A Vontade De Dizer

  • April 2020
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À minha mãe e ao meu pai, que estiveram sempre comigo, e permitiram que alcançasse os meus objectivos. Obrigado.

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Gostaria de agradecer á minha orientadora, Cláudia Marisa, pela disponibilidade e atenção prestadas mesmo em tempo de férias. À minha mãe, à Daniela e à Luísa que me apoiaram e ajudaram a concentrar. Ao Bruno pela disponibilidade e pelas imagens bem tratadas. À Juliana Silva e à Anabela Lopes pelas agradáveis conversas. Ao professor João Henriques e professora Maria Luís França que me incutiram o gosto por esta disciplina, e a todos os outros que acompanharam o meu percurso universitário como tutores, colegas e amigos. Um grande Obrigado!

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RESUMO ANALÍTICO

Na descrição das características do aparelho vocal, procuramos explorar a libertação das capacidades da voz para possibilitar um aumento da sua flexibilidade de resposta aos estímulos que pode encontrar no trabalho de representação.

In the depiction of the vocal system characteristics, we try to explore how to release the voice in order to obtain an increase of its flexibility to react to the stimulation of the acting work.

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PREFÁCIO

Este trabalho tem como objectivo explorar um possível método a usar, pelo actor, na passagem do texto à fala, ou seja, à acção. Partiu-se de um raciocínio baseado nos conhecimentos adquiridos no seminário de Voz/Texto em confronto com os exercícios de Cecily Berry em “Voice and the Actor”. A maior dificuldade foi criar um método em si, pois estando a defender que o uso da voz deve ser unicamente livre e que a aproximação ao texto se deve fazer através de uma “vontade de dizer”, aquilo a que nos podemos referir são os problemas que podem surgir e como ultrapassá-los através do pensamento. Assim, devido à quantidade de problemas que podem existir e à especificidade que eles tomam em cada indivíduo, a aplicação deste método pode carecer de apoio de alguém exterior ao trabalho que possa identificar as dificuldades que nele decorram. Por essa razão, permitimos que o trabalho abordasse o tema de um modo geral e apresentamos exemplos práticos, mais detalhados, para a compreensão dos conceitos expostos.

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ÍNDICE

Dedicatória……………………………………………………………………….I Agradecimentos………………………………………………………………….II Resumo Analítico ............................................................................................... III Prefácio ............................................................................................................... IV Índice ....................................................................................................................V Índice de Ilustrações ........................................................................................... VI Introdução ............................................................................................................. 1 Capítulo I - O Aparelho fonador ........................................................................... 2 Capítulo II – O uso de uma voz livre .................................................................... 5 II.1. - A Voz do Indivíduo ................................................................................ 5 II.2. - A Voz do Actor ....................................................................................... 6 II.2.1 - Postura e Relaxamento ..................................................................... 8 II.2.2. – Respiração ....................................................................................... 9 II.2.3. - Cordas Vocais ................................................................................ 10 II.2.4. - Pontos de foco da voz (uso dos ressoadores)................................. 11 Capítulo III -A vontade de dizer ......................................................................... 14 Capítulo IV – Diário das aulas do Seminário Voz/Texto ................................... 22 25 de Setembro ........................................................................................... 22 26 de Setembro ........................................................................................... 24 2 de Outubro ............................................................................................... 25 4 de Outubro ............................................................................................... 26 5 de Outubro ............................................................................................... 27 Conclusão ........................................................................................................... 28 Posfácio............................................................................................................... 30 Bibliografia ......................................................................................................... 33 Página | V

ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES

Ilustração 1 - aparelho fonador

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Ilustração 2 - representação esquemática da laringe

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Ilustração 3 - representação esquemática de um corte lateral da cabeça

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Ilustração 4 - postura vertical e sentada

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Ilustração 5 - corte sagital da laringe

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Ilustração 6 - laringe (vista superior)

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Ilustração 7 - pontos de foco da voz

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Ilustração 8 - boca (ressoadores à frente e atrás)

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Ilustração 9 - ressoadores da cabeça

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Ilustração 10 - caixa torácica (ressoadores do peito)

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INTRODUÇÃO

“ A voz é consequência de um pensamento que quer ter som!” João Henriques No decorrer de um ano de licenciatura em estudos teatrais e na perspectiva da partida para a profissionalização, tornou-se necessário no trabalho da representação definir um caminho a seguir e um método a utilizar. De entre os seminários que frequentei, o de Voz/Texto com o professor João Henriques seguiu por linhas de trabalho com as quais me identifico. Trabalhámos a voz e a aplicação desta à leitura de um texto e sua consequente representação. Neste trabalho vamos tentar desenvolver um método de aproximação ao texto e à personagem com base nos conhecimentos adquiridos no seminário, confrontando-os com as técnicas de Cecily Berry apresentadas no seu livro “Voice and the Actor” (1973). Cremos que este possa ser um método útil ao actor devido á ligação intima entre texto e voz, uma vez que esta é o suporte mais directo por onde o texto é comunicado ao espectador. O trabalho inicia-se com o estudo do aparelho vocal e do seu uso, defendendo que o actor não deve trabalhá-lo para atingir um certo estilo de voz, mas sim para o libertar, permitindo a produção de um som que aproveite as potencialidades do seu corpo. Na aproximação ao texto, vamos encontrar um ponto de partida comum à voz e ao texto – o pensamento – e perceber como este pode influenciar e ajudar na passagem do escrito ao falado através da “vontade de dizer”. O trabalho está dividido em quatro capítulos: o aparelho fonador; o uso de uma voz livre; a vontade de dizer; e diário das aulas do Seminário de Voz/Texto.

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CAPÍTULO I - O APARELHO FONADOR

O aparelho fonador é o conjunto de órgãos do ser humano que intervêm na produção do som. Deste aparelho fonador fazem parte:

Ilustração 1

Produtores - São os pulmões, os músculos abdominais, o diafragma, os músculos intercostais e os músculos extensores da coluna vertebral. Ao contraírem-se produzem a coluna de ar que vai pressionar as cordas vocais fazendo-as vibrar. A maioria dos sons que conhecemos é produzida deste modo, sob a expiração, sendo a inspiração um momento de pausa. Vibradores - São as pregas vocais situadas na laringe. Quando em relaxamento permitem a passagem do ar, sem som, para a respiração. Para a produção do som as Página | 2

pregas vocais contraem-se e vibram com a passagem forçada do ar. Existem dois tipos de pregas na laringe com diferentes funções: as pregas vocais, situadas a um nível inferior que produzem o som; e as pregas vestibulares, situadas por cima das vocais que têm a função de defesa do organismo. São estas últimas que fecham quando os alimentos conseguem atravessar a epiglote para os pulmões ou quando a coluna de ar da expiração é tão forte que pode prejudicar o funcionamento das pregas vocais.

