TESTE DE AVALIAÇÃO DE LITERATURA PORTUGUESA Lê, atentamente, o seguinte texto.
PAULA- Quem tivera aquela paixão de arte que o domina, aquele entusiasmo pela beleza ideal desse mundo de ficções que se criou e em que vive; aquela cegueira ditosa que lhe não deixa ver a miserável realidade que o cerca! Meu pobre pai, como ele vive enganado! Inda bem. — Cuida que o avaliam, que o entendem. As sublimes criações do seu engenho, as graciosas pinturas de seu estilo, aplaudem-nas. Como, porquê? — Porque é moda, porque os fazem rir às vezes. Sem o salvo-conduto de bobo e chocarreiro, morria de fome o grande poeta. — Não o conhecerá ele? Às vezes desconfio que sim: quer-me parecer que de propósito busca iludir-se, e foge da realidade porque a teme. — Assim fizera essoutro infeliz, essoutro espírito elevado que de suas imaginações tão altas aí se despenhou agora. — Que duas almas tão semelhantes e tão diversas! (Entra um pajenzito mourisco e entrega-lhe um bilhete.) Um bilhete! De quem? (O pajem faz sinal de não saber.) — Agora verei. (Abre e lê.) Ah! sim. — Já me admirava, desde esta manhã que chegámos de Sintra, não ter novas dele. — Veio, está aqui. — Isso esperava. — Está bom, (ao pajem que logo se retira) podes-te ir. — Que me quererá ele? A mim deseja falar por acaso de vida e de morte... e a meu pai também! E não se esconde de Pêro; antes parece... (afirma-se na carta) que dele faz confidência. Grande estranheza! — (Torna a olhar para a carta.) Não assinou o prudente cavaleiro. Nem era preciso; bem sabe como lhe conheço a letra. — Oh! e quem se havia de enganar com este teor de escrever! Mas que viesse de outra mão, só Bernardim Ribeiro podia escrever assim. (Lê) «Se me não desamais já tanto, que me queirais ver morto de paixão e angústia, fazei com que vos possa falar já, nesta hora, e a sós com vosso pai. — Não é segredo para o nosso bom Pêro. — Sabeis que vos amo... quanto quereis, e que vos mereço compaixão.» (Fala.) Que vos amo quanto quereis! — Porque enjeitei seu galanteio atrevido, porque eu, Paula Vicente, a filha do comediante, do jogral, do chocarreiro — como lhe eles chamam ao maior poeta que ainda teve esta nação de bárbaros — porque eu, eu filha do poeta pobre, não quis aceitar o cortejo do poeta senhor e cavaleiro... — cuida que o não amo, o louco! — Que mal entendem o coração da mulher estes homens dos livros — e eles todos! — Que o não amo, que não quero o seu amor, que me contento desta amizade que fingimos entre nós, ele para cobrir sua indiferença, eu para enganar minha paixão! — Eu, eu que daria a vida para ser amada (mas amada — requestada, não) por um homem como Bernardim! — Que o não amo! Eu que me sinto ralar de ciúmes cada vez que penso... — É bela, é grande dama. Não representa nas comédias de seu pai — noutras o fará — não diverte o público — é senhora, rica e poderosa... Mas quem lhe deu alma para entender aquela alma? Ah! — Aí vem meu pai e toda a caterva do Auto. Dissimulemos. 1.
Refere, com base no texto e no conhecimento que tens da obra, a opinião que Paula Vicente tem da corte.
2.
Aponta e explica: a. A visão que Paula Vicente tem das produções poéticas de seu pai; b. A visão que os cortesãos tem de Gil Vicente.
3.
Paula recebe um bilhete não assinado, porém ela reconhece o autor da mensagem. a. Explica por que motivo o bilhete não está assinado. b. Recorda o motivo pelo qual o autor do bilhete se quer encontrar com Paula e Gil Vicente. 4.
“Que duas almas tão semelhantes e tão diversas”. Identifica as personagens a que se refere esta afirmação e explica a afirmação paradoxal de Paula.
