Almeida

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XIV Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Salvador de Bahia, Brasil, 27 - 30 oct. 2009

Perspectivas contemporâneas do planejamento governamental Afonso Oliveira de Almeida O Planejamento Governamental é a ciência de afirmar, no presente, escolhas de futuro relativas ao desenvolvimento do Estado e da sociedade. É a partir do planejamento que as sociedades explicitam o que será feito, como será feito e quais recursos serão utilizados no caminho que pretendem seguir para o alcance de seus objetivos. Tais objetivos no Brasil hodiernamente estão relacionados à manutenção da paz e da ordem, ao fortalecimento da democracia, ao incremento do bem-estar dos cidadãos através do desenvolvimento econômico e social e à proteção de grupos populacionais vulneráveis e do meioambiente. As escolhas de futuro de uma sociedade democrática são expressas no ordenamento jurídico, nos programas de governo dos governantes eleitos e nas diversas instâncias participativas instituídas. Os preceitos constitucionais e as normas derivadas, além de demonstrar os princípios e valores que fundam a nação, indicam seu rumo. O Programa de Governo do dirigente eleito contém as propostas de atuação escolhidas pela população para um mandato definido. Esta atuação na grande maioria das vezes refere-se à formulação e execução de políticas públicas para o alcance dos objetivos declarados constitucionalmente ou derivados de seus preceitos. Em muitos casos o Programa de Governo detalha objetivos gerais da sociedade afirmando diversos elementos ligados ao futuro de uma forma geralmente não sistematizada, priorizando afirmar as escolhas que sensibilizem o cidadão. De modo exemplificativo, ele pode conter objetivos específicos, estabelecer metas de atendimento, declarar formas de implementação de políticas públicas, de reorganização do aparato estatal, estabelecer prioridades em relação a um espaço geográfico ou a um público-alvo ou mesmo afirmar a construção de uma ferrovia determinada. Eleito o governante, ele deve organizar a ação pública para a consecução dos objetivos declarados e escolhidos pela sociedade. Tal organização é ato complexo, que envolve um grande conjunto de organizações, pessoas e variáveis. Já vimos que o ordenamento jurídico e o programa de governo são fontes de afirmação de escolhas relativas ao futuro e, portanto, fontes de planejamento. Entretanto, são fontes que geralmente contém déficits de declaração. Elas podem, por exemplo, afirmar o direito à educação, a prioridade à interiorização do ensino, um objetivo de erradicação do analfabetismo e mesmo a criação de cinco universidades, mas não serão capazes de declarar a escolha pública de modo suficiente para que o aparato estatal saiba o que será feito, como será feito, quais os recursos serão utilizados e quais serão os bens e serviços que serão ofertados ou terão sua oferta estimulada pelo Estado para o alcance dos objetivos da sociedade. O suprimento parcial ou total desses déficits se dá pela formulação de políticas públicas com base nos princípios, diretrizes e outros elementos existentes no ordenamento e no programa de governo, que por sua vez constituem uma nova fonte de planejamento que dará origem, junto àquelas, a planos gerais ou específicos que contêm escolhas que precisam ser suficientes para dar clareza ao conjunto da atuação estatal. Estas escolhas são comunicadas na forma de visões de futuro, metas prioritárias, programas, ações ou outros atributos típicos de planejamento.

