A Antropologia como Ciência A curiosidade de conhecer os outros homens e povos que habitam a face da terra foi o motor propulsor da Antropologia. Estudar não apenas "os outros" (alteridade), mas todos os seres humanos, passou a ser o desafio da Antropologia. Entre as muitas ciências que têm por objeto o ser humano, a antropologia, "ciência do homem" (segundo a etimologia é o estuda do ponto de vista das características biológicas e culturais dos diversos grupos em que se distribui o gênero humano), pesquisa com especial interesse exatamente as diferenças. O nascimento da antropologia como ciência ocorreu a partir dos grandes descobrimentos realizados por navegadores e viajantes europeus. A curiosidade de conhecer povos exóticos, de saber como viviam e pensavam homens de culturas tão distantes da européia, de descobrir que aspecto físico e que costumes tinham, levou à classificação e ao estudo dos dados recolhidos, por exploradores, comerciantes e missionários chegados àquelas terras longínquas. Os primeiros antropólogos tinham como característica comum a distância do objeto de seu estudo, o qual consistia sempre em homens pertencentes a culturas distintas da européia e dela geograficamente afastadas. Eram os chamados Antropólogos de Gabinete. Com freqüência, os antropólogos do século XIX relacionavam as características biológicas dos povos com suas formas culturais. Mais tarde, estabeleceu-se que os traços biológicos e os culturais tinham menos ligação entre si do que se acreditara. Isso levou a uma primeira subdivisão das ciências antropológicas em antropologia física e antropologia cultural, esta última comumente assimilada ao conceito de etnologia. Desde a segunda metade do século XIX a antropologia cultural começou a ser considerada uma ciência humana, com as limitações próprias dessa categoria científica.
Relações com outras ciências: A arqueologia, necessária para conhecer o passado das sociedades, pode esclarecer em grande escala seu presente. A antropologia é útil à arqueologia, na medida em que estuda ao vivo sociedades muitas vezes semelhantes a outras já desaparecidas, sobre as quais pode lançar abundante luz. Também a lingüística é de grande importância para a antropologia, não só porque o conhecimento do idioma se faz necessário ao antropólogo nas pesquisas de campo, mas também porque muitos conceitos elaborados pelos lingüistas são fundamentais para a análise de determinados aspectos das sociedades. A sociologia, por sua vez, pode até certo ponto ser considerada uma "irmã gêmea" da antropologia. Em princípio, o que distingue as duas ciências é o objeto de seu interesse: enquanto o sociólogo se dedica ao estudo das sociedades modernas, o antropólogo comumente pesquisa as sociedades primitivas, embora o estudo das sociedades coloniais e de seu rápido processo de aculturação e modernização social tenha desenvolvido um campo intermediário no qual fica difícil estabelecer os limites entre o trabalho sociológico e o trabalho antropológico. Nesse terreno intermediário surgiu a chamada antropologia social. O desenvolvimento da psicologia permitiu à antropologia cultural utilizar novas bases para o estudo da relação entre o indivíduo e a sociedade em que vive, da formação da personalidade e de outros aspectos que interessam igualmente às duas ciências. A história proporcionou aos antropólogos muitos dados impossíveis de obter pela observação direta, assim como a antropologia pôs à disposição dos historiadores novos métodos de trabalho, como os que se aplicam à análise da tradição oral. Quanto à geografia humana, coincide com a antropologia na importância que atribui aos diferentes usos do espaço por parte do homem, à transformação do habitat natural etc. Ambas as ciências estão, além disso, relacionadas com a ecologia humana. Não é de estranhar que muitos dos primeiros antropólogos tenham vindo do campo da geografia.
