Texto 01 - Cultura De Massas

  • November 2019
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A CULTURA DO CONSUMO DE MASSAS E O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO Vitor Guglinski1 A massificação do consumo tem demonstrado ser um dos grandes problemas a ser enfrentado pela sociedade contemporânea. Importantes debates têm sido promovidos em diversas reuniões de cúpula ao redor do mundo, salientando a importância da defesa do consumidor contra os abusos cometidos pelos fornecedores nas relações de consumo, dada a vulnerabilidade que àqueles atinge. Nota-se, com pesar, que o repertório jurídico ainda é singelo ao abordar os aspectos éticos do consumo, devendo se depreender, daí, a relação entre o consumidor e a sociedade, sendo raras as obras jurídicas explanando sobre o tema, talvez por se tratar de aspectos essencialmente sociológicos, reservados à disciplina própria, mas não menos importantes, porém escassos na bibliografia consumerista. Muito embora venham sendo cobrados programas de responsabilidade social das empresas, que a sociedade civil venha se organizando crescentemente, e que o Judiciário esteja se colocando a favor do consumidor, a preocupação com a ética nas relações de consumo ainda se encontra em fase embrionária, carente no que se refere à medidas eficazes para conter o consumo desenfreado e imprimir-lhe sustentabilidade. Para se demonstrar a gravidade do problema, e afastar o argumento de que grande parte da população carece de informação, pelo fato da maioria pertencer às classes menos privilegiadas da sociedade, não raro assiste-se a pessoas pertencentes à chamada “elite” cometerem atos bárbaros como: jogar lixo na via pública, abster-se de praticar a coleta seletiva, utilizar o automóvel para percorrer distâncias ínfimas, desperdiçar recursos naturais, entre outros hábitos de consumo desregrados. Ou seja, a questão não se resume propriamente na falta de educação, pois, hodiernamente, o acesso à informação é amplamente franqueado, ocorrendo, sim, uma falta de assimilação de informações. Assessor de Juiz em Juiz de Fora-MG. Especialista em Direito do Consumidor pela Universidade Estácio de Sá de Juiz de Fora - MG.

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A boa-fé nas relações de consumo, ao ser guindada como um dos princípios norteadores do CDC, não o foi somente objetivando aquelas relações. Significando dizer, então, que não só o fornecedor está obrigado a observá-la, mas também os consumidores são destinatários desse princípio não só em relação àqueles, mas também à coletividade. Se o dever de cooperação tem sido a tônica nas relações jurídicas, por que não haveria de ser nas sociais? O consumo, em regra tido como uma relação obrigacional importa em direitos e deveres. Se por um lado o consumidor é amparado pelo Estado em relação aos abusos cometidos pelos fornecedores, por ser medida de justiça, aquele, há de cumprir, também, lado outro, o dever de observar a mais extrema ética ao consumir, ou seja, cuidar para que tal ato não venha a gerar conseqüências nocivas à sociedade e ao planeta. A globalização, como não poderia deixar de ser, ao mesmo tempo em que promoveu indubitáveis avanços nos diversos setores da sociedade, também semeou problemas globais, com reflexos distintos em cada corpo social. No caso do Brasil, além do desemprego e outras mazelas, pode-se dizer que o mal-estar social também está ligado ao acirramento do consumismo, salientando, ainda, que as insatisfações e incertezas geradas por este recente fenômeno ainda estão longe de contarem com uma solução, mas necessitam, pelo menos, de um paliativo, uma vez que a cultura imposta pelo modelo capitalista coloca em xeque a liberdade do indivíduo no que se refere à suas preferências. Talvez, Oliver Wendell Holmes, no início do séc. XIX, já vaticinasse os acontecimentos de hoje ao proferir: “Dêem-nos o supérfluo da vida, que dispensaremos o necessário” (Citado por Ives Gandra da Silva Martins Filho, em artigo intitulado: Reflexões sobre a Liberdade, publicado pela Revista de Direito Público / ano 1 – nº 4 - abr, maio, jun/2004), pois é a expressão real do que ocorre na sociedade consumista. Nessa toada, um dos maiores expoentes no assunto na atualidade, o educador britânico John Lane, em crítica ao mercado do lucro, assevera: “As pessoas estão ligadas a metas de vida inalcançáveis. Os anúncios estão sempre nos dizendo que seremos mais felizes se escolhermos esse carro, essa nova cozinha. Dizem até que ficaremos

mais atraentes se usarmos este xampu ou aquele desodorante. O consumismo e a pressão pelo sucesso estão criando uma epidemia de infelicidade para pessoas que não conseguem alcançar as metas colocadas à sua frente” (Revista Vida Simples / março de 2005, ed. nº 26, pág. 54). Não se pode proibir o consumo, até mesmo em face do art. 5º, II da Carta Magna dispõe que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, mas há que se atentar para suas conseqüências, sendo certo que o Estado detém legitimidade para disciplinar determinadas condutas que atentem contra os direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. Lado outro, a grande dificuldade em tutelar todos os aspectos da relação de consumo reside no fato de existirem, aí, fatores legais e morais. De um lado, o diploma consumerista agasalha a proteção do consumidor frente ao fornecedor; de outro há o dever de colaboração cidadã para a consecução de uma sociedade onde as liberdades individuais hão de ser mitigadas a fim de que se estabeleça um denominador comum de convívio sadio. Sobre o tema, Fabio Konder Comparato assinala, com rara felicidade: “O combate decisivo será travado não por meios militares, nem mesmo, como vulgarmente se pensa, no campo econômico, mas no terreno das idéias, dos valores e das justificações éticas. Dominador nenhum, em nenhum momento da história, sobreviveu sem alimentar nos súditos o sentimento da legitimidade do seu mando ou, pelo menos, da inutilidade da revolta. ´O forte´, disse lucidamente Rousseau, ´não é nunca bastante forte para estar sempre no poder se não faz de sua força um direito e, da obediência, um dever´”. Diante de tais considerações, urge uma profunda reflexão acerca do comportamento do consumidor perante o mundo, e é exatamente este um dos desafios do novo modelo de Estado Democrático de Direito.

Texto retirado do site: www.jusnavigandi.com.br

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