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Da capacidade que o planejamento governamental tem em traduzir os anseios da sociedade em relação ao seu futuro para as linhas de ação e produtos que precisam ser a ela ofertados vem o princípio de que é a partir do planejamento que se deve organizar a ação pública. Decerto a capacidade de tradução mencionada guarda relação com a qualidade técnica e a autoridade pública do planejamento realizado, mas contrariar o princípio e não organizar a ação pública a partir do planejamento aumenta o risco para a sociedade de atuação do Estado em direção diversa, ou até mesmo contrária, à direção por ela escolhida, passando a atender objetivos das parcelas mais organizadas da sociedade (captura) ou mesmo dos próprios operadores da máquina estatal. Esse princípio hoje encontra grande aceitação, mas esteve obliterado por pelo menos vinte anos. No início da década de 1980, com os impactos do aumento do custo da energia e dos grandes benefícios ligados ao bem-estar social, juntamente com os elevados custos da máquina pública, os países desenvolvidos enfrentavam grandes dificuldades fiscais e desequilíbrios orçamentários persistentes. Com a necessidade de reduzir gastos tentando manter a oferta de bens e serviços aos cidadãos, a eficiência passou a ser almejada em toda a atuação estatal. Algumas das ideias praticadas no setor privado foram transportadas para o setor público resultando nas reformas gerenciais observadas nos anos de 1980, simbolizadas especialmente pelos governos da primeira ministra inglesa Margaret Thatcher e do presidente dos Estados Unidos Ronald Reagan. Esse movimento de reforma do Estado ficou conhecido como New Public Management – NPM – ou, em português, Nova Administração Pública. Este modelo passou a ser aplicado no Brasil durante o primeiro governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, a partir de 1995, tendo como principal idealizador o Ministro Luiz Carlos Bresser-Pereira, à frente do Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado, criado para atender essa finalidade, modelo este associado ao objetivo de estabilização macroeconômica e debelamento do processo inflacionário. Ao mesmo tempo em que se buscou introduzir práticas ligadas à eficiência do setor privado no setor público, adotou-se uma política de privatização da produção e oferta de bens e serviços aos cidadãos e a função central do Estado passou a ser, então, a de garantir o equilíbrio do mercado e a oferta em quantidade e qualidade razoáveis, a um preço justo, função exercida por meio das agências reguladoras. A oferta direta de bens e serviços pelo Estado só se justificaria nos casos em que monopólios naturais persistissem e quando o produto tivesse importância estratégica. Nesse contexto de redução da capacidade do Estado em controlar a oferta bens e serviços públicos à população e de necessidade de contenção de gastos, o planejamento governamental teve sua credibilidade reduzida ora porque a função planejamento foi identificada com o dirigismo estatal de matiz socialista, ora porque restou evidente o hiato entre o que se afirmava como escolha da sociedade nos instrumentos de planejamento e a verdadeira atuação estatal. Se o governo e a sociedade conseguem assumir uma escolha de contenção de gastos e estabilidade fiscal, nem sempre conseguem afirmar a redução do provimento de bens e serviços que a restrição acarreta. A redução do papel do Estado e do planejamento governamental foi assim descrita por Antônio Ricardo Souza: “A década de 1990 foi a da Reforma do Estado. É a partir desse momento, na sociedade contemporânea, que o Estado passa a ser questionado, criticado e apontado como o grande vilão da crise financeira, que vinha sendo diagnosticada desde fins da década de 1970 e início dos anos 80. Não foi por acaso que o Brasil se inseriu nesse conjunto de países que sofreu os impactos tanto do processo de globalização da economia como da crise do Estado fiscal, aqui entendido como exaustão financeira 2

