Sentenca - Apropriacao Indebita Previdenciaria - Crime Continuado

  • Uploaded by: Rogério Abreu
  • 0
  • 0
  • July 2020
  • PDF

This document was uploaded by user and they confirmed that they have the permission to share it. If you are author or own the copyright of this book, please report to us by using this DMCA report form. Report DMCA


Overview

Download & View Sentenca - Apropriacao Indebita Previdenciaria - Crime Continuado as PDF for free.

More details

  • Words: 4,618
  • Pages: 13
PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA SEÇÃO JUDICIÁRIA DA PARAÍBA SEGUNDA VARA FEDERAL

Processo: 2004.82.00.009786-2 Natureza: Ação penal pública Autor: MPF Réus: Doriedson Rodrigues de Oliveira, João Augusto de Oliveira e Fernando André de Paula Canuto

S E N T E N Ç A1

DIREITO PENAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA EM CONTINUIDADE DELITIVA (CP, ART. 168-A C/C ART. 71). 1. A autoria do crime depende da efetiva utilização de poderes de administração do agente, não bastando a mera condição de sócio. 2. Demonstrada a ocorrência dos fatos que compõem o tipo penal, cabe ao réu provar os fatos que constituem a tese de defesa. 3. Praticado o fato, mês a mês, durante certo período de tempo, aplica-se a regra da continuidade delitiva. 4. Procedência parcial da pretensão punitiva.

RELATÓRIO

Tratam os presentes autos de AÇÃO PENAL PÚBLICA proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL contra DORIEDSON RODRIGUES DE OLIVEIRA e JOÃO AUGUSTO DE OLIVEIRA, já devidamente qualificados, dando-os a peça denunciativa como incursos nos artigos 168-A c/c 71, ambos do Código Penal brasileiro. Narra o MPF na denúncia (f. 02-3) que os acusados, na condição de sócios-gerentes da pessoa jurídica intitulada KELVIN EMPREENDIMENTOS EDUCACIONAIS LTDA., teriam deixado de recolher aos cofres do INSS as contribuições previdenciárias descontadas dos salários dos respectivos empregados no período de junho/2001 a dezembro/2001. Os débitos teriam dado azo à expedição da NFLD n. 35.443.913-8, datada de 05/05/2003, no 1

Sentença tipo D, cf. Res. CJF n. 535/2006. ROGÉRIO ROBERTO GONÇALVES DE ABREU Juiz Federal

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

Página 2 de 13

SEÇÃO JUDICIÁRIA DA PARAÍBA SEGUNDA VARA FEDERAL

valor (atualizado a julho de 2004) de R$ 47.784,72. Na denúncia, foi indicada uma testemunha para oitiva em juízo. Denúncia recebida em 08/09/2004 (f. 83). Interrogatório dos acusados DORIEDSON RODRIGUES OLIVEIRA (f. 113-6) e JOÃO AUGUSTO DE OLIVEIRA (f. 117-20).

DE

Defesa prévia de DORIEDSON RODRIGUES DE OLIVEIRA e JOÃO AUGUSTO DE OLIVEIRA (f. 122-4), alegando, além da inépcia da inicial, a ausência da condição de sócio e de participação na direção financeira da empresa. Juntam documentos (inclusive sobre ação de dissolução de sociedade) e apresentam rol de testemunhas para inquirição em juízo. Inquirição da testemunha Elias Alves dos Santos (f. 171-3). Inquirição das testemunhas Maurícia Batista de Sousa (f. 202-3), Juvenal Ventura da Silva (f. 204) e Eduardo Jorge Azevedo de Oliveira (f. 205). O MPF aditou a denúncia para incluir FERNANDO ANDRÉ DE PAULA CANUTO (f. 208-10) no pólo passivo, alegando que, conforme apurado no curso da instrução, também se tratava de sócio-gerente da empresa e pessoa responsável pelo setor financeiro da sociedade, destacando que “à f.

