Artigo: VALLADARES, A. C. A. et al. “Arteterapia: criatividade, arte e saúde mental com pacientes adictos”. In: JORNADA GOIANA DE ARTETERAPIA, 2., 2008, Goiânia. Anais... Goiânia: FEN/UFG/ABCA, 2008. p.69-85. Cap.9 (ISBN: 978-8561789-00-8).
9 – ARTETERAPIA: CRIATIVIDADE, ARTE E SAÚDE MENTAL COM PACIENTES ADICTOS1 Ana Cláudia Afonso Valladares2 Ana Paula Freitas Lima3 Cíntya Rocha de Oliveira Lima4 Bruna Priscila Brito Ribeiro dos Santos48 Isabela Barros de Carvalho48 Gabriela Camargo Tobias48
Resumo: A Arteterapia é um processo terapêutico predominantemente nãoverbal, por meio das artes plásticas, que acolhe o ser humano com toda sua diversidade, complexidade, dinamicidade e o auxilia a encontrar novos “sentidos” para sua vida do dependente químico. O trabalho objetivou descrever e analisar as sessões de Arteterapia aplicadas aos dependentes químicos jovens. Métodos: esta pesquisa é um relato de experiência de atividades de Arteterapia, realizada com um total de 98 usuários adolescentes e adultos e de ambos os sexos de um Hospital Psiquiátrico de Goiânia/GO. As análises das imagens foram baseadas no referencial teórico da Psicologia Analítica. Compuseram o estudo 32 intervenções breves de Arteterapia realizadas duas vezes por semana no período de agosto a dezembro de 2007. Resultados: as sessões de Arteterapia facilitam a expressão da subjetividade dos participantes e auxiliam, sobremaneira, tanto na auto-expressão, como na elaboração de conteúdos internos e alívio de tensões. Permitiram, ainda, que o criador pudesse expressar seus sentimentos, adquirir consciência dos mesmos e, em seguida, melhorassem a ativação e a estruturação do processo de seu desenvolvimento interno. O processo arteterapêutico, por promover o contato com o universo simbólico e a integração dos conteúdos psíquicos inconscientes, ajudou no desenvolvimento evolutivo dos dependentes químicos, o que significa dizer que possivelmente a ajudou no seu processo de individuação. Concluindo, trabalhar a Arteterapia com dependentes químicos 1
Pesquisa inserida no Grupo de Pesquisas em Paradigmas Assistenciais em Terapias Alternativas (NEPATA) da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Goiás (UFG). 2 Arteterapeuta e Enfermeira-Psiquiátrica, Profª Drª da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Goiás (FEN/UFG), Presidente da Associação Brasil Central de Arteterapia (ABCA), membro do conselho diretor da UBAAT, integrante da rede PsicoArt. Email:
[email protected] 3 Graduanda de Enfermagem da UFG e relatora do trabalho 4 Graduanda de Enfermagem da UFG
permite a troca com o outro que possui características semelhantes as suas e ainda, favorece o compartilhar de dificuldades e anseios relacionados ao próprio transtorno. Palavras-chave: Arteterapia; Saúde Mental; Teoria Junguiana; Enfermagem Psiquiátrica; Dependência Química; Juventude; Processo de Cuidar em Saúde e Enfermagem.
Fig.1 – Atendimento de Arteterapia com grupo de jovens dependentes químicos hospitalizados em fase de desintoxicação, realizado em um hospital Psiquiátrico de Goiânia/GO em 2007. Os usuários estão confeccionando máscaras de telhas.
Introdução A dependência química é um tema relevante, em especial, em nossa sociedade contemporânea e envolve aspectos complexos e abrangentes. O adolescente “busca uma identidade” que dê sentido à sua existência humana e constantemente encontra erroneamente nas “drogas de abuso” ou substâncias psicoativas e nos grupos marginais um grande aliado a esta busca (BAPTISTA, 2006).