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do Estado, que impossibilita financiar políticas públicas e promover o desenvolvimento social. É a partir dessas premissas e em articulação com a adoção de agenda liberal que o Brasil abandona as políticas de médio e longo prazo, optando por uma política de manutenção de curto prazo, que dá conta das expectativas financeiras mais imediatas, abandonando e/ou preterindo o planejamento que, durante muitos anos, foi o grande instrumento de crescimento econômico no país”. Ainda no contexto de restrição fiscal aguda vivida pelo Brasil nas décadas de 1980 e 1990, o foco no controle da despesa pública e os sucessivos cortes orçamentários, ocasionados pela discrepância entre a necessidades de recursos para o cumprimento dos objetivos explicitados nos documentos de planejamento e de políticas públicas e as disponibilidades efetivas, geraram instabilidade no carreamento de recursos para as políticas públicas ofertantes de bens e serviços. Por sua vez, a impossibilidade de o gestor público saber em que momento e em que volume teria recursos financeiros disponíveis ou, se houvesse, até qual momento permaneceriam disponíveis, gradualmente conduziu a um revisionismo adaptativo da ação governamental, que passou a ter um cunho imediatista e muitas vezes descontinuada. O foco no controle da despesa pública levou ainda ao fortalecimento da idéia de que o principal requisito da qualidade do gasto público é gastar menos, idéia muitas vezes não declarada e freqüentemente subjacente. O novo século trouxe mudanças que ampliaram substantivamente a capacidade do Estado Brasileiro financiar as políticas públicas necessárias à consecução dos objetivos de desenvolvimento do Estado e da sociedade. Tal ampliação se deu em decorrência dos esforços de equilíbrio das contas públicas iniciados na década de 1990 e mantidos até os dias atuais, dos ganhos de produtividade gerados pelo avanço tecnológico e pelo aumento do nível educacional da população, de um cenário externo favorável ao investimento estrangeiro e de juros baixos nos países desenvolvidos, aliados a políticas governamentais voltadas à dinamização do consumo de massa que propiciaram o aumento da produção, do trabalho e da renda, gerando um ciclo virtuoso de crescimento econômico. Contudo, o planejamento governamental e o aparato estatal pouco modificaram seu modo de operação para o bom aproveitamento do novo nível de capacidade de financiamento mencionado. Essa mudança de contexto traz em seu bojo uma demanda da sociedade por uma ação governamental pautada por objetivos estratégicos de médio e longo prazos nos quais os cidadãos possam ver refletidas suas escolhas relativas ao futuro. O atendimento a esta demanda exige o fortalecimento da função planejamento não apenas para detalhar e comunicar seus atributos como também para instrumentalizar a gestão pública de modo que o Estado seja efetivo no gasto público e oferte direta ou indiretamente os bens e serviços necessários ao cumprimento de seus objetivos. Um elemento importante para a efetividade do gasto público é a eficiência. Contudo, o foco da eficiência deixa de ser gastar menos para gastar melhor, que significa partir da necessidade de provimento à sociedade para o alcance de uma meta ou objetivo e gastar o menor valor possível para entregar os produtos necessários. Pode ocorrer que não haja recursos suficientes ou estrutura de execução no Estado para dar conta de todo o provimento desejado, mas o importante é que nestes casos o princípio será o de ofertar os produtos o mais de acordo possível com os objetivos de governo afirmados e não o de promover o menor gasto possível ou apurar o menor custo unitário por produto ofertado.

