Sentenca - Peculato - Crime Continuado - Equiparacao A Funcionario Publico

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PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA SEÇÃO JUDICIÁRIA DA PARAÍBA 2ª VARA FEDERAL

Processo: 2000.82.00.001848-8 Natureza: Ação penal pública Autor: MPF Réus: Maurício Timótheo de Souza e Marconi Timótheo de Souza

S E N T E N Ç A1

DIREITO PENAL. EQUIPARAÇÃO A FUNCIONÁRIO PÚBLICO PARA EFEITOS PENAIS (CP, art. 327, §1º). O enquadramento dos diretores de entidades paraestatais como funcionários públicos para efeitos penais não sofreu alteração pela Lei n. 9983/2000, que tão somente acrescentou ao §1º do art. 327 do CP sua parte final. DIREITO PENAL. PECULATO (CP, art. 312, caput). Comprovada a apropriação de valores transferidos a entidade paraestatal por meio de convênio por pessoas no exercício de cargo de direção. Configuração da continuidade delitiva (CP, art. 71). Dada a ausência do vínculo subjetivo, não se configurou o concurso de agentes (CP, art. 29). DIREITO PENAL. SUBSTITUIÇÃO (CP, art. 44). Uma vez que a pena resultante da aplicação de causa de exasperação pelo concurso de crimes (CP, art. 71) ultrapassou o limite previsto no art. 44, I, do CP, não cabe a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.

RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL denunciou Maurício Timótheo de Souza, Marconi Timótheo de Souza e Niedja Necy Palitot Souza, já devidamente qualificados, dando-os como incursos no art. 312, caput, c/c os arts. 29, 69 e 71, todos do Código Penal brasileiro. 1

Sentença tipo D, cf. Res. CJF n. 535/2006. ROGÉRIO ROBERTO GONÇALVES DE ABREU Juiz Federal

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Consta da denúncia (f. 04-16) que os denunciados Maurício Timótheo de Souza e Marconi Timótheo de Souza eram respectivamente provedor do Complexo Santa Casa de Misericórdia e diretor executivo do Instituto Santa Emília de Rodat, os quais detinham amplos poderes sobre o patrimônio do Complexo e não prestavam contas dos recursos recebidos no decorrer de sua administração. Dentre outros aspectos que teriam facilitado a “apropriação desses recursos pelos acusados”, cita o MPF a ausência de controle das atividades contábeis da Santa Casa, o desaparecimento de documentos do Instituto Santa Emília de Rodat, a ausência de registro da entrada e saída de bens do patrimônio móvel do Complexo, a não comprovação de despesas com pagamento de pessoal e com a execução do objeto dos convênios firmados. O MPF denunciou Maurício Timótheo de Souza e Marconi Timótheo de Souza em razão de se haverem apropriado de recursos do Complexo Santa Casa de Misericórdia, bem como Niedja Necy Palitot Souza, alegando que, como esposa do segundo denunciado, teria auferido vantagem com as práticas ilícitas de seu esposo. Diz o MPF que foi firmado o Convênio n. 025/96 entre a Escola Santa Emília de Rodat e a Secretaria do Trabalho e Ação Social (SETRAS) em função de que foram realizados dois contratos (23/96 e 04/97) e um aditivo (01/97). Em todos eles teriam ocorrido irregularidades que permitiram aos réus apropriarem-se do dinheiro. Afirma que a Sra. Maria da Glória Uchoa dos Santos (diretora técnica da Escola) teria recebido as verbas da SETRAS, limitando-se a repassá-las ao acusado Marconi Timótheo de Souza (diretor executivo do Instituto Santa Emília de Rodat), o qual se teria delas apropriado juntamente com os demais acusados. Acrescenta que Marconi teria providenciado o desaparecimento da documentação contábil do Instituto com o fim de encobrir as irregularidades que lhe teriam permitido apropriar-se dos recursos. Sobre esse desaparecimento de documentos, diz o MP que Expedito Nóbrega Dinis (ex-caixa da Escola) teria declarado que entregou a Marconi pessoalmente toda a documentação contábil do Instituto Santa Emília de Rodat para exame e posterior encaminhamento ao Departamento de Contabilidade mas, passados alguns dias, constatou que os documentos não chegaram ao destino. Jader Carlos Coelho da Franca afirmou ter tomado conhecimento através de funcionários da Santa Casa que toda a referida documentação fora ROGÉRIO ROBERTO GONÇALVES DE ABREU Juiz Federal

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retirada numa caminhonete durante à noite por Marconi, um dia antes da posse da Junta Interventora. Joaquim Paiva Martins também declarou ter ouvido comentários sobre o desaparecimento dos documentos e que Marconi teria sido o responsável. Sobre o contrato n. 23/96, disse o MPF que os cheques a ele correspondentes (somando R$ 177.408,00) foram emitidos pelo Banco do Estado da Paraíba em favor da Escola Santa Emília de Rodat, sendo contudo endossados por Maurício e Marconi e, em vez de depositados na conta da Escola, ingressaram nos cofres do Instituto Santa Emília de Rodat. Isso impossibilitou a constatação pelos auditores sobre a realização do objeto contratual, pois a documentação do referido Instituto teria sido levada por Marconi. Conclui dizendo que “esse fato, somado às demais constatações narradas na presente denúncia, representa indício suficiente de apropriação dessas verbas por MARCONI e seu irmão MAURÍCIO”. Quanto ao contrato n. 04/97, disse o MPF que os cheques a ele referentes (total de R$ 220.800,00) também foram emitidos pelo Banco do Estado da Paraíba em favor da Escola Santa Emília de Rodat, sendo endossados por Marconi e simplesmente depositados na conta n. 8.700.674-1, titularizada por ele e sua esposa Niedja Necy Palitot Souza, o que tornaria explícita a apropriação dos recursos pelos acusados. Salienta que não há quaisquer documentos que pudessem indicar que o dinheiro fora aplicado no objeto do convênio. O termo aditivo n. 01/97 elevou o valor do contrato n. 04/97 de R$ 220.800,00 para R$ 275.880,00, sendo que o cheque correspondente a esse aumento, da mesma forma emitido pelo Banco do Estado em favor da Escola, foi endossado por Marconi e pela servidora Maria da Glória Uchôa, sendo depositado na conta do Instituto Santa Emília de Rodat, ficando comprometido o exame da aplicação desse dinheiro por causa do desaparecimento dos documentos do Instituto. A denúncia ainda noticia a existência de documentos que indicariam transferências financeiras da Escola para o Instituto Santa Emília de Rodat, sendo que o dinheiro jamais teria ingressado nas contas do Instituto, nem tampouco haveria provas de que teriam sido aplicados em favor do Complexo. Tais recursos, segundo o MPF, teriam sido apropriados pelo acusado Marconi. Além disso, outras transferências “suspeitas” teriam ocorrido entre a tesouraria da Santa Casa e a Provedoria, tendo sido os valores recebidos pela secretária ROGÉRIO ROBERTO GONÇALVES DE ABREU Juiz Federal