30, foi acostado o cartão de identificação da pessoa jurídica perante a Receita Federal, e o número do Cadastro de pessoa física apontado como do responsável pela empresa é justamente do Sr. Fernando André de Paula Canuto”. Aditamento à denúncia recebido em 10/07/2006 (f. 215-24). Defesa prévia de FERNANDO ANDRÉ DE PAULA CANUTO (f. 2423), negando a imputação e indicando oito testemunhas para oitiva em juízo. Interrogatório de FERNANDO ANDRÉ DE PAULA CANUTO (f. 2768). Intimado para dizer se tinha interesse na reinquirição de testemunhas indicadas pelo MPF ou pela defesa dos demais réus (f. 316), manteve-se silente o acusado FERNANDO ANDRÉ DE PAULA CANUTO (f. 317). ROGÉRIO ROBERTO GONÇALVES DE ABREU Juiz Federal

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

Página 3 de 13

SEÇÃO JUDICIÁRIA DA PARAÍBA SEGUNDA VARA FEDERAL

Dispensada a oitiva das testemunhas Sílvio Orleans Cruz e Reinaldo Simões (f. 334) uma vez que a defesa de FERNANDO ANDRÉ DE PAULA CANUTO não apresentou seus endereços e, intimado para tanto, manteve-se silente. Inquirição de Miguel Arcanjo de Morais Filho (f. 371), Aritelmo Franco Silva (f. 416-7) e Francisco Soares Torquato (f. 425-7). A defesa prescindiu da tomada dos depoimentos de Maria dos Remédios Abrantes da Silva Caetano, Maurícia Batista de Sousa e Sheina Cavalcante de Medeiros (f. 423-4). A f. 430-1, o MPF registrou não ter diligências complementares a requerer. Manifestou-se ainda sobre pedido de pagamento parcial do débito tributário feito pelo réu FERNANDO ANDRÉ DE PAULA CANUTO, posicionando-se negativamente em relação ao pleito de extinção da punibilidade nesse caso. Decisão indeferindo o pedido de pagamento parcial com extinção da punibilidade feito por FERNANDO ANDRÉ DE PAULA CANUTO (f. 433). Intimados para requerimento de diligências complementares (f. 445), os réus se mantiveram silentes (f. 446). Em alegações finais: 1) O MPF requereu a condenação de todos os réus como incursos no art. 168-A, §1º, I, c/c o art. 71, ambos do CP (f. 450-2). 2) FERNANDO ANDRÉ DE PAULA CANUTO apresentou alegações finais (f. 457-60) alegando: a) que não cometeu o fato narrado na denúncia; b) que não havia recursos financeiros que pudessem ser retidos e repassados ao INSS, uma vez que a empresa dispunha tão somente os valores líquidos pagos aos empregados; c) que, em função disso tudo, a empresa encerrou suas atividades; d) que em momento algum agiu com dolo. Pediu, ao final, a improcedência do pedido. 3) DORIEDSON RODRIGUES DE OLIVEIRA e JOÃO AUGUSTO DE OLIVEIRA apresentaram alegações finais em conjunto (f. 462-6) alegando: a) a existência do processo administrativo e da NFLD não prova apropriação indébita, mas apenas a existência de um dívida; b) para a condenação, é ROGÉRIO ROBERTO GONÇALVES DE ABREU Juiz Federal

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

Página 4 de 13

SEÇÃO JUDICIÁRIA DA PARAÍBA SEGUNDA VARA FEDERAL

preciso que o MPF demonstre que houve efetiva retenção de parte do salário bruto a título de contribuição devida ao INSS; c) tramita perante a 7ª vara cível da justiça estadual uma ação de dissolução parcial de sociedade, proposta ainda no ano de 2001 e versando o período a que se refere a denúncia; d) as contribuições não foram repassadas ao INSS em razão de dificuldades financeiras por que passava a empresa, tendo sido priorizado o pagamento dos funcionários. Pedem, ao final, julgamento de improcedência do pedido. Autos conclusos para sentença. Brevemente relatados. DECIDO.