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Se o ponto de partida da atuação governamental for gastar menos, pode haver uma menor oferta quantitativa de bens e serviços numa situação em que há necessidade de ampliação da oferta. Suponhamos que determinado órgão ou entidade estatal realize um milhão de atendimentos ao ano dispendendo dez milhões de unidades monetárias. Se a organização se esforçar e passar no ano seguinte a realizar um milhão de atendimentos ao ano gastando nove milhões de unidades monetárias, terá feito uma economia absoluta e relativa de despesas. Todavia, se a população tiver a necessidade de dois milhões de atendimentos ao ano, tal resultado não é positivo para a realização da missão do Estado. Importante ressaltar que é possível que no exemplo o esforço de gestão necessário para realizar a economia por custo unitário tenha concorrido com um esforço de gestão em outra direção que realizaria, por hipótese, um milhão e duzentos mil atendimentos ao ano gastando doze milhões de unidades monetárias. Esta última produção, embora não seja mais eficiente em sentido estrito, pode ser mais aderente aos objetivos planejados. Tem sido relativamente freqüente que países desenvolvidos tentem transferir aos países menos desenvolvidos técnicas de planejamento focadas em programas de redução de custos unitários em relação a atendimentos hospitalares, manutenção de presídios, educação universitária e outros provimentos de serviços. Mas todos os exemplos apresentados se dão em um ambiente satisfatório de cobertura de bens e serviços e incremento marginal, manutenção e até mesmo redução da demanda pelo produto. No caso de um sistema hospitalar que atenda a todos de uma população de crescimento vegetativo nulo e ofereça bons níveis de serviço, pode ser louvável direcionar o esforço de gestão do sistema para atender ao objetivo reduzir seus custos em dez por cento em cinco anos, hipoteticamente. Mas no caso do Brasil, por exemplo, a preocupação central que direciona o esforço de gestão deve ser ampliar maciçamente os atendimentos, interiorizar a oferta de procedimentos médicos complexos, aumentar o número de equipes que visitam as pessoas em suas casas e outras ações que tendem a ampliar os gastos não apenas de forma absoluta quanto também de forma relativa. O modelo apresentado pelos países desenvolvidos é válido, mas não pode ser transportado aos países em desenvolvimento sem considerar que as escolhas de futuro do Estado e da sociedade são e devem ser de outra natureza. Recordando a idéia inicial, precisamos ser eficientes e gastar o mínimo possível no alcance dos nossos objetivos estratégicos de médio e longo prazo. O conceito de eficácia tem evoluído muito no planejamento governamental contemporâneo e se aproxima do conceito de efetividade sem, contudo, tentar igualá-los, conquanto a primeira continua a se referir aos produtos ofertados à sociedade oriundos da atuação governamental e a segunda se refere aos impactos dos produtos ofertados sobre a vida da população. A eficácia do setor público consiste na entrega direta ou por indução à sociedade dos bens e serviços necessários ao seu desenvolvimento, corretos em sua tipologia e especificação, no momento esperado, no lugar programado e ao públicoalvo previsto. Freqüentemente são noticiados casos extremos de inadequação do produto ofertado em políticas públicas como uniformes escolares no tamanho errado, medicamentos vencidos ou merenda escolar inaproveitável. Entretanto, há outros casos em que o produto ofertado poderia ser substituído por outro com maior potencial gerador de benefícios, mas não é fácil identificar a inadequação do primeiro por este possuir um elevado grau de eficácia. Suponhamos que em uma região tradicionalmente produtora de trigo o Estado esteja ofertando assistência técnica aos agricultores para o combate a uma determinada doença que ataca as lavouras, mas haveria maior potencial de resultados se a assistência técnica orientasse a substituição gradual de trigo por cevada. Ao contrário dos casos extremos 4