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do acusado Maurício, não havendo documentos que comprovem as despesas que teriam sido pagas com tais recursos. Diz ainda o MPF que entre fevereiro e dezembro de 1997 o acusado Maurício efetuou saques na conta da Escola Santa Emília de Rodat no valor total de R$ 56.980,00, não comprovando em que tais valores teriam sido utilizados, motivo pelo qual seria de se inferir que foram utilizados em seu proveito próprio. O ex-caixa da Escola, Expedito Nóbrega Diniz, teria afirmado que aqueles valores sacados por Maurício “não ingressaram no caixa da Escola nem foram comprovados através de documentos de despesas”. Prossegue dizendo que Marconi, entre agosto e dezembro de 1997, autorizou a emissão de 16 (dezesseis) vales no valor total de R$ 17.000,00 em favor de José Augusto de Souza Peres, sem justificativa perante a tesouraria da Escola sobre a finalidade dessas emissões. Contudo, prestando depoimento, o próprio José Augusto de Souza Peres afirmou ter sido contratado para a realização de estudos para a implantação da Escola Politécnica de Saúde, recebendo pelo serviço um valor efetivo de R$ 15.000,00 embora haja firmado recibos, por orientação de Marconi, no valor de R$ 29.339,07. Nesse depoimento, José Augusto afirmou que o referido acusado foi à sua casa e lhe solicitou endossar os cheques emitidos para pagamento de seus serviços, levando o acusado consigo, após os endossos, metade dos cheques endossados. Quanto ao acusado Maurício, diz o MPF que, em agosto de 1997, ele autorizou a emissão de um vale em favor de Aluízio Nunes de Lucena no valor de R$ 2.069,28, também retirado do caixa da Escola, sem justificativa de emissão e saque. A emissão teve como garantia dada pelo Sr. Aluízio um cheque de R$ 7.000,00, emitido pela empresa Transportes e Representações J B Ltda. (João Coutinho), cheque que Marconi depositou na conta de sua esposa Niedja, com o objetivo de se apropriarem da quantia, fato que não ocorreu por conta da ausência de provisão de fundos do cheque. Prossegue o MPF dizendo que entre 1996 e 1998 vários cheques foram emitidos pelo Instituto Santa Emilia de Rodat e depositados na conta n. 8.700.674-1, titularizada conjuntamente por Niedja e Marconi, permitindo-lhes a apropriação de R$ 27.882,97. Outros cheques, importando no valor de R$ 310.575,41, não tiveram sua aplicação comprovada por documentação idônea, uma vez que os documentos teriam sido levados por Marconi para encobrir os fatos. ROGÉRIO ROBERTO GONÇALVES DE ABREU Juiz Federal

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Por fim, registra o MPF que os acusados Maurício e Marconi seriam equiparados a funcionários públicos por força do art. 327, §1º, do CP, vez que a Santa Casa de Misericórdia se enquadraria no conceito de entidade paraestatal. Além disso, recebia recursos do SUS. Em razão disso, a conduta por ambos praticada teria sido de peculato, nos termos do art. 312, caput, c/c os arts. 29, 69 e 71, todos do CP. Niedja responderia nos mesmos moldes por ter auferido benefícios indevidos com a prática dos delitos, tendo plena consciência dos fatos. Denúncia recebida em 12/03/2007 (f. 27-34). Na mesma decisão, autorizei a quebra do sigilo fiscal dos denunciados, determinando à DRF fornecer declarações de bens dos denunciados relativas aos anos de 1994 a 1999. Providência cumprida pela DRF com remessa das declarações referentes ao período 1995/1999, informando-se que as declarações de 1994 já teriam sido incineradas (f. 44-91). Determinei a quebra do sigilo bancário das contas titularizadas pelos réus no período de 1996 a 1998 (f. 117-8). Os réus foram devidamente citados (f. 133). Cumprimento de diligência pelo Banco do Brasil (f. 134-52 e 156206). Cumprimento de diligência pelo Banco Real ABN AMRO (f. 208524). Cumprimento de diligência pelo Banco Central do Brasil (f. 526-547). Deferida a habilitação dos advogados dos acusados Marconi e Niedja (f. 550-3), ficando assegurada vista dos autos em cartório. Informada nos autos a impetração de habeas corpus (HC n. 2946PB) junto ao TRF da 5ª Região pela defesa dos acusados Marconi e Niedja, bem como o indeferimento do pedido liminar para suspensão da ação penal (f. 557-68). Realizada audiência de interrogatório de todos os denunciados em 26/09/2007 (f. 569-82). No termo de audiência a defesa dos acusados Marconi ROGÉRIO ROBERTO GONÇALVES DE ABREU Juiz Federal

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e Niedja pugnou pela aplicação do procedimento previsto no art. 514 do CPP (defesa preliminar), o que foi indeferido pelo juízo (f. 569-70). Apresentaram defesa prévia Maurício Timótheo de Souza (f. 595-7), Marconi Timótheo de Souza (f. 598-601) e Niedja Necy Palitot Sousa (f. 602-5). Informação oriunda do E. TRF da 5ª Região, Quarta Turma, sobre a concessão parcial da ordem de habeas corpus para excluir do polo passivo da demanda a denunciada Niedja Necy Palitot Sousa (f. 611-5), dando-se imediato cumprimento (f. 617). Informação sobre nova impetração de habeas corpus perante do E. TRF da 5ª Região pela defesa do acusado Marconi Timótheo de Souza (HC n. 3116-PB), dando conta do indeferimento do pedido de liminar (f. 632-46 e 66175). Oitiva das testemunhas Maria da Glória Uchoa dos Santos (f. 68892), Joaquim Paiva Martins (f. 693-4), José Augusto de Souza Peres (f. 697700), Hernan Pinto Rodriguez (f. 701-4) e Jáder Carlos Coelho da Franca (f. 728-9). A requerimento do MPF, foi dispensada a oitiva de Expedito Nóbrega Diniz (f. 730). Informação oriunda do E. TRF 5ª Região, Quarta Turma, acerca do arquivamento dos HCs n. 3116-PB e n.2946-PB (f. 737-8). Oitiva das testemunhas Ricardo José Alves (f. 750-1), Gerson da Silva Ribeiro (f. 752-3), Haroldo de Figueiredo Diniz (f. 754-5) e Ziclomar Rodrigues Cartaxo (f. 756-7). Sobre as testemunhas ausentes (Gilson Cavalcanti de Melo e João Bosco Lins Guimarães), as partes prescindiram de seus depoimentos (f. 758). Em diligências: 1) O MPF requereu (a) que fosse oficiado ao TRT 13ª Região, solicitando-lhe informar se existiam reclamações trabalhistas contra a Santa Casa na época dos fatos e se houve determinação de bloqueio de contas bancárias da “referida Associação beneficente”, bem como (b) a renovação de certidões de antecedentes e feitos criminais distribuídos contra os acusados (f. 761). As diligências foram devidamente deferidas (f. 762). 2) Intimados os réus, deixaram transcorrer “in albis” o prazo (f. 778). ROGÉRIO ROBERTO GONÇALVES DE ABREU Juiz Federal

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O MPF insistiu na diligência ao TRT 13ª Região (f. 789v.). Informações enviadas pelo TRT 13ª Região (f. 787-851). Em alegações finais: 1) O MPF (f. 855-65) sustentou haver sido comprovada a tese apresentada com a denúncia, pugnando assim pela procedência do pedido e pela condenação dos acusados Maurício Timótheo de Souza e Marconi Timótheo de Souza. 2) Maurício Timótheo de Souza (f. 870-81) alegou: (a) a necessidade de desclassificação da imputação pelo crime de peculato, (b) a nulidade do processo por não aplicação do rito do art. 514 do CPP, (c) a não ocorrência de apropriação de quaisquer valores da Santa Casa de Misericórdia, motivo pelo qual pugna pela improcedência do pedido. 3) Marconi Timótheo de Souza (f. 883-9) alegou: (a) a incompetência da justiça federal para a presente demanda, (b) a ausência de tipicidade do fato, ensejando a absolvição por ausência de provas, (c) a não aplicação do parágrafo único do art. 327 do CP a fatos anteriores a sua entrada em vigor e (d) a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva. Ao final, pugnou pela improcedência do pedido. Autos conclusos para sentença. É o breve relato. DECIDO.

