Thomas Mann - Casamento E Homoerotismo

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Casamento e Homoerotismo. Thomas Mann O casamento, portanto – um problema. Tornou-se problemático, neste tempo, como o resto. Nossos avós, felizardos, não entenderiam. Já Wederkind (creio que em Francisca), observou friamente: “A diferença entre a vestimenta masculina e a feminina, está em vias de desaparecer no mundo inteiro”. Sem dúvida o homoerotismo, o laço de amor entre homens, a camaradagem sexual, encontra hoje um clima favorável. De fato não há como censurar ou zombar de uma esfera de sentimentos, que produziu o túmulo dos Médici e o David, os sonetos venezianos e a “Patética” em si menor. Do ponto de vista abstrato-estético, um ponto de vista humanogeneroso, emancipador, anti-utilitário e, portanto secretamente antinatural, nada pode ser aduzido contra esse gênero de sensibilidade. Onde prevalece a noção de beleza, a vida deixa de imperar de modo absoluto. O princípio da beleza e da forma, não se origina da esfera da vida. Sua relação com ela é quando muito de natureza, estritamente crítica e corretiva. Ele se opõe à vida com orgulhosa melancolia, está profundamente ligado a idéia da morte e da esterilidade. Platen diz: “Quem viu a beleza com os olhos, já foi confiado à morte”. Mas esses dois versos são a fórmula primeira e fundamental de todo esteticismo. E com inteira razão pode-se chamar ao homoerotismo de esteticismo erótico. Quem negará que com isso pronuncia-se seu julgamento moral? Nele não há benção, exceto a da beleza... E esta é uma beleza de morte. A fidelidade é a imensa vantagem moral do amor natural, possível no casamento, procriador. A lei dos judeus que sempre se entenderam sobre esses assuntos que os garotos fossem juntos para a cama. Não se pode dizer o que veio primeiro: o casamento ou a fidelidade e seria absurdo associá-los em pensamento com o homoerotismo. Tudo o que o casamento é, a saber, duração, fundamento, procriação, sucessão de gerações, responsabilidade, tudo isso o homoerotismo não é... e enquanto libertinagem estéril, este é o oposto da fidelidade. Com rara evidência aparece aqui, que a virtude e amoralidade são questões de vida, nada além de um Imperativo Categórico, a ordem de viver, enquanto que todo esteticismo de natureza pessismista-orgiástica, é a vocação da morte. Que toda arte se inclina para isso, tende ao abismo é absolutamente evidente. A liberdade orgiástica do individualismo, que uma vez escrevi em Morte em Veneza, na forma de pederastia. Parece-me que o artista é propriamente o mediador (irônico) entre os mundos da morte e da vida. Somos as criançasproblemas da vida, mas ainda assim crianças da vida... Fundamentalmente destinados ao bem-moral. Hegel disse, que o caminho mais moral para o casamento é aquele que a decisão de casar preceda o desejo. De modo que com o casamento, ambas finalmente se reúnam. Li isso com prazer, pois é o meu caso e é sem dúvida, muito comum. O amor que leva ao casamento é o amor que funda. Ninguém casa com uma mulher para possuí-la. A comunidade sexual trazida pelo casamento é algo essencialmente diferente e mais suscetível de espiritualização, do que aquela para cuja realização não é necessário casar. Deve ser esta a diferença que confere ao casamento, seu caráter de eterno humano. Mas o eterno humano é capaz de transformação.

Mas o pior e o mais falso é a restauração. A época que teme a si própria, enche de desejo de restaurar, de veleidades de retorno, de restabelecimento do velho e do venerável, de restabelecimento de santidade perdida. Inútil. Não há volta.

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