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noticiados, em que não há grau de eficácia algum na oferta pública, é difícil orientar o pensamento para a revisão de uma atuação governamental que apresenta um nível aceitável de eficácia. Ainda utilizando o exemplo, se o combate à doença do trigo for bem sucedido e sua ocorrência reduzir-se ao longo dos anos, é provável que a política se mantenha por longo período e que a demanda da população seja atendida, mesmo não sendo a opção mais eficaz. Portanto, a entrega do produto correto pressupõe que, a partir dos objetivos estratégicos escolhidos, o Estado reflita se o produto que está ofertando deve continuar a ser ofertado e, se a resposta for afirmativa, na mesma tipologia e especificação. Significa revisar os fundamentos de sua atuação e refazer uma análise de alternativas á luz de um objetivo, sem incorrer em revisionismos típicos de períodos de instabilidade econômica, mas superando a inércia da atuação governamental. Um desafio central do planejamento governamental contemporâneo é o de levar o Estado a entregar os produtos à sociedade no tempo correto. A questão da tempestividade da oferta de bens e serviços pelo Estado tem grande repercussão quando a não-oferta causa impactos negativos para a sociedade e para a imagem do governo. É o caso do surgimento de uma epidemia de febre aftosa ocasionada pelo provimento tardio da vacina existente, no qual a sociedade estabelece um nexo causal entre a não-oferta de um produto e prejuízos econômicos. A relação entre a eficácia da atuação governamental e a oferta tempestiva de bens e serviços também se verifica em situações que não há causalidade identificável entre não-oferta e impactos negativos. São situações em que a postergação da oferta de produtos em relação ao primeiro momento possível deixa de produzir benefícios. Tomemos por exemplo a implantação de uma linha de metrô que seja possível construí-la e colocá-la em funcionamento em três anos. Se por qualquer motivo que não de força maior a linha só for entregue à população em cinco anos, deixaremos de produzir impactos positivos por dois anos. O conceito de conclusividade está, portanto, fortemente ligado ao incremento da eficácia estatal por oferta tempestiva. O planejamento governamental deve perseguir o estabelecimento de ciclos de produção dos bens e serviços que não sofram interrupções ou incidência de fatores retardantes. O Brasil tem priorizado a conclusão de projetos em andamento, direcionando a eles fluxo adequado de recursos financeiros e organizacionais, além de gerir atentamente as restrições à plena implementação para superá-las, mormente no âmbito do Programa de Aceleração do Crescimento – PAC. O corolário da busca pela conclusividade no setor público é o aumento do rigor no ingresso de novas programações nos planos e orçamentos. Em primeiro, porque tanto os recursos financeiros quanto humanos necessários à implantação das novas iniciativas podem concorrer com os disponíveis para a conclusão das em andamento. Em segundo, porque as etapas preparatórias do ciclo de produção dos bens e serviços, como os projetos de engenharia e as licenças ambientais, devem estar suficientemente cumpridas para permitir a entrega à sociedade no menor tempo possível. Entregar os bens e serviços ofertados pelo Estado no momento programado e de acordo com as metas planejadas aumenta a sinergia entre os produtos ofertados e amplia os benefícios à sociedade. Como exemplo, imaginemos que ocorram concomitantemente a construção de uma ferrovia que chega a um porto, a ampliação de capacidade deste porto, o início da exploração de jazidas minerais localizadas no entorno da ferrovia e concessão de crédito agrícola para plantio de grãos que serão transportados pela 5

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ferrovia. Se a obra de ampliação do porto for interrompida ou sofrer atrasos, poderá reduzir a efetividade de todos os demais produtos ofertados. Tal fenômeno vem reforçar o princípio de que é a partir do planejamento que se deve organizar a ação pública, pois apenas ele tem a possibilidade de afirmar o futuro de uma forma integrada, coordenando a atuação de todos os setores do governo e evitando o descasamento temporal da oferta de produtos sinérgicos e, por conseguinte, a redução da eficácia estatal. O planejamento governamental abre ainda uma oportunidade de articulação federativa para a produção concomitante de bens e serviços que se complementem por todas as divisões administrativas de cada nação. Cada sub-unidade nacional pode pactuar com outras sub-unidades ou com o governo nacional a produção de um conjunto sinérgico de bens e serviços tendo como referência sua realidade local, preferencialmente a partir das fragilidades existentes em seu território em relação ao nível de desenvolvimento nacional, idéia que desenvolveremos posteriormente. Um desafio do planejamento governamental contemporâneo ainda maior do que o de entregar bens e serviços corretos em sua tipologia e no tempo programado é entregá-los no lugar programado e ao público-alvo correto, este entendido como um locus não geográfico da atuação governamental. A primeira dificuldade enfrentada é a assimetria entre os cidadãos e as regiões dos países na capacidade de acesso às políticas públicas. No Brasil, por exemplo, a competência para implantação de redes de coleta de esgoto é comum entre todos os entes da federação. Os princípios prevalentes na atuação governamental no setor são os da descentralização e da subsidiariedade, cabendo ao governo federal apoiar financeiramente projetos apresentados pelos estados-membro e pelos municípios. Todavia, uma parcela muito representativa dos mais de cinco mil municípios que conformam a federação não tem a capacidade administrativa e/ou recursos financeiros para elaborar ou contratar a elaboração de um projeto de engenharia elegível. Embora haja mecanismos de superação do subdesenvolvimento institucional, o fato é que os municípios situados nas porções do território mais desenvolvidas e organizadas no contexto brasileiro apresentam projetos mais estruturados e em maior número, sendo muitas vezes atendidos apenas em virtude da ausência de projetos dos municípios situados em porções menos desenvolvidas do território. Outro exemplo interessante é o fato de 12,20% das crianças nascidas em 2007 no Brasil não terem sido registradas civilmente e estima-se que até 30 milhões de brasileiros entre 191 milhões não possuam registro civil. A estes cidadãos invisíveis do ponto de vista da cidadania é difícil ofertar bens e serviços públicos que em muitos casos exigem identificação comprovada para sua utilização. O Brasil tem avançado muito na obtenção sistematizada de dados e no tratamento das informações neles existentes para direcionar a produção de bens públicos para os locais e faixas populacionais. O Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico), por exemplo, consiste em um instrumento de identificação e caracterização socioeconômica das famílias brasileiras de baixa renda. As famílias incluídas são aquelas com renda per capita familiar até ½ salário mínimo (consideradas em situação de pobreza). Deste total, o conjunto de famílias com renda per capita familiar até R$ 137 tem o perfil para acesso ao Programa Bolsa Família. O CadÚnico, portanto, não se esgota na identificação do público-alvo para a transferência de renda do Bolsa Família. Ao contrário, tem enorme potencial de direcionamento e priorização para as políticas públicas, em especial, as políticas sociais, visando ao atendimento dos direitos ainda não assegurados à parcela mais vulnerável da população. 6