Evolução Histórica e Escolas A antropologia começou a desenvolver-se especificamente como ciência na segunda metade do século XIX, num momento histórico em que as coleções etnológicas, antes meras curiosidades de particulares, passavam a constituir verdadeiros museus, e em que os conhecimentos da cultura européia sobre outros povos começavam a ser sistematizados e submetidos a revisões metódicas. Evolucionismo: Na época histórica de seu aparecimento como ciência, a antropologia sofreu a influência da idéia dominante no mundo científico: o evolucionismo, consagrado pela publicação de A origem das espécies, de Charles Darwin, em 1859. Por isso, na segunda metade do século XIX, a nascente ciência concebeu os diferentes grupos humanos como sujeitos em desenvolvimento. Para os antropólogos evolucionistas, todos os grupos humanos teriam que atravessar necessariamente as mesmas etapas de desenvolvimento, e as diferenças que podem ser observadas entre as sociedades contemporâneas seriam apenas defasagens temporais, conseqüência dos ritmos diversos de evolução. A escola evolucionista mostrou-se consideravelmente carregada de preconceitos etnocêntricos, o que levou seus representantes a considerarem a sociedade européia como a mais evoluída e a acreditarem que todas as outras tenderiam a alcançar a mesma perfeição. Se for levado em conta, além disso, que nem sempre se dispunham de conceitos suficientemente diferenciados sobre sociedade e raça, compreende-se que a intenção de encaixar as sociedades num quadro evolutivo gerasse conclusões precipitadas e errôneas. No entanto, em defesa da escola evolucionista é preciso lembrar que a antropologia era então uma ciência quase inexistente, cujo desenvolvimento muito se beneficiou dos estudos e esforços dos adeptos dessa escola. Quando tais teses começaram a ser abandonadas pela maioria dos antropólogos, os métodos e procedimentos da nova ciência já estavam encaminhados e ela começava a dar seus frutos. Difusionismo: Nos últimos anos do século XIX e nas duas primeiras décadas do século XX, os estudos antropológicos foram influenciados por uma tendência oposta ao evolucionismo: o difusionismo cultural. Os autores difusionistas estabeleceram a premissa de que as diferenças observáveis entre sociedades distintas são irredutíveis a simples defasagens numa mesma trilha
cultural, paralela e independente. A mudança e o progresso culturais se deviam, isto sim, ao fato de algumas sociedades se apropriarem de elementos de outras, aperfeiçoando-se dessa maneira. As semelhanças entre culturas diversas deviam ser explicadas não por terem atravessado etapas semelhantes de desenvolvimento, como garantiam os evolucionistas, mas sim porque, na história das sociedades, estava presente um fenômeno de difusão de traços culturais de umas para outras. Esses traços culturais teriam nascido em lugares e momentos históricos distanciados entre si, mas teriam tido uma progressiva difusão, a partir do lugar de origem, até chegarem a seu estado atual. Em geral, o pensamento difusionista dá como certo que a novidade cultural é extremamente rara, sendo muito mais freqüente a relíquia cultural. O enfoque histórico, portanto, persiste entre os difusionistas. Funcionalismo: O germano-americano Franz Boas, considerado um dos pais da antropologia americana do século XX, era um cientista de formação naturalista; por isso, encarou com grande ceticismo tanto as teorias difusionistas como as evolucionistas. Boas preferiu a concepção funcionalista de uma cultura; para ele, uma cultura é um conjunto unitário que deve ser estudado em sua totalidade, e, composto, como uma máquina, de diferentes peças interdependentes. Em seus trabalhos sobre os esquimós, deixou bem fundamentada a metodologia do trabalho de campo, atividade a que seus discípulos iriam dar especial relevância. O enfoque de Boas, embora funcionalista, não deixa de estar matizado pelo historicismo, já que ele sempre se interessou pela forma como se haviam desenvolvido no tempo as instituições culturais. Depois da primeira guerra mundial, as abordagens históricas das sociedades foram perdendo adeptos e a escola funcionalista começou a ganhar relevância. Bronislaw Malinowski, seu mais eminente representante, sustentou que o objetivo da pesquisa antropológica deve ser a compreensão da totalidade de uma cultura, inseparável da percepção da conexão orgânica de todas as suas partes. A comparação entre culturas e a abordagem histórica não têm sentido para Malinowski; só faz parte de uma cultura aquilo que, no momento em que se estuda, tem nela uma função. A única maneira de perceber um elemento de uma cultura é analisar a função que tem esse elemento dentro dela. Não se pode compreender uma instituição social sem conhecer suas relações com as outras instituições da mesma sociedade. As atividades econômicas, o sistema de