FUNDAMENTAÇÃO

Não havendo questões preliminares ou prejudiciais a decidir, passo imediatamente ao mérito da causa. O MPF denunciou DORIEDSON RODRIGUES DE OLIVEIRA e JOÃO AUGUSTO DE OLIVEIRA e, posteriormente, em aditamento, FERNANDO ANDRÉ DE PAULA CANUTO, dando-os como incursos no CP, art. 168-A c/c art. 71, atribuindo-lhes a conduta de, como sócios-gerentes da empresa KELVIN EMPREENDIMENTOS EDUCACIONAIS LTDA., efetuar a retenção dos valores descontados dos salários dos empregados a título de contribuição previdenciária sem o devido repasse aos cofres do INSS, no período de junho a dezembro de 2001. Para a prova do fato típico narrado na denúncia, o MPF apresentou cópia do processo administrativo fiscal e requereu a produção de prova testemunhal. Os acusados alegaram que a empresa não tinha como efetuar o repasse de quaisquer valores ao INSS uma vez que a empresa conseguia obter apenas os valores suficientes para pagamento de empregados, de modo que nada era realmente retido para posterior repasse aos cofres públicos. O procedimento administrativo fiscal comprova a realização de auditoria na empresa e a existência do débito tributário em razão do não pagamento dos valores devidos. No caso dos autos, trata-se de quantias repassadas pela empresa ao INSS, descontadas dos salários dos empregados ROGÉRIO ROBERTO GONÇALVES DE ABREU Juiz Federal

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

Página 5 de 13

SEÇÃO JUDICIÁRIA DA PARAÍBA SEGUNDA VARA FEDERAL

a título de contribuição previdenciária por esses últimos devida. Os nomes dos três acusados constam dos contratos sociais da empresa, bem como das relações de vínculos e de co-responsáveis elaboradas pela auditoria. Em seu interrogatório, DORIEDSON RODRIGUES DE OLIVEIRA negou a acusação e afirmou que ele e JOÃO AUGUSTO DE OLIVEIRA seriam apenas professores, sem ingerência na parte financeira da empresa, bem como que quem cuidava totalmente dessa parte era o sócio FERNANDO ANDRÉ DE PAULA CANUTO. Destacou ter conhecimento de que, na época, havia grande inadimplência dos alunos quanto às mensalidades. Disse que jamais foi comunicado pelos sócios-gerentes sobre o envio de notificações do INSS para pagamento de contribuições que teriam deixado de ser repassadas ao INSS. Também interrogado, JOÃO AUGUSTO DE OLIVEIRA negou a acusação e afirmou que foi convidado, juntamente com DORIEDSON RODRIGUES DE OLIVEIRA, pelos sócios-gerentes de Natal/RN, a integrar o grupo societário que fundaria o colégio HIPÓCRATES em João Pessoa/PB, o que veio a acontecer. Afirmou que, dado seu histórico no Banco do Brasil S/A, de onde fora demitido por gestão temerária, os sócios não atribuíram responsabilidades financeiras ao interrogado e, ao contrário, a administração financeira da empresa foi centralizada nas mãos de FERNANDO ANDRÉ DE PAULA CANUTO, utilizando-se, inclusive, do contador que o grupo já possuía em Natal/RN. Disse também que jamais exerceu a direção administrativa de quaisquer unidades do colégio, recordando-se apenas que a Sra. MARY teria exercido a gerência da unidade localizada no Bessa. Disse ter conhecimento de que FERNANDO ANDRÉ sempre priorizava o pagamento dos funcionários em detrimento de obrigações tributárias. Disse ainda que não tinha conhecimento de a unidade Bessa haver deixado de fazer o repasse de contribuições ao INSS. Desligou-se da empresa em 2001. Os acusados DORIEDSON RODRIGUES DE OLIVEIRA e JOÃO AUGUSTO DE OLIVEIRA comprovaram nos autos a propositura de uma ação de dissolução parcial de sociedade em face dos demais sócios, em que alegaram estar havendo óbice a seu acesso a informações básicas sobre as finanças da empresa. Diziam eles na petição inicial (f. 126-41), datada de novembro de 2001, o seguinte: “A animosidade passou a reinar entre os sócios, posto que de acordo com a cláusula 8º do contrato, faz menção exclusiva ao Balanço Patrimonial (Lucros e Prejuízos), da ROGÉRIO ROBERTO GONÇALVES DE ABREU Juiz Federal