Ilustração 2

Ressoadores - são a faringe, a cavidade bucal, e a cavidade nasal. Estes órgãos ampliam o som e conferem-lhe as suas características sonoras (timbre). Fazem-no através da forma que adoptam para cada som e através do material que os constitui (por exemplo, os dentes conferem ao som características diferentes das do palato mole). Articuladores - são a língua e os lábios. Conforme a forma que tomam e os obstáculos que criam ao som já formado, articulam-no e dão-lhe sentido, dando origem aos vários sons que constituem, no caso do ser humano, a linguagem e transmitem o seu pensamento. Página | 3

Ilustração 3

O próximo conjunto de órgão não faz parte do aparelho fonador, mas a sua inclusão aqui é útil ao trabalho do actor, uma vez que este deve procurar ter a melhor percepção do som que produz, como será desenvolvido no CAPITULO II 2.3 Sensor/Coordenador - são o ouvido e o cérebro, que captam, seleccionam e interpretam o som. Deste modo interpretam não só o som em si, mas os pensamentos de outro indivíduo. Assim, de um modo geral, e de acordo com a Acústica (ciência que estuda o som), para a produção de um som é necessário: Fonte de Energia - Aquilo que movimenta uma massa de ar que dá origem, no caso do ser humano, à produção da fala – Produtores; Fonte Sonora - Um corpo que vibra, transformando a passagem de ar em ondas sonoras – Vibradores; Ressoador - Corpo onde se modela o som conferindo-lhe certas características tímbricas – Ressoadores;

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CAPÍTULO II – O USO DE UMA VOZ LIVRE

II.1. - A Voz do Indivíduo

A voz humana revela bastante sobre o carácter ou personalidade de um indivíduo não só pelo modo como este usa a linguagem, mas também pelo seu tom, timbre e ritmo. A nossa voz revela também muito acerca do modo como enfrentamos várias situações. Para além das palavras, exprimimo-nos pela intensidade ou altura da nossa voz quando nos rimos, choramos, ou zangamos (cfr. READER’S DIGEST, 1991, p.364). Assim, segundo BERRY (1973, pp.7 e 8) existem vários factores que influenciam o desenvolvimento da voz, tais como: O ambiente – Durante a infância aprendemos a falar, inconscientemente. Como refere ALVES (2003, p.82), “(…) ninguém sabe como a linguagem foi ensinada nem como ela foi aprendida.”. Aprendemos devido às necessidades que temos e porque somos influenciados pelos sons que ouvimos; captamos o tom e forma da fala dos que nos rodeiam. A audição – Diz respeito à percepção do som. Algumas pessoas ouvem sons mais distintamente que outras. Ao ter uma melhor percepção do som, estamos abertos para um maior número de notas na voz e diferentes entoações das mesmas. A agilidade Física – Diferentes pessoas têm diferentes graus de liberdade e consciência muscular. Isto deve-se em parte ao ambiente onde estão inseridas, mas não só, pode ser uma característica da sua personalidade. Por exemplo e citando READER’S DIGEST (2003, p.364), “… uma mulher jovem que tenha sido educada para ser amável, generosa e conformada pode adquirir uma voz colocada num timbre elevado, mas com um tom suave e agradável. Portanto ela poderá achar extremamente complicado – se não impossível – ser levada a sério quando exprime emoções mais Página | 5

“dominantes”.”. Isto porque os músculos do seu aparelho fonador se encontram “viciados” em certas posições e movimentos e a sua agilidade está limitada. A personalidade – É à luz da personalidade que se interpretam os três factores anteriores. Começamos a descobrir o som na infância através da imitação, mas é a nossa reacção emocional à família, o nosso grau de sensibilidade ao som, a nossa necessidade individual de comunicar e a facilidade em fazê-lo, que são os factores que contribuem para a evolução da nossa voz e discurso. Também ligado à personalidade está o empenho em comunicar através da fala. Quanto menor essa determinação, menos firmemente se usará os músculos. Tem que se ligar a intenção mental com a acção física da fala. Tudo o referido até aqui aplica-se ao indivíduo em geral e não são factores limitadores, a não ser nalguns casos muito particulares. No entanto, o actor tem que ter em conta que deve ampliar as possibilidades de uso da sua voz, e estes factores passam a ser uma das suas preocupações.

II.2. - A Voz do Actor

Uma vez que vamos tratar da voz do actor, temos de nos focar não só no processo vocal em si, mas também no objectivo deste no teatro. Encarando o teatro na sua globalidade, como fenómeno complexo que é, e não na sua dimensão simplesmente literária ou textual, implica que o encaremos como fenómeno comunicativo. Cada peça transmite uma mensagem, cujas peculiaridades lhe conferem o estatuto de “mensagem estética” (cfr. BARBOSA , 1982, p.30). Assim sendo, o actor tem um papel fundamental nesta comunicação, ainda que todos os outros elementos de uma produção teatral contribuam para isso, mas, citando BARBOSA (ibid., p.31) “(…) na sua manifestação mais simples, o teatro reduzir-se-á necessariamente a um actor e um espectador – um ser humano diante de outro ser humano.”. Embora o actor possa comunicar através de todo o seu corpo, e fá-lo de facto, é através da fala que dá indicações específicas sobre o que sente e o que faz. Mas, não são apenas as palavras Página | 6

que transmitem uma mensagem, a voz do actor/individuo em si também tem valor num discurso. Muitos actores, durante o seu treino vocal, embrenham-se em exercícios que pretendem colocar-lhes a voz no sítio certo, a articulação no ritmo adequado e o tom ao nível pretendido para a representação. Mas existe algum tom certo de representação? REMÉDIOS (1908, p.362) faz-nos crer que sim, que há características que têm de ser adquiridas: “(…) O primeiro instrumento da pratica he a voz, & para essa ser engraçada no fallar há de ter estas propriedades. Ser clara, branda, chea, & compassada, porque a voz escura confunde as palauras, a áspera, & seca, tiralhe suauidade, a muito delgada & feminina faz impropria a acção do que falla, a muito apressada empeça e rouolue as razões que per si podem ser muito boas; não trato nas que a natureza inhabilitou para esta perfeiçaõ, como há a voz do gago, do cisioso, & do rústico grosseiro; mas na do cortesão tomara eu estes atributos (…)” Diríamos que não. Não existe uma maneira correcta de falar, como diz PETER BROOK (in BERRY, 1973, p.1) “ There is no right way – there are only a million wrong ways (…)”. Temos um instinto saudável que se rebela contra exercícios que pretendem formar uma voz. Em algumas partes do mundo, as pessoas ainda cantam pelo prazer de cantar e dançam pelo gozo de dançar, sem fazerem treinos físicos nem de canto, enquanto os seus músculos e cordas vocais realizam infalivelmente o que é esperado delas. (cfr. PETER BROOK in BERRY, 1973, p.1). Nesta perspectiva, o tom natural do ser humano será justo para a representação. O actor deve então usar uma voz livre e uma musculatura activa e disponível. Deve comunicar sendo é motivado pelo seu pensamento e pelas suas emoções, actuar reagindo às situações e não baseando-se apenas na técnica. Essa liberdade permite um tom de voz, diferente em cada indivíduo, com cores totalmente distintas, mas que transmite o pensamento com maior verdade. Acontece que cada um de nós sofreu as várias alterações já mencionadas. O actor tem, então, que se libertar de todos os entraves à produção de um som natural, Página | 7

sendo considerado natural o som que aproveita todas as potencialidades do corpo onde é produzido e do local onde se instala e propaga. O actor tem de se centrar não em como fazer os músculos produzir um som controlado, mas sim em como permitir à musculatura originar um som adequado (cfr. PETER BROOK in BERRY, 1973, p.1). Exercícios puramente técnicos para a voz nunca serão suficientes para o actor. O actor tem de encarar a fala como a parte de um todo; como uma mensagem que parte do seu pensamento e das suas necessidades individuais. Mas onde nos devemos focar para que o trabalho sobre a libertação da musculatura e o uso desta promova um aproveitamento de todos os recursos corporais de que dispomos para a produção vocal?