Dentro da visão da Psicologia Analítica, e segundo Zoja (1992), os adolescentes buscam nos grupos de pares “rituais de iniciação”, almejando atingir a vida adulta e a regeneração de conteúdos psíquicos. Visto que a estreiteza do mundo contemporânea dificulta o homem de estar mais próximo do seu inconsciente, as drogas psicoativas representariam o amenizar inicial, rápido e de maneira “mágica” da inserção do adolescente no grupo. O grupo “drogadicto” por meio de rituais de iniciação cria a ilusão no adolescente da possível transformação “mágica” de sua identidade: de criança para a vida adulta (BAPTISTA, 2006; LESSA, 2004; ZOJA, 1992). A expectativa do consumo inicial, que a pessoa parece buscar uma dimensão no superior e sagrada, predomina, no plano consciente, com a simples curiosidade de usar a droga psicoativa. Entretanto quando as experiências do consume vão se repetindo e a vida de antes prossegue ou ainda acentua o seu caráter profano, o usuário é obrigado a reprimir cada vez mais profundamente a experiência arquetípica de vida – morte, que não é mais um processo de iniciação e se torna uma repetição obsessiva e destrutiva (LESSA, 2004). A Arteterapia, aplicada ao dependente químico e de acordo com os novos paradigmas de atenção em saúde mental, é um processo terapêutico predominantemente não-verbal, por meio das artes plásticas, que acolhe o ser humano com toda sua diversidade, complexidade, dinamicidade e o auxilia a encontrar novos “sentidos” para sua vida, objetivando a reinserção e inclusão social. A Arteterapia também procura respeitar os diversos aspectos dos usuários, como os afetivos, culturais, cognitivos, motores, sociais entre outros, aspectos
tão
importantes
na
saúde
mental
(VALLADARES,
2004;
VALLADARES & CARVALHO, 2005a e b). Presume-se, então, que a análise dos conteúdos das produções simbólicas: cores, profundidade, criatividade etc apresenta o registro dos momentos de suas vidas (URRUTIGARAY, 2003; 2006). Furth (2004), Leite (2002), Norgren (2004), Valladares (2004, 2005a e b) e Valladares et al. (2000, 2002, 2004) acreditam que, tanto na arte quanto na Arteterapia, os conteúdos do inconsciente são registrados pela produção simbólica (imagens), pela cor, formas, movimentos, ocupação no suporte e
padrões expressivos gerais, elementos que compõem o processo de transformação e obtêm consistência a partir da criação plástica. Assim, as imagens produzidas pelos usuários ajudam na compreensão da trajetória psíquica deles. O trabalho objetivou descrever e analisar as sessões de arteterapêutico aplicadas aos dependentes químicos jovens. As análises das imagens foram baseadas no referencial teórico da Psicologia Analítica. Metodologia Esta pesquisa é um relato de experiência de atividades de Arteterapia, realizada com um total de 98 usuários jovens de ambos os sexos de um Hospital Psiquiátrico de Goiânia/GO. Compuseram o estudo 32 intervenções breves de Arteterapia realizadas duas vezes por semana, no período matutino, em ambiente inicialmente fechado e posteriormente descontraído e junto à natureza, com participação média de 15 usuários por sessão, em sua maioria de pessoas do sexo masculino. O período total abrangeu os meses de agosto a dezembro de 2007. O grupo foi formado por pessoas aquiescentes ao processo, sendo o mesmo rotativo, pois a clientela era livre para entrar e sair do grupo e das sessões quando quisesse. Os pacientes apresentaram oscilação no diagnóstico clínico (OMS, 2003). Os transtornos mentais decorrentes do uso abusivo de Substâncias Psicoativas variaram entre as drogas: álcool, opióides, canabinóides, sedativos ou hipnóticos, cocaína, estimulantes, alucinógenos, tabaco, solventes voláteis. Os usuários se encontravam em fase de desintoxicação das substâncias psicoativas e estavam internados na Ala de Dependentes Químicos de um Hospital Psiquiátrico particular de Goiânia/GO. O tratamento preconizado nesta Instituição aos dependentes químicos era de 28 dias de internação, atendimento por uma equipe multiprofissional e atividades terapêuticas diversas, além do acompanhamento familiar. Os objetivos das intervenções de Arteterapia foram facilitar a expressão da subjetividade dos participantes e auxiliar, tanto na auto-expressão, quanto na elaboração de conteúdos internos, alívio de tensões, angústias, medos, expectativas e ansiedades, bem como favorecer a integração do grupo.