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Neste sentido, faz-se necessário traçar estratégias de aumento do grau de utilização das informações para integrar políticas públicas voltadas ao público mais pobre, de modo a potencializar os efeitos da transferência de renda. O Decreto 6.135/2007 prevê também a inclusão no CadÚnico das famílias com renda familiar mensal de até três salários mínimos. Ademais, poderão ser incluídas no CadÚnico famílias com renda superior a estes valores, desde que sua inclusão esteja vinculada à seleção ou ao acompanhamento de programas sociais implementados por quaisquer dos três entes da Federação. A segunda dificuldade em se entregar bens e serviços no lugar correto e ao público alvo pertinente, reside na existência de escolhas da sociedade e, consequentemente, objetivos de Estado vinculados à indução de uma configuração territorial específica, à equalização do território e ao desenvolvimento regional que são complexos de se traduzir em linhas concretas de ação compatibilizadas com as várias políticas setoriais exercidas no território. São exemplos possíveis e não excludentes dessas escolhas a interiorização do desenvolvimento, a manutenção de áreas naturais intocadas, a conformação de uma rede de cidades médias, a fixação de populações no campo, a priorização das áreas economicamente deprimidas em relação às dinâmicas ou o contrário, a elevação da renda per capta das regiões de IDH inferior a 0,700 ou o pleno emprego nas grandes cidades. Quando tais modalidades de objetivos passam a compor a lógica da atuação estatal, a idéia de lugar certo deixa de ter relação apenas com o local onde existe a demanda social pela oferta dos bens e serviços públicos e passa a exigir um olhar estatal mais sofisticado sobre o território para torná-lo base de identificação de quais os bens e serviços terão que ser ofertados para o alcance dos objetivos de cunho territorial a médio e longo prazos. Ademais, a vinculação entre os produtos ofertados e os objetivos passa a ser insuficiente para apurar os resultados das políticas públicas em virtude da incidência de aspectos intangíveis ligados ao objetivo, como a já mencionada conformação de uma rede de cidades. Para instrumentalizar o olhar territorial como base do desenho das políticas públicas de médio prazo que dialoguem com a visão de longo prazo, bem da necessidade incorporar a dimensão territorial como orientador da ação pública programática, o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão brasileiro lançou em setembro de 2008 o Estudo da Dimensão Territorial para o Planejamento. Ele pretendeu não apenas analisar a profunda imbricação entre desenvolvimento e território, mas também propor, a partir daquela análise, um conjunto articulado de investimentos capazes de provocar uma modificação na configuração atual do território nacional, caracterizado por uma grande concentração espacial em termos populacionais e econômicos na região litorânea - quando analisamos o território nacional no sentido Leste-Oeste - e no Centro-Sul do País - quando estudamos o território brasileiro no sentido Norte-Sul. Sob esse ponto de vista, pode-se afirmar que o Estudo possui como pressuposto que os investimentos do Governo, particularmente do Governo Federal, são determinantes de uma nova geografia econômica do Brasil. O Estudo adota o território como ponto de partida para o planejamento da ação governamental a longo prazo. Assim, uma de suas primeiras atividades foi estabelecimento de uma Visão Estratégica Nacional no horizonte de 2027 a partir da identificação de elementos de futuro extraídos de documentos nacionais e internacionais. Da análise desse material foi possível estabelecer as diretrizes/objetivos da 7

