coração branco está 50% preenchido por Jesus em minha vida. Em meus trabalhos eu ponho muita cor preta porque me sinto meio excluída lá em casa. Isso não quer dizer que minha mãe não me ama, aliás sei lá. Expressei então um sentimento de solidão frente a tudo isto!” 5ª Sessão

_

Data: 11/11/99

Estratégia: questionário sobre dados pessoais e pintura dirigida. Recursos: tinta guache colorida, pincéis, papel tamanhos A3 e A4, materiais de limpeza (copos com água, trapos etc), potes de plástico para tinta e canetas . Presença de Pedro e Rita e mais oito adolescentes. Eles iniciaram a sessão respondendo a um questionário aberto, contendo questões de ordem pessoal. O aquecimento se deu através de dança e de músicas livres (trazidas por eles mesmos). O clima foi de descontração e harmonia entre o grupo. Em seguida, de olhos cerrados, pediu-se que eles pudessem perceber suas conquistas e dificuldades pessoais e coletivas do processo arteterapêutico como um todo. Depois requereu-se ao grupo que representasse os sentimentos e as sensações através da pintura com guache e, depois de pronto (o trabalho), que fizesse a escrita criativa. Pedro representou plasticamente figuras grandes de armas (revólver, facas), o símbolo do Nazismo e quatro digitais de mãos, todos em preto com fundo branco e escreveu: “Eu quis expressar a paz, mas foram saindo naturalmente formas de guerra, bombas, armas, mas eu consegui expressar

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meus verdadeiros sentimentos, como das outras vezes.” Rita representou duas imagens distintas. Do lado esquerdo fez três pessoas sobre um plano, com um sol, duas nuvens e chuva, todos em preto sobre fundo branco. Do lado direito, pintou tudo em preto com pingos amarelos, com exceção de dois quadrados brancos nos cantos direitos, onde colocou uma figura humana pequena em preto e em cima um sol amarelo. Escreveu: “Eu expressei de um lado a minha família, contente com o sol preto, representando a tristeza e a falta de atenção comigo. E do outro lado está eu bem pequena e triste, mas com um sol bem vivo, representando minha vitória de não suicidar, junto com os pingos amarelos representando o fim da tristeza.” Foi feito um fechamento coletivo da sessão através da verbalização dos sentimentos. 6ª Sessão

_

Data: 18/11/99.

Estratégia: movimentos corporais e pintura coletiva. Recursos: tinta guache colorida, pincéis, papel branco comprido e materiais de limpeza (copos com água, trapos etc). Presença de Pedro e Rita e outros sete adolescentes. Iniciou-se a sessão com atividades corporais livres, dirigidas, individuais e coletivas. Sobre um papel comprido cada um escolheu uma parte para ser trabalhada individualmente, para mais tarde proceder-se à interferência no trabalho dos outros. Pedro interferiu bastante passando tinta preta em cima dos trabalhos dos colegas. Já Rita apenas fez algumas interferências nos trabalhos alheios. No

fechamento

final

da

sessão

e

do

atendimento,

houve

o

compartilhamento da experiência realizada anteriormente e durante o processo como um todo e, também, uma dança coletiva. * Avaliação do trabalho

15

Consideramos que os pacientes descritos obtiveram progresso através da pintura arteterapêutica, uma vez que no início demonstraram ansiedade e insegurança ao expressar suas linguagens simbólicas, mas, ao final do processo, houve um maior envolvimento e liberdade de expressão, deixando de lado imagens mais genéricas e superficiais. Pedro Em relação com a pintura: de imagens mais genéricas e superficiais (como um estádio de futebol), passou a pintar imagens que puderam externar conteúdos internos, medos, angústias, até conseguir verbaliza-los, o que promoveu um maior contato com os mesmos. Os trabalhos não tiveram alterações significativas de cor (monocromáticos), a cor predominante foi a preta; entretanto, o tom se intensificou no decorrer do processo e as imagens permaneceram bem configuradas, retratando, algo mais pessoal e espontâneo. Em relação intrapessoal: no final do processo, foram demonstrados mais envolvimento, interesse, concentração e independência. Houve uma variedade na produção expressiva e uma boa observação ao longo do processo arteterapêutico. Em relação interpessoal: verificou-se disponibilidade. Ademais, foi sempre participativo nas sessões, teve autonomia para desenvolver idéias, sendo ativo no processo e cooperativo. Em relação às dinâmicas oferecidas: verbalizou satisfação e interesse em estar pintando e manteve-se concentrado nas atividades propostas. Rita Em relação com a pintura: suas imagens eram grandes e bem configuradas. No início, suas pinturas eram predominantemente de fundo todo preto, mas se tornaram mais coloridas e soltas no decorrer das sessões. Em