II.2.1 - Postura e Relaxamento

Não conseguimos expor exaustivamente este assunto devido à extensão dos conhecimentos existentes. De modo geral, e segundo FELDENKRAIS (1972, p.93), qualquer postura é aceitável como correcta desde que siga a seguinte regra: a estrutura esquelética deverá contrapor-se à força da gravidade, deixando os músculos livres para o movimento. O esqueleto deverá manter a posição do corpo sem uso de energia, de modo que os músculos possam estar relaxados para exercer movimento quando necessário, e não em contracção para suportarem o peso do corpo em vez do esqueleto. Claro que esta regra não é taxativa e é muito geral, uma vez que existem músculos que nunca estão em relaxamento completo. Existem músculos que têm um trabalho constante. O que se pretende nesta postura é o que LESSAC (1997, p.46) chama de “active rest”, ou seja, relaxamento activo. De acordo com FELDENKRAIS (ibid., p.94), existem músculos Página | 8

Ilustração 4

antigravitacionais que mantêm, por exemplo, a posição da cabeça, que actuam inconscientemente, mas devem fazê-lo apenas com o dispêndio de energia exacta para manter a verticalidade. O que acontece é que, por vezes, esses músculos estão em contracção desnecessária no indivíduo. Essa contracção deve ser detectada e diminuída até ao nível essencial. O corpo do actor deve estar sempre pronto para agir e mudar o seu estado, seja física ou vocalmente.

II.2.2. – Respiração

A respiração está intimamente ligada à postura, pois os músculos que sustentam o tronco são aqueles envolvidos na mesma, ou seja, os abdominais, intercostais e extensores da coluna. Podem assim considerar-se vários tipos de respiração consoante os músculos utilizados. São eles a respiração peitoral, abdominal e intercostal. Respiração peitoral – Usa somente os músculos do peito; dá-se na parte superior do peito não usando toda a capacidade dos pulmões. Respiração abdominal – Usa apenas a parte mais inferior do tronco e é apoiada pelo diafragma. Respiração intercostal – Usa a toda a parte inferior da caixa torácica. A respiração mais adequada para o actor será aquela que lhe fornece uma maior quantidade de ar e lhe permite um grande controlo sobre o fluxo da coluna de ar. A melhor combinação será usar a respiração abdominal aliada à respiração intercostal. E como usar esta combinação de respirações? Aplicando o estudado e verificado no seminário de Voz/Texto, leccionado pelo professor João Henriques, no ano lectivo de 2006/07, estes dois tipos de respiração devem ser usados segundo um princípio de forças complementares, isto é, depois de encher os pulmões de ar nestas duas zonas, os músculos abdominais devem empurrar a coluna de ar para cima, enquanto os músculos intercostais mantém a sua posição Página | 9

contrariando a coluna de ar. Esta acção vai deixar um espaço mais reduzido à movimentação de ar permitindo maior controlo (cfr. LEHMANN, s.d., p.9) (Em termos visuais imaginemos um balão cheio de ar que é libertado com o bucal aberto. Como o ar dentro do balão está sobre pressão ele vai procurar diminuir essa pressão saindo pelo bucal. Mas, sendo que o ar aplica pressão sobre a borracha do balão, esta exerce uma reacção contrária dirigida para o centro. Então o ar dirige-se primeiro para o centro e sai depois pelo bucal. Se o ar saísse de todas as direcções simultaneamente para o bucal, o seu fluxo seria demasiado para a sua passagem estreita, danificando-o.)

II.2.3. - Cordas Vocais

No ser humano, a fala e outros sons são produzidos por duas tiras de tecido muscular elástico e resistente, esticadas na abertura da laringe. São as cordas ou pregas vocais.

Ilustração 5 Ilustração 6

Quando a coluna de ar produzida no tronco atravessa a laringe encontra duas possibilidades: a passagem pode estar desimpedida, ou seja, as pregas vocais estão Página | 10

recolhidas e trata-se do processo da respiração; ou as pregas vocais podem estar quase fechadas e vibram à passagem do ar produzindo ondas sonoras (cfr. TORTORA, 1997, p.409). A quantidade de ar que chega à laringe e atravessa as pregas vocais, no caso da fala, deve ser controlada para, como já vimos, ser somente a mínima necessária para as fazer vibrar. Há uma tendência para aumentar a coluna de ar para obter um aumento na intensidade do som (quantidade de ondas sonoras, vulgarmente chamado de volume), o que é um erro, pois para haver um aumento na quantidade de ondas sonoras deve haver maior quantidade de material em vibração, pelo que a intensidade do som está dependente da porção da massa das pregas vocais em vibração e dos ressoadores envolvidos na reverberação e projecção do som. Quando isto não se verifica e a quantidade de ar ultrapassa a necessária para a produção do som, o organismo usa outro par de pregas, situado acima das pregas vocais - as pregas vestibulares - que têm como função proteger o organismo. Estas fecham quando algum alimento se dirige erradamente aos pulmões e ainda quando a coluna de ar é prejudicial aos tecidos que constituem as pregas vocais. (cfr. ibid., p.409)

II.2.4. - Pontos de foco da voz (uso dos ressoadores).

“Ressoador é todo o corpo que entra em vibração quando se lhe aproxima outro em estado vibratório” (COSTA, 1989, p.1442). E, como já vimos, existem vários ressoadores no aparelho fonador aos quais o som pode ser dirigido de modo a transmitir diferentes propriedades de som. Para ajudar no estudo e na percepção da posição dos ressoadores e do seu uso, criaram-se pontos imaginários para onde se pretende dirigir o som. São os pontos de foco da voz. Os quatro principais são conhecidos por: Cabeça, Peito, à Frente e Atrás. Podem criar-se quaisquer outros conforme as necessidades do estudo e produção vocal.

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Ilustração 7

1. Frente –Usa como ressoadores os dentes, o palato duro e a língua na articulação. Produz um som claro e aberto e por ser um ponto de articulação deve estar sempre presente no uso da voz. 2. Atrás – Usa como ressoadores o palato mole, a orofaringe e a úvula. Produz um som mais menos definido e cavernoso, mas mais amplo. É útil quando aliado á zona da Frente pois amplia o som ao Ilustração 8 aumentar o espaço de ressonância. 3. Cabeça – Usa como ressoadores a testa e a cavidade nasal (nasofaringe). É onde ressoam os harmónicos mais agudos e nos homens o falsete. Produz um som mais leve e serve para trabalhar a extensão da voz (aumento do número de frequências Ilustração 9 que se consegue produzir). 4. Peito – Usa como ressoadores a laringe, a parte anterior da língua e o peito(principalmente as costelas). Tem a função de encorpar o som, produzir um som mais cheio (maior espectro de frequências, ou mais harmónicos) e mais vibrante. Serve também para trabalhar a Ilustração 10 extensão da voz.