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organização territorial pretendida que orientou a construção de todo o Estudo e identificar um conjunto de valores, fundamentos e meios, os quais serviram como alicerces da Visão Estratégica Nacional e sinalizaram os espaços preferenciais de intervenção para a construção do futuro desejado. Importante dizer que o Estudo da Dimensão Territorial para o Planejamento trabalha com a regionalização do País em duas escalas, uma sub-nacional (macrorregiões) e outra sub-regional (subregiões). A definição desses recortes territoriais foi realizada com base nos processos históricos da formação nacional, nas identidades sócio-culturais e nas conexões e relações advindas dos sistemas de cidades e respectiva rede urbana. No caso da regionalização em escala sub-regional foram também consideradas as diversas regionalizações existentes em escala estadual. A proposta do Estudo é que esta nova regionalização possa servir de referência para uma ampla articulação: público-público (intra e intergovernamental), público-privado e público-sociedade civil organizada. Além da análise prospectiva realizada no módulo da Visão Estratégica Nacional, o Estudo se propôs a estudar a trajetória futura de 42 temas e setores, escolhidos entre aqueles que teriam grande influência para o ordenamento territorial brasileiro. A discussão das grandes questões oriundas das análises e cruzamentos de setores e temas foi desdobrada sob a forma de um conjunto de escolhas estratégicas, as quais fixam prioridades e propiciam arbitragens técnicas e políticas comprometidas, à luz dos imperativos globais, determinantes nacionais, elementos de futuro e gargalos que moldam a jornada de desenvolvimento territorial do Brasil nos próximos 20 anos. Essas escolhas estratégias foram materializadas ou refletidas nos investimentos em infra-estrutura e serviços selecionados para compor a Carteira de Investimentos. Ao discorrermos sobre a eficiência e a eficácia na produção e oferta de bens e serviços públicos, produzidos diretamente pelo Estado ou mediante indução do setor privado, focando o alcance de metas físicas, sentimos falta naturalmente em determinado momento de extrapolarmos o foco no produto e incorporarmos ao discurso os resultados das políticas públicas pelo seu impacto na sociedade e no território. Tal dimensão é a da efetividade, que ganha cada vez mais espaço no planejamento governamental contemporâneo tanto pelas imperfeições na transmutação de produtos da atuação governamental em benefícios reais que promovam o desenvolvimento quanto pela intangibilidade de alguns objetivos da sociedade. Mas o fato fundamental pelo qual precisamos saber se as políticas públicas são ou não efetivas é que os homens e mulheres que integram a sociedade, ao escolherem seu futuro, declaram uma escolha por saúde e não por tomógrafos, por segurança e paz e não por viaturas policiais ou submarinos, por democracia e não por urnas eletrônicas, por biodivesidade e não por fiscais ambientais. Incumbe ao planejador usar de sua técnica, conhecimento e sensibilidade para traduzir na medida do necessário essas escolhas em objetivos, metas e produtos, além de organizar, instrumentalizar e guarnecer o aparato estatal, zelando pela tentativa eterna de gerar no presente o futuro um dia escolhido.

