Rpg - Ebook - Pater

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  • Words: 12,673
  • Pages: 24
Per Pater Patrum Ângelo Bortolini Silveira

-Ó pai misericordioso, Teu Filho, Jesus Cristo, juiz de vivos e mortos, na humildade de sua primeira vinda, resgatou a humanidade do pecado e, em Seu retorno glorioso, pedirá contas de todas as culpas. Concede Tua misericórdia a nossos irmãos tomados pelo Teu inimigo. Concede a Tua graça àqueles que não mais vêem a luz, pois foram cegados pela escuridão das trevas. Concede também o Teu perdão a nós, realizadores da Tua obra, por permitir que andem pelo Teu reino os hereges flagelados e sem alma. E agora, perante a Ti, senhor, eu juro: eles serão erradicados. Os cinco cardeais que trajavam mantos vermelhos ostentando grandes cruzes bordadas com fios de ouro, dispostos em uma linha reta, visando o padre que, ajoelhado, terminava sua prece, assentiram em um coro uníssono: -Amém. O padre, um senhor de idade avançada, com cabelos grisalhos e rosto tomado pela velhice, levantou-se, bateu a batina e fez o sinal da cruz para a mulher em sua frente. Ela não pode retribuir o gesto, pois encontrava-se amarrada a um grosso tronco de madeira fixo ao chão. Cercada por lenha e galhos secos, banhada com um líquido oleoso sobre todo o seu corpo, a mulher inutilmente tentava se desvencilhar das amarras que a prendiam. O velho homem voltou-se para os cardeais às suas costas, e disse com uma voz fria e rouca: -Iniciem. E novamente para a mulher: -Que o senhor tenha piedade de sua alma, pois nós não teremos. Se virou para novamente encarar os cinco senhores de vermelho. Um deles, tendo nas mãos uma tocha acesa caminhou lentamente até o tronco ao qual a mulher estava presa. A tocha desferiu uma parábola no ar, indo acabar de encontro à lenha seca aos pés da bruxa, como era conhecida pelos aldeões. A madeira começou a queimar, estalando. A mulher ao centro gritava, mas sua voz era praticamente inaudível, pois estava abafada por um lenço envolto em sua boca. Aos poucos a intensidade dos gritos foi aumentando, para finalmente cessarem bruscamente em meio ao fogo. A obra de Deus estava feita. *** O homem de barba e cabelos espessos, trajando um robe dourado, finamente adornado com fios brancos, visivelmente o mais importante dos três que naquela pequena sala com paredes de pedra estavam reunidos, bateu com o punho cerrado na mesa de madeira. -Isto nunca será perdoado! Nunca! Agora eles foram longe demais! -Acalme-se Raziel, sua ira de nada adiantará sem um propósito – Disse o homem que estava disposto imediatamente a sua esquerda na mesa redonda. Era jovem, se comparado aos outros dois companheiros. Tinha a cara limpa, sem barba ou marcas, e trajava uma roupa semelhante à de Raziel, porém sem os adornos. – Eu também sentirei falta dela, mas precisamos pensar se queremos fazer algo realmente à sua altura, para rechaçar sua morte. -Acalmar-me? Como eu poderia me acalmar Aleph? Você deveria saber o quanto ela era importante para este conselho. Sem sua presença, talvez toda a Ordem venha abaixo! – Raziel falava com uma raiva explícita em seu olhar.