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Como deve o actor usar estes pontos de foco da voz? Analisando as características de cada um destes pontos podemos concluir que: • Movimentos na horizontal, ou seja, entre os pontos à Frente e Atrás, fazem variar o timbre da voz sem alterar o tom (ou frequência). Sendo o ponto da Frente um local de articulação é absolutamente necessário, no caso do actor, que ele se encontre presente durante toda a fala. Mas, em teatro o som deve ser amplificado para preencher todo espaço de representação. Então o ponto Atrás deve ser usado para actuar nesse sentido e também para encher e suavizar o som. Portanto, o actor deve permitir uma abertura da cavidade bucal de modo a que o som atinja os dentes e possa ser articulado pelos lábios e língua, mas deve manter o palato mole e orofaringe retraídos de maneira a obter um grande espaço de ressonância para aproveitar melhor a projecção do som. O ideal será encontrar um termo médio entre estes dois pontos. • Movimentos na vertical, ou seja, entre os pontos da Cabeça e Peito, são usados para apoiar as variações do tom da voz. Mas, uma vez que as cordas vocais conseguem variar a frequência do som que emitem, em que podem ser usados estes ressoadores? Na melhoria das qualidades tímbricas do som, e na criação de uma ligação entre todos os tons. De um modo simplificado, os sons agudos são ressoados na Cabeça e adquirem uma qualidade mais suave e leve, enquanto que os sons graves ressoam no peito e adquirem uma qualidade mais cheia e vibrante. São qualidades quase opostas, que tornariam o cantar de uma escala muito diferente nas características da voz para cada nota. Que pode o actor fazer? Se o actor ao cantar/dizer uma nota aguda permitir que o som se instale e ressoe também no Peito, este vai adquirir características mistas, o mesmo acontece se direccionar o som de uma nota grave para o ressoador da cabeça. Deste modo pode adquirir uma consistência semelhante em todo o espectro da sua voz. Depois de dominada estas técnicas, o actor pode então usá-las ou não consoante o efeito que pretende, pois vai dispor de maior flexibilidade vocal para dizer um texto.

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CAPÍTULO III -A VONTADE DE DIZER

Até aqui encarámos a voz como um instrumento isolado, muito embora tenhamos detalhado o processo da sua produção. Acontece que não atribuímos nenhum significado ao som, ou seja, à voz. Uma vez que estamos a tratar da voz do actor, voltamos a ter de pensar no seu objectivo, que é transmitir uma mensagem, as ideias escritas de uma personagem. Na tentativa de explicitar esta vontade de dizer, vamos seguir um raciocínio que terá como conhecimentos base os adquiridos na formação de Voz/Texto, com o professor João Henriques em confronto com o livro “Voice and the Actor” (1973) de Cecily Berry. O importante na voz do actor é aquilo que ela comunica, seja pelo tom ou linguagem que usa. Isto pode levar à questão “Porquê então, toda a descrição anterior sobre o seu uso enquanto apenas produtora de sons sem significado?”. Mais uma vez reforçamos que defendemos que o actor deve ter uma voz natural, que potencie todos os seus recursos. Ela deve poder responder a qualquer estímulo ou texto criando surpresa pela sua naturalidade. As técnicas do uso da voz aqui defendidas não são técnicas para serem usadas na produção da voz em palco, mas sim no treino do actor. São, aliás, técnicas de optimização da voz e não de produção da mesma. Isto porque depois de libertas todas as capacidades vocais do actor, este não terá mais de pensar em como colocar a voz para que ela saia como pretende, esta deverá surgir, do mesmo modo que um ciclista de competição não tem de pensar, a meio de uma corrida, como pedalar para aumentar a velocidade em determinado momento; ao pensar em acelerar o seu corpo deve assumir todas as posições e estratégias que já treinou para esse efeito. O actor usa a sua voz para dizer um texto. Mas o texto tem já em si um significado literário. Então a voz do actor serve apenas como suporte sonoro para a transmissão de uma mensagem textual? A resposta é, claramente, “Não!”. Nesse caso tratar-se-ia apenas de uma leitura, ainda que até esta acrescente algo a um texto pelas inflexões e acentuações que podem ser feitas. O actor representa a “personagem escrita”, ou seja, torna-a presente, reproduz a sua imagem, faz o seu papel (cfr. COSTA, 1989, p.1434). Podemos dizer que o leitor apenas transmite a vontade escrita de alguém, Página | 14

mas o actor defende a personagem, seja concordando com ela e apoiando-a ou assumindo o seu papel, incorporando-a, reproduzindo-a na sua própria imagem. Sendo assim, o actor completa as palavras escritas com aquilo que lhes era inerente antes de passar ao papel, a acção (considerando acção como tudo o que se faz, ou seja, acção física, produção vocal, pensamento). Ele torna real o efeito comunicativo. Em consequência disto, conclui-se que o texto e as acções do actor estão intimamente ligados pois fazem parte da transmissão de uma mesma ideia. Mas o que deve fazer o actor para incorporar uma personagem? No texto escrito não está presente o tom de voz, a energia de cada fala ou as acções físicas da personagem. As possibilidades são infinitas. Aqui começa o trabalho do actor, nas escolhas que faz para cada momento da representação. Não vamos debruçar-nos sobre as escolhas do actor e sobre o que será uma interpretação correcta, uma vez que não pretendemos criar novas concepções sobre a função do actor e seu relacionamento com a personagem. Queremos propor uma estratégia de aproximação à personagem através da voz, e analisar o seu relacionamento e ligações com o texto a partir daí, uma vez que, no teatro, o texto não pode ser dissociado da voz que o transmite. E porque cremos que a relação voz/texto será um bom ponto de partida para o trabalho do actor nas escolhas para a personagem e consequente representação segundo as mesmas? O texto de uma personagem é o registo daquilo que ela pensa. O total das suas falas no decorrer de uma peça revela os seus objectivos e aspirações, e uma determinada passagem determina o seu pensamento nesse momento estando este relacionado com os seus objectivos principais (quer dizer que, segundo os seus objectivos a personagem pode pensar o que está a dizer ou pensar uma coisa e dizer outra, é sempre necessário analisá-la completamente). E se o texto é o registo, o som é o modo de transmissão destas mesmas coisas. Citando João Henriques “A Voz é consequência de um pensamento que quer ter som!”. Juntando a isto o facto de que, como já vimos, a voz revela bastante sobre o carácter e personalidade do indivíduo e até da maneira como ele enfrenta determinadas situações, percebemos que a voz e o texto têm uma origem comum. O actor tem então de perceber os objectivos da sua personagem durante a peça e durante cada cena, procurando reduzir isso aos objectivos de cada frase ou palavra. Nesta fase de análise e interpretação do texto deve Página | 15

