Análise do conto Nós matámos o cão tinhoso, de Luís Bernardo Honwana
O conto Nós matámos o cão tinhoso é uma narrativa fictícia narrada por um narrador-personagem, chamado por Ginho, que vai desenvolvendo a trama em minuciosos detalhes. O enredo é desenvolvido em torno de um processo de execução de um cão, por nome Cão tinhoso. Esse cão é um animal que vive abandonado e de idade já avançada segundo as descrições no narrador, como em “O Cão-Tinhoso tinha uns olhos azuis que não tinham brilho nenhum, mas eram enormes, O Cão-Tinhoso tinha a pele velha, cheia de pêlos brancos cicatrizes e muitas feridas. Ninguém gostava dele porque era um cão feio” (HONWANA, p.2). O narrador faz o tempo todo alusões das características físicas do animal. Desse modo, nota-se que a história é contada linearmente e possui um tempo cronológico. Todavia, é necessário observar que mesmo se tratando de uma obra em proza, é possível ver algumas características da linguagem poética, como rimas e repetições de diálogos, visto em “Cão-Tínhoso encostava-se às minhas pernas, todo a tremer e a chiar baixinho” (HONWANA, p.17). Diante do que foi posto, podemos analisar o conto Nós matámos o cão tinhoso em duas perspectivas, que são através de duas figuras de linguagem, a primeira é a partir da metáfora (é aquilo que está fora do texto, mas que pode ser visto através do contexto, é o que está implícito), a segunda é através da metonímia (são os aspectos que estão dentro do texto, explícito). Dessa forma, tomaremos o cão como objeto de análise por ser uma das personagens principais da obra. Partindo de uma visão metonímica, ou seja, de um sentido referencial, podemos entender o cão tinhoso como uma figura concreta, que representa um animal, doente, abandonado, mas que está sempre em contato o outro, por estar em uma localização central. Porém, em outros momentos, o cão tinhoso pode significar outra coisa, por exemplo, todos esses aspectos em sua descrição podem ser ligados ao fato dele está sempre a margem, aquilo que o outro sempre quer evitar, ou livrarse, o fato dele está doente, como é colocado várias vezes no conto, as suas feridas causam nojo as pessoas que o ver, grosso modo, é o mesmo efeito que um mendigo causa a uma pessoa que está fora daquela realidade, no caso a dos detentores da riqueza, isso é presente quando o narrador faz a relação do cão tinhoso com os outros cães, em que as pessoas passam a mão nos animais saudáveis, mas que se
tratando dele, o repudiam. Nesse sentido, entendemos que esse personagem configurado como um cão, o cão tinhoso, carrega todas as mazelas marginalizadas pela sociedade em que está inserido, tanto pela indiferença dos seus diferentes, os humanos, como por seus iguais, os outros cães que agem com hostilidade quando fazem contato. Outra intepretação, que é possível ser observada, é a resistência que o animal possui para sobreviver, apesar de passar por várias situações, como é descrita, uma possível guerra mundial, fome, doenças, desprezo etcs, a parti desses aspectos micros podem ser visto em uma visão macro como as resistências que as pessoas a margem de uma sociedade elitizada e excludente passam o tempo todo, as pessoas pertencentes a classes inferiores, mas que possuem a mesma resistência do cão tinhoso em não deixar prevalecer seu apagamento, mas que muita das vezes é triunfada por uma persuasão maior. Deste modo, cabe fazermos aqui uma análise metafórica da circunstancia em que ocorre a história. Neste caso, procuramos discorrer sobre uma relação de poder e subordinação nessa obra literária. Assim, podemos entender alguns personagens que estão não posição de inferiores ou excluídos. Por exemplo, o cão tinhoso é como um ser que está abaixo de todos, e que deve ser evitado, o contato de alguém com ele pode influenciar a sua moral, mais acima temos Isaura, uma moça que está sempre sozinha e que é vista como uma pessoa de saúde mental frágil, descrita por sua professora, mais acima temos o próprio narrador, Ginho que está sempre cumprindo ordens e tem medo de se posicionar perante as pessoas influenciadoras, e quando tenta se colocar, é ignorado. Dessa forma, metaforicamente, fazemos uma relação de poder político-social, a qual o poder está nas mãos de alguns, como o Senhor Administrador, o Doutor da veterinária, a professora e o Quim, em detrimento a esses, os outros estão em volta de suas sombras, causando um apagamento de suas personalidades e de suas vozes. Um desses apagamentos pode ser identificado na hora de executar o cão tinhoso, alguns dos integrantes do grupo têm objeções ao ato, mas não tem propriedade pra assumir sua voz diante de Quim e aceita a situação passivamente. Portanto, apresentamos nesse tópico, algumas análises e reflexões a cerca dos aspectos que desenvolvem a narrativa do conto Nós matámos o cão tinhoso, e como essa obra literária pode ser observada a partir de uma perspectiva políticosocial.