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

Página 6 de 13

SEÇÃO JUDICIÁRIA DA PARAÍBA SEGUNDA VARA FEDERAL

sociedade todo dia 31 de dezembro de cada ano, todavia não vem acontecendo, posto que os promovidos de forma inconsequente se negam terminantemente a atender as solicitações dos autores para conhecerem a realidade da sociedade, tornando dessa forma impossível para os mesmos conhecerem, o Balanço Contábil acerca de como se encontra a sociedade ante os órgãos (Federal, Estadual e Municipal), por genérica intransigência dos Promovidos, desrespeitando o Contrato Social de Constituição da Sociedade. Os autores desconhecem a situação patrimonial e financeira da sociedade, existindo entre ela e os demais sócios um clima de animosidade que a impede de qualquer providência para a salvaguarda do seu patrimônio, que corresponde um percentual significativo do patrimônio total da sociedade.” (grifado). A única testemunha indicada pelo MPF, o auditor fiscal Elias Alves dos Santos, afirmou que atuou na fiscalização realizada na empresa KELVIN EMPREENDIMENTOS EDUCACIONAIS LTDA. Disse que, embora fossem vários os sócios da empresa, o sistema do INSS só aceita a inclusão de dois nomes para a posição de sócios administradores, não sabendo como é feita a escolha desses nomes. Procedeu a um exame documental para a fiscalização na empresa. Ressaltou que não teve contato com qualquer dos sócios, não chegando nem mesmo a procurá-los, tendo tratado sempre com a funcionária de nome Eliane. Na inquirição das testemunhas indicadas pela defesa de DORIEDSON RODRIGUES DE OLIVEIRA e JOÃO AUGUSTO DE OLIVEIRA, apurou-se o seguinte: A testemunha Maurícia Batista de Sousa afirmou que os acusados acima apontados eram professores e que os pagamentos (inclusive água e energia elétrica) somente eram feitos com o conhecimento de FERNANDO ANDRÉ DE PAULA CANUTO, afirmando a testemunha, de forma categórica, que quem atuava na parte financeira da empresa era FERNANDO ANDRÉ. Ao final, registrou que a empresa passava por dificuldades, mas não ao ponto de deixar de efetuar o pagamento de contribuições, ficando as decisões sempre nas mãos de FERNANDO ANDRÉ. ROGÉRIO ROBERTO GONÇALVES DE ABREU Juiz Federal

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

Página 7 de 13

SEÇÃO JUDICIÁRIA DA PARAÍBA SEGUNDA VARA FEDERAL

A testemunha Juvenal Ventura da Silva afirmou que não tinha conhecimento próprio dos fatos, mas registrou saber que a empresa sempre teve problemas financeiros, bem como que os acusados DORIEDSON RODRIGUES DE OLIVEIRA e JOÃO AUGUSTO DE OLIVEIRA saíram no final do ano de 2001 e que a empresa continua funcionando. A testemunha Eduardo Jorge Azevedo de Oliveira também ressaltou não ter conhecimento próprio dos fatos, mas registrou, de relevância para a causa, ter conhecimento de que os acusados DORIEDSON RODRIGUES DE OLIVEIRA e JOÃO AUGUSTO DE OLIVEIRA eram da parte pedagógica e que a administração financeira era feita por Natal/RN. Após o aditamento à denúncia, FERNANDO ANDRÉ DE PAULA CANUTO foi interrogado, negando a acusação, dizendo que os descontos das contribuições previdenciárias dos salários dos empregados não existia realmente, pois não havia disponibilidade desses valores pela empresa. Admitiu que era sócio-gerente da empresa, juntamente com os acusados DORIEDSON RODRIGUES DE OLIVEIRA e JOÃO AUGUSTO DE OLIVEIRA, além de outras quatro pessoas. Disse que, na época dos fatos, as questões financeiras eram resolvidas pelo interrogado e por JOÃO AUGUSTO DE OLIVEIRA em reuniões de que participavam todos os sócios, salientando que, quanto ao não recolhimento das contribuições previdenciárias, a questão foi posta em votação, sendo decidido que os pagamentos ao INSS deveriam ser sobrestados. Destacou que o acusado DORIEDSON participava das reuniões e era responsável pela contratação e dispensa de professores e funcionários. Nada se registrava em ata, dada a confiança mútua dos sócios. Disse ainda que a primeira vez que deixou de recolher os tributos foi em junho de 2001, isso em razão da baixa quantidade de alunos e do alto índice de inadimplência. O interrogando deixou a empresa em novembro de 2003, tendo a mesma deixado de funcionar em 2007. A empresa não possuía bens imóveis e possuía apenas os móveis utilizados em sua atividade-fim. O réu FERNANDO ANDRÉ DE PAULA CANUTO foi intimado, por sua defesa, para se manifestar sobre eventual interesse em reinquirir as testemunhas indicadas pelo MPF ou pela defesa de DORIEDSON RODRIGUES DE OLIVEIRA e JOÃO AUGUSTO DE OLIVEIRA, tendo permanecido silente, motivo pelo qual determinei apenas a oitiva das testemunhas por ele indicadas na defesa prévia apresentada. As testemunhas Sívio Orleans Cruz e Reinaldo Simões foram dispensadas, uma vez que a defesa não lhes forneceu o endereço quando intimada para tanto. ROGÉRIO ROBERTO GONÇALVES DE ABREU Juiz Federal