Permitir, ainda, que o criador pudesse expressar seus sentimentos, adquirir consciência dos mesmos e, em seguida, melhorar a ativação e a estruturação do processo de seu desenvolvimento interno. Resultados e Discussão Descrição dos temas trabalhados (séries) nas sessões de Arteterapia: A) Série Mandalas Objetivos: A mandala tem uma dupla finalidade, o de conservar a ordem psíquica, se ela já existe; ou de restabelecê-la, se desapareceu. Nesse último caso, incentiva a criação do ser humano (JUNG, 2005). Atividades desenvolvidas: Tipologia de Jung: quatro funções – quatro elementos da Arteterapia (terra, fogo, ar e água). Utilizou-se dos seguintes materiais: terra - colagem com areia e pedras coloridas sobre mandala de papel. Fogo - velas e giz de cera derretidos sobre mandala de papel. Ar – materiais gráficos coloridos (desenho) sobre modelos diversos de mandala já pré-riscadas sobre papel. Água - pintura sobre CD. Desenvolvimento: Elemento Ar (Desenho) – Função Pensamento. Elemento Terra (Areia e pedras) – Função Sensação. Elemento Água (Pintura) – Função Sentimento. Elemento Fogo (Giz e vela)– Função Intuição. Comentários/Análise: O desenho (Ar) permitiu o distanciamento emocional, trabalhou a racionalidade, ajudou a organizar os fatos e as idéias. O ar é o símbolo da liberdade, da expansão, da comunicação e da criação (CHEVALIER & GHEERBRANT, 2003; CIRLOT, 2005; FINCHER, 1991; LEXIKON, 1994). A terra é firme, próximo à realidade, é um símbolo ligado às raízes e às bases da humanidade. Possibilitou ajuda na estruturação psíquica, permitiu percepções de sensações/fenômenos e favoreceu a imaginação criativa. A terra é o símbolo da origem da vida, que sustenta, nutri e acolhe o ser (CHEVALIER & GHEERBRANT, 2003; CIRLOT, 2005; FINCHER, 1991; LEXIKON, 1994).
A água trouxe flexibilidade, abertura e envolvimento. Símbolo que trouxe a expansão, a fluidez, o frescor e o relaxamento. Facilitou a concretização de imagens psíquicas internas. A água é fonte de vida, centro de regenerecência e meio de purificação (CHEVALIER & GHEERBRANT, 2003; CIRLOT, 2005; FINCHER, 1991; LEXIKON, 1994). O fogo permite entrar em contato mais rápido com a luz porque faz iluminar aspectos negativos, sombrios etc. O fogo trouxe uma energia intensa e por meio dele, os jovens drogadictos perceberam um sentido no que estavam fazendo. O fogo é um símbolo purificador, regenerador e transformador (CHEVALIER & GHEERBRANT, 2003; CIRLOT, 2005; FINCHER, 1991; LEXIKON, 1994). Esta série Mandalas possibilitou que se estimulassem as funções psíquicas menos desenvolvidas, iluminando aspectos sombrios da psique. A utilização dos quatro elementos na Arteterapia exerce a finalidade de revitalizar áreas desusadas, núcleos bloqueados, recupera a possibilidade de fluxo da energia psíquica (PHILIPPINI, 2005). B) Série Corpo Objetivos: Resgatar a identidade do dependente químico e preencher o vazio. “O fato é que o auto-retrato pode ser distorcido da realidade, porque muitas vezes tal imagem associa-se a aspectos idealizados ou patológicos que geralmente
refletem
dificuldades
profundas
com
o
próprio
corpo”
(VALLADARES & CARVALHO, 2005b, p.40). Atividades desenvolvidas: Representação do próprio rosto com técnicas de desenho e pintura em papel. Representação do corpo inteiro com técnicas de colagem utilizando-se de pedaços de papéis, pedras coloridas ou pingos de velas em papel e tecidos. Representação de personagens com técnica de pintura num mural coletivo. Desenvolvimento: Representação do próprio rosto – trabalho individual. Representação do corpo inteiro – trabalho em grupo. Representação de vários personagens – personagens confeccionados no início individualmente, mas dentro de uma composição coletiva.