-Primeiramente acho que devias se sentar. De nada adianta raiva agora, em que precisamos decidir o que faremos. A morte de Eleanor foi um fortíssimo golpe na Ordem. Devemos retribuir à altura. – Disse Aleph, decidido. –E você Fernand? Faz alguma idéia do que possamos fazer? Fernand, o único dos três que ainda não tinha se pronunciado, estava sentado entre Aleph e Raziel. Tinha uma barba curta, cabelos curtos e loiros, vestia uma roupa branca, com fios dourados, que lembrava a dos outros dois ali presentes. Estava com a cabeça baixa, como que pensativo, e limitou-se a balançar a cabeça para os lados em resposta a pergunta do amigo. -Tudo bem Fernand – Disse Raziel, com uma voz baixa – Você não precisa dizer nada. Sabemos o quanto Eleanor era importante para você... -Não – Cortou Fernand, uma lágrima descendo pela face. – Vocês dois não fazem a menor idéia do que eu sinto. Ninguém faz. Eu estava lá Raziel. Eu vi aqueles malditos a queimarem, e não pude fazer nada, a não ser vê-la morrer. Eles a mataram! Ela não tinha culpa de nada, e mesmo assim eles a mataram. E ainda tinham a coragem de se dizer em nome de Deus! Vocês... – Interrompeu a fala, visivelmente abalado, quando uma nova lágrima irrompeu pelo seu rosto – Perdão, não estou em condições de falar. Perdão. -Não se desculpe, é mais do que natural que estejas abalado – Disse Aleph – Eu que me desculpo, não deveria ter lhe chamado. -Está bem Aleph, eu queria vir. Eu quero vingá-la. – Fernand sussurrava as palavras que dizia. -E ela será vingada. – Consentiu Raziel – E eu já sei o que iremos fazer. Aqueles malditos inquisidores não fazem idéia do que os espera. Escrevam o que digo. A Ordem de Luft será vingada. *** William encaixou a flecha escolhida na corda, e puxou as penas de ganso até chegar à orelha. Visualizava seu alvo, um cervo, a aproximadamente cem metros de distância. Teria uma única chance. Havia vento vindo do leste, o que fez com que William movesse seu arco alguns centímetros para o lado, para compensar a corrente de ar. Puxou um pouco mais a corda, e o arco, feito de teixo e pintado com uma tinta branca, rangeu. Soltou a flecha, que deslizou pelo ar, indo na direção do cervo. Porém ela foi um pouco mais para a esquerda do que supôs. Com um movimento da mão do arqueiro, uma corrente de ar mais forte trouxe a flecha novamente para seu curso. Um ganido de dor cortou o céu. O cervo foi atingido na altura do peito, cambaleou, e lentamente foi ao chão. William foi até o local onde jazia o cervo. Parou ao seu lado e abaixou-se. Morto. Colocou-o em seus ombros, e começou a caminhada para casa. O sol o castigava. Estava próximo da metade do dia. Sua casa não ficava muito longe, mas o peso do animal que carregava fazia parecer uma eternidade. William tinha habilidade suficiente para manejar o arco longo, sua arma durante as caçadas, mas sua força física deixava a desejar. Era um homem magro, com longos cabelos loiros, e uma barba aparada, também loira. Após algum tempo de caminhada, chegou à estrada que o levaria pra casa. Andou um pouco, mas teve de parar para descansar. Sentou-se sobre uma pedra, e largou o cervo ao seu lado. Tirou da mochila que carregava uma bolsa de couro que continha água e bebeu. Levantou-se depois de alguns instantes. Parou subitamente. Sentiu uma sensação estranha, como se estivesse sendo observado. Aguçou a audição, porém não notou nada de

estranho, somente os sons que a floresta costumava fazer. Abaixou-se, colocou o cervo nos ombros e seguiu o caminho para casa. Mais algum tempo de caminhada e conseguia visualizar sua casa ao longe. Uma cabana de madeira, com um péssimo aspecto. Aparentava ser muito mais velha do que realmente era. Mas até mesmo uma cabana assim era reconfortante após uma exaustiva caçada. A poucos metros de casa, William parou novamente. A porta da cabana estava aberta, e ele se lembrava perfeitamente de tê-la fechado. Largou o cervo no chão, e sendo o mais silencioso possível, foi se aproximando. De dentro da cabana veio uma voz que, apesar de conhecida, não era agradável de ser ouvida. -Finalmente você chegou Sr.Garret. Entre, temos muito que conversar. Um senhor de idade, magro, com barba e cabelos compridos estava agora ao lado da porta. William soltou um ganido, algo como uma expressão de fúria. -Você! – Falou com ferocidade. – Você era a última pessoa que eu esperaria que viesse me importunar. Vá embora. -Não. Primeiro temos que conversar. – Retrucou o velho. -Eu não tenho nada que conversar com você Raziel! Eu já lhe disse uma vez, e vou dizer de novo. Eu saí da Ordem, não me importo mais com seus problemas! – William falava com rispidez. -Eleanor está morta, Will – Disse Raziel, com um pesar imenso em sua voz. A expressão de William mudou