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Bibliografia Abrúcio, Fernando Luiz (2007), “Trajetória recente da gestão pública brasileira: um balanço crítico e a renovação da agenda de reformas”, em Revista da Administração Pública, edição especial comemorativa 1967-2007, p. 67 – 86, Rio de Janeiro. Almeida, Paulo Roberto de (2006), “ A experiência brasileira em planejamento econômico: uma síntese histórica”, em “Planejamento e Orçamento Governamental” , Giacomoni, J. E Pagnussat, J. L. (Org.), Coletânea, Vol. 1, Brasília, Escola Nacional de Administração Pública. Brasil, Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, Secretaria de Planejamento e Investimento Estratégico - SPI (2008), “Estudo da Dimensão Territorial para o Planejamento”, Brasília, MPOG. Bresser-Pereira, Luiz Carlos (2001) “Do Estado patrimonial ao gerencial” , em Pinheiro, Wilheim e Sachs (orgs.), Brasil: Um Século de Transformações. p. 222-259, São Paulo, Cia. Das Letras. Pollit, Christopher e Bouckaert, Geert (2002), “Avaliando reformas da gestão pública: uma perspectiva internacional”, em Revista do Serviço Público, Ano 53 nº 3, p. 5-31, Brasília, Escola Nacional de Administração Pública. Souza, Antônio Ricardo (2004), “As trajetórias do planejamento governamental no Brasil: meio século de experiências na administração pública”, em Revista do Serviço Público, Ano 55 nº 4, p. 5-29, Brasília, Escola Nacional de Administração Pública. Resumo Biográfico Afonso Oliveira de Almeida é brasileiro, nascido em Santana, Bahia, graduado em Letras Português/Inglês, é Secretário de Planejamento e Investimento Estratégico do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão; Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental pela Escola Nacional de Administração Pública - ENAP; Membro titular da Comissão de Financiamentos Externos – COFIEX; é Presidente da Comissão Nacional de Cartografia – CONCAR; é Membro Titular do Grupo Executivo do Programa de Aceleração do Crescimento – GEPAC; é Coordenador Nacional da Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional da América do Sul – IIRSA. Ocupou os cargos de Assessor da Secretaria Adjunto da Casa Civil, Assessor da Secretaria Executiva da Casa Civil, Assessor da Secretaria Executiva do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão e Assessor da Secretaria de Desenvolvimento Regional do Ministério da Integração. Foi diretor administrativo do Banco Regional de Brasilia - BRB - e Presidente da Sociedade de Abastecimento de Brasília - SAB.

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Gráficos Cartograma 1: PIB per capita municipal em 2006. Quintis, cores mais escuras representam valores mais baixos. (Fonte: IBGE. Elaboração própria).

[=EF] PIB per capita 2006 261004,62 N= 1101 10743,83 N= 1101 7498,01 N= 1102 4752,49 N= 1101 3030,58 N= 1101 1368,35

M=19409,71 S=17603,94 M=8923,90 S=915,08 M=6155,32 S=789,64 M=3708,75 S=487,89 M=2462,91 S=360,47

Ausência de informação As superfícies dos retângulos do histograma são proporcionais ao número de unidades espaciais em cada classe definida sobre a variável : 'PIB per capita 2006' máximo = 1102 para a classe n° 3

Percentual de moradores em domicílios particulares permanentes urbanos com acesso a rede geral de coleta de esgoto Elaborado com Philcarto * 21/7/2009 18:47:32 * http://philcarto.free.fr

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Cartograma 2: (Fonte: CadÚnico, Elaboração Própria)

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Cartograma 3: Os seis Territórios da Estratégia, segundo o Estudo da Dimensão Territorial para o Planejamento (Fonte: Estudo da Dimensão Territorial para o Planejamento, MPOG, 2008)

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