FUNDAMENTAÇÃO

Passo imediatamente ao exame das preliminares e prejudiciais. 1) Nulidade processual por não aplicação do art. 514 do CPP A questão já foi abordada no curso do processo e volta a ser suscitada. Alega-se a ocorrência de nulidade processual pela não concessão ROGÉRIO ROBERTO GONÇALVES DE ABREU Juiz Federal

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aos réus da prerrogativa de apresentarem resposta preliminar aos termos da inicial em momento anterior ao do recebimento da denúncia. Tal seria o procedimento previsto para os crimes de funcionários públicos apenados com detenção. Conforme já salientado alhures, a resposta preliminar a que se refere o art. 514 do CPP é dispensável nos casos em que a denúncia é devidamente instruída com os autos de inquérito policial – exatamente como no presente caso – não havendo assim qualquer nulidade a ser suscitada. Apenas para exemplificar, eis a seguinte decisão do E. STJ: RECURSO

ESPECIAL.

ANALISADAS

NO

DIREITO

PENAL.

ACÓRDÃO

A

MATÉRIAS

QUO.

NÃO

FALTA

DE

PREQUESTIONAMENTO. VIOLAÇÃO AO ART. 514 DO CPP. FALTA

DE

DEFESA

PRÉVIA.

DENÚNCIA

FUNDADA

EM

INQUÉRITO POLICIAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. INEXISTÊNCIA. AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Quanto aos 1º, 33, § 2º, "c", e § 3º, 44, I e 64, I, todos do CP, não há prequestionamento. Do exame dos autos, constata-se, sem maiores esforços, que a matéria agitada no presente recurso especial não foi objeto de um questionamento prévio da instância ordinária. 2. Por outro lado, quanto à ofensa ao já mencionado art. 514 do CPP, é dispensado o cumprimento da formalidade referente à notificação prévia do acusado para que ofereça resposta por escrito quando a denúncia se encontra devidamente respaldada em inquérito policial. Assim, a obrigatoriedade da notificação do acusado – funcionário público –, para a apresentação de resposta formal fica restrita aos casos em que a denúncia apresentada estiver baseada, tão-somente, em documentos acostados à representação. Precedentes. 3. Tal entendimento, inclusive, foi consolidado no verbete 330 da Súmula desta Corte, aprovado pela Terceira Seção, conforme se depreende da notícia publicada na página eletrônica deste Superior Tribunal de Justiça. 4. Agravos a que se nega provimento. (AgRg

no

Ag

703.123/RJ,

Rel.

Ministra

JANE

SILVA

(DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG), SEXTA TURMA, julgado em 28/08/2008, DJe 15/09/2008) (grifado).

Por esses motivos, indefiro a preliminar. ROGÉRIO ROBERTO GONÇALVES DE ABREU Juiz Federal

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2) Incompetência da justiça federal Alega-se que a demanda não trataria de interesse pertinente a quaisquer entes públicos federais que conduzissem à justiça federal a competência para processo e julgamento do caso em questão. Em arrimo a essa tese, salienta-se o reconhecimento da competência da justiça estadual para julgar prefeito acusado de desvio de verbas federais incorporadas pelo município por força de convênio. O presente caso, contudo, é diferente do paradigma jurisprudencial trazido nas alegações finais. Aqui se cuida da efetivação do serviço de saúde e do manejo – inclusive – de verbas do Sistema Único de Saúde. A apropriação de que trata a denúncia não cuida apenas de dinheiro público de origem estadual, mas também de verbas de origem federal. Esse caso já foi bem abordado pelo Superior Tribunal de Justiça, como revela o julgado que adiante transcrevo, na linha da competência da justiça federal para processo e julgamento: PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DE INQUÉRITO POLICIAL INSTAURADO POR REQUISIÇÃO DA CHEFIA

DA

PROCURADORIA

REGIONAL

DA

REPÚBLICA.

PECULATO. DESVIO DE VERBAS DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS). PREFEITO MUNICIPAL. PRERROGATIVA DE FUNÇÃO. COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL. CONSTRANGIMENTO

ILEGAL

INEXISTENTE.

ORDEM

DENEGADA. 1. Em sede de habeas corpus, conforme pacífico magistério jurisprudencial, somente se admite o trancamento de inquérito policial, por falta de justa causa, quando desponta induvidosamente a inocência do indiciado, a atipicidade da conduta ou se acha extinta a punibilidade, circunstâncias não demonstradas na hipótese em exame. 2. Ademais, não caracteriza constrangimento ilegal a simples instauração de inquérito policial destinado a apurar fatos em tese delituosos. 3. Por outro lado, a prerrogativa de função ostentada pelo paciente não obsta a prática de atos de investigação a serem promovidos pela autoridade policial, quando requisitados por membro do Ministério Público com atuação perante o Tribunal competente para processar e ROGÉRIO ROBERTO GONÇALVES DE ABREU Juiz Federal

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julgar eventual ação penal originária, sob pena de inviabilizar a adoção das medidas pré-processuais de persecução penal, no âmbito do procedimento investigatório em curso perante o órgão judiciário competente. 4. Por fim, conforme decidido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, "(...) A competência originária para o processo e julgamento de crime resultante de desvio, em repartição estadual, de recursos oriundos do Sistema Único de Saúde - SUS, é da Justiça Federal, a teor do art. 109, inc. IV, da Constituição Federal" (RE 196.982/PR, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA, DJ 27/6/1997, p. 30.247), pois, "(...) Além do interesse inequívoco da União, na espécie, em se cogitando de recursos repassados ao Estado, os crimes, no caso, são também em detrimento de serviços federais, pois a estes incumbe não só a distribuição dos recursos, mas ainda a supervisão de sua regular aplicação, inclusive com auditorias no plano dos Estados" (RE 196.982/PR, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA, DJ 27/6/1997, p. 30.247). 5. Ordem denegada. (HC 35.996/RJ, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 04/11/2004, DJ 06/12/2004 p. 345) (grifado).

Em meu sentir, como bem esclarece o julgado, o interesse da União não se revela apenas na afetação de verbas do Sistema Único de Saúde, mas também à implementação do serviço público de saúde a ser custeado com esses recursos, objetos mesmo de fiscalização por entidades federais. Afora o fundamento acima, saliento que a questão da competência para o processo e julgamento dos fatos apresentados pelo MPF em sua denúncia – o seja, do presente caso em concreto – já foi objeto de exame pelo Superior Tribunal de Justiça no CC n. 41073/PB (Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima), resolvido em favor da 2ª vara federal da SJPB (f. 1303-5 dos autos anexos). Por esses motivos, indefiro a preliminar. 3) A necessidade de desclassificação do crime de peculato para apropriação indébita e a consequente prescrição da pretensão punitiva A alegação de prescrição depende, para seu acolhimento, do reconhecimento da necessidade de desclassificar-se o fato para apropriação indébita, sustentada com base no argumento de que o parágrafo único do art. 327 do CP não poderia ser aplicado ao caso concreto, uma vez que os fatos ROGÉRIO ROBERTO GONÇALVES DE ABREU Juiz Federal

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narrados na denúncia seriam anteriores à Lei n. 9983/2000. Em consequência disso, o fato em tese seria de apropriação indébita que, tendo pena máxima de quatro anos (CP, art. 168), prescreveria “in abstrato” em oito anos (CP, art. 109, IV). Conclui dizendo que já teria ocorrido a prescrição da pretensão punitiva do Estado. No ponto sobre a inaplicabilidade do art. 327, §1º, do CP ao presente caso, uma vez que os fatos – da forma como narrados na denúncia – teriam sido anteriores ao advento da Lei n. 9983/2000, entendo que não assiste razão à defesa. Embora o art. 327 do Código Penal tenha realmente sido modificado pela Lei n. 9983/2000, seu parágrafo único (transformado em parágrafo primeiro) já previa a equiparação a funcionário público daquele que exercia cargo, emprego ou função em entidade paraestatal. A modificação operada pela aludida lei apenas acrescentou sua parte final, estendendo a equiparação a “quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública”. Sendo assim, no ponto realmente importante – a equiparação do ocupante de cargo, emprego ou função em entidade paraestatal – a Lei n. 9983/2000 não operou qualquer modificação, não se apresentando como “novatio legis in pejus”, não se podendo falar em aplicação retroativa “in malam partem”. Não pode haver dúvida de que o Complexo Santa Casa de Misericórdia, entidade beneficente e filantrópica, possa ser considerado como entidade paraestatal. Afinal, não integra a Administração Pública (não integrando o Estado, não pertencendo ao primeiro setor) e não desempenha atividade econômica com finalidade de lucro (não pertencendo ao mercado, não integrando o segundo setor). Pertence perfeitamente ao terceiro setor, atuando paralelamente ao Estado na busca por objetivos com convergentes. Uma vez que seja necessário manter-se o enquadramento do fato em tese no tipo penal do crime de peculato, o prazo para prescrição da pretensão punitiva “in abstrato” é de 16 anos (CP, art. 109, II), considerando a pena máxima cominada ao crime, fixada pelo preceito secundário do CP, art. 312, em 12 anos de reclusão. Por esses fundamentos, indefiro os pedidos de nova definição jurídica do fato e de acolhimento da prescrição da pretensão punitiva. ROGÉRIO ROBERTO GONÇALVES DE ABREU Juiz Federal

