Alexandre, a história Conheça a trajetória do conquistador e sua importância para a formação da cultura ocidental Publicado em 13/01/2005 - 15:10
Por Carlos Brazil Um homem que viveu há mais de 2.300 anos e ainda desperta grande interesse. Um personagem controverso, do qual há opiniões das mais diversas, desde aqueles que o consideram um herói até os que o qualificam como figura desumana. Um conquistador que construiu em pouco mais de uma década um dos maiores impérios da História da humanidade. Este é Alexandre, O Grande - filho do rei da Macedônia, Felipe II -, que ao assumir o trono de seu país iniciou uma campanha de expansão de seus limites territoriais nunca antes vista pelo homem. Ele não chegou a completar 33 anos de idade, mas deixou um legado considerado de grande relevância para a formação do que hoje é conhecida como cultura ocidental. Alexandre - considerado um gênio militar à frente de seus exércitos - extendeu os domínios da Macedônia (à época, umas das sociedades que compunham a comunidade helenística, na Grécia antiga) desde o Mar Egeu, na Europa, até o norte da Índia (Ásia). Para chegar até lá, passou pelo Egito (África), Turquia, Afeganistão e Paquistão (Ásia). Mas, afinal, qual é a real relevância da figura de Alexandre para a História da humanidade? "Alexandre é um nome importante para a definição mesmo do que é o Ocidente. É ele que vai alargar os limites do que até então poderia ser reconhecido como sendo uma possível fronteira do que entendemos hoje por Ocidente, que era a Grécia clássica das cidades-estados, no Mediterrâneo Ocidental", afirma o professor José Otávio Nogueira Guimarães, do Departamento de História do Instituto de Ciências Humanas da UnB (Universidade de Brasília). "Ele era realmente uma figura diferenciada, e creio que nenhum líder na História da humanidade tenha uma trajetória tão fulgurante e conseguido em tão pouco tempo realizar tanta coisa", diz, por seu lado, o professor de História Antiga José Luciano Cerqueira, coordenador do curso de graduação em História da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco). Alexandre surge na História em um momento de crise da cultura helenística, com a decadência das chamadas cidades-estados da Grécia Antiga após a Guerra do Peloponeso, que envolveu as duas mais destacadas cidades de então: Atenas e Esparta. "A época de Alexandre, que é o século IV a.C. - ele nasceu em 356 a.C., Felipe, o pai dele, assumiu o trono da Macedônia em 359 a.C.-, é marcante. Ele surge num momento em que o mundo grego está passando por uma crise muito grande. O modelo grego político por excelência era o da polis, ou cidade-estado. Mas uma guerra entre as duas principais polis gregas - que eram Atenas e Esparta, e essa foi a Guerra do Peloponeso, que durou 27 anos - desgastou o modelo ao extremo. Foi uma guerra que implicou em traições de parte a parte, saques... quase todos os valores gregos foram abandonados. Então, essa guerra desgastou tanto o modelo de cidade aristocrática, representado por Esparta, quanto o modelo de cidade democrática, representado por Atenas", explica Cerqueira. Transição Desta forma, Alexandre se insere em um momento de transição, e sua atuação será determinante para a formatação do período que vem a seguir de sua curta trajetória de líder que morre muito jovem. "O que o Alexandre vai fazer com suas conquistas - que em um primeiro momento se estendem sobretudo em direção do Oriente - é colocar essa Grécia clássica em contato com um mundo até então desconhecido e que vai permitir justamente esse processo de alargamento da noção de Ocidente no sentido de que esse Ocidente vai ser vitorioso militarmente, pelo menos com Alexandre, nesse processo de expansão das fronteiras do mundo helênico. Então, acho que Alexandre é, em grande parte, um dos responsáveis pelo fato de que o legado cultural grego tenha permanecido e tenha se consolidado durante esse momento", analisa o professor José Guimarães. A expansão promovida por Alexandre e seus exércitos em pouco mais de dez anos permitiu a propagação da
