Volume 02 - 58

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58 FRAUDE NO PAGAMENTO POR MEIO DE CHEQUE

_____________________________ 58.1 CONCEITO, OBJETIVIDADE JURÍDICA E SUJEITOS DO CRIME Dispõe o art. 171, § 2º, VI, que será punido, com reclusão de um a cinco anos, e multa, quem “emite cheque, sem suficiente provisão de fundos em poder do sacado, ou lhe frustra o pagamento”. O bem jurídico protegido é o patrimônio. Sujeito ativo é qualquer pessoa que emite cheque sem suficiente provisão de fundos ou que frustra seu pagamento. Sujeito passivo é a pessoa física ou jurídica tomadora ou beneficiária do cheque.

58.2 TIPICIDADE 58.2.1 Conduta São duas as condutas típicas. Emitir cheque sem suficiente provisão de fundos e frustrar o pagamento de cheque emitido. Emitir cheque é colocá-lo em circulação. Seu preenchimento e a aposição da assinatura constituem apenas atos preparatórios impuníveis. O que caracteriza a conduta é colocar o cheque em circulação, entregando-o ao beneficiário ou tomador, para que este o apresente ao banco sacado. Frustrar o pagamento do cheque colocado em circulação é a outra conduta típica. O cheque é emitido regularmente, havendo provisão de fundos suficiente para suportar sua liquidação, mas o agente, após a emissão, expede contra-ordem de pagamento junto ao banco sacado ou retira os fundos ali existentes em sua conta corrente, frustrando seu

2 – Direito Penal II – Ney Moura Teles pagamento. As duas condutas são comissivas.

58.2.2

Elementos objetivos e normativos

Cheque é uma ordem de pagamento a vista. Emitido, pode seu portador dirigir-se ao banco sacado, onde o apresentará, cabendo ao estabelecimento bancário cumprir a ordem dada pelo titular da conta corrente. Ao receber o cheque, sabe o beneficiário que o mesmo será pago pelo banco sacado. Esta certeza que o instituto do cheque confere é que leva as pessoas a acreditarem que o mesmo corresponde ao valor monetário nele inscrito. Não havendo fundos suficientes ou sendo frustrado seu pagamento, o beneficiário do cheque terá sido enganado, ludibriado em sua boa-fé. Esta é a essência do delito em comento. Por isso, é indispensável que o cheque tenha sido emitido como ordem de pagamento a vista, o que significa que seu beneficiário, ao recebê-lo, sabia que estava autorizado a apresentá-lo ao estabelecimento bancário, para receber o valor em moeda corrente correspondente. Quando o cheque é preenchido e assinado com a informação, ao beneficiário, de que deverá ser apresentado ao banco sacado em data posterior, trata-se de uma garantia de dívida e não de uma ordem de pagamento a vista. A aposição no próprio cheque pelo emitente ou pelo próprio beneficiário, de cláusula indicativa de que deverá ser apresentado em data futura desnatura o cheque, retirando-lhe a natureza de ordem de pagamento a vista, transformando-o num título de crédito equivalente à nota promissória, uma tão-só promessa de pagamento futuro. É que, nesse caso, o tomador do cheque tem consciência de que este não fora emitido para ser imediatamente apresentado ao estabelecimento bancário, logo não foi enganado, ludibriado, não havendo, por isso, fato típico. Não houve fraude no pagamento por meio do cheque. O fato não é típico. Estando encerrada a conta corrente do emitente do cheque, deve ser reconhecida a prática de estelionato tipificada no caput do art. 171. A jurisprudência tem entendido, acertadamente, que não há crime quando o cheque é emitido sem suficiente provisão de fundos como pagamento de dívida preexistente não titulada, porque, nesse caso, o credor, embora não receba seu crédito, não sofre qualquer lesão patrimonial, e tem, a partir daí, em suas mãos o cheque, que é um título executivo extrajudicial apto a permitir-lhe a propositura de uma ação de execução forçada.