criar/escolher imagens que construam toda a linha de pensamento da personagem durante a peça. São as suas escolhas. Acreditamos que só agora é que o actor pode iniciar um trabalho de voz realmente eficiente. Só agora pode atribuir características vocais específicas e únicas ao texto e consequentemente trabalhar a personagem e não as suas capacidades de leitura. Se o fizesse antes desta análise estaria a trabalhar a voz sem procurar transmitir uma mensagem específica, confundindo a energia da sua voz com a energia do texto, algo que analisaremos mais adiante. Uma vez feito todo o trabalho teórico de análise textual, o actor inicia o trabalho prático sobre o texto de pesquisa e análise vocal. Aqui acontecem dois processos simultâneos que não podem ser dissociados: a produção vocal e a audição. O actor diz o texto e ouve-se dizê-lo. Vamos começar pela audição, pois a produção vocal está, de certo modo, dependente desta. Segundo BERRY (1973, p.123), um dos factores mais importantes no uso completo das capacidades da voz é a audição, pois a precisão com que se ouve está directamente relacionada com o modo como respondemos vocalmente. Quando diz o texto, o actor cai muitas vezes no erro de negligenciar a audição, pois o seu pensamento está focado em como deve soar o texto que vai dizer a seguir ou naquilo que vai fazer, antes de ter descoberto o que está realmente a dizer e o que o texto pode conter. É quando no senso comum se diz que o actor está a debitar texto, pois ao estar concentrado no que se segue, e não no que se lhe apresenta, descura o significado das palavras. Foi essa a razão que nos levou a incluir no CAPÍTULO I do presente estudo o conjunto dos órgãos sensor/coordenadores como fazendo parte do aparelho fonador, pois ao dizer um texto o actor deve permitir que o processo vocal se conclua ouvindo e analisando o som e palavras que produz. A não ser que o actor se permita ouvir as possibilidades que estão incluídas nele (os seus conhecimentos, vivência, personalidade, sensibilidade, etc.) e no texto, e a não ser que o actor dê tempo para que essas possibilidades o afectem, o resultado vocal vai ser sempre previsível, pois o ponto de partida é sempre o mesmo, o actor em si. Também na relação com outras personagens deve estar completamente disponível para as ouvir e permitir que isso o afecte de algum modo. Assim, com esta abertura ao som, é que a voz responde livremente e naturalmente podendo criar alguma surpresa (cfr. ibid.).

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Seguindo o que diz BERRY (ibid., p.130), na produção da voz o primeiro obstáculo com que o actor se depara é a dimensão, melhor dizendo, a dimensão do local que tem de encher com som, as suas dimensões corporais e a dimensão emocional da personagem. Comecemos com o local onde se pretende representar. Ultrapassar esta dificuldade é normalmente uma questão de experiência e de uma boa avaliação das dimensões do espaço. Mas sabendo que “Um ressoador é todo o corpo que entra em vibração quando se lhe aproxima outro em estado vibratório” (COSTA, 1989, p.1442), o actor pode dirigir a sua voz ao chão da sala aproveitando as suas capacidades reflectoras de som (escolhemos o chão por este ser a parte da sala que lhe é mais próxima). Ainda assim, o actor deve experimentar vários pontos do espaço onde focar a sua voz até encontrar aquele que é mais favorável à propagação do som. Depois deve tentar alcançar este ponto em qualquer posição e a partir de qualquer direcção. Uma vez adquirida a capacidade de projectar o som no espaço, deve tentar fazê-lo com o texto. A capacidade de encher um espaço com palavras tem a ver não só com o tom e volume, mas também com a precisão da dicção, o ritmo e a colocação da palavra. Quanto maior o espaço mais tempo será necessário para que o som chegue ao final da sala, sendo necessário um ritmo mais lento, e quanto mais lenta é a palavra mais energia é necessária na dicção das consoantes para que estas dividam o som. E há um aspecto essencial, a “vontade de dizer”. Se a concentração do actor não o abarcar somente a ele mas também a toda a audiência e se este desejar comunicar aquilo que está a pensar, o público será atraído a ouvir e a voz ganha vida, passa a comunicar uma mensagem e não apenas a transmiti-la. (cfr. BERRY, 1973, p.130) Em relação às dimensões do actor pretendemos apenas dizer que este não deve forçar a sua voz para obter determinada ressonância. Por exemplo, um actor de pequena estatura que representa uma personagem com um cargo de muita importância, pode ter a tendência para forçar ressonâncias peitorais sentindo uma falsa sensação de poder, em vez de procurar as suas ressonâncias peitorais naturais. O efeito desse erro é retirar flexibilidade à voz. E quase sempre o público consegue notar quando isto acontece. A voz torna-se mais monótona, não corresponde ao corpo de onde está a ser produzida e a assistência vai ouvir uma voz, por exemplo, autoritária em vez de sentir autoridade nas Página | 17

palavras e na mensagem que o actor pretende comunicar. O actor deve procurar sempre em si o som que pretende. Se tem de ser autoritário deve encontrar a sua voz autoritária, isso fará com que a sua energia seja dirigida ao texto e àquilo que ele comunica e não dirigida à produção da sua voz. Mais uma vez é a vontade de comunicar, neste caso autoridade, que focará a sua energia em ser autoritário através de texto, e não em parecer autoritário, como acontece quando o actor tem de o ser em determinado momento, mas não encontrou a vontade de dizer o seu texto. Por fim, o maior desafio do actor é adaptar-se às dimensões emocionais de uma personagem. É incorporar os seus pensamentos e emoções, principalmente quando esta se trata de uma personagem clássica ou de grande tamanho emocional. Devido à pressão colocada sobre o actor, pode acontecer que ele caia no erro de não procurar em si como encher esse espaço. A maior parte das vezes tenta dar força à personagem aumentando o volume de som, destacando-a das outras. Ao fazer isto perde inevitavelmente a argumentação e a concepção específicas da personagem, que são o seu “tamanho”. Esta dimensão deve ser encontrada através das ideias e emoções particulares da personagem, ou seja, na prática, através das palavras que são usadas. O actor deve trabalhar sobre o texto, e a melhor maneira de o fazer é não começar por impor estados de espírito a determinadas passagens, mas ler calmamente e explorar a riqueza do texto, deixando-se afectar aos poucos por aquilo que está a comunicar. Todas as variações no texto devem ser feitas seguindo a sensibilidade ao mesmo. Por exemplo, um aumento de volume sem sensibilidade pelo que vai ser dito apaga as subtilezas do texto e a flexibilidade da voz, isto porque o actor deixou de pensar especificamente no que está a comunicar. Mas ao deixar-se afectar pelo texto, pode levar ao perigo de se sinalizar o que se está a passar, isto é, por exemplo, deixar que a voz saia sofrida quando a personagem sofre, o que uma vez mais, tem a ver com o facto de o actor não conseguir distinguir as suas tensões pessoais das tensões da personagem. Se o sofrimento se encontra no texto, não é necessário sublinhá-lo. Neste caso o actor estará a mostrar à assistência o que ela não quer realmente saber, ou seja, o efeito dessa emoção no actor, em vez da razão que levou a esse sentimento. Quando o actor não usa a sua sensibilidade para com o texto e se refugia num género de produção vocal onde se sente confortável (falamos de conforto no sentido pessoal e não no sentido físico), ele cria tensões corporais que lhe são prejudiciais ao trabalho. Página | 18