Comentários/Análise: A representação do próprio rosto possibilitou “expressar o mundo interno” dos usuários. A ação criativa revelou a riqueza inconsciente dos dependentes químicos. A representação do corpo inteiro foi um trabalho de juntar fragmentos (pedaços de papel, pingos de velas ou pedras coloridas). Representou simbolicamente a construção ou reintegração das personalidades fragmentadas e em desordem dos adictos. Com a representação de vários personagens permitiu-se estabelecer uma ponte entre o intrapsíquico e o extra psíquico, possibilitou-se a percepção de si mesmo e analisar a troca com o outro e a integração do grupo. C) Série Hospital Objetivo: Investigar a relação do dependente químico com o ambiente hospitalar, seus sentimentos e necessidades, tendo em vista que o desenho concretiza pensamentos, exercita a memória e ainda relaciona-se ao movimento e reconhecimento do objeto, no caso, o hospital (VALLADARES, 2007). Atividades desenvolvidas:
Representação temática e projetiva do hospital
utilizando-se das técnicas de desenho ou pintura sobre tela. Desenvolvimento: Representação plástica do hospital – trabalho individual. Comentários/Análise: Símbolos recorrentes: – Lago: “É interpretado plasticamente quase sempre como um olho aberto da terra. É visto como moradia de entidades subterrâneas, de fadas, ninfas, espíritos das águas etc. Representa no geral o feminino ou o inconsciente” (CIRLOT, 2005; FINCHER, 1991; LEXIKON, 1994). - Casa: Local de moradia, simboliza a cena das relações intrafamiliares, desde as mais satisfatórias até as mais frustrantes. Relações familiares – lugar onde são buscados os afetos, a segurança e as necessidades básicas que
encontram preenchimento na vida familiar. Provoca associações referentes à vida doméstica no passado, presente ou como gostaria que fosse no futuro ou, ainda, uma combinação desses estágios. Auto-retrato – relações do sujeito com a realidade e a fantasia, sobre os contatos que faz com o meio (CHEVALIER & GHEERBRANT, 2003; CIRLOT, 2005; FINCHER, 1991; LEXIKON, 1994). - Árvore: símbolo da vida, sempre abundante e auto-renovadora, pode estar simbolicamente associada ao arquétipo do Self, e pode também expressar a imagem
da
própria
pessoa,
evidenciando
o
seu
crescimento
e
desenvolvimento, além de poder conter um aspecto maternal, provendo-nos com sua proteção, sombra, abrigo, dando-nos frutos que alimentam, transmitindo solidez, permanência e enraizamento estável (CHEVALIER & GHEERBRANT, 2003; CIRLOT, 2005; FINCHER, 1991; JUNG, 2005; LEXIKON, 1994). Atividade que favoreceu trabalhar a criação artística versus a compulsão pela droga. A criação ampliou os horizontes dos usuários e trouxe a liberdade de escolha que favorece mudanças. D) Série Máscaras Objetivo: A máscara, como o teatro, amplia conceitos, exagera fatos, amplia a vida, mostra algo além do que aparenta (AMARAL, 1996). Atividades desenvolvidas:
Tipologia de Jung: quatro funções – quatro
elementos da Arteterapia (terra, fogo, ar e água). Utilizou-se dos seguintes materiais: terra – pintura sobre telha de argila. Fogo - velas e giz de cera derretidos sobre mascara de papel. Água – pintura sobre atadura gessada tendo como molde o balão. Ar – material gráfico (desenho) sobre máscara de papel. Desenvolvimento: Elemento Ar (Desenho) – Função Pensamento. Elemento Terra (Telha) – Função Sensação. Elemento Água (Pintura) – Função Sentimento. Elemento Fogo (Velas e Giz de cera) – Função Intuição.
