lutero e a lei de deus
lutero e a lei. a dial�tica entre lei e evangelho � ponto focal da teologia de lutero, sem a qual n�o podemos entender suas id�ias acerca de temas como justifica��o, predestina��o e �tica. o principal contraste que lutero v� dentro da escritura n�o � entre os dois testamentos, mas entre lei e evangelho. embora exista mais lei que evangelho no antigo testamento e mais evangelho do que lei no novo testamento, n�o se pode simplesmente identificar o antigo testamento com a lei, nem o novo com o evangelho. ao contr�rio, o evangelho tamb�m est� presente no antigo testamento, assim como a lei ainda pode ser ouvida no novo testamento. na realidade, a diferen�a que existe entre lei e evangelho est� relacionada com duas fun��es que a palavra de deus exerce no cora��o do crente, e assim a mesma palavra pode ser lei ou evangelho, dependendo da maneira como fala ao crente. a lei � a vontade de deus, que se manifesta na lei natural, conhecida por todos; nas institui��es civis � tais como o estado e a fam�lia � que expressam essa lei natural; e na declara��o positiva da vontade de deus na sua revela��o. a lei tem duas fun��es b�sicas: (a) como lei civil, ela refreia os �mpios e proporciona a ordem necess�ria tanto para a vida social quanto para a proclama��o do evangelho; (b) com lei "teol�gica," ele desvenda ao ser humano a enormidade do seu pecado. � nessa fun��o teol�gica que a lei � relevante para o entendimento da teologia de lutero. a lei � a vontade de deus, mas quando essa lei � contrastada com a realidade humana ele se torna uma palavra de condena��o e suscita a ira de deus. em si mesma, a lei � boa e agrad�vel; todavia, depois da queda a humanidade ficou incapaz de satisfazer a vontade de deus, e assim a lei se tornou para n�s uma palavra de julgamento e ira. "assim, a lei revela um duplo mal, um interno e o outro externo. o primeiro, que n�s causamos a n�s mesmos, � o pecado e a corrup��o da natureza; o segundo, que deus causa, � a ira, a morte e a maldi��o" (contra latomus, 3 � lw 32:224). colocando de outra maneira, a lei � o "n�o" divino pronunciado contra n�s e contra toda realiza��o humana. embora a sua origem seja divina, ela pode ser usada tanto por deus, conduzindo as pessoas ao evangelho, como pelo diabo, conduzindo-as ao desespero e �dio contra deus. isso se aplica n�o somente ao antigo testamento, mas tamb�m ao novo e at� mesmo �s palavras de cristo. isso porque, se as pessoas n�o receberem o evangelho, as palavras de cristo permanecem como uma exig�ncia ainda mais rigorosa � torturada consci�ncia humana. em si mesma, a lei deixa os seres humanos numa situa��o de desespero e, portanto, torna-os joguetes do diabo. "em meio � afli��o e aos conflitos da consci�ncia, o diabo costuma amedrontar-nos com a lei e dirigir contra n�s a consci�ncia do pecado, nosso passado �mpio, a ira e o ju�zo de deus, o inferno e a morte eterna, a fim de que dessa maneira possa levarnos ao desespero, sujeitar-nos a si mesmo e arrancar-nos de cristo" (prele��es sobre g�latas, 1535 � lw 26:10). no entanto, a lei � tamb�m o meio pelo qual deus nos conduz a cristo, pois quando ouvimos o "n�o" de deus contra n�s e contra os nossos esfor�os, estamos prontos para ouvir o seu amoroso "sim," que � o evangelho. o evangelho n�o � uma nova lei, algo que simplesmente esclare�a as exig�ncias de deus quanto a n�s; n�o � um novo meio pelo qual podemos aplacar a ira de deus. � o "sim" imerecido que em cristo deus pronunciou sobre n�s. o evangelho liberta-nos da lei, n�o por capacitar-nos para cumprir a lei, mas ao declar�-la cumprida por n�s. "o evangelho n�o proclama nada mais que a salva��o pela gra�a, dada ao homem sem quaisquer obras e m�ritos"
