PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA SEÇÃO JUDICIÁRIA DA PARAÍBA 2ª VARA FEDERAL
PROCESSO n. 2005.82.00.011449-9 AÇÃO PENAL PÚBLICA AUTOR: Ministério Público Federal RÉU: Paulo César Santana Juiz federal substituto ROGÉRIO ROBERTO GONÇALVES DE ABREU
PENAL E PROCESSO PENAL. CRIME DE FALSO TESTEMUNHO EM PROCESSO CRIMINAL (CP, 342, § 1º). Necessária comprovação da falsidade do depoimento. Insuficiência de meras dúvidas e indícios contrários. Materialidade não comprovada. AUTOINCRIMINAÇÃO. PROIBIÇÃO. Depoimento com potencial para auto-incriminação da testemunha. Alegada falsidade que se traduz no exercício do direito de não se auto-incriminar. Princípio do nemo tenetur se detegere. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO.
S E N T E N Ç A1
RELATÓRIO Tratam os presentes autos de AÇÃO PENAL PÚBLICA promovida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL contra o acusado PAULO CÉSAR SANTANA, já devidamente qualificado, dando-o a peça denunciativa como incurso no tipo do art. 342, § 1º, do Código Penal brasileiro. Narra a denúncia (fls. 02/06) que o acusado teria sido indicado como testemunha na ação penal n. 2004.82.00.008004-7, promovida pelo MPF contra Flávio José Quinderê de Almeida, Luiz Gonzaga de Almeida Júnior e Paulo Tibério de Freitas Gondim, em razão da alegada prática de sonegação fiscal e falsidade ideológica. Naquele processo, diz o MPF que se investigava a indevida utilização do nome de Ivonaldo dos Santos Oliveira para a abertura da empresa SS Frigorífico Ltda.
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Sentença tipo D, cf. Res. CJF n. 535/2006. ROGÉRIO ROBERTO GONÇALVES DE ABREU Juiz Federal Substituto
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Diz o MPF ainda que o acusado teria sido indicado como testemunha no processo por haver figurado como sócio da empresa DICARNE, empresa que teria sido sucedida pela SS Frigorífico Ltda., bem como onde a pessoa de Ivonaldo dos Santos Oliveira teria trabalhado. No dia 19 de maio de 2005, em audiência realizada naquele processo, na cidade de João Pessoa, segundo o MPF, o acusado “afirmou taxativamente que era ele o responsável pela empresa, sendo seu verdadeiro dono e proprietário (f. 159/160)”. Não conseguiu, entretanto, responder perguntas básicas sobre a empresa, a exemplo do nome do locador do prédio em que funcionava, número de funcionários e o valor para abertura do empreendimento. Entendendo o MPF ter sido falsa a declaração prestada como testemunha, ofereceu contra o acusado denúncia por falso testemunho prestado em processo criminal, enquadrando a conduta no art. 342, § 1º, do CP. Indicou ainda as seguintes testemunhas para oitiva em juízo: Hamilton Sobral Guedes e Giovanni de Albuquerque Maranhão. Denúncia recebida em 10/08/2006 (f. 300-6). Interrogatório do acusado (f. 312-4). Defesa prévia do acusado (f. 316-8), negando a acusação e indicando duas testemunhas para oitiva em juízo: Severino Junio de Santana e José Airton Tavares Cardoso. Inquirição da testemunha Hamilton Sobral Guedes (f. 346-9). Deferido pedido do MPF de dispensa da oitiva da testemunha Giovanni de Albuquerque Maranhão (f. 353). Inquirição da testemunha Ailton José Tavares Cardoso (f. 367-8). Certidão lavrada por oficial de justiça na SJAM dando conta de não haver encontrado a testemunha Severino Junio de Santana, indicada na defesa prévia (f. 403). Intimado (f. 410) para se manifestar, o acusado deixou transcorrer in albis o prazo a si concedido (f. 411). Por esse motivo, a testemunha foi dispensada (f. 413). Aberto o prazo para diligências (CPP, 499), o MPF (f. 416) registrou que nada tinha a requerer. A defesa, devidamente intimada (f. 419), deixou transcorrer in albis o prazo concedido (f. 420). ROGÉRIO ROBERTO GONÇALVES DE ABREU Juiz Federal Substituto