cultura helenística para pontos jamais antes imaginados pelos homens de então. "Alexandre acelerou a helenização", diz Cerqueira. Outra marca desse grande conquistador era sua característica visionária. Ele enxergava mais longe e via oportunidades e perpectivas em lugares que, posteriormente, viriam a ser comprovados como estratégicos. É o caso das chamadas Alexandrias - estima-se que teriam sido fundadas 32 cidades com este nome - que, mesmo depois da morte de Alexandre, viriam a demonstrar grande vigor e tornar-se pólos culturais e econômicos de importância considerável. O principal exemplo foi a Alexandria erguida no Egito, ao largo do delta do rio Nilo. A cidade experimentou tal prosperidade que foi considerada uma das mais importantes da Antigüidade, com sua biblioteca, museu e o próprio Farol de Alexandria, uma das sete maravilhas da humanidade. Alguns estudiosos dizem que a cidade teria tido uma população de mais de 1 milhão de pessoas. "O olho dele (Alexandre) para escolher cidades é um dos aspectos importantes para a civilização ocidental. Essas várias Alexandrias seriam grandes centros de difusão do pensamento grego, helênico", indica o professor Cerqueira. Credita-se, também, a Alexandre a construção dos alicerces do que seria, posteriormente e por centenas de anos, o protótipo de modelo político hegemônico na humanidade. Primeiro, com o Império Romano, que sucedeu o seu império algumas centenas de anos após sua morte. A seguir, o modelo de compreensão entre os povos, que acabou sendo marco da atuação de Alexandre em relação a seus conquistados e que viria a se refletir na cultura cristã, surgida pouco mais de 300 anos depois. "Vai ser uma coisa importante, porque esse é um momento em que a ordem das cidades-estados, que era extremamente rígida, institucional - quer dizer, se você nascesse cidadão você tinha direito a ter uma dignidade, a ser um animal racional, a participar do mundo político -, vai ser rompida. Passa-se a dizer em tom de igualdade: `você pode ser homem, mulher, escravo, desde que tenha contato com o ecúmeno, com a totalidade´. Isso está preparando o cristianismo: `somos todos irmãos desde que nascemos´. Isso é revolucionário para a época", avalia José Guimarães. "A inserção do homem no mundo se dá agora pela sua individualidade, porque ele é um particular na história, e não porque ele faz parte de uma casta, de uma rede." "Os gregos eram extremamente auto-referentes. Eles achavam que grego era uma coisa e bárbaro era outra. E todo mundo que não fosse grego era bárbaro. Portanto, seria inferior. Alexandre já tinha uma posição diferente. Ao longo da campanha dele, que vai realizar contra o Império Persa, vai deixando transparecer cada vez mais até afirmar isso claramente nos seus últimos anos de vida - que para ele não há distinção entre bárbaros e nãobárbaros. A distinção é entre os homens bons e maus. Esse vai ser um traço de Alexandre", acrescenta Cerqueira. "Eu acho que o que tem de interessante em Alexandre, que vai preparar o terreno para uma posterior civilização como a romana, é justamente esse processo de absorção e sincretismo, que é uma das características principais do chamado período helenístico histórico, no qual se dá a ação de Alexandre, de absorção de cultura, elementos artísticos, religiosos e até mesmo sócio-políticos", conclui. Combatente tenaz Parte da tradição historiográfica construída sobre a figura de Alexandre a partir do século XIX valoriza muito as habilidades militares do personagem. Ele é reconhecido como um grande líder e até mesmo estudiosos da área de Administração citam suas estratégias de logísticas como exemplares para o sucesso de sua campanha militar. Para se ter uma idéia, ao invadirem a cidade de Tiro - uma ilha contígua à costa do Mediterrâneo que possuía um importante porto a serviço dos persas -, Alexandre e suas tropas promoveram um cerco de sete meses no qual construíram uma passagem entre o continente e a ilha para viabilizar o transporte de suas máquinas de guerra e das tropas. "Alexandre se destaca mais por ver mais longe e agir com muita rapidez. Ele sempre combateu com um número de tropas muito inferior que os inimigos. Mas se movia com muita rapidez, aparecia onde não se esperava, desnorteava, surpreendia os inimigos nas suas movimentações", lembra Cerqueira.
