Volume 03 - 73

  • December 2019
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73 CERTIDÃO

OU

ATESTADO

IDEOLOGICAMENTE FALSO

_____________________________ 73.1 CONCEITO, OBJETIVIDADE JURÍDICA E SUJEITOS DO CRIME A norma do art. 301 contém o seguinte tipo penal: “Atestar ou certificar, falsamente, em razão de função pública, fato ou circunstância que habilite alguém a obter cargo público, isenção de ônus ou de serviço de caráter público, ou qualquer outra vantagem.” A pena cominada é detenção de dois meses a um ano. O bem jurídico protegido é a fé pública, a confiança depositada nos atestados ou certidões emitidos por funcionário público. Sujeito ativo é o funcionário público. Sujeito passivo é o Estado.

73.2 TIPICIDADE O caput do artigo descreve a falsidade ideológica de atestado ou certidão. O § 1º tipifica a falsidade material. O § 2º contém o tipo qualificado.

73.2.1

Conduta e elementos do tipo

São duas as condutas incriminadas: atestar ou certificar. Atestar é afirmar algo que está na esfera do conhecimento próprio de quem atesta. Certificar é confirmar, com certeza, a verdade sobre alguma coisa que esteja contida num documento público ou sobre um fato que tenha ocorrido em presença de quem certifica ou por ele realizada. Atestado é o documento através do qual seu emissor atesta, declara, sua convicção pessoal acerca daquilo de que tem conhecimento. Certidão é o documento por meio do

2 – Direito Penal III – Ney Moura Teles qual o seu emitente afirma a verdade daquilo que se encontra contido num documento público ou que tenha ocorrido por sua atuação ou em sua presença. A norma refere-se a atestados e certidões de natureza pública, ou seja, formados e firmados por funcionário público que esteja no exercício de uma função pública. No tipo há o elemento normativo: falsamente. O conteúdo do atestado ou da certidão deve, por isso, ser falso ou não corresponder à verdade, produzindo o agente, assim, uma afirmação que tem fé pública divorciada da verdade. O atestado ou a certidão deve referir-se a fatos ou circunstâncias que digam respeito a determinada pessoa, e que sirvam para autorizar sua habilitação à obtenção de um cargo público, de isenção de algum ônus ou de um serviço público ou de qualquer outra vantagem. Em outras palavras, a afirmação falsa contida no atestado ou na certidão deve versar sobre fato ou circunstância que favoreça determinada pessoa, contribuindo para que ela possa habilitar-se para o exercício de um cargo público. Assim, por exemplo, quando o funcionário atesta que a pessoa é portadora de bons antecedentes, quando não o é, fornecendo-lhe atestado exigido em edital de concurso público. Também quando a afirmação contida no documento seja de molde a beneficiar a pessoa a quem se refere no sentido de ser isentada de algum ônus, como na hipótese de certidão declarando que ela não possui mais de um imóvel na circunscrição, fato que permite em face de lei municipal a isenção do pagamento de determinado tributo imobiliário. A certidão ou atestado pode, também, versar sobre fato ou circunstância que autoriza a obtenção, pela pessoa, de qualquer vantagem, que deve ser interpretada analogicamente aos termos anteriores. Assim, deve ser uma vantagem perante um órgão público e que guarde semelhança com a habilitação para cargo público ou com a isenção de ônus ou serviço. Deve, por isso, ser uma vantagem de natureza pública e não uma vantagem patrimonial. A certidão de que a pessoa serviu à Justiça Eleitoral ou como jurado pode constituir meio para a obtenção de vantagem para um procedimento licitatório. O crime é doloso. O funcionário público deve estar consciente da falsidade da declaração que faz constar no atestado ou na certidão e atuar com vontade livre de atestar ou certificar o fato ou a circunstância que beneficia a pessoa a quem é fornecido. Deve saber também que o conteúdo do atestado ou certidão seja autorizador do benefício para a

Certidão ou Atestado Ideologicamente Falso - 3 pessoa. Se agir com o fim de lucro, incorrerá nas sanções do tipo qualificado, do § 2º, adiante comentado.

73.2.2

Consumação e tentativa

A consumação ocorre no momento em que o funcionário conclui a formação do atestado ou da certidão. Não exige a formulação típica que seja entregue à pessoa a quem beneficia, nem que esta o utilize e tampouco que obtenha a vantagem que ele proporciona. Há, entretanto, divergência a respeito, com opiniões no sentido de que a consumação só ocorre quando da entrega do documento ao beneficiário. A tentativa é possível quando o agente não consegue concluir a formação do atestado ou certidão, por circunstâncias alheias a sua vontade.

73.2.3

Falsidade material de atestado ou certidão

No § 1º do art. 301 está o tipo: “Falsificar, no todo ou em parte, atestado ou certidão, ou alterar o teor de certidão ou atestado verdadeiro, para prova de fato ou circunstância que habilite alguém a obter cargo público, isenção de ônus ou de serviço de caráter público, ou qualquer outra vantagem.” A pena é detenção de três meses a dois anos. Cuida-se de crime que qualquer pessoa pode cometer, não se exigindo, como no tipo do caput, a qualidade de funcionário público. A diferença é que aqui se incrimina a falsificação material de atestado ou certidão. A primeira conduta típica será a criação, formação, elaboração ou fabricação de uma certidão ou de um atestado falso, contendo a falsa afirmação de fato ou circunstância que permita a alguém habilitar-se para a obtenção de cargo público, isenção de ônus ou serviço público ou vantagem pública. Valem, a propósito, as observações feitas no item 73.2.1. A segunda forma típica é a alteração, que é a modificação do conteúdo de um atestado ou certidão verdadeiro, para dele fazer constar a declaração falsa que beneficia a pessoa.

4 – Direito Penal III – Ney Moura Teles Na primeira situação, o agente cria um documento público falso, conferindo-lhe aparência de verdadeiro. Na segunda, diante de um documento verdadeiro, modifica seu conteúdo, inserindo informação falsa. Em qualquer caso, a falsificação deve ser idônea, apta a iludir. Também deve o agente atuar dolosamente, conhecendo a conduta que realiza, e com a finalidade de, com o atestado ou certidão falsificado, fazer prova do fato ou circunstância que beneficia alguém, o próprio agente ou terceira pessoa. Consuma-se no momento em que o agente conclui a formação do documento falso ou quando conclui a alteração do documento verdadeiro. A tentativa é possível quando ele, por circunstâncias alheias a sua vontade, não consegue chegar à conclusão da falsificação.

73.2.4

Forma qualificada

Se a falsidade, ideológica ou material, do atestado ou certidão tiver sido realizada com o fim de lucro, além da pena privativa de liberdade contida no caput ou no § 1º o agente será apenado também com a multa. Assim, há duas figuras qualificadas, incidentes sobre a falsidade ideológica e sobre a falsidade material, desde que o agente tenha atuado com a finalidade de obter lucro, independentemente de efetivamente consegui-lo.

73.3 AÇÃO PENAL A ação penal é de iniciativa pública incondicionada, a competência é do juizado especial criminal, e é possível a suspensão condicional do processo penal.

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