5. Tendo em conta a globalidade da obra, explica o seguinte excerto: «Eu que me sinto ralar de ciúmes cada vez que penso... — É bela, é grande dama. Não representa nas comédias de seu pai — noutras o fará — não diverte o público — é senhora, rica e poderosa... Mas quem lhe deu alma para entender aquela alma?»
GRUPO II Lê, atentamente, o seguinte texto. Amava Simão uma sua vizinha, menina de quinze anos, rica herdeira, regularmente bonita e bem-nascida. Da janela do seu quarto é que ele a vira a primeira vez, para amá-la sempre. Não ficara ela incólume da ferida que fizera no coração do vizinho: amou-o também, e com mais seriedade que a usual nos seus anos. Os poetas cansam-nos a paciência a falarem do amor da mulher aos quinze anos, como paixão perigosa, única e inflexível. Alguns prosadores de romances dizem o mesmo. Enganam-se ambos. O amor aos quinze anos é uma brincadeira; é a última manifestação do amor às bonecas; é tentativa da avezinha que ensaia o voo fora do ninho, sempre com os olhos fitos na ave-mãe, que está da fronde próxima chamando: tanto sabe a primeira o que é amar muito, como a segunda o que é voar para longe. Teresa de Albuquerque devia ser, porventura, uma excepção no seu amor. O magistrado e sua família eram odiosos ao pai de Teresa, por motivos de litígios, em que Domingos Botelho lhes deu sentenças contra. Afora isso, ainda no ano anterior dois criados de Tadeu de Albuquerque tinham sido feridos na celebrada pancadaria da fonte. É, pois, evidente que o amor de Teresa, declinando de si o dever de obtemperar e sacrificar-se ao justo azedume de seu pai, era verdadeiro e forte. E este amor era singularmente discreto e cauteloso. Viram-se e falaram-se três meses, sem darem rebate à vizinhança, e nem sequer suspeitas às duas famílias. O destino que ambos se prometiam era o mais honesto: ele ia formar-se para poder sustentá-la, se não tivessem outros recursos; ela esperava que seu velho pai falecesse para, senhora sua, lhe dar, com o coração, o seu grande património. Espanta discrição tamanha na índole de Simão Botelho, e na presumível ignorância de Teresa em coisas materiais da vida, como são um património! Na véspera da sua ida para Coimbra, estava Simão Botelho despedindo-se da suspirosa menina, quando subitamente ela foi arrancada da janela. O alucinado moço ouviu gemidos daquela voz que, um momento antes, soluçava comovida por lágrimas de saudade. Ferveu--Ihe o sangue na cabeça; contorceu-se no seu quarto como o tigre contra as grades inflexíveis da jaula. Teve tentações de se matar, na impotência de socorrê-la. As restantes horas daquela noite passou-as em raivas e projectos de vingança. Com o amanhecer esfriou-lhe o sangue e renasceu a esperança com os cálculos. Camilo Castelo Branco, Amor de Perdição, Lisboa, Editorial Comunicação, 1983
Notas: celebrada pancadaria: briga em que Simão se envolveu, descrita no início da obra. Domingos Botelho : pai de Simão, também referido no excerto como «magistrado» (l. 12). fronde: folhagem, copa de árvore. obtemperar : obedecer. património : conjunto dos bens de família, transmitidos por herança. Tadeu de Albuquerque : pai de Teresa, inimigo de Domingos Botelho por este ter proferido sentenças que lhe foram desfavoráveis. Apresenta, de forma estruturada, as suas respostas aos itens. 1. Indica, com base no texto, cinco dos traços caracterizadores de Teresa. 2. Explicita dois dos valores expressivos das imagens presentes na seguinte afirmação: «é tentativa da avezinha que ensaia o voo fora do ninho, sempre com os olhos fitos na ave-mãe, que está dafronde próxima chamando» . 3. Descreve a relação existente entre Simão e Teresa, com base nos cinco primeiros parágrafos do excerto. 4. Atenta nas alterações do modo de representação do tempo que ocorrem no último parágrafo, relativamente aos parágrafos anteriores. Identifica uma dessas alterações, analisando os efeitos de sentido produzidos. Bom trabalho, Paula Cruz