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Aberto o prazo para alegações finais (CPP, 500), o MPF (f. 424-9) pediu a condenação do acusado como incurso no art. 342, § 1º, do Código Penal. A defesa do acusado (f. 434-8), pugnando pelo julgamento de improcedência do pedido, sustentou que, com a instrução, teria ficado provada a veracidade do testemunho prestado pelo réu na indigitada ação penal, comprovando-se a atipicidade do fato praticado. Autos conclusos para sentença. Brevemente relatados. DECIDO. FUNDAMENTAÇÃO A defesa não alegou preliminares processuais ou questões prejudiciais ao mérito. Desse modo, passo imediatamente ao exame do mérito da causa. Dessume-se dos presentes autos que PAULO CÉSAR SANTANA foi acusado pelo MPF da prática do crime de falso testemunho em processo criminal, previsto no art. 342, caput e § 1º, do Código Penal brasileiro, por afirmar-se sócio proprietário da empresa denominada DICARNE – Comercial de Alimentos Derivados de Carne Ltda. A dita figura criminal está assim descrita na lei: Falso testemunho ou falsa perícia Art. 342. Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral: (Redação dada pela Lei nº 10.268, de 28.8.2001). Pena - reclusão, de um a três anos, e multa. § 1o As penas aumentam-se de um sexto a um terço, se o crime é praticado mediante suborno ou se cometido com o fim de obter prova destinada a produzir efeito em processo penal, ou em processo civil em que for parte entidade da administração pública direta ou indireta. (Redação dada pela Lei nº 10.268, de 28.8.2001). O enquadramento da conduta narrada na denúncia no tipo acima descrito depende do preenchimento de certos requisitos indispensáveis, a saber: a afirmativa falsa ou a recusa em dizer a verdade, a condição de testemunha, a prestação do testemunho em processo criminal. ROGÉRIO ROBERTO GONÇALVES DE ABREU Juiz Federal Substituto
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A par disso, é essencial que fique demonstrada a falsidade ideológica do depoimento prestado pelo acusado, ouvido na condição de testemunha. Torna-se, desse modo, indispensável examinar o conteúdo da prova em que foi originariamente produzido o testemunho, bem como o acervo probatório do processo criminal em que se apura o delito de falso testemunho. A afirmação havida como falsa pelo MPF dizia respeito à titularidade da empresa DICARNE – Comercial de Alimentos Derivados de Carne Ltda., afirmando-se o acusado como sócio proprietário da referida empresa, negando que os verdadeiros donos fossem as pessoas de FLÁVIO JOSÉ QUINDERÊ DE ALMEIDA e LUIZ GONZAGA DE ALMEIDA JÚNIOR. Diz o MPF que os verdadeiros donos, ou seja, os proprietários “de fato” da empresa seriam as pessoas de FLÁVIO JOSÉ QUINDERÊ DE ALMEIDA e LUIZ GONZAGA DE ALMEIDA JÚNIOR, sendo o acusado um mero “laranja” a serviço dos dois primeiros, que dele se utilizariam para fins de evasão tributária. Tal fato teria sido demonstrado no processo criminal originário, uma vez que o réu não soube responder a perguntas básicas sobre o cotidiano da empresa. Analisando os depoimentos prestados no processo criminal originário (MPF X Flávio José Quinderê de Almeida, Luiz Gonzaga de Almeida Júnior e Paulo Tibério de Freitas Gondim), constatei o seguinte: a) Flávio José Quinderê de Almeida referiu-se em seu interrogatório ao acusado como sendo o proprietário da empresa DICARNE, empresa em que teria trabalhado Ivanaldo dos Santos de Oliveira (f. 146-8); b) Luiz Gonzaga de Almeida Júnior, da mesma forma, em seu interrogatório, referiu-se ao acusado como sendo o proprietário da empresa DICARNE, em que teria trabalhado como diretor financeiro (f. 149-51). c) Ivanaldo dos Santos de Oliveira disse, em seu depoimento, “que o efetivo administrador da empresa a quem os funcionários se dirigiam era a testemunha indicada na denúncia Paulo César de Santana; que também participavam ativamente da gestão da empresa os denunciados Flávio de Almeida e Luiz Gonzaga Júnior, além de Paulo César de Santana” (f. 157-9). d) Paulo César Santana – o acusado – disse, ao ser ouvido como testemunha, que havia constituído a empresa juntamente com um motorista de nome José Costa. Afirmou que Flávio José Quinderê de Almeida e Luiz Gonzaga de Almeida Júnior trabalhavam como seus gerentes, os quais cuidavam da “parte ROGÉRIO ROBERTO GONÇALVES DE ABREU Juiz Federal Substituto
