Sonatas para Piano de Mozart
Sonatas – paisagem encantadora
Inexistência de divisão clara em períodos Dificuldade em estabelecer relações claras entre obra e circunstância em que foi composta Estas sonatas revelam uma enorme capacidade de distanciamento do compositor em relação ao problemas que o afectavam no momento da sua criação
Outono de 1774 Início da composição de uma série de sonatas para piano
Mas não são as primeiras que Mozart compõe
• 4 primeiras sonatas para teclado – 1764 (Paris ou Versalhes), com apenas 8 anos que converteu em sonatas para teclado com “acompanhamento”de violino • 4 sonatas para teclado, 1766, cujo manuscrito se perdeu
Apenas 8 anos mais tarde (em 1774) volta a escrever para este género Mozart, com 19 anos, já escrevera ópera, sinfonias, música de câmara…
Mas…
Porquê esperar tanto tempo para retomar a composição para teclado? Estaria provavelmente à espera de resultados mais concretos e satisfatórios na construção de pianos De facto os novas possibilidades dos pianos, nomeadamente dos pianos da firma Stein, eram um novo estímulo à sua mente criadora Numa carta ao seu pai, Mozart elogia as qualidades destes novos pianos (17/10/1777)
E porque não clavicórdio?
(Leopold Mozart havia comprado, em 1763, um exemplar deste instrumento )
Apesar de achar interessante o seu mecanismo e a sua capacidade expressiva (vibrato), não chegava ao público mais alargado dos seus concertos Estaria condicionado a um espaço menor
Estímulos sonatas
à
composição
destas
primeiras
• Mozart estaria a pensar na viagem a Munique (para a apresentação da ópera bufa “A falsa Jardineira”), onde teria oportunidade de actuar como pianista • Munique – ambiente musical mais rico que em Salzburgo • Contacto com musica francesa a partir de compositores alemães residentes em Paris – Eckard, Honnaeur e Schobert)
Estímulos sonatas
à
composição
destas
primeiras
• Publicação de 6 sonatas de Haydn, para cravo ou piano, nesse mesmo ano • Mozart nutria uma grande admiração por este compositor • As suas primeiras sonatas revelam um tributo à figura de Haydn (“papá Haydn): nível estilístico, morfológico e até mesmo temático
Primeiras sonatas de Mozart Pianoforte ou cravo? • Indicações de dinâmica impossíveis de serem realizadas num cravo • Naquele tempo seriam indistintamente em pianoforte, cravo ou clavicórdio • Publicadas com a indicação “per cembalo” por razões comerciais
Qualquer crítica musicológica que pretenda retirar profundidade à obra pianística de Mozart, inclusive às sonatas, revelará ligeireza analítica (António Vitorino d’Almeida)
Einstein lamenta que estas primeiras sonatas sejam vistas, muitas vezes, apenas numa perspectiva de um Mozart “galante”
Primeiras 6 sonatas… Um grupo?
Talvez pela ordenação das tonalidades (porém não parecer ter sido um cuidado prioritário): Dó M, Fá M, Si b M, Mi b M, Sol M, Ré M
As 5 primeiras foram compostas em Salzburgo • Sonata em Dó M, KV 279 – caracterizada pela fantasia e espontaneidade do primeiro andamento - reexposição diferente da exposição
As 5 primeiras foram compostas em Salzburgo • Sonata em Fá M, KV 280 – passagem cromática que funciona como ponte entre os dois temas principais - existe simetria entre esses dois mesmos temas: notas do acorde usadas melodicamente em movimento contrário
As 5 primeiras foram compostas em Salzburgo • Sonata em Si b M, KV 281 – Rondo que revela já uma maturidade (Einstein refere que poderia datar-se de dez anos mais tarde)
• Sonata em Mi b M, KV 282 – estrutura menos usual: Adágio, 2 Minuetos e Rondo - relação com as sonatas para piano e violino (1772-3), as sonatas românticas (inicio com andamento lento)
As 5 primeiras foram compostas em Salzburgo • Sonata em Sol M, KV 283 – é a que apresenta menos influência de Haydn - obra luminosa e brilhante - os dois andamentos extremos – escrita elegantemente virtuosista
A 6 sonata aparece separada no tempo, no espaço e noutros aspectos; a única publicada por Mozart (editor Torricella de Viena - 1784) A obra que Mozart pretendia publicar era a sonata para piano e violino em Si b M, KV 454, para Regina Strinasacchi; porém foi buscar obras anteriores para a acompanhar: esta 6ª sonata e a sonata em Si b M, KV 333 de 1778 (J. e B. Massin)