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Examinadas todas as questões preliminares e prejudiciais, passo ao exame do mérito da causa. Em suas alegações finais, o MPF muito bem definiu os pontos que definem as acusações imputadas contra os réus dessa maneira: 1) Desvio dos cheques n. 3311, 4311 (os quais, juntos, somavam R$ 177.408,00) e 8711 (no valor de R$ 55.080,00), que eram destinados à conta da Escola Santa Emília de Rodat, para a conta do Instituto Santa Emília de Rodat, mediante endosso feito por ambos os réus, de onde os valores foram sacados por eles e indevidamente apropriados; 2) Desvio dos cheques n. 6043, 6420, 6656 e 7325 (os quais, juntos, somavam R$ 220.800,00), que eram destinados à conta da Escola Santa Emília de Rodat, para a conta n. 8.700.674-1, titularizada pelo réu MARCONI e sua esposa, NIEDJA, mediante endosso do primeiro; 3) Saques dos valores de R$ 20.009,00, R$ 19.236,61 e R$ 9.502,04 da conta da Escola Santa Emília de Rodat, feitos pelos réus MARCONI, sob a alegação, aposta em recibos, de que estaria transferindo tais valores para a conta do Instituto Santa Emília de Rodat, sendo que constatouse que nenhum valor ingressou na conta desse Instituto no período dos saques, o que comprovaria que esse réu simplesmente deles se apropriou; 4) Diversos saques realizados no período de fevereiro a dezembro de 1997, no valor total de R$ 56.980,00, pelo réu MAURÍCIO, da conta da Escola Santa Emília de Rodat sem comprovação de que tal valor tenha sido aplicado no objeto do convênio, o que, somado aos demais elementos dos autos, indica que esse réu do valor se apropriou; 5) Diversos saques realizados nas datas de 09, 20 e 30 de maio e 09 de outubro de 1997, no valor total de R$ 19.845,64, pelo réu MAURÍCIO, da conta da Escola Santa Emília de Rodat sem comprovação de que tal valor tenha sido aplicado no objeto do convênio, o que, somado aos demais elementos dos autos, indica que esse réu do valor se apropriou; 6) Apropriação, pelo réu MARCONI, da quantia de R$ 14.339,07, equivalente à diferença entre o valor de R$ 29.339,07, sacado da conta da Escola Santa Emília de Rodat para o suposto pagamento de José Augusto de Souza Peres, contratado para realizar estudos referentes à implantação da ROGÉRIO ROBERTO GONÇALVES DE ABREU Juiz Federal

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Escola Politécnica de Saúde, e o valor que este efetivamente recebeu, isto é, R$ 15.000,00, embora este tenha firmado recibo, a pedido do mesmo réu, declarando falsamente que teria recebido o primeiro valor; 7) A emissão pelo réu MAURÍCIO, em agosto de 1997, de um vale, em favor de Aluízio Nunes de Lucena, no valor de R$ 2.069,28, retirado do caixa da Escola Santa Emília de Rodat, sem que a despesa tenha sido justificada, e tendo como garantia de pagamento um cheque de R$ 7.000,00, emitido peal empresa Transportes e Representações J. B. Ltda., o qual foi depositado por MARCONI na conta da sua esposa NIEDJA, porém foi devolvido por insuficiência de fundos; 8) A apropriação, pelo réu MARCONI, da quantia de R$ 27.882,97, através do depósito de cheques emitidos pelo Instituto Santa Emília de Rodat da conta n. 8.700.674-1, titularizada pelo próprio MARCONI e sua esposa, NIEDJA. Maurício sustenta que não participou em nada dos fatos que, com referência ao acusado Marconi, traduziam seja o depósito de cheques endossados em sua conta pessoal ou na conta do Instituto, sem a devida prestação de contas posterior, seja a assinatura de recibos com valor superior ao contratado por prestadores de serviço e posterior apropriação do saldo. Marconi, de sua parte, e no que pertine ao mérito da causa, alega que em momento algum agiu com o elemento subjetivo necessário para que sua conduta configurasse qualquer crime. Ele não nega os fatos a ele imputados pelo MPF, mas o elemento subjetivo do tipo penal (dolo). O primeiro ponto de mérito que entendo deva ficar bem claro é que o liame subjetivo necessário à configuração do concurso de pessoas não foi demonstrado pelo MPF no caso presente. Seria mesmo possível dizer que, embora os acusados tenham sido denunciados como coautores dos fatos narrados, a própria denúncia não apresenta esses fatos de forma clara como produto da vontade conjunta de ambos os réus. O que sobressai dos autos, ao final, é que os fatos demonstrados como praticados por cada um deles nada tiveram de colaboração recíproca, o que afasta peremptoriamente a aplicação do art. 29 do Código Penal ao caso em questão. A isso se poderia objetar que, ao longo da instrução, foi dito que as prestações de contas seriam de responsabilidade do Complexo, bem como que os dois réus teriam causado o desaparecimento dos documentos. Esse fato – a ROGÉRIO ROBERTO GONÇALVES DE ABREU Juiz Federal

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colaboração conjunta dos dois réus nesse caso – contudo, não foi devidamente provado nos autos, de modo que não vejo elementos que fundamentem o liame subjetivo necessário ao concurso de agentes. Isso torna necessário um exame dos fatos de maneira individualizada quanto a cada réu, tornando estanques as imputações e eventuais responsabilidades. No decorrer da instrução, apurou-se o seguinte quanto à produção da prova oral. Maurício afirmou em seu interrogatório que “nunca houve qualquer problema judicial com relação ao Instituto, estando suas contas absolutamente livres, sem quaisquer pendências”, arrematando que “os valores eventualmente depositados no Instituto, pelo fato de ser uma pessoa jurídica independente e distinta da Santa Casa, não corriam qualquer risco de arresto ou penhora para pagamento de dívidas da Santa Casa”. Negou a prática do crime e, embora haja admitido o saque a ele imputado da conta da Escola, afirmou que isso era comum uma vez que, como provedor da Santa Casa, tinha competência para sacar de um dos componentes do Complexo para subsidiar necessidades em outros. Marconi disse que havia risco de constrição judicial em valores da conta da Escola e do Instituto Santa Emília de Rodat, embora o risco, no último caso, fosse menor. Confirmou que efetuou vários depósitos em sua conta pessoal por causa desse risco, mas negou a prática do crime, sustentando que assim o fazia apenas para viabilizar a troca de cheques por dinheiro e poder fazer frente às despesas da Escola. Negou completamente a prática de quaisquer dos crimes a ele imputados pelo MPF. MARIA DA GLÓRIA UCHOA DOS SANTOS afirmou que se lembrava do convênio SETRAS n. 025/96 e de seu objeto, esclarecendo que, nesse caso, como em todos os outros convênios, a testemunha se limitava a entregar os cheques ao acusado Marconi. Disse não ter notícia de endosso dos cheques e de depósito na conta pessoal do referido acusado, recordando-se que uma vez assinou um papel para liberação do dinheiro, não sabendo se se tratava de um endosso. Quanto ao objeto do convênio, afirma que se referia à formação de técnicos em laboratório de análises clínicas, oncologia, recepcionista hospitalar, geriatria e gerontologia, além de outros, sendo a testemunha responsável pela supervisão de todos deles. Registra ainda que todos esses cursos foram realizados, formando-se turmas e expedindo-se os ROGÉRIO ROBERTO GONÇALVES DE ABREU Juiz Federal