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burocrática”. Em suma, ao longo de seu depoimento, afirmou-se como sócio proprietário da empresa DICARNE. Como é fácil observar, todos os depoimentos acima referidos, corroborados pelo contrato social da empresa DICARNE, são uniformes no sentido de que o acusado seria realmente o proprietário da empresa. Do ponto de vista jurídico-formal, a informação aparece como irretocável. Em verdade, essa informação discrepa do fato de que o réu, como disse o MPF, não manifestou conhecimento profundo sobre a empresa, nem demonstrou ter patrimônio compatível com a condição de empresário. Esses elementos, contudo, apenas jogam dúvidas sobre aquela constatação, não tendo o condão de demonstrar-lhe cabalmente a inverdade. A questão é que a falsidade do testemunho prestado, para enquadrar-se o fato no tipo do art. 342 do CP, deve ser contundentemente demonstrada, o que não é o caso, pois a contraprova ao testemunho do réu no processo originário, a meu ver, não gera certeza quanto à sua falsidade, mas apenas incerteza quanto à sua veracidade. Em seu interrogatório no presente processo, PAULO CESAR SANTANA utilizouse de seu constitucional ao silêncio. HAMILTON SOBRAL GUEDES, auditor fiscal que empreendeu a fiscalização tributária na empresa DICARNE, afirmou: o acusado nada fazia na empresa, exceto por algumas solicitações de informações que eram por ele (réu) assinadas; nunca encontrou o acusado na empresa, tendo lá comparecido pelo menos dez vezes; só conheceu pessoalmente o réu quando precisou intimá-lo pessoalmente para prestar informações à Receita Federal; à vista da detecção da vinculação do acusado com outras empresas, embora figurasse como sócio de direito da empresa DICARNE, a testemunha passou a considerar a possibilidade de que o acusado poderia não ser seu proprietário de fato; tendo conversado com Giovanni Maranhão, foi informado de que a procuração a ele outorgada havia sido assinada pelo acusado e pelo outro sócio, Paulo Costa, mas que só recebia ordens de Flávio José Quinderê de Almeida e Luiz Gonzaga de Almeida Júnior; examinando declarações de rendimento do acusado, afirmou que seu patrimônio seria incompatível com a condição de sócio da empresa; quem assinava as defesas administrativas da empresa DICARNE era o acusado PAULO CÉSAR SANTANA. A testemunha AILTON JOSÉ TAVARES CARDOZO disse que conhecia o acusado e que passava em frente à sua casa quando se dirigia ao colégio. Descreveu a casa como de feições humildes, localizadas no Jd. Cidade Universitária. Afirmou ainda que o acusado ali residiria com sua esposa e duas crianças. A testemunha registrou que o acusado nunca teve carro e sempre andou de ônibus. ROGÉRIO ROBERTO GONÇALVES DE ABREU Juiz Federal Substituto
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Os testemunhos de HAMILTON SOBRAL GUEDES e AILTON JOSÉ TAVARES CARDOZO reforçam os elementos que indicam não teria o acusado vida e patrimônio compatíveis com a condição de sócio de uma empresa que faturava mais de catorze milhões de reais por ano. Paralelamente e em sentido contrário, HAMILTON SOBRAL GUEDES afirma que, conversando com Giovanni Maranhão, foi informado de que a procuração outorgada a este último pela empresa foi assinada pelo acusado. Também afirmou que as defesas administrativas da empresa eram sempre assinadas pelo acusado. Tratam-se, a meu ver, de atos compatíveis com a condição de sócio proprietário da empresa, ainda que sob o aspecto meramente jurídico-formal. Ora, ao depor em juízo como testemunha, o acusado afirmou-se sócioproprietário da empresa DICARNE, o que foi afirmado por todos os demais depoimentos que trataram do assunto, estando igualmente registrado no contrato social da empresa. O MPF alegava que o réu seria mero “laranja” a serviço de Flávio José Quinderê de Almeida e Luiz Gonzaga de Almeida Júnior, réus no processo originário. A condição de “laranja” ou “homem de palha”, contudo, pressupõe a condição de sócio-proprietário, ainda que no sentido meramente formal. Examinando atentamente o teor das declarações que o MPF entende terem sido falsas – e aquilo que não teria sido falso – observo que a falsidade está em afirmar-se sócioproprietário de uma empresa. Essa condição, repito, está inscrita no próprio contrato social da empresa. Se as pessoas