completamente. Ele ficou vários instantes sem pronunciar uma palavra sequer. Após algum tempo, reuniu forças para falar. -Morta? – Disse William, com o espanto claro no rosto. -Ela foi assassinada. – Concluiu o velho. -Assassinada? Mas por quem? – Indagou William. -Entre, e nós conversaremos. William foi até Raziel, e os dois entraram na cabana, deixando o cervo para as moscas do lado de fora da casa. Ambos puxaram cadeiras e sentaram-se. Raziel começou: -A casa onde ela morava em Roma foi invadida. Acharam todos o seus pertences místicos, e ela foi presa pela Inquisição, acusada de bruxaria. A Ordem tentou agir, mas não conseguimos livrá-la das acusações. Ela foi levada ao tribunal, e condenada à morte pelo próprio Urbano V. -O Papa? – Indagou William. -O próprio. Ele sabia da extensão dos poderes de Eleanor, e não podia deixar que ela saísse viva. Ele sabia que ela era uma feiticeira muito poderosa, e sabia também que era um dos mais importantes membros do nosso conselho. -O que aconteceu com ela, Raziel? -Eles a queimaram Will. -Malditos! – Disse William, com brasas acendendo em seus olhos. -Sim, eles são malditos. E é exatamente por isso que eu vim até aqui. Eles não podem ficar impunes. Hão de pagar pelos seus atos. – Raziel levantou-se. William afundou o rosto entre as mãos. Lágrimas sinceras verteram de seus olhos. Sua mente estava distante agora. Lembrava de quando ainda era um aprendiz na escola da magia. Eleanor fora sua professora. Apesar de jovem, ela possuía uma enorme aptidão para as artes místicas. Sempre fora sua amiga, mesmo nos momentos mais difíceis, e até mesmo quando William rompeu com a Ordem.

Subitamente, sua mente voltou para a cabana onde seu corpo se encontrava. William levantou a cabeça. Enxugou as lágrimas e fitou Raziel, que estava de pé, de costas para ele. -O que você quer que eu faça. – Indagou William. -Antes de tudo, quero que saibas que é algo extremamente arriscado, e é provável que você morra. – Advertiu Raziel. -Eu aceito correr o risco. Agora, me diga o que terei de fazer. -Você, meu caro amigo, vai mudar o rumo da história. *** O sol já havia se recolhido quando Raziel terminou de contar como tudo acontecera, e o que planejava. O arqueiro havia aceitado a missão que lhe fora proposta de imediato, pois estava enfurecido com a morte injusta de Eleanor. Porém agora que sabia do que se tratava, relutava em aceitá-la, pois parecia um tanto suicida. Após Raziel expor toda a extensão do plano, ele levantou-se de sua cadeira, e caminhou em direção a William, parando a um passo de distância. -Eu sei que é algo absurdo pedir-lhe isso, - Disse, com a voz baixa. - Mas não temos mais ninguém para recorrer. Eu lhe juro que iria eu mesmo se pudesse. Infelizmente aqueles malditos bastardos inquisidores podem notar a minha presença. Parece até que eles farejam os usuários mais poderosos das artes místicas. Bastardos, é o que eles são. -O que acontece – Continuou. - É que feiticeiros menos desenvolvidos como você podem passar praticamente despercebidos pelo meio dos dedos da Inquisição. Não tome isso como ofensa Will, pois essa não é a intenção. Você sabe melhor do que eu que se não tivesses rompido com a ordem, estaria hoje muito poderoso, talvez até dentro dos selos mais altos da Ordem, dedicados apenas aos mais aptos às artes místicas. -Talvez Raziel – Interrompeu William. – Talvez. Mas esse assunto não me interessa. Agora me diga, quando eu partirei? -Hmm. Isso quer dizer que você aceita. Não tem medo da morte? – Indagou o mago. -Não. – Respondeu William secamente. -Ótimo. – Continuou o Raziel – Você parte em dois dias. -O quê? – William quase pulou da cadeira – Você enlouqueceu? -Sinto muito Will, mas o quanto antes agirmos, melhor. Raziel agora estava parado ao lado da janela, observando a lua. Fazia tempo que não observava os astros, e naquela noite o grande globo prateado estava especialmente bonito. Ele virou-se novamente para o arqueiro. -Bem, você já sabe o que tem de fazer, agora vou lhe dizer como fazê-lo. Eu tenho um contato em Roma. O arcebispo de uma das mais importantes igrejas de lá é na verdade um mago disfarçado, e ele me deve alguns favores. Ele vai acobertá-lo em sua entrada na igreja. Ahn, só para lembrar, a partir de agora, você é o padre William. -Padre? – William o olhava perplexo. -A não ser que aceitem arqueiros renegados nas cúpulas da Igreja, o que eles não fazem com muita freqüência, você irá como um padre. Você sabe alguma coisa de latim? – William acenou positivamente com a cabeça – Bom, muito bom. Talvez lhe seja útil. Onde eu estava mesmo? Ah bom, você irá para Roma e ficará na igreja como padre. Você ficará lá até que aconteça o que esperamos que aconteça. -E o que vocês esperam? – Perguntou William.