• Sonata em Ré M, KV 284 - encomendada pelo barão von Dürnitz (pianista e fagotista amador), que não lhe terá pago os honorários - evolução na escrita pianística: mais rica, mais variada e mesmo mais difícil de executar - o primeiro andamento é brilhante e difícil - influência francesa – substituição do segundo andamento por um “Rondeau en Polonaise”, com um refrão engenhosamente variado, e o último andamento é um Andante com variações (muito utilizado por Eckard e Honnauer) - O Andante com variações é o maior de todos os andamentos das sonatas
1777 – Mozart em Mannheim Tinha a melhor orquestra do mundo e uma brilhante escola de composição no campo dos progressos técnicos Músicos como J. e C. Stamitz, Holzbauer, Cannabich ou Wendling Ambiente musical inigualável na Europa – era o centro de irradiação musical de máxima importância Apesar de frutífera nestes aspectos, esta viagem não cumpre com o objectivo inicial de obter um novo trabalho
(devido às más relações com o seu patrono, o arcebispo Colloredo de Salzburgo)
1777 – Mozart em Mannheim Escreve 2 novas sonatas • Sonata em Dó M, KV 309 - obra dedicada a Rosa Cannabich (excelente pianista e filha de J. Cannabich) - Mozart diz que o segundo andamento é uma espécie de retrato musical do carácter desta sua aluna - Leopold Mozart fala desta sonata com ironia: “amaneirada e ao gosto de Mannheim” - transposição pianística de efeitos orquestrais – uníssono orquestral (início do 1º andamento) e trémulos sonoros (Rondo final)
1777 – Mozart em Mannheim Escreve 2 novas sonatas • Sonata em Ré M, KV 311 - idêntica à anterior - primeiro andamento impetuoso com irregularidade dos temas da exposição na reexposição – ordem inversa destes mesmos temas - segundo andamento é uma das mais belas melodias de Mozart - terceiro andamento é um Rondo desenvolvido de maneira soberba, que contém uma curiosa cadência antes do último retorno ao refrão
O segundo andamento é uma das mais belas melodias de Mozart
1778 – Mozart em Paris Influência positiva para a organização do pensamento musical nos andamentos lentos Dará origem a andamentos repletos de emotividade, absolutamente comoventes Esta estadia foi também frustrante na tentativa de encontrar novo emprego Conjunto de desventuras: a morte da sua mãe, o facto de não despertar interesse dos círculos artísticos e da nobreza e de ter deixado a sua amada, Aloysia Weber em Mannheim
1778 – Mozart em Paris Porém… Obras magníficas, entre outras, as sonatas Paris
• Sonata em Lá m, KV 310 - maravilhosa obra-mestra - reflexo de um estado de íntimo desespero, carácter profundamente trágico - o ritmo inicial marca todo o primeiro andamento (nem o segundo tema no relativo maior contrasta com este clima de angústia) - desenvolvimento – explosão de violência - reexposição – segundo tema em modo menor, ainda mais sombrio - segundo andamento – carácter mais lírico e expressão consoladora, porém tem uma passagem agitada e dramática (dissonâncias na mão direita e trilos agitados na esquerda) - terceiro andamento – ambiente inquieto e um breve episódio central em modo maior
• Sonata em Dó M, KV 330 - muito diferente da anterior - escrita na primeira quinzena de Julho de 1778 - de carácter robusto, quase orquestral, e ao mesmo tempo escrita transparente e delicada - primeiro andamento – o tema principal assemelha-se ao da sonata anterior, embora transformado aqui ao nível do carácter - segundo andamento - Andante cantabile belíssimo de clima sereno, quase melancólico - grande riqueza temática sem que haja contraste de carácter (sempre sereno e gracioso) - desenvolvimentos breves e com ideias temáticas novas
• Sonata em Lá M, KV 331 - a mais conhecida das sonatas de Mozart - sonata ao estilo francês - Andante com variações, tal como na sonata Dürnitz, embora aqui menos decorativo e mais expressivo - a origem do tema será alemã ou francesa - as variações III e IV vão mais longe que uma simples ornamentação - a variação V – breve fragmento melódico usado posteriormente no segundo tema da sonata KV 333 - a variação VI anuncia a marcha turca (acordes enérgicos, arpejados na mão esquerda) - Minueto – tema semelhante ao da sonata KV 309; com um trio de serenidade celestial - Rondo “alla turca” – uma das peças mais populares, resposta ao gosto por temas exóticos