Como já vimos, a voz do actor deve estar livre de tensões. Para simplificar, designaremos de tensões do actor, as tensões físicas que ele impõe sobre voz para obter determinado efeito; e tensões da personagem, as tensões emocionais criadas pelo texto, que podem levar a tensões físicas mas que são, regra geral, equilibradas não prejudicam o trabalho da produção vocal. O actor deve aprender a distinguir estes dois tipos de tensão, uma vez que as suas tensões devem ser eliminadas. Correndo o risco de repetir o já escrito, a melhor maneira de lidar com estas tensões é ler o texto calmamente e procurar que nenhum músculo se mexa involuntariamente, deixando que sejamos afectados emocionalmente com ele. Não queremos dizer, de modo algum, que o actor não deve mexer-se enquanto fala, mas este deve ser capaz de colocar toda a tensão da personagem na voz e libertar-se de todas as suas tensões pessoais para que depois seja livre de escolher que movimentos fazer. Se o actor não consegue dizer o texto sem se tornar ele mesmo tenso, então limita-se à sua própria tensão não permitindo que a tensão da personagem se instale. Então, ao forçar algum estado de espírito ou ao não libertar as suas tensões, o actor reduz o texto às suas dimensões em vez de se expandir para as do texto e da personagem. Estes critérios, que aplicámos à exploração do texto e da dimensão emocional da personagem aplicam-se também ao momento em que o actor explora a voz e a fala da personagem diferenciando-a da sua. A transformação do actor em personagem deve basear-se nas palavras e no ritmo da escrita, mesmo que isto o leve a uma maneira diferente de falar, desde que daí não advenham tensões, como já referimos. Se o actor quiser alterar a sua voz distorcendo-a ou colocando-a num sítio específico, estará a limitar-se e, muito provavelmente, vai faltar-lhe simplicidade. Por exemplo, um actor que coloque a sua voz no peito e em notas graves estará a limitar-se, até porque o facto de usar notas graves não deve eliminar o uso de notas agudas, pois necessita destas para contrastarem com as graves. Só se pode classificar uma nota de grave relativamente a uma aguda, tal como acontece em muitas características da voz, por exemplo, a voz suave de um homem pode parecer agreste comparada com a voz suave de uma mulher. De novo, muito importante, é a vontade de comunicar. Se em vez de tentar sentir o mesmo que a personagem o actor quiser comunicar o que a levou a sentir-se assim, o público vai ver o sofrimento que estava contido no texto mas através das palavras que explicam o porquê dessa emoção. Se não for esse o caso, o espectador apenas consegue Página | 19

ver que um actor sofre pois é o que a sua voz demonstra, e não consegue captar o real significado das palavras, uma vez que o actor não está a comunicá-las. Segundo BERRY (1973, pp.76 e 77) há diversos pequenos erros na comunicação do actor que podem ser corrigidos tecnicamente mas que na realidade, a maior parte das vezes, se devem a falhas na relação entre o pensamento e a voz e na vontade de comunicar. Por exemplo: • Má dicção - Pode estar relacionado com falta de precisão no pensamento e na imagem escolhida, ou com emoções generalizadas sem razão específica; • Consoantes explosivas e discurso enfático - O actor sente que deve transmitir correctamente uma mensagem, então exagera nos artifícios vocais descurando a mensagem em si; • Não finalizar correctamente as frases - Falta de concentração sobre a audição. O actor está a apressar-se para a frase seguinte e descura ao ouvir o que está a dizer nesse momento; • Falta de mobilidade dos articuladores - Relutância em comunicar. Seja por motivos pessoais ou porque não conseguiu entender determinada passagem, o actor não tem realmente vontade de comunicar. Está relacionado com má dicção; • Dizer apressadamente as vogais - Pode estar relacionado com uma óptima audição em que o indivíduo consegue distinguir variações mínimas de tempo e melodia da voz, mas também está relacionado com falta de compromisso para com o texto e medo de mostrar emoção; • Ar na voz - Provém do excesso de ansiedade. O actor deve guardar a sua energia, ele pode ser vulnerável, mas não toda a representação apenas durante alguns momentos; • Ressonância a mais - Quando há um desequilíbrio nas ressonâncias, assim como no volume significa que o actor está mais envolvido numa emoção geral do que na razão orgânica que levou a essa emoção;

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Vemos, deste modo, que, se o trabalho de análise do texto e de concentração em palco for dirigido para a procura dos estímulos vocais e da mensagem que queremos comunicar vamos beneficiar vocalmente em termos sonoros e em termos da transmissão da mensagem. Ao encontrar a sua vontade de dizer algo, de partilhar algo, o actor alcança uma maior naturalidade, tornando o seu discurso não só mais perceptível mas mais real, e portanto, conquista a atenção do público. A reacção do público vai corresponder àquilo pelo que o actor está a passar e não a uma observação estética de um espectáculo. O actor conquista o seu lugar principal na produção teatral.

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CAPÍTULO IV – DIÁRIO DAS AULAS DO SEMINÁRIO VOZ/TEXTO

O diário aqui apresentado refere-se ao Seminário de Voz/Texto para a turma de Licenciatura em Estudos Teatrais foi ministrado pelo professor João Henriques, durante 5 dias, entre 25 de Setembro e 5 de Outubro do presente ano. Foi a continuação de um trabalho desenvolvido nos 2º e 3º anos de Bacharelato com o mesmo grupo de alunos. A sua função foi, além reavivar conhecimentos já estudados e conceitos já adquiridos, trabalhar a junção do treino vocal com a leitura, abordando a representação de um papel.

25 de Setembro

Começámos por trabalhar o corpo e a voz, recordando, na prática, as ligações existentes entre ambos, ou seja, a postura, o relaxamento, a respiração e a articulação. Passámos à abordagem do texto. Colocou-se a questão: “O que faz activar a voz, da melhor maneira, para corresponder àquilo que o texto quer?”. Discutimos que, a voz é consequência da acção de um corpo, portanto, o que a activa melhor é aquilo que primeiramente activa o corpo, ou seja, o pensamento, sendo que também é o pensamento de alguém que está registado no texto. Ao trabalhar a voz apenas como um instrumento técnico, não estamos a dar o valor devido às palavras e aos seus significados em detrimento apenas do seu som, então, as palavras tornam-se formais. O professor João Henriques disse uma frase que, para o actor, deve estar sempre presente durante o seu trabalho: “A voz é consequência de um pensamento que quer ter som!” Tendo em conta que o actor procura o pensamento de uma personagem, é-lhe exigido que faça escolhas. Quer dizer que todo o trabalho de voz, assim como o de