Comentários/Análise: As atividades possibilitaram trabalhar o autoconhecimento. A arte é a linguagem da alma. E) Série Mãos e Pés Objetivos: Com as mãos seguramos, criamos e tocamos as outras pessoas. Representa a realização/concretização de todos os fenômenos (CHEVALIER & GHEERBRANT, 2003; CIRLOT, 2005; FINCHER, 1991; LEXIKON, 1994). Os pés estão associados à mobilidade, com as implicações agressivas, de equilíbrio e autonomia (RETONDO, 2000). Atividades desenvolvidas: Confecção das mãos na atadura gessada e pintura sobre o gesso ou representação das mãos e pés sobre papel e posteriormente coloridos em técnica de desenho. Desenvolvimento: Representação de mãos e pés – trabalho individual com auxílio das coordenadoras. Comentários/Análise: A mão pôde simbolizar a capacidade de influenciar o ambiente. Os usuários puderam refletir sobre seu fazer, suas ações, sua vitalidade, seu crescimento, sua vida e sua energia. Os pés permitiram aos usuários refletirem sobre o contato deles com a realidade, as atitudes de se por na vida, dando indicações de segurança, do envolvimento no meio ambiente (a adaptabilidade). A confecção de mãos e pés permitiu re-inventar modos de lidar com a realidade. Pela ação criativa, pensamentos, idéias, sentimentos puderam se materializar. F) Série Histórias Objetivos: As histórias procuram colocar o usuário diante de um processo que envolve tanto a organização do real, como da sua criação, exercendo a função ao mesmo tempo estruturante e expressiva, implicando transformação de significados (VALLADARES, 2003).
Atividades desenvolvidas: Leitura de histórias em quadrinhos já prontas de jornais e criação de suas próprias histórias em técnica de desenho e pintura (carimbo) sobre papel. Desenvolvimento: Leitura de histórias de forma coletiva ou individual e criação de histórias pessoais de forma individual. Comentários/Análise: O exercício valorizou o potencial expressivo e imaginativo dos jovens em recuperação e foi um instrumento na recuperação dos adictos e o oposto da alienação trazida pelo uso abusivo de drogas. F) Série Construção Objetivos: A construção resgata a edificação, a estruturação, a organização e a elaboração da matéria e ao mesmo tempo, simbolicamente, incitam o indivíduo a construir sua vida pessoal (VALLADARES & NOVATO, 2001). Atividades desenvolvidas: Construção de uma cidade com sucata. Desenvolvimento: Cada usuário deveria construir sua própria casa e algum elemento coletivo da cidade de forma individual. Depois coletivamente deveriam montar a cidade com os elementos já confeccionados e criar novos elementos, pessoas e ambientes. Comentários/Análise: O exercício possibilitou ao jovem dependente químico construir e transformar na ação criativa, pois a Arteterapia é um processo alquímico e não é só uma catarse. A simbologia que mais esteve presente nos trabalhos foram: - Flôr: “Símbolo da natureza efêmera da vida e da beleza, e da eterna renovação da vida. É uma imagem do “Centro” e, portanto, uma imagem arquetípica da alma. As flores anunciam a primavera, que revela a aceleração
do ciclo de evolução pessoal. Assinalam o cumprimento de uma meta ou tarefa que exigiu muita dedicação” (CHEVALIER & GHEERBRANT, 2003; CIRLOT, 2005; FINCHER, 1991; LEXIKON, 1994). - Sol: “É representado freqüentemente como personificação da luz e, por conseguinte, ao mesmo tempo, da inteligência cósmica suprema, do calor, do fogo e do princípio vital. Imagem simbólica da ressurreição e, de modo geral, de cada novo começo” (CHEVALIER & GHEERBRANT, 2003; CIRLOT, 2005; FINCHER, 1991; LEXIKON, 1994). - Pássaros: são símbolos antigos da alma humana, do elemento ar e do processo de transformação. Os pássaros voando para cima podem representar idéias sendo divulgadas ou trazidas à luz” (CHEVALIER & GHEERBRANT, 2003; CIRLOT, 