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

Página 8 de 13

SEÇÃO JUDICIÁRIA DA PARAÍBA SEGUNDA VARA FEDERAL

A testemunha Miguel Arcanjo de Morais Filho afirmou ter conhecimento de que o acusado FERNANDO ANDRÉ DE PAULA CANUTO era sócio administrador da empresa e mexia com a parte de pagamentos. Tinha conhecimento de que DORIEDSON RODRIGUES DE OLIVEIRA e JOÃO AUGUSTO DE OLIVEIRA também eram sócios administradores, mas não sabia se lidavam com a parte de pagamentos. A testemunha Aritelmo Franco Silva, instado a falar sobre o quadro financeiro da empresa, conjecturou no sentido de que os sócios teriam ampliado a rede de escolas HIPÓCRATES sem lastro para tanto, decorrendo disso a má situação financeira da empresa. A escola tinha um número razoável de alunos, não vendo que na época específica houvesse crise financeira, não se recordando do índice de inadimplência dos alunos. Tem conhecimento de que as escolas de Natal enfrentaram crise com inadimplência tributária e regularizaram a situação posteriormente. Quanto às questões de ordem financeira, tratava muito com o acusado JOÃO AUGUSTO DE OLIVEIRA, que seria o tesoureiro da empresa na época dos fatos. Corroborou a informação do acusado FERNANDO ANDRÉ DE PAULA CANUTO no sentido de que as grandes decisões da empresa para empreendimentos eram tomadas conjuntamente, em reunião, mas registrou não ter conhecimento de que tenha havido uma reunião em que se tenha decidido deixar de pagar tributos. A testemunha Francisco Soares Torquato afirmou ter trabalhado como auxiliar financeiro e, posteriormente, como gerente financeiro da empresa. Disse que havia reuniões em que os balanços eram elaborados pelo acusado FERNANDO ANDRÉ DE PAULA CANUTO e que depois se dava conhecimento da situação aos demais sócios. Afirmou que não sabia se havia o desconto de contribuições previdenciárias dos salários dos empregados para posterior repasse aos INSS. Quanto aos pagamentos feitos pela empresa, todos eles eram decididos em conjunto e, ao final, quem assinava era o acusado FERNANDO ANDRÉ DE PAULA CANUTO. Embora ressalvasse que não participava das reuniões, mencionou que eram feitas votações e falou da existência de uma ata que era por vezes usada para registro das ocorrências. Após um minucioso exame dos elementos de prova contidos nos autos, observo que não ficou demonstrada – com a segurança necessária a uma condenação judicial em processo penal – a autoria dos fatos por parte de DORIEDSON RODRIGUES DE OLIVEIRA e JOÃO AUGUSTO DE OLIVEIRA. Em outras palavras, não logrou o MPF demonstrar a contento uma decisiva colaboração causal por parte dos réus acima nominados para a prática do fato descrito na denúncia (domínio do fato). ROGÉRIO ROBERTO GONÇALVES DE ABREU Juiz Federal