(serm�o, 19-10-1522 � lw 51:112). e todavia, mesmo dentro do evangelho e ap�s termos ouvido e aceito a palavra de gra�a da parte de deus, a lei n�o � inteiramente posta de lado. embora justificados, somos ainda pecadores e a palavra de deus ainda nos mostra a nossa condi��o. a diferen�a � que agora n�o precisamos nos desesperar, pois sabemos que, a despeito da nossa mis�ria, deus nos aceita. assim, podemos verdadeiramente nos arrepender dos nossos pecados sem tentar ocult�-los, quer negando-os ou confiando em nossa pr�pria natureza. isso nos leva ao conceito de lutero sobre a justifica��o � a imputa��o da justi�a de cristo. se a justifica��o n�o depende da nossa pr�pria justi�a, mas da atribui��o da justi�a de deus a n�s, o crist�o � ao mesmo tempo justo e pecador ("simul justus et peccator"). a justifica��o n�o significa que somos tornados perfeitos ou que deixamos de pecar (rm 7). na sua vida terrena, o crist�o ir� continuar a ser um pecador, mas um pecador justificado e assim libertado da maldi��o da lei. isso n�o quer dizer que a justifica��o nada represente para a vida concreta do crist�o. ao contr�rio, a justifica��o � tamb�m a obra pela qual deus, al�m de declarar-nos justos, tamb�m nos faz viver de acordo com esse decreto, conduzindonos � justi�a. portanto, "um homem que � justificado ainda n�o � um homem justo, mas est� no pr�prio processo de mover-se em dire��o � justi�a" (disputa acerca da justifica��o � lw 34:152). assim � a vida crist�: uma peregrina��o da justi�a para a justi�a; da imputa��o inicial de justi�a por deus at� o tempo em que seremos de fato tornados justos por deus. nessa peregrina��o, as obras desempenham um papel importante, como um sinal de que a f� verdadeira de fato foi recebida. "devemos confirmar a nossa posse da f� e do perd�o dos pecados mostrando as nossas obras" (o serm�o da montanha, mt 6.14-15 � lw 21:149-50). � nesse ponto que a lei � especialmente o dec�logo e os mandamentos do novo testamento � desempenham um novo papel na vida do crente. a sua fun��o civil, que � necess�ria para a ordem da sociedade, ainda permanece. a sua fun��o "teol�gica", que � mostrar o nosso pecado, ainda � necess�ria, pois o indiv�duo justificado ainda � um pecador. mas agora o crist�o se relaciona de maneira diferente com esse aspecto da lei. "por�m, agora eu descubro que a lei � preciosa e boa, que ela me foi dada para a vida, e agora ela � agrad�vel para mim. antes ela me dizia o que fazer; agora estou come�ando a moldar-me aos seus apelos, de modo que agora eu louvo, engrande�o e sirvo a deus. isso eu fa�o por meio de cristo, porque nele creio. o esp�rito santo entra em meu cora��o e gera em mim um esp�rito que se compraz nas suas palavras e obras, mesmo quando ele me repreende e me sujeita � cruz e � tenta��o" (serm�es sobre o evangelho de jo�o � lw 22:144). assim, agora a lei tem uma fun��o diferente, pois ela ao mesmo tempo repreende os pecadores que os crist�os ainda s�o e mostra-lhes o caminho a seguir no seu desejo de fazer o que � agrad�vel a deus. a raz�o que levou lutero a insistir nesse uso da lei foi a afirma��o feita por alguns entusiastas de que, como tinham o esp�rito, eles n�o mais estavam sujeitos aos preceitos da lei. lutero percebeu as conseq��ncias ca�ticas que resultariam de tal asser��o e por isso a corrigiu dizendo que, embora o crist�o n�o mais esteja sujeito � maldi��o da lei, a lei ainda � uma express�o boa e adequada da vontade de deus. isso diz respeito �s leis morais expressas em ambos os testamentos, as quais se harmonizam com a lei natural e o princ�pio do amor, que � supremo no novo testamento.