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respectivos certificados. Teriam sido mais de dez cursos com algo entre vinte e cinco e trinta alunos por turma, chegando os cursos a 240 h/a (duzentas e quarenta horas-aula), tudo documentado e com controle de presença e avaliações. Sobre a pessoa de JOSÉ AUGUSTO, afirmou que foi escolhido por já trabalhar com consultoria, prestando serviço idêntico à FACENE e, embora não lhe conheça a graduação, sabe que se trata de profissional pós-graduado com livros escritos. Por fim, afirma que todos os professores receberam em dia seus salários com os recursos do convênio, bem como que esses recursos serviam também para a confecção do material devidamente entregue aos alunos. JOAQUIM PAIVA MARTINS afirmou que não tinha conhecimento do convênio SETRAS e seus contratos correlatos. Sobre a declaração de conhecimento do fato da retirada de documentos da Escola, afirmou que, na época, em razão do quadro que encontraram quando da designação da junta interventora, acreditou nessa informação. Tomou conhecimento da realização de cursos, embora não saiba se realmente ocorreram e se o dinheiro foi totalmente neles empregado. Ouviu falar de desvio de dinheiro da Escola, seja para o Instituto Santa Emília de Rodat, seja para a conta pessoal de um dos acusados. Conversando com auditores, quando a junta começou a atuar, ouviu falar da ocorrência de irregularidades como a falta de documentos, documentos irregulares, alguns problemas com cheques que haveriam sido desviados JOSÉ AUGUSTO DE SOUZA PERES afirmou que, “embora não esteja absolutamente certo disso, acredita que o projeto em questão tenha sido contratado pelo valor de R$ 14.000,00 (quatorze mil reais), efetivamente recebido, sendo o projeto elaborado no ano de 1998”. Confirma em seguida “que realmente recebeu a quantia afirmada pelo MPF na denúncia como contraprestação pelos seus serviços prestados, tendo firmado um recibo, a pedido do acusado MARCONI, no valor de R$ 29.399,07 (vinte e nove mil trezentos e trinta e nove reais e sete centavos), bem como que recebeu a visita do mesmo acusado para endossar os cheques relativos ao pagamento da quantia contida no recibo, ou seja, do valor maior, tendo ficado a testemunha com apenas um cheque que traduzia aproximadamente metade do valor do recibo por si assinado” (grifo inexistente no original). HERNAN PINTO RODRIGUEZ afirmou que foi um dos auditores designados para a realização do trabalho de auditoria “in loco” no Complexo Santa Casa, examinando documentos, cheques, dinheiro em caixa etc. Disse que “a partir da auditoria, ficou constatado o desvio de cheques endereçados ao Complexo, provenientes de convênios, para crédito em conta-corrente ROGÉRIO ROBERTO GONÇALVES DE ABREU Juiz Federal

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pessoal da esposa do acusado MARCONE”. Na época da auditoria, colheram declaração da pessoa que afirmou ter o acusado Marconi retirado os documentos da Santa Casa e sumido com eles, “confirmando a testemunha que realmente a auditoria não teve acesso a ditos documentos”, os quais “seriam provavelmente relativos às despesas e receitas do Instituto”. Registrou não saber afirmar se os valores depositados na conta da esposa do acusado foram utilizados em compras e serviços relacionados ao objeto do convênio. Quatro cheques endereçados a JOSÉ AUGUSTO PERES no valor de R$ 14.820,63 teriam sido depositados na conta da esposa do acusado Marconi, “tendo sido encontrados onze prestadores de serviço nessa situação, num total de R$ 50.310,63, tendo sido os cheques endossados pelos prestadores. JÁDER CARLOS COELHO DA FRANCA afirmou desconhecer completamente o assunto sobre o convênio com a SETRAS e os contratos a ele relacionados. Sobre a retirada de documentos, afirma ter ouvido da Sra. Zélia que os acusados haviam feito a retirada de documentos da Santa Casa. RICARDO JOSÉ ALVES afirmou que os “vales” certamente se referiam ao pagamento de salários, os quais estavam sempre em atraso, inclusive o da testemunha, que muitas vezes recebeu seu salário através desses “vales”. Tem conhecimento de que a situação financeira do Complexo como um todo era muito ruim, tendo ouvido falar que as contas estavam bloqueadas. GERSON DA SILVA RIBEIRO afirmou que já trabalhou na Escola Santa Emília de Rodat gratuitamente em atenção às más condições financeiras por que passava a Escola. Disse ter presenciado uma conversa a que estavam presentes Expedito, Marconi, Peres e outro funcionário, na linha de que a Escola estaria recebendo dinheiro de um convênio com a SETRAS, mas que se tal dinheiro entrasse no caixa da Escola seria bloqueado para pagamento de débitos trabalhistas. Teve conhecimento de que a Escola passou a ministrar minicursos, pagando aos professores tão logo eram concluídos. HAROLDO DE FIGUEIREDO DINIZ afirmou ter conhecimento de que o acusado Marconi fazia depósito de dinheiro da Santa Casa em sua conta-corrente pessoal, mas apenas para viabilizar pagamentos de dívidas da Escola, inclusive professores. Não ouviu falar de o acusado Marconi ter utilizado dinheiro da Escola em proveito próprio. Ouviu dizer que o acusado usava sua conta pessoal para depositar dinheiro da Escola porque, de outro modo, a Santa Casa os reteria, bem como porque estava “sub judice”. Disse recordar-se de que a Escola celebrou convênio para a realização de ROGÉRIO ROBERTO GONÇALVES DE ABREU Juiz Federal

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minicursos, acreditando que incluíam a aquisição dos materiais a serem neles aplicados. ZICLOMAR RODRIGUES CARTAXO afirmou ser professora da Escola Santa Emília de Rodat desde o ano de 1980, tendo ouvido falar que em determinada época a conta da Escola estava com um problema, de modo que se o dinheiro da Escola fosse ali depositado os professores não receberiam seus salários em dia, motivo pelo qual Marconi teria utilizado sua conta pessoal. Nunca ouviu falar que Marconi houvesse usado o dinheiro para proveito pessoal. Ouviu falar de que a Escola celebrou convênios para a realização de minicursos, tendo os professores recebido regularmente seus salários. Quanto à prova documental (especialmente contida nos autos anexos do inquérito policial), vejo que, a partir da f. 425 (numeração da JFPB – anexo), constam documentos referenciados pelo MPF, tais como: a) O contrato n. 004/97 e os cheques n. 6043 (R$ 55.200,00), 6420 (R$ 55.200,00), 6656 (R$ 33.120,00) e 7325 (R$ 77.280,00), depositados na conta corrente do acusado Marconi e de sua esposa Niedja. b) O contrato n. 23/96 e os cheques n. 3311 (R$ 88.804,00) e 4311 (R$ 88.804,00), recebidos por Maria da Glória Uchoa, endossados por ambos os réus e depositados na conta do Instituto Santa Emília de Rodat. c) O termo aditivo n. 001/97 ao contrato n. 004/97 e o cheque n. 8711 (R$ 55.080,00), recebido por Maria da Glória Uchoa, endossado por ela e pelo acusado Marconi e depositado na conta do Instituto Santa Emília de Rodat. A f. 454-60 do inquérito policial (autos anexos), consta relatório da equipe de auditoria da Secretaria do Controle da Despesa Pública do Estado da Paraíba, subscrito pelos auditores Henan Pinto Rodrigues e Darcy Bonfim. Nesse relatório, constam informações sobre: a) Cheques depositados na conta da Sra. Niedja (esposa do acusado Marconi); b) Declarações de supostos favorecidos sobre valores não recebidos; ROGÉRIO ROBERTO GONÇALVES DE ABREU Juiz Federal

