Verdade e validade em lógica, argumento e proposição ( Crítica de manuais-I) Diversos autores em filosofia, em especial na lógica, dissociaram os conceitos de validade e verdade, de maneira antidialética. Ora a dialética repousa num primeiro pilar holístico, a lei do uno: no universo e no pensamento, tudo se relaciona e interpenetra, nada está isolado. Vejamos um exemplo desta dissociação artificial num manual de Filosofia: «Em lógica e filosofia chama-se válido a um argumento que tem certas propriedades , independentemente de as suas premissas serem verdadeiras ou falsas. O termo «validade» não se aplica a proposições.E os argumentos não podem ser verdadeiros nem falsos.» «Os argumentos podem ser válidos ou inválidos, mas não podem ser verdadeiros nem falsos.» « As proposições podem ser verdadeiras ou falsas, mas não podem ser válidas nem inválidas». (Aires Almeida, Célia Teixeira, Desidério Murcho, Paula Mateus, Pedro Galvão, A arte de pensar, manual de Filosofia do 11º ano, Didáctica Editora, pag 18). Esta oposição entre verdade e validade estabelecida neste excerto de um manual de Filosofia para o ensino secundário em Portugal é, a nosso ver, errónea. É fruto da hiper-análise, isto é, a visão separada das coisas, sem a intuição da sua identidade essencial. De facto dizer «É verdade que 2+5 =7» é o mesmo que dizer «É válido que 2+5=7». E dizer «é verdade que a Terra gira em torno do sol» é o mesmo que dizer «é válido que a Terra gira em torno do sol». O que os autores do citado texto designam por validade pode ser designado como verdade formal, verdade a priori, num plano meramente lógico. Por exemplo a inferência lógica « se a >b e b>c , então a>c» é simultaneamente válida e verdadeira. Logo esta proposição é verdadeira e válida, ao contrário do que sustentam os autores acima dizendo que «as proposições não podem ser válidas nem inválidas». A noção de validade é extraída da noção de verdade e nunca se liberta da determinação desta. Metaforicamente, talvez se pudesse dizer, numa certa perspectiva, que a verdade, em sentido ideal-material, é a carne com os ossos, e a validade, em sentido de verdade formal, lógica, é os ossos que subjazem à carne. O que faltou definir no citado texto são as várias acepções do termo verdade: verdade material (obtida pela intuição empírica directa conjugada com o raciocínio); verdade ideal (obtida pelo raciocínio trabalhando sobre os conceitos empíricos armazenados na memória ou na imaginação); verdade formal ou lógica pura ( que o manual citado designa por validade).
No mesmo manual de Filosofia, incorre-se no erro de dissociar argumento e proposição como se fossem conceitos absolutamente extrínsecos entre si: «Como vimos, as premissas e a conclusão dos argumentos são proposições. Portanto, os argumentos contêm proposições e as proposições podem ser verdadeiras ou falsas. Mas isto é diferente de dizer que o próprio argumento é verdadeiro ou falso. Um argumento não pode ser verdadeiro nem falso.» «Do facto de um argumento ser um conjunto de proposições não se segue que o próprio argumento é uma proposição. Um conjunto de pessoas não é uma pessoa.» «Os argumentos não podem ser verdadeiros nem falsos porque não são proposições; e não são proposições porque nada afirmam sobre a realidade. Um argumento limita-se a estabelecer uma relação entre proposições que afirmam coisas sobre a realidade.» «Não é necessário definir a noção de verdade. A noção normal, que usamos no dia-a-dia, é suficiente.» (Aires Almeida, Célia Teixeira, Desidério Murcho, Paula Mateus, Pedro Galvão, A arte de pensar, manual de Filosofia do 11º ano, Didáctica Editora, pag 18). É evidente que um argumento pode ser verdadeiro ou falso, ao contrário do que no Manual acima transcrito se sustenta. Vejamos o seguinte exemplo: «As vacinas infectam o sangue humano porque são, em si mesmas, constituídas pelo pus de cavalos, macacos, bois e outros animais doentes». Este argumento anti-vacinação exprime-se numa única proposição, que inclui dois juízos: tem, portanto, valor de verdade ou falsidade. É um argumento verdadeiro ou falso. A isso não se pode fugir. É também evidente que um argumento afirma algo sobre a realidade, ao contrário do que exprime o texto transcrito do citado Manual. Se um argumento não é uma única proposição, é um conjunto de proposições encadeadas de forma lógica e também nesse caso será verdadeiro ou falso. Vejamos um exemplo de um argumento anticapitalista: «O capitalismo baseia-se na apropriação pelos capitalistas, da mais-valia que os operários produzem. Essa apropriação, fundada na propriedade privada das fábricas, das terras, lojas e armazéns e bancos, gera desigualdades sociais. Para acabar com estas, é imprescindível suprimir a propriedade privada dos meios de produção e troca, isto é, instaurar a auto-gestão no quadro de um Estado operário». Este argumento, composto por diversas proposições, cada uma delas verdadeira ou falsa, é verdadeiro ou é falso no seu todo. Não é possível suprimir a dicotomia de valores verdadeiro/ falso no todo - o argumento - existindo esse valor em cada uma das partes.
Os autores do Manual A Arte de Pensar confundem argumento (encadeamento de juízos e raciocínios visando provar ou refutar uma tese, uma ideia)com conexão lógica do raciocínio, isto é, com mecanismo formal estruturador do argumento. Confundem o bolo (o argumento) com a forma metálica em que foi produzido (o esqueleto formal do pensar) Esse é o risco de alguma filosofia analítica: ver a árvore e não ver a floresta.
Nota de rodapé: Esta crítica a um manual de Filosofia em voga é acompanhada de um abraço a um dos seus autores, o professor Aires Almeida, que tem tido, com a Sociedade Portuguesa de Filosofia, um assinalável labor para que a Filosofia se mantenha no currículo do ensino secundário em Portugal, contra o propósito dos tecnocratas pragmáticos que a desejariam eliminar por ser incómoda à massificação por eles desejada.
[email protected] (Direitos de autor para Francisco Limpo de Faria Queiroz)
http://astrologia.weblog.com.pt/arquivo/2006/02/verdade_e_valid.html