levante-se o segundo r�u ! � proferiu na sua voz pastosa e forte, revigorizada pelo descanso da noite, ao abrir �s dez da manh� a audi�ncia, o desembargador oct�vio rouvinho. � alonso ribelas, n�o �? antigo regedor da freguesia. propriet�rio, natural de favais queimados, casado? sabe de que � acusado? � ao certo n�o sei, n�o senhor � respondeu alonso ribelas, um homem na for�a da vida, entroncado, guedelhudo, com grandes e nervosas m�os, as man�pulas do agricultor pobre que tem levado a vida a virar a leiva, a fazer da pedra terra, olhos mansos de boi, dentu�a s�lida. bem vestido para o tronco de nozelhas que era, uma gravata rubra, com pintinhas pretas, parecia uma facada aberta na pescoceira de bronze. na estrutura e nos modos, tipo de sancho pan�a. � � acusado de ser um dos cabe�as de motim no per�metro florestal da serra dos milhafres. o r�u foi um dos que deram fogo...? � nunca soube pegar duma arma. � n�o fez o servi�o militar? � n�o senhor. � com esse corpanzil? � livrei-me. � remiu-se, quer dizer. � n�o, senhor, livrei-me na junta. bem haja quem p�s a m�o por mim, que foi o pai do senhor dr. lab�o aqui presente. ao corregedor, dr. jos� Ramos, pareceu aquele solto falar irrever�ncia ou aleivosia contra o estado, cominado de venialidade num dos seus �rg�os, e acudiu em tom de desfastio: � passou-se isso no tempo da outra senhora...? � saiba v. ex.a que fui casado uma s� vez. estalaram risos na assist�ncia. o pr�prio senhor presidente desanuviou o parecer carrancudo. ao digno assessor por�m o desconchavo soou falso, afigurando-se-lhe o homem zorato ou desbocado. � o r�u est�-nos a sair um grande maloio... � saloio, n�o senhor. sou serrano. decorreu um pequeno sil�ncio durante o qual o corregedor se compenetrou, olhando em face, da atitude h�lare do tribunal. e tentou um retruque prudente, cortando todo o campo ao contra-ataque � afinal se o isentaram na inspec��o � porque algum achaque lhe descobriram. nos miolos ou nos ouvidos. o r�u ouve mal. mas adiante: perguntava-lhe o merit�ssimo presidente se n�o foi dos que deram fogo...? � nem com fuzil e pederneira, que n�o sou fumador. � mas empunhava uma gancha... uma faca de matar os porcos... um estadulho... viram-no equipado, bota de carda no p�... � por essa altura andava descal�o, senhor juiz, que trazia um calo assanhado no calcanhar que n�o me consentiria cal�ar a botina. � n�o � o que rezam os autos. � lendo: marchava � frente do bando, soltando grandes urros e gritos de viva e de morra... � � falso. eu nem aos lobos posso berrar que se me abre o peito. h� tempos andava numa propriedade que tenho a um lugar chamado a cheleira do negro, veio uma alcateia e levou-me uma borrega mesmo diante dos olhos. pois com a folha cheia de gente ningu�m me ouviu berrar � coa! t�o sumida era a minha voz. �n�o � a impress�o que d�, ouvindo-o falar. �em conversa, dizes tu, digo eu, posso passar um dia inteiro que n�o me canso. � mas que grande rat�o! � proferiu o corregedor jos� Ramos coelho voltando-se para o presidente, como quem diz: tome conta dele e meta-lhe bandarilhas de fogo. de facto o presidente, empertigando-se no cadeiral, fez um cite com a cabe�a e lan�ou: � que pol�tica � a sua? � saiba vossa senhoria que eu de pol�tgas n�o percebo patavina. � n�o leio gazetas. � j� foi regedor. � j� fui a pedido do pai do sr. dr. lab�o que me livrou da mochila.
� nunca votou? � ah, l� isso votei, mas agora cortaram-me o nome para n�o votar contra o governo. n�s todos na serra estamos � uma contra o governo. � mas sabe quem governa? � quem governa? sei l� quem governa? quem governa o mundo, sempre ouvi dizer que � o raimundo; deve ser algum filho de m� m�e, que as coisas v�o de mal a pior. � o r�u est� a ser acintoso. � parvo ou faz-se? � nasci com os meus sentidos todos. l� em dizer que quem governa o mundo deve ser algum filho de m� m�e, n�o volto atr�s; que hei-de eu dizer, cada vez mais pobre, mais carregado de tributos, mais frigido do arrocho, a soga cada vez mais tesa? � n�o sabe o que diz e � o que lhe vale. � barra da direc��o est�o grandes homens. se tivesse uma centelha do senso que neles abunda, n�o se achava no banco dos r�us. nunca os ouviu falar? � nunca ouvi eu outra coisa. quer que lhe diga, s�o ladra��es num outeiro. eu quanto mais trabalho e mais poupo, mais miser�vel me vejo. � vamos ao que importa: confessa haver tomado parte no barulho da serra dos milhafres? confesso, qu�? eu n�o posso confessar ter feito aquilo que n�o fiz. nunca eu veja a luz da salva��o se minto. � mas foi na turba-multa? � fui at� certa altura. � pois n�o devia ter ido. um s� passo que deu tornou-o c�mplice. � sempre queria ver quem nos roubava...