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interpretação, se baseia nessas escolhas, e impõe ao actor responsabilizar-se pelo seu trabalho, pelo seu percurso e as opções tomadas. Então, em termos esquemáticos, viu-se que as coisas a ter em atenção em relação ao corpo quando se trabalha no domínio da voz, são: a postura, na sua essência um bom alinhamento vertebral; a concentração e consciência (escolhas, atenção, pensamento sobre o trabalho); e a respiração. Preparado o corpo e a mente, traça-se um objectivo e parte-se para a acção. O objectivo destes pontos é manter uma consciência do corpo e do que nos rodeia, para que não haja dispersão do trabalho numa fase em que o texto e acção não estão ligados. Fizemos um exercício ao qual demos o nome de “A Bolha”: • Consiste em perceber o espaço que ocupamos numa sala. Imaginar que esse espaço aumenta, como se uma bolha que nos pertencesse, à nossa volta, se torna-se cada vez maior. Depois, falar de modo a encher essa bolha com som. O objectivo é que no fim a bolha seja do tamanho da sala. Ao fazer o exercício não se deve incorrer no erro de estar atento ao som produzido e tentar amplia-lo, trata-se de imaginar que o som consegue viajar em todas as direcções nesse espaço. Com esse exercício, percebemos que usando correctamente os ressoadores do nosso corpo, conseguimos que o som seja pluridireccional. E, para se conseguir concretizar este exercício, é necessário libertar todo o sistema fonador e preparar completamente o corpo para a produção de som. Passámos ao registo de alguns conhecimentos, nomeadamente, o trabalho da respiração. Como usar uma respiração completa (abdominal e intercostal). Devemos trabalhar sobre a expiração, pois a inspiração é um momento de relaxamento, porque na respiração abdominal a inspiração é automática e involuntária. Demos o nome de Set-up a este conjunto de músculos, envolvidos na produção da coluna de ar. Chamámos activação do Set-up à preparação consciente destes músculos para o controlo da saída do ar. Recordámos que estes devem operar usando duas forças complementares. Os abdominais empurram o ar para cima, e os músculos intercostais para baixo, de maneira

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que o controlo do ar seja maior. Se ambos os músculos empurrarem o ar em direcção à saída a quantidade de ar a passar pelas cordas vocais vai ser prejudicial.

26 de Setembro

Na continuação da aula anterior, continuámos o registo e discussão de alguns conhecimentos. Através de exercícios práticos, chegámos à conclusão que para uma produção correcta de voz, devemos ter em conta os seguintes tópicos: • O maxilar deve estar relaxado; • Devemos imaginar um tubo aberto no nosso tronco, ou seja, laringe, faringe e boca desimpedidas; • A tensão exercida deve ser apenas nos músculos abdominais e intercostais, nunca nos do pescoço; • Ao inspirar, abrir as costelas e não permitir que fechem ao expirar, criando uma tensão complementar à dos abdominais que forçam o ar a sair; • Imaginar que se está a abrir espaço na nuca (sensação de bocejo), com o objectivo de recolher os ressoadores posteriores (palato mole, faringe e úvula), para uma melhor projecção do som; • Alinhar pontos posteriores das orelhas com pontos os ombros, para manter um alinhamento vertebral de modo a libertar os músculos usados pelos ressoadores para a função vocal, e não para sustentação da coluna vertebral.

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2 de Outubro

Demos início à aula esquematizando a localização e função de cada órgão do aparelho fonador. (imagem) Pulmões, brônquios e traqueia - Fornecimento do ar Laringe (cricóide e tiróide) - Formação do som vocálico Epiglote e faringe - Ressoadores e órgãos de articulação Observámos que a relação entre fornecimento de ar e formação do som não é proporcional, ou seja, que havendo mais ar a atravessar as pregas vocais não significa que vá ser produzida uma maior intensidade de som. Esta última está relacionada com a porção de massa das pregas vocais envolvida na vibração: maior porção da massa das pregas envolvida na vibração origina mais som. Quando há ar a mais a atravessar a laringe, ferem-se as pregas vocais, e as pregas vestibulares fecham totalmente e bloqueiam a respiração. O controlo do Set-up vai diminuir a quantidade de ar que atravessa a laringe, evitando que as pregas vestibulares fechem. Então, no momento do início da produção do som, devem ter-se em conta os pontos já vistos anteriormente: • Postura; • Respiração completa (abdominal e intercostal); • Activação do Set-up; • Evitar a contracção das pregas vestibulares; • Iniciar o som logo no seguimento da inspiração, pois esta é um momento de relaxamento, e a retracção das pregas vestibulares e ressoadores dá-se naturalmente; Página | 25

Depois, introduzimos o tema da aproximação ao texto. Em discussão, concluímos que, para um trabalho eficiente, o texto deve estar decorado, e as imagens sugeridas por ele montadas numa espécie de filme mental, para evitar pensar no que se vai fazer no momento seguinte e conseguir usufruir cada momento quando ele acontece. Finalizámos este tema percebendo que o momento em que a representação acontece é quando realmente pensamos sobre o que estamos a dizer. O resto da aula foi dedicado a trabalho prático de leitura de alguns alunos. Analisou-se, leu-se e debateu-se o trabalho efectuado para confirmar as conclusões tiradas na primeira parte da aula.

4 de Outubro

Abrimos a aula com o estudo dos pontos de foco da voz: (imagem) 1. Dentes, palato duro e testa (voz à frente) O seu uso resulta num som claro e aberto. Propicia o melhor funcionamento dos órgãos da articulação. Os pontos de articulação são os lábios, dentes, língua, palato duro e mole. Por ser um ponto de articulação, tem de estar sempre presente no uso da voz, pelo actor. A sua característica mais presente é a sua elevada projecção, ouve-se à distância e com pouco som, até em sussurros (pode ser usado nos “apartes”). É a zona mais importante. 2. Faringe, “nuca”, palato mole (voz atrás) O seu uso resulta num som mais escuro, cavernoso e amplo de grande utilidade quando aliado à zona 1, pois amplifica o som. No caso do canto ou dos vocalizos, o seu uso deve ser misturado aos dos outros pontos à medida que a nota se torna mais aguda e necessita de mais espaço de para ressoar. 3. Topo da cabeça, testa (voz de cabeça) Página | 26

É usado para obter harmónicos agudos; nos homens usa-se para ressoar a voz de falsete. A sua função é atribuir leveza ao som. Através do princípio das forças complementares, torna os graves menos cavernosos. Serve para trabalho na extensão da voz. 4. Peito, zona do externo (voz de peito) A sua função é encorpar o som, especialmente os agudos, por terem menos vibração no corpo, usando o mecanismo das forças complementares. Serve para trabalho na extensão da voz. Retomou-se o trabalho sobre os textos, por cada aluno. Na discussão final, concluiu-se que todas as personagens têm uma necessidade. Sabem que a querem satisfazer e cabe ao actor definir uma estratégia de percurso até à sua satisfação. Não vale a pena pensar em fazer interpretação, mas deve-se gozar a estratégia da personagem, amando uns, cumprindo ordens, roubando este, ajudando aquele… O que se representa são as acções, não os sentimentos. Estes surgem das acções, o que nos leva de novo às imagens. Não começar o texto com uma acção ou sentimento, mas com uma imagem prévia do que aconteceu e isto levar-nos-á até ao resto.