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c) Transferências financeiras em 18/02/98 (R$ 20.009,00), 09/03/98 (R$ 19.236,61) e 24/04/98 (R$ 9.502,04), supostamente feitas da Escola para o Instituto que, embora recebidas por Marconi, não ingressaram na conta do Instituto; d) Transferências da tesouraria geral da Santa Casa para a Provedoria, realizadas em 09/05/97 (R$ 5.800,00), 20/05/97 (R$ 2.745,64), 30/05/97 (R$ 11.000,00) e 09/10/97 (R$ 300,00), sendo os valores recebidos por Ana Sandra Olinto Barbosa, secretária do acusado Maurício, com a finalidade de suprir o caixa da Provedoria, não tendo sido tais despesas documentalmente comprovadas. A f. 534-7 do inquérito (anexo), novo relatório subscrito pelos mesmos auditores nos dá conta da emissão de vales em nome de José Augusto de Sousa Peres (R$ 17.000,00) e Aluízio Nunes de Lucena (R$ 2.096,28). No caso de Aluízio Nunes de Lucena, os auditores constataram que o vale foi dado tendo como garantia o cheque n. 88628944, do Banco Sudameris, no valor de R$ 7.000,00, emitido por Transportes e Representações JB Ltda., devolvido por insuficiência de fundos quando era depositado na conta n. 8.700.674-1, cuja titular era a esposa do acusado Marconi. As conclusões definitivas dos auditores estão registradas no Relatório de Auditoria DECADIR n. 026/99 (f. 571A-642 anexo). Registraram ali que o desaparecimento dos documentos relativos ao processo de prestação de contas do Instituto Santa Emília de Rodat impediu a verificação da regularidade das despesas e operações ali realizadas. Após um aprofundado exame de todas as provas – especialmente dos documentos referenciados nos parágrafos acima – passo a examinar as imputações separadamente: 1) Desvio dos cheques n. 3311, 4311 (os quais, juntos, somavam R$ 177.408,00) e 8711 (no valor de R$ 55.080,00), que eram destinados à conta da Escola Santa Emília de Rodat, para a conta do Instituto Santa Emília de Rodat, mediante endosso feito por ambos os réus, de onde os valores foram sacados por eles e indevidamente apropriados;

Entendo que logrou o MPF, efetivamente, demonstrar a prática desse fato. Em verdade, a prova documental minuciosamente referenciada ROGÉRIO ROBERTO GONÇALVES DE ABREU Juiz Federal

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(seja pelo MPF, seja no já citado relatório de auditoria) demonstra que os apontados cheques, inicialmente endereçados à Escola Santa Emília de Rodat, foram encaminhados à conta do Instituto Santa Emília de Rodat e ali tiveram destinação absolutamente desconhecida, uma vez que não houve prestação de contas válida que demonstrasse a efetiva aplicação dos recursos. A alegação de que os valores foram integralmente utilizados no objeto do convênio não foi confirmada pelas provas colhidas no inquérito ou no curso da instrução processual. É de se notar que não se fazia necessário ao MPF demonstrar a apropriação da integralidade do dinheiro, motivo pelo qual os depoimentos prestados no sentido de que alguns cursos teriam sido realizados não afastam peremptoriamente a imputação, já que permitem a ilação de apropriação parcial. 2) Desvio dos cheques n. 6043, 6420, 6656 e 7325 (os quais, juntos, somavam R$ 220.800,00), que eram destinados à conta da Escola Santa Emília de Rodat, para a conta n. 8.700.674-1, titularizada pelo réu MARCONI e sua esposa, NIEDJA, mediante endosso do primeiro;

Também esse fato ficou devidamente comprovado através da prova documental contida nos autos do processo e do inquérito respectivamente anexo, prova tal adequadamente destacada pelo MPF. Em verdade, aqui entendo conveniente destacar que os réus divergiram frontalmente sobre a necessidade de utilização da conta corrente pessoal do acusado Marconi e de sua esposa Niedja. Os acusados concordaram que a realização de depósitos na conta da Escola Santa Emília de Rodat seria no mínimo arriscada, sendo em razão disso depositados os valores na conta do Instituto. O acusado Maurício, no entanto, ao contrário de Marconi, afirmou que a conta do Instituto não corria qualquer risco, sendo por isso mesmo os valores destinados à Escola depositados na conta do Instituto. Se a conta do Instituto era segura (não passível de penhora), que motivo haveria para a realização de depósitos na conta pessoal Marconi? Esse fato, conforme me pareceu bastante claro, foi decisão isolada de Marconi, inclusive sem o aparente conhecimento de Maurício. A questão é que se realmente não havia motivo para utilização da conta pessoal do acusado, o depósito dos cheques em tal conta aparece – em plena sintonia com a linha defendida pelo MPF – como meio para viabilizar a apropriação dos respectivos valores. ROGÉRIO ROBERTO GONÇALVES DE ABREU Juiz Federal

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O incontestável aspecto de que, uma vez depositados esses valores em conta pessoal do acusado, não houve prestação de contas nem a aprovação da tomada de contas realizada pela auditoria (sem a colaboração dos réus) permite conclusão de que tais valores foram realmente apropriados, pois jamais se comprovou sua aplicação em despesas relacionadas ao objeto do convênio celebrado com a SETRAS. Como se vê ao longo do processo, o argumento de Marconi cinge-se à intenção de utilização dos valores no objeto do convênio, bem como de evitar que tais quantias fossem penhoradas na conta da Escola. O problema é que, se a conta do Instituto era segura, não havia motivo para depósito em sua conta privada. Cabia-lhe demonstrar que o acusado Maurício estava errado e que a conta do Instituto também não era segura – o que seria possível a partir da comprovação da existência de ações judiciais contra o Instituto. Essa prova jamais foi feita e, ao fim e ao cabo, chego à conclusão de que os depósitos serviram a atos de apropriação dos respectivos valores pelo acusado Marconi.

3) Saques dos valores de R$ 20.009,00, R$ 19.236,61 e R$ 9.502,04 da conta da Escola Santa Emília de Rodat, feitos pelos réus MARCONI, sob a alegação, aposta em recibos, de que estaria transferindo tais valores para a conta do Instituto Santa Emília de Rodat, sendo que constatou-se que nenhum valor ingressou na conta desse Instituto no período dos saques, o que comprovaria que esse réu simplesmente deles se apropriou;

Esse fato também encontra prova documental contida nos autos. De acordo com o MPF (devidamente corroborado por documentos que destaca), houve saques da conta da Escola Santa Emília de Rodat para depósito da conta do Instituto. Não houve demonstração documental de que tais valores tenham ingressado na conta do Instituto, nem tampouco de que haja sido aplicado em quaisquer despesas de interesse do Complexo Santa Casa de Misericórdia. Também esse fato não recebeu qualquer alegação em sentido contrário, muito menos contraprova. Seria de se esperar que os acusados procurassem evidenciar, à vista de extratos bancários (inclusos até mesmo nos autos), que os valores ingressaram nas contas do Instituto Santa Emília de Rodat (apontando, obviamente, os registros de lançamentos) ou mesmo que ROGÉRIO ROBERTO GONÇALVES DE ABREU Juiz Federal