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

Página 9 de 13

SEÇÃO JUDICIÁRIA DA PARAÍBA SEGUNDA VARA FEDERAL

Tenho afirmado que a autoria de crimes do jaez do previsto no art. 168-A do Código Penal depende do efetivo exercício de poderes decisórios no âmbito da empresa. Não basta que o agente tenha poderes de administração, mas que faça efetivo uso desses poderes ou que tenha decisivamente colaborado com sua omissão, quando devia e podia agir para evitar a consumação. Trata-se de infração penal que pode ser praticada pelo efetivo administrador da sociedade empresária. No caso dos autos, embora haja testemunho apontando JOÃO AUGUSTO DE OLIVEIRA como um dos responsáveis pela administração financeira da empresa, observo que a maioria avassaladora dos depoimentos são em sentindo contrário, afastando de DORIEDSON RODRIGUES DE OLIVEIRA e JOÃO AUGUSTO DE OLIVEIRA qualquer ingerência mais efetiva nas decisões acerca das finanças da sociedade. Os testemunhos colhidos apontaram FERNANDO ANDRÉ DE PAULA CANUTO como sendo o único titular do poder de decisão dos negócios da sociedade no que pertine às questões de caráter financeiro. Essa conclusão é reforçada pela demonstração, operada por DORIEDSON RODRIGUES DE OLIVEIRA e JOÃO AUGUSTO DE OLIVEIRA, de haverem ingressado em juízo, na época dos fatos narrados na denúncia, com ação judicial para dissolução parcial da sociedade, alegando justamente a falta de acesso a informações sobre as questões financeiras da empresa. Sem acesso a informações e sem influência nas decisões, como poderiam os réus acima nominados ter contribuído causalmente para a prática do fato delitivo descrito na denúncia? Faltaria, em meu sentir, domínio do fato. Precisamente com esses fundamentos, entendo ser improcedente a denúncia no que diz respeito à imputação dirigida a DORIEDSON RODRIGUES DE OLIVEIRA e JOÃO AUGUSTO DE OLIVEIRA, devendo ambos ser absolvidos da acusação. Conforme dito, as testemunhas ouvidas em juízo, além dos próprios acusados DORIEDSON RODRIGUES DE OLIVEIRA e JOÃO AUGUSTO DE OLIVEIRA, atribuíram ao réu FERNANDO ANDRÉ DE PAULA CANUTO a titularidade dos poderes de administração financeira da sociedade empresária e, portanto, a pessoa com domínio do fato para a prática da infração penal descrita na denúncia.

ROGÉRIO ROBERTO GONÇALVES DE ABREU Juiz Federal

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

Página 10 de 13

SEÇÃO JUDICIÁRIA DA PARAÍBA SEGUNDA VARA FEDERAL

FERNANDO ANDRÉ DE PAULA CANUTO alegou, em sua defesa, que não havia verdadeiramente retenção de valores dos salários dos empregados uma vez que tais valores não existiam. Isso inviabilizaria a ocorrência do próprio tipo penal do art. 168-A do Código Penal brasileiro. Embora já tenha decidido nessa linha, observo do caso presente alguns aspectos que impedem a aplicação do mesmo entendimento. Em primeiro lugar, de acordo com o testemunho de Aritelmo Franco Silva, os sócios teriam ampliado a rede de escolas HIPÓCRATES sem lastro para tanto, decorrendo disso a má situação financeira da empresa. Aritelmo disse também que a escola tinha um número razoável de alunos, não vendo que na época específica dos fatos houvesse crise financeira, não se recordando do índice de inadimplência dos alunos. A testemunha disse ainda que as grandes decisões da empresa para empreendimentos eram tomadas conjuntamente pelos sócios, em reunião, mas registrou não ter conhecimento de que tenha havido uma reunião em que se tenha decidido deixar de pagar tributos. Nessa última parte, a expressão utilizada pela testemunha que me chamou a atenção foi “empreendimentos”. Como seria possível definir objetivos envolvendo empreendimentos pela sociedade se havia uma crise financeira que impediria a sociedade de repassar contribuições previdenciárias ao INSS, priorizando salários? Em segundo lugar, observo que a testemunha Maurícia Batista de Sousa afirmou que, na época dos fatos, a empresa passava por dificuldades, mas não ao ponto de deixar de efetuar o pagamento de contribuições. Em terceiro lugar, observo que o próprio réu FERNANDO ANDRÉ DE PAULA CANUTO declarou ter deixado a sociedade apenas em 2005, vindo esta a encerrar suas atividades em 2007. Os fatos narrados na denúncia teriam ocorrido em 2001 e, portanto, não se poderia afirmar com segurança que a escola estivesse em vias de encerrar suas atividades naquele momento: entre a época dos fatos e a saída do réu da sociedade decorreu prazo de quatro anos e mais dois anos para que a sociedade viesse a fechar suas portas. Deixando o básico para o final, destaco que, de acordo com o processo administrativo fiscal, a empresa realmente pagou salários a empregados no período assinalado na denúncia e, registrando a retenção das contribuições previdenciárias, não realizou o repasse desses valores aos cofres ROGÉRIO ROBERTO GONÇALVES DE ABREU Juiz Federal