• Sonata em Fá M, KV 332 - influência de J. Ch. Bach, com quem se encontrou em princípios de Agosto - primeiro andamento – no manuscrito, a reexposição é textual mudando apenas a tonalidade; porém a primeira edição contém uma abundância de ornamentos (informa como seriam variadas as repetições) - segundo andamento – Adágio, tem uma estrutura binária de proporções moderadas (contraste com vasta e complexa arquitectura dos andamentos extremos); uma das mais admiráveis melodias das sonatas de Mozart - compassos 3 e 4 (segundo andamento) – premonição do segundo tema da sonata KV 333, também usado na var. V da sonata KV 331 - terceiro andamento – clima de invulgar brilho; um dos finais mais difíceis e virtuosistas das sonatas
• Sonata em Si b M, KV 333 - também com influência de J. Ch. Bach - terminada provavelmente entre Setembro e Outubro de 1778 - Allegro inicial de proporções bastante amplas e de carácter amável (contrasta com o da sonata anterior) - segundo tema – anunciado nas sonatas anteriores - desenvolvimento – tem um episódio em Fá m, baseado numa nova ideia, e é um dos momentos mais apaixonados de toda a obra - Andante cantabile – fragmento de nobre e apaziguada expressão. No desenvolvimento há uma célula rítmica que contagia com o seu poder de tensão emocional - Rondo – relação com o da sonata KV 282, embora aqui mais amplo e mais rico em conteúdo. Com uma ampla“cadenza in tempo”, a preparar o último refrão
O regresso a Salzburg Volta para o serviço ao arcebispo Colloredo A relação entre ambos vai piorando a cada dia que passa
Em 1781 abandona o serviço ao arcebispado e parte para Viena
Mozart em Viena “Músico livre” Conquista em poucos anos Viena, com uma proeminente posição como compositor, pianista e professor
Por volta de 1783 muda-se para a casa da família von Trattner, que deixa em Agosto de 1784 Já em 1781, Theresa von Trattner se tornara sua aluna
• Sonata em Dó m, KV 457 - terminada em 14-10-1784 e publicada como op.11 por Artaria de Viena, precedida pela fantasia KV 475 da mesma tonalidade, sem estar incluída num grupo de sonatas - fantasia e sonata com dedicatória aTheresa von Trattner - confissão dos sentimentos de Mozart e, em muitos aspectos, um prenúncio de romantismo (segundo tema do Adágio prefigura o tema inicial do Adágio Cantabile da sonata op. 13, “Patética” de Beethoven
• Sonata em Fá M, KV 533 - Janeiro de 1788 – escreve os dois primeiros andamentos para uma sonata em Fá maior - terceiro andamento – Rondo já tinha sido escrito em Junho de 1786 como uma peça isolada - nesta nova versão do Rondo surgem modificações: mudança na indicação do tempo (Andante passa a Allegretto) e acrescenta um episódio imitativo no final - foi entregue ao editor Hoffmeister, a quem estaria a dever dinheiro - é uma das melhores sonatas de Mozart - primeiro andamento – algumas passagens com carácter contrapontístico - segundo andamento – harmoniosa beleza na sua forma melódica
• Sonata em Dó M, KV 545 - “Pequena sonata para principiantes”, pensada para as necessidades dos seus próprios alunos - não foi publicada em vida do compositor - mestria na composição: elementos tão limitados deliberadamente não excluem perfeição e refinamento
• Sonata em Si b M, KV 570 - Fevereiro de 1789 - repleta de vivacidade, sem grandes aspirações nem dificuldades - Einstein: uma das obras mais bem conseguidas - tema inicial recorda sonata KV 332 - Adágio – atmosfera de comovente expressovidade, com drásticas mudanças de clima - Adágio e Allegretto – esquemas formais próximos do Rondo tratados com mestria soberana
• Sonata em Ré M, KV 576 - Julho de 1789 (editada postumamente) - terá nascido de uma viagem à corte de Frederico Guilherme II da Prússia, que o incumbe de escrever 6 quartetos para ele e 6 sonatas (de fácil execução) para a princesa Frederica - sonata de grandes exigências técnicas e de trabalho de composição bastante elaborado - andamentos extremos repletos de passagens contrapontísticas, numa estrutura imitativa bastante rigorosa - Adágio – um dos mais belos de Mozart
Numa carta ao seu pai, Mozart escreve que a sua música tem aspectos específicos que apenas os entendidos saberiam explicar mas que esta deveria ser capaz de dar prazer a todas as pessoas mesmo que estas não percebessem bem porquê.