-Uma reunião. – Continuou o mago - Não um simples encontro de frades, mas uma grande reunião. Estimamos que um representante de cada igreja importante esteja presente. O próprio Urbano V, o Papa, caso você não saiba, estará presente. Ele vai sair de Avignon, onde ele reside, unicamente para essa reunião. É aí que você entra. Você sabe o que fazer não sabe? -Sim. -Perfeito. Agora algumas últimas recomendações... *** O cardeal andava a passos largos, visivelmente apressado, quando adentrou o salão principal da matriz da Igreja de Avignon. Suas longas vestes pretas e seus ralos cabelos brancos esvoaçavam devido ao seu movimento apressado. Cruzou o salão, uma das mais belas partes da igreja, com quadros de vidro pintados de cores vivas, e teto inteiramente adornado com pinturas de santos e de Jesus Cristo. O altar era belíssimo, alto, com inúmeras imagens de santos. Várias imagens e adornos do salão eram banhados ou então inteiramente feitos de ouro. O salão ostentava o grande poder da Igreja. O cardeal passou por uma porta à esquerda do altar, e ganhou o corredor que seguia. Mais alguns cômodos à frente, e estava novamente a céu aberto, dentro de um enorme jardim envolto por prédios de posse da Igreja, que serviam como dormitórios para os membros mais importantes da instituição. Totalmente gramado, com várias flores e árvores, o jardim era um espetáculo à parte, que completava a beleza de todo o complexo católico. Seguiu para uma porta no lado oposto do qual tinha adentrado o recinto. Parou em frente a uma enorme porta de madeira adornada com ferro, guardada por dois homens altos, armados com espadas. A alguns passos da porta, o cardeal parou. Remexeu os bolsos internos da batina, até encontrar o que procurava. Tirou de dentro da roupa um pequeno pedaço de papel. Ergueu-o na altura dos olhos e pronunciou: -Per Deum vivum, per Deum verum, per Deum Sanctum. Os dois guardas, que não haviam esboçado reação alguma à chegada do terceiro homem, fizeram uma reverência, e com esforço abriram a pesada porta. “Eu nunca vou me acostumar com estes códigos” pensou, antes de atravessar a porta e entrar na sala que se seguia. O cômodo era belíssimo, com pinturas por toda a parede, tapetes finos pelo chão, e várias esculturas, além de símbolos religiosos. Ao fundo do aposento, sentado em um trono, e com uma grande cruz às costas, estava um velho senhor, de cabelos brancos e rasos, de rosto que transparecia pureza. O cardeal aproximou-se, porém manteve uma distância respeitosa, abaixou-se e fez uma referência. O transtorno em sua face era evidente. -Excelência, perdão por incomodá-lo, mas temos um grave problema que tem urgência em ser resolvido. -Diga-me o que está acontecendo, e eu direi o que deve ser feito. – Disse Urbano V, o papa, do alto de seu trono. -Bom, - Iniciou o cardeal. - Nossos soldados prenderam um grupo de vinte sujeitos suspeitos ontem à noite. Houve resistência, e um dos nossos morreu, porém não há marcas de espada ou de qualquer arma em seu corpo, por isso suspeitamos que sejam magos, ou cultistas. Porém este é um grupo muito grande para ser controlado por muito tempo. Eles

nos advertiram que outros mais poderosos viram resgatá-los, muito em breve. E, senhor, eu não vi mentira em seus olhos. Os homens estão com medo. Eu creio que seja melhor soltálos ou então tentar negoci... -Queime-os. – Interrompeu o Papa. -...ar para que não haja revolta dos... perdão? – O cardeal olhava o Papa com cara de espanto. -Creio que não compreendi o que vossa Santidade disse. -Eu disse para queimá-los. – Confirmou Urbano V. -Mas vossa Santidade, se fizermos isso... -Agora basta. Não quero mais ser incomodado com este assunto. Cumpra minhas