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

Página 11 de 13

SEÇÃO JUDICIÁRIA DA PARAÍBA SEGUNDA VARA FEDERAL

do INSS. O conjunto da obra perfaz com plenitude a descrição típica do art. 168-A do Código Penal brasileiro. A alegação da crise financeira, no caso, não me convenceu. Para a demonstração dessa situação impeditiva do cumprimento de suas obrigações perante o INSS, poderia o réu ter trazido aos autos declarações de rendimentos da empresa ao longo do tempo, demonstrando eventual decréscimo na receita da sociedade. Poderia ter trazido folhas de pagamentos de salários para mostrar que a empresa foi sucessivamente reduzindo seu quadro. Poderia ter trazido certidões de distribuição para demonstrar a existência de ações trabalhistas e de execuções fiscais contra a empresa. Nada disso foi feito, o que me autoriza a entender que a parte não se desvencilhou do ônus probatório sobre suas alegações de fato. Devidamente provadas autoria e materialidade delitiva e não demonstrados os fatos que comporiam a tese de defesa, chego à conclusão de que a pretensão punitiva deve ser julgada procedente em face de FERNANDO ANDRÉ DE PAULA CANUTO, estando incurso no art. 168-A do Código Penal brasileiro, combinado com o respectivo art. 71 em razão da continuidade delitiva, uma vez que a prática se deu de junho a dezembro de 2001. Passo à fixação da pena.

FIXAÇÃO DA PENA

Analisando as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal brasileiro, observo o seguinte: a culpabilidade do réu se mostrou compatível com delitos da espécie; não apresenta antecedentes criminais; a conduta social e a personalidade se apresentam como dados inerentes ao acusado que nada dizem sobre o fato, de modo que não podem ser valorados contra ele sob pena da adoção de um autêntico direito penal do autor; o crime não foi praticado por motivos ou em circunstâncias especiais que autorizem majoração da pena; não há prova nos autos de conseqüências excepcionais do crime; não se pode dizer que o comportamento da vítima tenha colaborado para o crime. Considerando a fundamentação acima e os limites abstratos do preceito secundário do art. 168-A do Código Penal, fixo a pena-base em 2 (dois) anos de reclusão. ROGÉRIO ROBERTO GONÇALVES DE ABREU Juiz Federal