2005; FINCHER, 1991; LEXIKON, 1994). - O número Dois: “O dois indica tensão, separação e conflito. Ele é uma ligação saudável que anuncia o retorno da harmonia” (CHEVALIER & GHEERBRANT, 2003; CIRLOT, 2005; FINCHER, 1991; LEXIKON, 1994). As atividades mais prazerosas para os usuários, segundo relato verbal deles foram: - Mandalas com velas: o fogo purifica e regenera. Mensageiro entre o mundo dos vivos e dos mortos. A vela é o símbolo da luz, da alma individualizada e da relação entre o espírito e a matéria (CHEVALIER & GHEERBRANT, 2003; CIRLOT, 2005; FINCHER, 1991; JUNG, 2005; LEXIKON, 1994). - Máscaras de telhas: A telha ou telhado simbolizam área vital da fantasia e da intelectualidade, os impulsos e as tentativas de controle. Refletem o grau em que a pessoa devota seu tempo à fantasia e em que medida ela se volta para esta área a fim de obter satisfação (RETONDO, 2000). - Mão engessada: Representa a realização e a concretização de todos os fenômenos (CHEVALIER & GHEERBRANT, 2003; CIRLOT, 2005; FINCHER, 1991; LEXIKON, 1994). - Construção da cidade: A pessoa com a vivência de construção e de transformação sente-se apta e segura a dar forma, direção e movimento à sua própria vida, o que se constitui não só num processo externo, mas também interno do indivíduo (SAAD, 1998).
Ao criar e transformar materiais expressivos, os usuários puderam vivenciar
sensações,
idéias,
sonhos,
desejos,
expectativas,
fantasias
relacionando-se de uma outra forma com o material e, conseqüentemente, a atividade pode despertar neles a identificação de sentimentos, atitudes e dificuldades que até então não eram expressos nem modificados, porque a comunicação não-verbal fala por si só, sem necessariamente ter que ser expresso de maneira verbal. As sessões de Arteterapia facilitaram a expressão da subjetividade dos participantes e auxiliaram, sobremaneira, tanto na auto-expressão, como na elaboração de conteúdos internos e alívio de tensões. Permitiram, ainda, que o criador pudesse expressar seus sentimentos, adquirir consciência dos mesmos e, em seguida, melhorassem a ativação e a estruturação do processo de seu desenvolvimento interno. Aspectos da persona dos usuários puderam ser vistos em trabalhos feitos durante as sessões de Arteterapia, quando eles criaram personagens fictícios ou não e ao narrar suas histórias, o que permitiu a eles entrar em contato com os aspectos psíquicos para serem compreendidos e transformados. A sombra é representada pelos sentimentos negativos, como raiva, frustração e inveja, que se acumulam no inconsciente e não são facilmente expostos pelas pessoas em geral. Sentimentos de revolta, medo e raiva experenciados pelos usuários, muitas vezes não podem ser aceitos pela sociedade e expressos por eles, e se acumulam como sombras no seu inconsciente. Oferecer oportunidades para que estes símbolos (sombras) venham à tona por meio dos trabalhos plásticos, de maneira lúdica e que não ameace a estrutura psíquica juvenil, favorece a sua elaboração. A sombra normalmente está implícita e presente, ao mesmo tempo, em qualquer trabalho artístico, o que sugere dizer que os dependentes químicos tenham projetado em seus personagens e histórias aspectos sombrios da sua personalidade e relacionados com seu momento de vida atual. Na dinâmica do processo arteterapêutico, quando as imagens internas são projetadas, elaboradas e transformadas do material plástico ao produto expressivo final, é como se as pessoas externassem simbolicamente parte de si, e, ao mesmo tempo, levassem as imagens e os conteúdos trabalhados
“para dentro” novamente, mas desta vez decodificados e ressignificados (VASCONCELLOS & GIGLIO, 2006). A Arteterapia trabalha com símbolos, que são imagens arquetípicas e apresentam
características
individuais
e
coletivas
simultâneas.