Fraude no Pagamento por Meio de Cheque - 3 Há decisões jurisprudenciais divergentes acerca da substituição de um título de crédito, como uma nota promissória ou duplicatas vencidas, por um cheque sem provisão de fundos; umas, no sentido de considerar configurado o delito do caput do art. 171; outras, entendendo que, sem que haja lesão patrimonial efetiva, não há crime contra o patrimônio. Penso que, no caso concreto, pode-se reconhecer o estelionato quando o agente, sem patrimônio econômico apto a suportar uma execução, substitui um título de maior garantia, como a nota promissória avalizada por pessoa idônea, por um cheque sem provisão de fundos, o que significará inexorável desfalque patrimonial para o credor que, apesar de continuar titular de um direito de crédito, é ludibriado na troca de uma garantia mais valiosa por um título imprestável.

58.2.3

Elementos subjetivos

Cuida-se de crime doloso. Deve o agente estar consciente da inexistência de suficiente provisão de fundos. Assim, ao emitir o cheque como ordem de pagamento a vista, está com a vontade de enganar o beneficiário. Do mesmo modo, quando dá ao banco sacado a contra-ordem ou retira os fundos disponíveis, deve estar atuando com a consciência de que o faz para impedir o pagamento do cheque. Quando o agente emite o cheque imaginando a existência de fundos suficientes ou, por erro ou descuido, retira certa importância de sua conta corrente, na certeza de que o valor remanescente suportaria o pagamento de cheque anteriormente emitido, não haverá crime, porque sua conduta terá sido, nos dois casos, negligente, e não há modalidade culposa tipificada. É essencial a existência de fraude.

58.2.4

Consumação e tentativa

Ocorre a consumação no instante em que o banco sacado recusa o pagamento do cheque, devolvendo-o por insuficiência de fundos ou por existir ali uma contra-ordem do emitente. A Súmula 521 do Supremo Tribunal Federal pôs fim a qualquer dúvida a esse respeito:

4 – Direito Penal II – Ney Moura Teles “O foro competente para o processo e julgamento dos crimes de estelionato, sob a modalidade da emissão dolosa de cheque sem provisão de fundos, é o local onde se deu a recusa do pagamento pelo sacado.” Se a conta corrente não apresenta provisão suficiente de fundos, mas o estabelecimento bancário paga o cheque, adiantando o valor e tornando-se credor do agente, não há crime, nem na forma tentada, porque, nesse caso, o meio fraudulento empregado foi absolutamente ineficaz. Ademais, não houve prejuízo, nem vantagem. Há arrependimento eficaz quando o agente, após emitir o cheque sem fundos, efetua o depósito na conta corrente, não havendo, portanto, tentativa. Penso que a tentativa só é possível na modalidade de frustração do pagamento do cheque, quando, por exemplo, dirigindo-se o agente ao banco para dar a contra-ordem, não o consegue por ficar retido no trânsito, chegando após o encerramento do expediente bancário. O ressarcimento do prejuízo causado, consistente no pagamento do cheque devolvido, não pode ser considerado senão causa de diminuição da pena prevista no art. 16 do Código Penal.

58.2.5

Forma privilegiada e aumento de pena

Se o agente é primário e pequeno o valor do prejuízo, aplica-se a pena conforme dispõe o § 2º do art. 155. Se o crime é cometido em detrimento de entidade de direito público, ou de instituto de economia popular, assistência social ou beneficência, a pena será aumentada de um terço. Remete-se o leitor para os itens 52.2.5 e 52.2.6.

58.3 AÇÃO PENAL A ação penal é pública, incondicionada. É condicionada à representação do ofendido que seja o cônjuge judicialmente separado, irmão, tio ou sobrinho com quem o agente coabita (art. 182, I a III, CP). Na forma típica sem causa de aumento, é possível a suspensão condicional do processo penal, prescrita no art. 89 da Lei nº 9.099/95.

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