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

Página 12 de 13

SEÇÃO JUDICIÁRIA DA PARAÍBA SEGUNDA VARA FEDERAL

Não constatei a existência de agravantes ou atenuantes, nem tampouco de causas gerais ou especiais de redução ou aumento de pena que fossem aplicáveis ao caso. Sendo assim, fixo a pena definitiva em 2 (dois) anos de reclusão. Uma vez que o crime foi praticado em continuidade delitiva no período de junho a dezembro de 2001 (sete meses), aplico a causa de exasperação pelo concurso de crimes prevista no art. 71 do Código Penal (crime continuado) para aumentar a reprimenda em 1/4 (um quarto), consolidando a pena privativa de liberdade em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão, para cumprimento inicial em regime aberto (CP, art. 33, §2º, “c”). Adotando a mesma fundamentação acima, fixo a pena de multa em 100 (cem) dias-multa que aumento para 125 (cento e vinte e cinco) dias-multa em razão da continuidade delitiva. Levando em conta as provas constantes nos autos sobre a condição financeira do condenado, fixo o valor do dia-multa em 1/10 (um décimo) do salário mínimo vigente na data do fato (dezembro/2001), devidamente reajustado até o pagamento (CP, art. 49, caput e §§ 1º e 2º). Deixo de fixar o limite mínimo para a indenização por danos causados à vítima em razão do fato (CPP, art. 387, IV) dada a possibilidade de cobrança do crédito tributário através de execução fiscal proposta no juízo federal competente. Considerando preenchidos os requisitos subjetivos e objetivos previstos nos artigos 44 e seguintes do Código Penal brasileiro, inclusive a necessidade e suficiência da medida, substituo a pena privativa de liberdade (PPL) aplicada por uma pena restritiva de direitos (PRD) e uma pena de multa. A PRD consistirá em prestação de serviços à comunidade ou a órgãos ou entidades públicas, na razão de uma hora de trabalho por dia de PPL substituída, competindo ao juízo das execuções penais definir as condições e o lugar de sua execução. Fixo a pena de multa substitutiva nos mesmos valores da pena de multa cumulativa, sem prejuízo do cumprimento dessa última.

DISPOSITIVO

Diante do exposto, nos termos do art. 387 do Código de Processo Penal, julgo parcialmente procedente a pretensão punitiva para absolver ROGÉRIO ROBERTO GONÇALVES DE ABREU Juiz Federal

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

Página 13 de 13

SEÇÃO JUDICIÁRIA DA PARAÍBA SEGUNDA VARA FEDERAL

DORIEDSON RODRIGUES DE OLIVEIRA e JOÃO AUGUSTO DE OLIVEIRA da acusação, bem como para condenar FERNANDO ANDRÉ DE PAULA CANUTO como incurso no art. 168-A c/c o art. 71, ambos do Código Penal brasileiro. Com relação a FERNANDO ANDRÉ DE PAULA CANUTO, nos termos da fundamentação acima, fixo-lhe uma pena privativa de liberdade de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão para cumprimento inicial em regime aberto, bem como uma pena de multa de 125 (cento e vinte e cinco) diasmulta, fixado o valor do dia-multa em 1/10 (um décimo) do salário mínimo vigente na data do fato (dezembro/2001), corrigido até o pagamento. Considerando preenchidos os requisitos subjetivos e objetivos previstos nos artigos 44 e seguintes do Código Penal brasileiro, inclusive a necessidade e suficiência da medida, substituo a pena privativa de liberdade (PPL) aplicada por uma pena restritiva de direitos (PRD) e uma pena de multa. A PRD consistirá em prestação de serviços à comunidade ou a órgãos ou entidades públicas, na razão de uma hora de trabalho por dia de PPL substituída, competindo ao juízo das execuções penais definir as condições e o lugar de sua execução. Fixo a pena de multa substitutiva nos mesmos valores da pena de multa cumulativa, sem prejuízo do cumprimento dessa última. Custas ex lege. Com o trânsito em julgado da presente sentença, após a devida certificação, deverá a secretaria da vara: a) preencher e encaminhar ao IBGE os boletins individuais dos réus; b) lançar no rol dos culpados o nome do réu condenado; c) oficiar ao TRE/PB, quanto ao réu condenado, para os fins do art. 15, III, da CF/88; d) remeter os autos ao juízo das execuções penais. Sentença publicada em mãos do diretor de secretaria da vara. Registre-se no sistema informatizado. Intimem-se os réus e seus defensores. Cientifique-se o MPF. João Pessoa, 1º de julho de 2009.

Juiz federal ROGÉRIO ROBERTO GONÇALVES DE ABREU Substituto da segunda vara federal

ROGÉRIO ROBERTO GONÇALVES DE ABREU Juiz Federal

Related Documents


More Documents from ""

Material Chakras.pdf
December 2019 23
Metais Em Parques
May 2020 21
December 2019 38
Practice.pdf
May 2020 20
May 2020 11