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foram utilizados em tais ou quais despesas relacionadas ao objeto do convênio. Nada disso foi feito. 4) Diversos saques realizados no período de fevereiro a dezembro de 1997, no valor total de R$ 56.980,00, pelo réu MAURÍCIO, da conta da Escola Santa Emília de Rodat sem comprovação de que tal valor tenha sido aplicado no objeto do convênio, o que, somado aos demais elementos dos autos, indica que esse réu do valor se apropriou; 5) Diversos saques realizados nas datas de 09, 20 e 30 de maio e 09 de outubro de 1997, no valor total de R$ 19.845,64, pelo réu MAURÍCIO, da conta da Escola Santa Emília de Rodat sem comprovação de que tal valor tenha sido aplicado no objeto do convênio, o que, somado aos demais elementos dos autos, indica que esse réu do valor se apropriou;

O acusado Maurício afirmou que, como provedor do Complexo, tinha a prerrogativa de retirar dinheiro de caixa de quaisquer entidades componentes para cobrir despesas relativas a outro componente. O MPF não contesta esse ponto, mas a comprovação das despesas custeadas precisamente com o montante de R$ 56.980,00 a que se refere. Segundo o MPF, a destinação desses recursos jamais foi comprovada, e nisso tem total razão. Da mesma forma que afirmei no tópico anterior, cabia ao acusado demonstrar que os saques foram feitos para fazer frente a despesas relacionados ao objeto do convênio. Se o dinheiro em questão fora transferido pelo órgão convenente, estava vinculado ao objeto conveniado. Caso contrário, ainda assim deveria o acusado demonstrar que fora depositado na conta de outro componente do complexo ou que fora utilizado diretamente para gastos relacionados às respectivas atividades da Santa Casa. Em momento algum isso foi demonstrado, limitando-se o acusado a dizer que tinha a prerrogativa de remanejar recursos. Uma vez que se comprovou a realização dos saques e seus respectivos valores, caberia ao acusado comprovar sua destinação. Para isso serve a prestação de contas. Uma vez que não prestara suas contas nem comprovara, por outro modo, a destinação dos recursos, responsabiliza-se por sua apropriação. As provas dos autos são fortes nesse sentido, com a corroboração dos trabalhos de auditoria cujo relatório, já aqui citado, encontrase nos autos do inquérito policial anexo.

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6) Apropriação, pelo réu MARCONI, da quantia de R$ 14.339,07, equivalente à diferença entre o valor de R$ 29.339,07, sacado da conta da Escola Santa Emília de Rodat para o suposto pagamento de José Augusto de Souza Peres, contratado para realizar estudos referentes à implantação da Escola Politécnica de Saúde, e o valor que este efetivamente recebeu, isto é, R$ 15.000,00, embora este tenha firmado recibo, a pedido do mesmo réu, declarando falsamente que teria recebido o primeiro valor;

A comprovação desse fato praticado pelo acusado Marconi foi incontestável: ficou demonstrado pelos documentos colhidos na fase inquisitorial e foi confirmado pelo próprio Sr. José Augusto de Souza Peres no depoimento que prestou em juízo. Como já destacado linhas acima, afirmou a apontada testemunha “que realmente recebeu a quantia afirmada pelo MPF na denúncia como contraprestação pelos seus serviços prestados, tendo firmado um recibo, a pedido do acusado MARCONI, no valor de R$ 29.399,07 (vinte e nove mil trezentos e trinta e nove reais e sete centavos), bem como que recebeu a visita do mesmo acusado para endossar os cheques relativos ao pagamento da quantia contida no recibo, ou seja, do valor maior, tendo ficado a testemunha com apenas um cheque que traduzia aproximadamente metade do valor do recibo por si assinado” (grifo inexistente no original). Ora, aliando-se esse fato à completa ausência de prestação de contas e comprovação da completa execução do objeto do convênio, chega-se à inelutável conclusão, na linha da tese esposada pelo MPF, de que os valores recebidos através dos cheques endossados foram objeto de apropriação por parte do acusado Marconi. 7) A emissão pelo réu MAURÍCIO, em agosto de 1997, de um vale, em favor de Aluízio Nunes de Lucena, no valor de R$ 2.069,28, retirado do caixa da Escola Santa Emília de Rodat, sem que a despesa tenha sido justificada, e tendo como garantia de pagamento um cheque de R$ 7.000,00, emitido peal empresa Transportes e Representações J. B. Ltda., o qual foi depositado por MARCONI na conta da sua esposa NIEDJA, porém foi devolvido por insuficiência de fundos;

Não entendo que as provas trazidas aos autos demonstrem com exatidão a ocorrência desse fato. Não foi tomado o depoimento de Aluízio ROGÉRIO ROBERTO GONÇALVES DE ABREU Juiz Federal

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Nunes de Lucena que, assim, não confirmou em juízo as informações apresentadas na fase inquisitorial. A simples emissão de um vale não leva a uma conduta ilícita, pois ficou bem claramente demonstrado que muitos funcionários recebiam seus salários dessa forma. A tentativa de depósito do referido cheque na conta de Marconi apenas entra na linha de outros depósitos já referenciados. 8) A apropriação, pelo réu MARCONI, da quantia de R$ 27.882,97, através do depósito de cheques emitidos pelo Instituto Santa Emília de Rodat da conta n. 8.700.674-1, titularizada pelo próprio MARCONI e sua esposa, NIEDJA.

Também esse fato encontra prova documental nos autos, devidamente apontada pelo MPF. É de se notar que aqui também ganha revelo o aspecto da ausência de qualquer prestação de contas e das conclusões francamente negativas constantes do relatório elaborado pelos auditores quando da tomada de contas. Não há qualquer prova de que os valores tenham sido posteriormente utilizados em proveito do Complexo Santa Emília de Rodat. Outrossim, associando-se isso ao raciocínio (aqui reiterado) de que não havia motivo que justificasse o depósito de tais valores na conta pessoal do acusado (quando dispunha da conta do Instituto sem qualquer risco), esses depósitos apenas aparecem como estágio natural do procedimento que culminava na apropriação dos valores depositados. Pode-se constatar que as condutas dos acusados consistiram na apropriação, durante certo período de tempo, de valores pertencentes ao Complexo Santa Casa de Misericórdia, precisamente da Escola Santa Emília de Rodat, recursos obtidos mediante convênio celebrado com a Secretaria do Trabalho e Ação Social. Considerando a natureza paraestatal da entidade (CP, art. 327, §1º), a homogeneidade do modus operandi das condutas, os fatos perfazem o tipo do art. 312, caput, do Código Penal brasileiro (peculato), praticados em continuidade delitiva (CP, art. 71). Nesse ponto, por entender que ficaram preenchidos os pressupostos no art. 71 do CP, discordo do MPF quando afirma que alguns deles deveriam ser incriminados como praticados em concurso material. Passo à fixação das penas. ROGÉRIO ROBERTO GONÇALVES DE ABREU Juiz Federal

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FIXAÇÃO DA PENA

1. Maurício Timótheo de Souza 1.1 Circunstâncias judiciais (pena-base) Examinando as circunstâncias do art. 59 do Código Penal brasileiro, vejo o seguinte: a culpabilidade se mostrou própria ao crime em questão; o réu não possui antecedentes criminais; a conduta social e a personalidade, como dados inerentes ao réu que não relevantes para o fato, não podem ser valorados negativamente sob pena de admitir-se uma culpabilidade de autor que viola o princípio da lesividade e o princípio da dignidade da pessoa humana; o crime não foi praticado por motivos que mereçam valoração negativa, nem tampouco em circunstâncias especiais que justifiquem aumento da reprimenda; as conseqüências indiretas do crime, contudo, a partir do desvio de valores transferidos mediante convênio para a promoção de cursos profissionalizantes, afetam uma pluralidade indistinta de indivíduos, comprometendo os objetivos colimados pela entidade financiadora, o que merece a devida reprovação; a vítima não colaborou para o crime com seu comportamento. Considerando os limites abstratos da pena cominada ao crime de peculato (CP, 312, caput) e levando em conta a fundamentação acima, fixo a pena-base em 4 (quatro) anos de reclusão. 1.2 Circunstâncias agravantes e atenuantes Não encontrei circunstâncias agravantes (CP, arts. 61 e 62) ou atenuantes (CP, arts. 65 e 66) que sejam aplicáveis ao fato. Mantenho, assim, a pena acima fixada em 4 (quatro) anos de reclusão. 1.3 Causas de aumento ou diminuição Não encontrei causas gerais ou especiais de aumento ou de redução a pena que sejam aplicáveis ao fato. Mantenho, assim, a pena acima fixada em 4 (quatro) anos de reclusão. 1.4 Causas de exasperação pelo concurso de crimes ROGÉRIO ROBERTO GONÇALVES DE ABREU Juiz Federal