5 de Outubro

Esta aula foi dedicada, na sua maioria, à apresentação de uma música por cada aluno e trabalho da voz sobre a mesma e sobre a representação de um texto cantado. Mas durante os pequenos intervalos feitos, observámos que uma vez começando a trabalhar a voz através de uma personagem, não é só a mensagem que tem uma componente de “vontade” para ser transmitida, mas a própria voz também. A nossa vontade de encher o espaço irá projectar a nossa voz. Em termos técnicos, devemos pensar em falar também para trás e para a periferia, e não pensar apenas em falar mais alto. Pensar em aumentar o volume de som leva a colocar a voz à frente, agudizando-a e a tirando-lhe, consequentemente, a expressão. Tudo deve estar tão claro no nosso pensamento que acaba por passar na voz. Página | 27

CONCLUSÃO

Através do estudo do aparelho fonador humano compreende-se que este se encontra apto para produzir som e controlá-lo para comunicar o pensamento do indivíduo. Mas, durante a vida, cada pessoa vai estar exposta a vários factores que vão condicionar a produção da sua voz. São eles o ambiente em que vive, a audição que lhe permite perceber a diferença entre os sons, a agilidade física do seu aparelho vocal que lhe vai permitir controlá-lo e, por fim, a sua personalidade, a partir da qual reage aos factores anteriores. No caso do actor isto também se verifica, mas, de modo a poder obter uma comunicação melhor em palco, ele deve libertar-se de todos os entraves à produção de voz, procurando que esta seja o mais natural possível, ou seja, que aproveite todas as potencialidades do corpo do indivíduo. O actor deve procurar não uma colocação correcta e técnica da sua voz, sobrepondo-a às suas dificuldades vocais, mas sim uma libertação das dificuldades para promover uma melhor reacção da voz aos impulsos criados em cena. Uma vez tendo a sua voz disponível para reagir ao texto, aos outros e às emoções que vai sentindo, esta pode ser utilizada, pelo actor, na procura da personagem. Ao perceber que o ponto de partida do texto e da voz são o mesmo – o pensamento -, o actor pode trabalhá-lo no sentido de o querer comunicar, obtendo benefícios na qualidade da produção vocal e na transmissão da mensagem do texto. O presente estudo abordou esta temática de um modo geral, pelo que, alguns problemas que o actor possa encontrar na produção vocal ou no trabalho de texto só poderão ser corrigidos através de uma avaliação prática. Depois de fazer esta análise, concluí que seria interessante desenvolver este trabalho partindo da observação de um grupo de alunos, para assim especificar os problemas que podem ocorrer e retirar conclusões práticas das vantagens do uso deste método na aproximação ao texto.

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Penso que este trabalho pode ser um ponto de partida para o estudo das consequências da emoção na voz e como esta pode ser transmitida através dela. Poderse-ia acrescentar a este tema, noutro estudo, o uso do corpo, para assim ajudar na total incorporação da personagem pelo actor.

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POSFÁCIO

Depois de concluído o presente estudo, decidimos verificar junto de alguns artistas a utilidade que este poderia ter para pesquisa ou até mesmo como um pequeno manual de orientação no treino e trabalho de actor, e se este ia de encontro às ideias partilhadas no meio artístico. Com esse objectivo, entrevistámos duas pessoas ligadas ao teatro: uma actriz profissional com formação semelhante à do autor deste estudo, e uma actriz amadora com profissão não relacionada com a área artística, de modo a conferir até que ponto as suas ideias seriam coincidentes com as que aqui apresentamos. Verificámos que em ambos os casos, sem conhecimento prévio do trabalho, ambas as entrevistadas se mostraram de acordo as sugestões apresentadas. Acreditamos, portanto, que um futuro desenvolvimento deste estudo poderia ser apresentado sob a forma de manual de treino do actor. Apresentamos aqui alguns excertos das entrevistas:

Nome: Juliana Silva Idade: 22 anos Formação: Bacharelato em Teatro – Interpretação na ESMAE; Licenciatura em Estudos Teatrais na ESMAE.

De um modo geral, em que termos pensa que a voz é importante para o actor? A voz é muito importante para o actor. É uma forma de expressão tão válida como a expressão corporal. A voz é, para mim, o meio de comunicação por excelência, que canaliza todas as intenções e expressões do actor, nunca, é claro, desligada de um todo. Acredita que a voz, para a representação, deve ter características específicas? Não. O actor deve ter consciência da sua voz e deve desenvolver os seus potenciais. (…)

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Em termos de técnica vocal o que significa isso? Penso que o actor deve encontrar uma técnica (…) e defendo que esta nunca deve formatar ou castrar a procura constante de novas potências vocais. O actor nunca se deve esquecer que aquele é o seu corpo e a sua voz. A voz pode ser um ponto de partida na pesquisa da personagem? Porquê? Sim, completamente. Aliás, experienciei isso na companhia do João Brites, n’O Bando. Porque podes partir para a construção de uma personagem através de um objectivo concreto, o que é essencial. Esse objectivo poderá ser uma exploração da voz que afectará o corpo, a postura e as acções/reacções da personagem; ou invés uma parte do corpo, que afectará a voz. (…)

Nome: Anabela Lopes Idade: 47 anos Formação: Licenciatura em Português/Francês – via ensino; Mestrado em Administração Escolar e Direito da Educação; Actualmente lecciona Língua Portuguesa no 3º Ciclo do Ensino Básico e exerce vários outros cargos no âmbito escolar.

Podia falar-me um pouco da sua experiencia no teatro? Comecei acerca de nove anos, mais para adquirir alguma técnica de leitura para ajudar na escola no ensino aos miúdos, sobretudo aqueles que tinham dificuldade com a compreensão do texto. (…) Já participei em alguns trabalhos, a maioria no CETA (Centro Experimental de Teatro de Aveiro), mas já trabalhei no GRETUA (Grupo Experimental de Teatro da Universidade de Aveiro) e com encenadores estrangeiros. Tenho trabalhado ultimamente mais no teatro para infância. (…) Página | 31

De um modo geral, em que termos pensa que a voz é importante para o actor? A voz é importante, é preciso ter uma boa dicção, uma boa projecção. (…) Acho que a voz de representação não está em fazer imitações, nem em esganiçar a voz, se calhar isso não é preciso, fica muito artificial. (…) Quando a voz do actor não consegue alcançar a da personagem pensa que isso se deve a uma tentativa falhada na colocação de voz, ou é uma falha do próprio indivíduo em libertar o potencial que tem? Às vezes é, e muitas vezes é preciso treino para isso. Eu já fiz formação em voz, e é necessário trabalhar a voz. Se a voz não tiver essa liberdade, fica muito artificial, com muito pouca naturalidade. É isso que não gosto de ver, principalmente em teatro clássico, a voz torna-se muito mecânica. Acredita que, apesar de ser um processo global, a aproximação à personagem pode ser feita através da voz? Acho que a voz é um elemento caracterizador da personagem. Por exemplo, se a personagem é tímida, a voz deve transmitir a timidez que esta sente, mais uma vez, sem ser o actor a utilizar clichés. Neste estudo defendemos que depois de haver essa libertação por parte do actor, aquilo que vai gerir a voz vai ser uma “vontade de dizer”. Pois, e isso é a parte mais complicada, quando o actor tem de se apropriar do texto. (…) Mas, a propósito, uma vez, num espectáculo, entrei para cena afónica. A solução que surgiu na altura foi o outro actor repetir as minhas deixas depois de eu as dizer. Mas, a certa altura, a meio do espectáculo, a voz soltou-se, tal era a vontade, e eu consegui ultrapassar a rouquidão. (…)

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BIBLIOGRAFIA

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