Os
dependentes químicos, ao trazerem as imagens e os símbolos para o plano material, trouxeram também conteúdos de sua história pessoal inseridos na história coletiva da humanidade (inconsciente coletivo); assim, as significações encontradas nas culturas, nos mitos e nas religiões, simultaneamente, faziam ligação com a história de vida dos usuários, que expuseram cores, formas e símbolos representativos do seu mundo subjetivo, com significados especiais para eles naquele momento de vida, elementos que também os ligam aos significados que estes foram tendo para a humanidade ao longo dos tempos. O universo imagético é um recurso que permite ao inconsciente pessoal e coletivo expressar-se, promovendo, desse modo, o fluxo de energia psíquica por meio do eixo simbólico que liga a consciência ao inconsciente; com isso, as vivências pessoais puderam ser elaboradas, significadas e transformadas. Jung denomina de “função transcendente” o processo compensatório e auto-regulador da psique, que além de promover a conexão entre opostos, preenche a lacuna entre consciência e inconsciente. Ao trabalhar com os usuários nas sessões de Arteterapia, percebeu-se a evolução no seu dinamismo psíquico e a organização do seu mundo interno, ao visualizar melhora no seu quadro emergente, e isto supõe que houve a integração psíquica de alguns símbolos do inconsciente para o consciente deles. “A droga seduz e convida maliciosamente para uma aventura perigosa e excitante e na verdade conduz a um poço profundo e negro, na maioria das vezes sem volta. A ação criativa estimula a pulsação de vida que cada um tem dentro de si. E a VIDA é, de fato, a maior e mais completa AÇÃO CRIATIVA” (VIBRANOVSKI, 2002, p.140).
O processo arteterapêutico, por promover o contato com o universo simbólico e a integração dos conteúdos psíquicos inconscientes, ajudou no desenvolvimento evolutivo dos dependentes químicos, o que significa dizer que possivelmente ajudaram-no no seu processo de individuação e na sua “busca de identidade”, característica desta fase de desenvolvimento.
Ademais as sessões de Arteterapia facilitam o vínculo terapêutico positivo entre profissionais/alunos e usuários. Conclusões As imagens dos usuários ao serem projetadas nas produções plásticas, mostraram suas histórias de vida e o momento existencial deles, sinais sugestivos ou não de fragilidade emocional como: suas angústias, medos, objetivos, metas e planos futuros. Concluindo, trabalhar a Arteterapia com dependentes químicos permite a troca com o outro que possui características semelhantes às suas e ainda, favorece o compartilhar de dificuldades e anseios relacionados à própria dependência, podendo os personagens expressar e lidar de uma forma mais natural com a doença. Este trabalho pode trazer contribuições importantes para a área de saúde mental, pois a Arteterapia é uma prática acessível ao tratamento de dependentes químicos e pode ser um suporte importante para esta clientela, cujos resultados vêm sendo satisfatórios. É importante também apontar que este estudo poderá ser utilizado em contextos de Arteterapia clínica ou institucional, tendo em vista o valor e a eficácia do trabalho arteterapêutico aqui demonstrados. A saúde mental vem ampliando seus conhecimentos e utilizando-se de novas práticas na assistência a seus usuários, assim, o investimento no trabalho e em práticas complementares e criativas, com jovens dependentes químicos, é fator importante no novo cenário da atenção em saúde mental. Este tipo de atendimento, no qual se incluem as sessões de Arteterapia, permite que se valorize o potencial existente em cada ser humano, objetivando melhorar sua saúde e qualidade de vida.
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