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Atendidos os requisitos objetivos e subjetivos decorrentes do exame do art. 71 do Código Penal, formando-se desse modo a continuidade delitiva, deverá o juiz tomar uma das penas, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, majorando-a de um sexto a dois terços, conforme (segundo a doutrina) a quantidade de crimes que integrem a continuidade. No presente caso, vejo que nenhum dos fatos praticados pelo acusado ensejaria pena superior à calculada nos itens acima, de modo que a pena acima deve ser tomada como padrão para o cálculo da causa de exasperação da continuidade delitiva. Considerando a quantidade de delitos comprovadamente praticados, entendo cabível seja a pena aumentada em 1/4 (um quarto). Sendo assim, fixo em definitivo a pena privativa de liberdade em 5 (cinco) anos de reclusão para cumprimento em regime inicial semi-aberto (CP, art. 33, §2º, “b”). 1.5 Substituição e sursis Uma vez que o resultado da pena supera o limite de quatro anos previsto no art. 44, I, do CP, não cabe a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos (cf. HC 21.681/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 17/06/2003, DJ 18/08/2003 p. 215)2. Pelo mesmo motivo, não é cabível a suspensão condicional da pena (CP, art. 77, caput). 2. Marconi Timótheo de Souza 2.1 Circunstâncias judiciais (pena-base) HABEAS CORPUS. PENAL. CONCURSO DE CRIMES. PORTE ILEGAL DE ARMA E RECEPTAÇÃO NA FORMA SIMPLES. SUBSTITUIÇÃO DE PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS. QUANTUM UNIFICADO INFERIOR A QUATRO ANOS. CONDIÇÕES LEGAIS FAVORÁVEIS. POSSIBILIDADE. 1. Havendo concurso de crimes, a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos é possível quando o total das reprimendas não ultrapasse o limite de quatro anos, disposto no art. 44, inc. I, do Código Penal. 2. Não sendo o apenado reincidente, bem como reconhecidas em seu favor as condições judiciais previstas no art. 59, do Código Penal, e fixado a pena a ele imposta, em ambos os delitos, no mínimo legal, faz jus à substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. 3. Ordem concedida. (HC 21.681/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 17/06/2003, DJ 18/08/2003 p. 215) (grifado). 2

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Examinando as circunstâncias do art. 59 do Código Penal brasileiro, vejo o seguinte: a culpabilidade se mostrou própria ao crime em questão; o réu não possui antecedentes criminais; a conduta social e a personalidade, como dados inerentes ao réu que não relevantes para o fato, não podem ser valorados negativamente sob pena de admitir-se uma culpabilidade de autor que viola o princípio da lesividade e o princípio da dignidade da pessoa humana; o crime não foi praticado por motivos que mereçam valoração negativa, nem tampouco em circunstâncias especiais que justifiquem aumento da reprimenda; as conseqüências indiretas do crime, contudo, a partir do desvio de valores transferidos mediante convênio para a promoção de cursos profissionalizantes, afetam uma pluralidade indistinta de indivíduos, comprometendo os objetivos colimados pela entidade financiadora, o que merece a devida reprovação; a vítima não colaborou para o crime com seu comportamento. 2.2 Circunstâncias agravantes e atenuantes Não encontrei circunstâncias agravantes (CP, arts. 61 e 62) ou atenuantes (CP, arts. 65 e 66) que sejam aplicáveis ao fato. Mantenho, assim, a pena acima fixada em 4 (quatro) anos de reclusão. 2.3 Causas de aumento ou diminuição Não encontrei causas gerais ou especiais de aumento ou de redução a pena que sejam aplicáveis ao fato. Mantenho, assim, a pena acima fixada em 4 (quatro) anos de reclusão. 2.4 Causas de exasperação pelo concurso de crimes Atendidos os requisitos objetivos e subjetivos decorrentes do exame do art. 71 do Código Penal, formando-se desse modo a continuidade delitiva, deverá o juiz tomar uma das penas, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, majorando-a de um sexto a dois terços, conforme (segundo a doutrina) a quantidade de crimes que integrem a continuidade. No presente caso, vejo que nenhum dos fatos praticados pelo acusado ensejaria pena superior à calculada nos itens acima, de modo que a pena acima deve ser tomada como padrão para o cálculo da causa de exasperação da continuidade delitiva. ROGÉRIO ROBERTO GONÇALVES DE ABREU Juiz Federal

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Considerando a quantidade de delitos comprovadamente praticados, entendo cabível seja a pena aumentada em 1/2 (um meio). Sendo assim, fixo em definitivo a pena privativa de liberdade em 6 (seis) anos de reclusão para cumprimento em regime inicial semi-aberto (CP, art. 33, §2º, “b”). 2.5 Substituição e sursis Uma vez que o resultado da pena supera o limite de quatro anos previsto no art. 44, I, do CP, não cabe a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos (cf. HC 21.681/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 17/06/2003, DJ 18/08/2003 p. 215). Pelo mesmo motivo, não é cabível a suspensão condicional da pena (CP, art. 77, caput).

DISPOSITIVO

Diante do exposto, com fundamento no art. 387 do Código de Processo Penal, julgo parcialmente procedente o pedido para condenar Maurício Timótheo de Souza e Marconi Thimótheo de Souza como incursos no artigo 312, caput, c/c o art. 71, ambos do Código Penal brasileiro. Com base na fundamentação constante do tópico próprio, fixo as penas privativas de liberdade da seguinte maneira: a) Maurício Timótheo de Souza: pena privativa de liberdade de 5 (cinco) anos de reclusão para cumprimento em regime inicial semi-aberto (CP, art. 33, §2º, “b”). b) Marconi Timótheo de Souza: pena privativa de liberdade de 6 (seis) anos de reclusão para cumprimento em regime inicial semi-aberto (CP, art. 33, §2º, “b”). Deixo de substituir as penas privativas de liberdade por restritivas de direito em razão do não preenchimento do requisito objetivo previsto no CP, art. 44, I. Deixo igualmente de lhes conceder a suspensão condicional da pena em razão do não preenchimento do requisito objetivo previsto no CP, art. 77, caput.

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Por entender que não estão presentes os fundamentos que ensejariam a custódia cautelar dos réus (CPP, arts. 312 e seguintes), concedolhes o direito de apelar em liberdade. Transitada em julgado a presente sentença, após a devida certificação, deverá a secretaria da vara: a) oficiar ao TRE/PB para os fins do art. 15, III, da CF; b) preencher e remeter ao IBGE os boletins individuais dos acusados; c) lançar-lhes os nomes no rol dos culpados; d) remeter os autos ao juízo das execuções penais. Custas “ex lege”. Proceda a secretaria da vara ao lacre dos documentos, constantes dos autos, referentes às declarações de bens e rendimentos dos acusados, eis que documentos protegidos por sigilo (folhas 44-91). Certifique-se. Sentença publicada em mãos do diretor de secretaria. Registre-se no sistema informatizado. Intimem-se os acusados e seus defensores. Cientifique-se o MPF. João Pessoa, 08 de maio de 2009.

Juiz federal Rogério Roberto Gonçalves de Abreu Substituto da 2ª VF/SJPB

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