Luiz Honwana estava no meio de uma guerra pela independência de Moçambique também conhecida como Luta Armada de Libertação Nacional. Foi um conflito armado entre a FRELIMO (Frente de Libertação de Moçambique), onde ele foi militante e as forças armadas de Portugal. Devido a isso, foi preso por três anos pelas autoridades, quando enfim conseguiram a libertação do país, ele virou funcionário do governo e presidente da Organização Nacional dos Jornalistas de Moçambique. Este foi o panorama moçambicano daquela época, assim houve uma grande preocupação de fazer nascer, ou renascer, a ficção moçambicana: pode dizer-se que, com Nós matámos o Cão Tinhoso, com isso esse livro foi um marco da narrativa moçambicana. Cabe aqui dizer que o autor desse livro era um excelente narrador e com uma experiência pessoal vivida na sua própria condição de negro. Através disso, faz do universo moçambicano o centro de análise das suas narrativas. Essas narrativas tem uma relação dialética entre o colonizado e o colonizador, por
de vários
personagens e situações: situação de exploração, de incompreensão, de injustiça, de alienação, de sonho e de realidade. Apesar de o tema ser muito forte, quando lemos
Nós Matamos o Cão
Tinhoso, observamos que por ter sido narrado por uma criança a leitura se tornou leve, mas que relatou com dedicação e atenção o domínio e exploração dos portugueses aos africanos em Moçambique. A narrativa desse conto retrata o silêncio dessas vozes por vários séculos, e meio a tempestades de humilhações e privações sonharam com a liberdade. Por isso a guerra foi a única solução para os negros de serem livres, mesmo com uma suposta libertação. Como já foi dito, o conto foi analisado em dois sentidos, através da metonímia e da metáfora. Mas por força da metáfora, fazemos uma releitura através do pensamento do leitor, que está desde o início, solidário e com pena do cão. A sua fragilidade, o corpo decadente e cheio de feridas não provoca repulsa ao leitor. Aproxima-se dele, pela mão do narrador que o ama e a quem passa também a amar. Com os olhos do menino vemos que "Tinhoso" é o escorraçado, o maltratado, o incompreendido e o injustiçado. O narrador conta a história daquele cão que mais parece gente. O "Cão" escorraçado e frágil, metaforiza o negro e toda a África no drama da sua colonização e exploração. Este cão-Tinhoso, que Ginho tanto amava
e nele refletia o carinho por um irmão, morrerá pelas suas mãos, mesmo sem querer faze-lo. Porém no início do conto: “O Cão-Tinhoso tinha uns olhos azuis que não tinham brilho nenhum, mas eram enormes e estavam sempre cheios de lágrimas, que lhe escorriam pelo focinho” (HONWANA, p.1). Quando lemos o cão tinhoso tinha olhos azuis, observamos que iremos para uma análise diferenciada do conto, porque este cão era o colonizador, branco e com olhos azuis. Nesta perspectiva, o recorte que podemos fazer com a literatura e poltica. O conto representa, assim, o estado do colonizado humilhado, escorraçado e explorado pela situação imposta pelo colonizador. Mas, podemos também entender este conto pelo outro lado de contexto: como a situação colonial é um cenário de conflito entre colonizado/colonizador, envolvendo questões culturais, ideológicas, históricas, sociais e econômicas. Desse modo, tem um discurso de natureza política, que expõe as realidades precárias de exploração de Moçambique, com isso leva o leitor à reflexão e à crítica dominação colonial. Com esta ideia podemos identificar os personagens de Nós matámos o Cão Tinhoso, como um sistema de correspondência no qual o CãoTinhoso - feio, de pele velha e nojento representa, assim, o sistema colonial, o colonizador decadente, com medo de ser destruído e de perder seu poder sobre o colonizado. Os meninos representam a renovação, que vem seguida de lutas e de guerra que de fato, o Cão-Tinhoso é alvejado por tiros, do mesmo modo que o colonizado queria que Moçambique se limpasse, se libertasse através das armas de fogo. Contudo, o autor, deixa claro a sua luta pela independência do país abatido, humilhado e explorado por Portugal, mostrando seus componentes políticos e ideológicos. Neste conto temos duas visões sobre a problemática evidenciada no texto, por uma lado a opressão, a violência, a humilhação e a injustiça por meio do sacrifício do cão, que metaforiza o sofrimento de um povo. E no outro lado tem um sistema colonial antigo que se vê sem forças para enfrentar uma Moçambique que tem pressa para ser livre, cansada de tanto sofrimento e escassez de dignidade e humanidade. Moçambique gritava por liberdade e um país sem exploração e racismo.