valores e a organização de uma sociedade constituem um complexo inter-relacionado cuja descrição é necessária para que se possa estudar adequadamente essa sociedade. Estruturalismo: Marcel Mauss, fundador do Instituto de Etnologia da Universidade de Paris, foi mestre de toda uma geração de antropólogos europeus. Seu enfoque, em princípio funcionalista, conquanto mais centrado na sociedade como um todo indivisível do que como uma soma de inter-relações entre indivíduos, deu origem à escola estruturalista. Baseando-se em conceitos derivados da matemática formal e da lingüística, os antropólogos estruturalistas buscaram compreender uma dada sociedade extraindo seu modelo estrutural. Os procedimentos estruturalistas demonstraram sua utilidade para o conhecimento dos sistemas de parentesco e dos sistemas de mitos. Mas a absoluta falta de visão histórica da escola estruturalista e sua análise meramente estática da realidade foram amplamente criticadas. Culturalismo: No período entre as duas guerras mundiais desenvolveu-se, fundamentalmente nos Estados Unidos, uma corrente culturalista em antropologia, cuja premissa básica era a de que uma dada cultura impõe um determinado modo de pensamento aos homens nela inseridos. A cultura condiciona o comportamento psicológico do indivíduo, sua maneira de pensar, a forma como percebe seu entorno e como extrai, acumula e organiza a informação daí proveniente. Nesse sentido, foram significativos os trabalhos de Ruth Benedict, realizados na década de 1930, sobre os índios pueblo do sudoeste dos Estados Unidos, os quais, apesar de imersos num meio físico semelhante ao das etnias vizinhas, raciocinavam de forma muito diferente diante de problemas idênticos. Margaret Mead analisou principalmente a importância da educação na formação da personalidade adulta. Ralph Linton e Abram Kardiner, por sua vez, expuseram o conceito de personalidade de base, que consistiria num mínimo psicológico comum a todos os membros de uma sociedade. Antropologia na atualidade: A principal dificuldade em que se debate a antropologia cultural consiste em sua carência de um corpo unificado de conceitos, problema ainda não resolvido. Embora lentamente pareça estar-se cristalizando um fundo comum de terminologia, de utilização universal e com significado unívoco, é esse o grande obstáculo para que a antropologia cultural seja considerada uma verdadeira ciência.
Outro problema com que se defrontam os antropólogos culturais é o fato de estarem desaparecendo as culturas não européias, ou tradicionais, seu objeto de trabalho habitual por mais de um século, atropeladas pela cultura de caráter europeu, hoje convertida em universal. Nesse confronto as sociedades tradicionais ou estão morrendo ou sofrendo processos de aculturação e adaptação tão intensos que seria difícil reconhecer, nelas, sua realidade primeira. Um campo de trabalho aberto aos antropólogos culturais nos anos que se seguiram à segunda guerra mundial foi o das investigações que conduzem à melhor compreensão dos povos do Terceiro Mundo, com o objetivo de facilitar as iniciativas governamentais voltadas para o estímulo às mudanças ou para a incorporação das sociedades tradicionais ao modo de vida da sociedade industrial. Assim, por exemplo, é comum que, ao prepararem uma campanha de alfabetização, os governos ou as entidades promotoras contratem os serviços de antropólogos para que realizem estudos prévios que possam orientar as atuações.
Bibliografia DA MATA, Roberto (1993) Relativizando uma introdução a antropologia social. Rocco. FERNANDES, Florestan, (1961), A Unidade das Ciências Sociais e a Antropologia. São Paulo: Anhembi. CHALMERS, A (1994) A Fabricação da Ciência. São Paulo: Editora UNESP. RIVIÈRE, Claude (2008) Introdução à Antropologia. São Paulo: Edições 70. GUTIERREZ, Gabriel (2003) Introdução à Antropologia Cultural. Publications Ceeba.