Aventureiro O que chama também a atenção da pessoas na personalidade de Alexandre é o seu espírito conquistador e aventureiro. Ele percorreu mais de 6.500 quilômetros com suas tropas, atingindo localidades jamais antes vistas por seus pares helênicos. "Ele faz uma viagem de sete anos que parece mais expedição científica do que propriamente uma campanha militar. Alexandre chegou a correr riscos de vida várias vezes em combate, mas não havia nada assim tão importante em jogo. Ele pretendia continuar, e, se o tivesse feito, teria penetrado em território chinês. Mas seus soldados se revoltaram, terminaram não aguentando mais, e, no norte da Índia, na região que seria hoje o Paquistão, no rio Hindus, ele iniciou, a contragosto, a viagem de volta. Aí volta para a Babilônia (coração do antigo Império Persa conquistado por ele, onde hoje localiza-se o Iraque), onde vai viver muito pouco tempo. Dizem que tinha planos para conquistar a Arábia, para conquistar Roma, Cartago... ninguém sabe certamente quais eram os planos dele. Mas, aí, morreu com 33 anos incompletos", indica Cerqueira. "Foi tão longe com apenas 33 anos quanto ninguém antes tinha ido." Figura controversa Se por um lado as características de liderança, genialidade militar, reconhecimento de outras culturas e capacidade de mobilização são marcas valorizadas na figura de Alexandre, outros traços de sua personalidade e algumas de suas atitudes deixaram manchas em sua reputação. Não é necessário ir muito longe para notar essas perspectivas negativas em relação à personalidade do conquistador. Uma canção de Zé Ramalho muito popular, Mulher Nova, Bonita e Carinhosa Faz o Homem Gemer Sem Sentir Dor, composta sobre poema de Otacílio Batista, cita em determinado trecho: "Alexandre, figura desumana, fundador da famosa Alexandria...". Também em algumas localidades por onde Alexandre passou na Ásia e Oriente Médio, é mantida a tradição de que o conquistador seria o próprio diabo. Esses predicados negativos foram adquiridos diante de atitudes violentas e radicais. Um exemplo foi a destruição da cidade de Persépolis, na Pérsia, decidida por vingança contra uma invasão persa à Grécia 150 anos antes, ou então o extermínio da população masculina de Tebas (Grécia) após uma guarnição militar macedônica ter sido dizimada. As mulheres e crianças sobreviventes deste ataque foram vendidas no mercado de escravos. "Alexandre é uma das figuras mais polêmicas do universo historiográfico do século XIX para cá. Foram construídas várias personagens diferentes em torno dos testemunhos que chegaram até nós. Em torno de Alexandre, há todo um ciclo lendário", explica o professor José Guimarães. "Ao lado do gesto bárbaro de quem mandou incendiar Persépolis, ele mandou prestar grandes homenagens ao rei (Dario, da Pérsia, grande oponente de Alexandre em sua busca pela conquista da Pérsia, que veio a ser assassinado por seus próprios aliados) e assumir o trono persa. Depois disso, iria se casar com uma das filhas de Dario e fez questão que o assassino fosse encontrado, punido e executado", pondera, por sua parte, Cerqueira. Sexualidade O filme Alexandre, do diretor Oliver Stone, chegou aos cinemas provocando grande polêmica, principalmente em razão de como é tratada a sexualidade de Alexandre, O Grande. Na superprodução, o conquistador mantém um relacionamento muito íntimo com seu grande amigo de infância, Hefestion, além de serem sugeridas outras experiências homosexuais, tanto de Alexandre quanto de companheiros seus. Mas o que há de verdade nessa abordagem sobre a eventual homossexualidade do personagem? "O que eu acho importante lembrar é que existe uma historicidade dessas fronteiras. O que é o que a gente chama hoje de másculo, não no sentido biológico, mas no sentido cultural, mudou. E na cultura grega clássica, havia um grande espaço para práticas homossexuais, que faziam parte do processo de iniciação guerreira de jovens. Jovens se iniciavam tendo relações sexuais com outros jovens soldados, jovens oblitas, ou jovens cavalheiros, o que era visto como algo completamente separado da vida conjugal e sexual que eles tinham nos seus casamentos. Não era algo que entrava em conflito ou em contraste com isso. Na cultura helênica, em geral, existiam certas práticas homossexuais, sobretudo pelo sexo masculino, que eram aceitas socialmente e
institucionalmente. O cristianismo, bem mais tarde, é que vai moralizar um pouco e tentar excluir isso", lembra José Guimarães. Em busca do mito Indícios históricos apontam um grande fascínio de Alexandre pelos mitos gregos, sendo Aquiles, o grande herói grego da Guerra de Tróia, um de seus modelos. Seria Alexandre tão vidrado na possibilidade de tornar-se um mito e ter seu nome lembrado por toda a história, assim como seu ídolo Aquiles que trocou uma vida pacata e longeva pela morte na juventude mas tendo seu nome gravado para a eternidade na História dos homens? A História parece dizer que sim.