relação

intrapessoal:

apresentou-se

progressivamente

mais

envolvida, interessada, concentrada, independente e ativa. Houve uma variedade na produção expressiva, era bem observadora e manteve-se calma durante o processo.

16

Em relação interpessoal: anteriormente, era mais afastada do grupo e se tornou mais integrada no decorrer do processo. Tinha autonomia para desenvolver idéias e se tornou mais cooperativa com os colegas. Em relação às dinâmicas oferecidas: mostrou interesse e concentração contínuos nas atividades propostas. CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir da análise dos comportamentos e das produções dos participantes, pode-se considerar que a pintura arteterapêutica facilita a expressão da subjetividade dos adolescentes. Ela auxilia sobremaneira tanto na autoexpressão, como na elaboração de conteúdos internos (sentimentos, emoções, lembranças etc) e alívio de tensões. A tinta é um material agradável de ser manipulado, além de facilitar a expressão da criatividade do self em sua essência. Permite que o criador possa expressar seus sentimentos, adquirir consciência dos mesmos e, em seguida, melhorar a ativação e a estruturação do processo do desenvolvimento interno deles. Ao valorizar a expressão em si e não a estética da produção, dá-se mais liberdade ao criador, que poderá seguir seu instinto e deixar o racional em segundo plano, o que lhe possibilita ser mais autêntico e saudável. Depois das imagens configuradas, os adolescentes podem se surpreender, às vezes, com o seu próprio feito, com a diminuição de seu autocontrole e das censuras durante o processo criativo. Os adolescentes podem partilhar desse processo, colocar de uma forma mais espontânea a partir do aprofundamento no processo, deixando de agir de acordo com as expectativas alheias, para se tornarem mais espontâneos e criativos. A pintura arteterapêutica consegue resgatar os aspectos mais saudáveis da personalidade. Os adolescentes alcançaram a percepção de que seus sentimentos e emoções podem ser compartilhados com os colegas de maneira profícua. Nessa perspectiva, a pintura arteterapêutica beneficia muito o equilíbrio emocional deles, no sentido de auxiliá-los a expressar e a superar bloqueios,

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medos, inseguranças, reconhecendo seu potencial criador e mantendo uma relação mais saudável consigo e com os outros e com a auto-estima fortalecida. Esse

processo

pode

ser

evidenciado

sobretudo

pela

mudança

de

comportamento dos mesmos, após o término do processo. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BELLO, S. Pintando sua alma. Método de desenvolvimento da personalidade criativa. Brasília: Centro de Criação, 1996. CIORNAI, S. Arte-terapia: o resgate da criatividade na vida. In: CARVALHO, M.M.M.J. et al. A arte cura? Recursos artísticos em psicoterapia. Campinas: SP, Psy II, 1995.p.59-64. FERREIRA, A.B.H. Novo dicionário da língua portuguesa. 2.ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. JUNG, C.G. Catálogo: Imagens do inconsciente. Rio de Janeiro: Block, s.d. ____________. O homem e seus símbolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997. PAIN, S.; JARREAU, G. Teoria e técnica da arte-terapia. A compreensão do sujeito. 2ª reimpressão. Porto Alegre: Artes Médicas, 2001. PILLAR, A. D. Fazendo artes na alfabetização. Artes plásticas e alfabetização. 4. ed. Porto Alegre: Kuarup, 1990. SILVEIRA, N. O mundo das imagens. São Paulo: Ática, 1992. STEVENS, J. Tornar-se presente. Experimentos do crescimento em Gestaltterapia. São Paulo: Summus, 1988.

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