que realmente administram e auferem lucros com ela são diversas do proprietário, essa é uma questão diversa da questão relacionada à titularidade ou propriedade da empresa. O MPF alega que os proprietários “de fato” da empresa seriam Flávio José Quinderê de Almeida e Luiz Gonzaga de Almeida Júnior. Essa condição de proprietários “de fato”, na verdade, é um rótulo que indica quem aufere os lucros e benefícios do empreendimento, ocultando-se. Essas pessoas que se ocultam utilizam “homens de palha” ou “laranjas”, que são os sujeitos expostos, aqueles em nome de quem se fazem os negócios e transações. Se esse expediente é utilizado para fraudar a arrecadação tributária, constitui crime a ser punido nos termos da Lei n. 8.137/90. E quais seriam os autores desse crime? Tanto aqueles que se ocultam quanto aqueles que, voluntária e dolosamente, se oferecem para a condição de “laranja” ou “homem de palha”. Como o MPF imputava aos então acusados Flávio José Quinderê de Almeida e Luiz Gonzaga de Almeida Júnior (no processo originário) crimes contra a ordem tributária, ROGÉRIO ROBERTO GONÇALVES DE ABREU Juiz Federal Substituto
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alegando que se utilizavam de “laranjas” para fugir ao cumprimento de suas obrigações tributárias, teriam – em tese, segundo narrativa da denúncia – sido autores desse crime Flávio José Quinderê de Almeida e Luiz Gonzaga de Almeida Júnior, como sócios ocultos, e as pessoas de PAULO CÉSAR SANTANA e PAULO COSTA, os quais figuravam como sócios no contrato social da empresa DICARNE. Estes últimos não foram denunciados. O raciocínio é simples: se PAULO CÉSAR SANTANA e PAULO COSTA haveriam emprestado voluntariamente seu nome para que Flávio José Quinderê de Almeida e Luiz Gonzaga de Almeida Júnior pudessem obter lucros com a empresa DICARNE, fraudando a fiscalização tributária da Receita Federal, todos eles teriam sido autores e coautores do crime de sonegação fiscal. Ocorre que a admissão desse fato por PAULO CÉSAR SANTANA poderia vir a trazer conseqüências penais negativas em relação a sua pessoa, pois se trataria, na verdade, da confissão da prática de um crime. Aquilo que afirma o MPF como sendo a prática de falso testemunho traduzia, na verdade, o exercício de um direito: o de não produzir prova ou prestar depoimento contra si (nemo tenetur se detegere). Visto dessa forma, chega-se à conclusão de que a própria figuração do acusado como testemunha naquele processo (e o compromisso de dizer a verdade que prestou) não foi adequada, pois se realmente os então acusados Flávio José Quinderê de Almeida e Luiz Gonzaga de Almeida Júnior houvessem se servido de PAULO SANTANA como “laranja”, e ficando comprovado que este último assim atuava voluntária e dolosamente, seria PAULO SANTANA necessariamente co-autor (ou partícipe, conforme a teoria) do crime, devendo responder com base nos mesmos tipos penais, na medida de sua culpabilidade. A afirmação do acusado PAULO CÉSAR SANTANA no sentido de que seria o sócio-proprietário da empresa e de que Flávio José Quinderê de Almeida e Luiz Gonzaga de Almeida Júnior seriam seus funcionários afastaria a imputação de co-autoria no crime imputado aos dois últimos. Do contrário, teria que se auto-incriminar, e a isso não conduz o compromisso assumido pela testemunha no direito brasileiro, mesmo no processo criminal. Com base nos fundamentos acima, entendo que não se configurou o crime de falso testemunho alegado pelo MPF, sendo atípica a conduta do acusado. DISPOSITIVO Diante do exposto, com base no art. 386, III, do Código de Processo Penal brasileiro, julgo improcedente o pedido para absolver PAULO CÉSAR SANTANA. Custas ex lege. ROGÉRIO ROBERTO GONÇALVES DE ABREU Juiz Federal Substituto
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Transitada em julgado a presente sentença, certifique-se, dê-se baixa na distribuição e arquivem-se os autos. Cientifique-se o MPF. Publique-se. Registre-se no sistema informatizado. Intimem-se o réu e seu defensor. João Pessoa, 15 de julho de 2008. ROGÉRIO ROBERTO GONÇALVES DE ABREU Juiz federal substituto
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