ordens, a não ser que prefira ser queimado no lugar deles. -Na... Não, vossa Santidade. – Gaguejou o cardeal, e fazendo novamente uma referência. – Será feito imediatamente. O cardeal saiu da sala desnorteado. Perguntava-se como aquilo era possível. O Papa deveria ser a pessoa mais próxima de Deus, e nunca seria capaz de uma atrocidade dessas. Respirou fundo ao alcançar a porta. Ao cruzá-la, olhou para trás, e poderia jurar que o Papa estava com um estranho sorriso sarcástico no canto da boca... *** Após três exaustivos dias de viagem a bordo de uma velha carruagem, levada por um único cavalo, já era possível avistar a próspera cidade de Roma ao longe, no distante horizonte. A viagem decorreu praticamente sem paradas. Os raros descansos eram normalmente na hora do almoço, ou quando o cavalo aparentava sinais de exaustão. O cavalo era guiado por um chofer contratado e pago por Raziel. William aproveitou o tempo dentro da carruagem para estudar um pouco sobre o que estaria enfrentando. Hábitos, sinais, orações e tudo o mais que ele pode aprender sobre os padres católicos. Se quisesse permanecer vivo, não podia ser reconhecido. A alguns minutos de chegar ao seu destino, vestiu a batina, que a partir do momento era sua nova vestimenta. Sentia-se demasiado estranho. Sempre fora um ateu, pois seus pais não o haviam ensinado sobre Cristo e todo o resto, e agora vestia um dos maiores símbolos da Igreja, e, envolto no pescoço, carregava uma cruz de madeira adornada com prata. Henrique, o chofer, bateu as rédeas nas costas do cavalo, que imediatamente o obedeceu, aumentando a velocidade. As primeiras casas foram aparecendo na janela de madeira da carruagem, tomando o lugar das plantações que os acompanharam por boa parte do caminho. De início eram casas pobres, muitas desabitadas, mas à medida que avançavam o aspecto das moradias melhorava consideravelmente. Cruzaram os portões que demarcavam os limites de Roma e foram adentrando a cidade, e as primeiras construções de pedra apareciam. A metrópole era magnífica. Casas enormes, Igrejas ainda maiores, feiras nas ruas, tabernas, estalagens e todo o tipo de estabelecimento. William nunca vira tantas pessoas em um mesmo local. As feiras nas ruas geravam um grande fluxo de pessoas. Vendedores, compradores, milagreiros, videntes, malabaristas, ladrões, jogadores, escravos, entre outros, lotavam as ruas da metrópole. O trânsito também era movimentado pelas várias carruagens e cavalos que circulavam. As carruagens em sua maioria eram muito simples, sem cobertura ou qualquer outro tipo de conforto. Algumas poucas eram como a de William, com telhado e espaço interno, e eram raras as vezes que se via carruagens de luxo.

Com um comando vocal de Henrique, o cavalo parou. William colocou a cabeça para fora da janela e notou que haviam chegado. William desceu da carruagem, esticou as pernas, e ergueu a cabeça para contemplar a imponente catedral. A maior igreja de Roma, e também a mais populosa, com vários coroinhas, padres, alguns bispos, uns poucos arcebispos hospedados, e um cardeal, que comandava todo o complexo que se seguia atrás da igreja. A catedral era fantástica, de uma beleza incomparável. Totalmente adornada, feita de pedras claras, empilhadas, com o teto totalmente trabalhado. Exatamente o oposto do que William esperava, pois estava acostumado com apenas casas pobres com tetos de sapê. O arqueiro agora entendia porque a grande Ordem de Luft temia o catolicismo, pois agora via que a sede da Ordem não era nada comparada com a extensão catedral. William fez um sinal para Henrique indicando que seus serviços não mais seriam necessários. Subiu a grande escadaria, chegando na imensa porta da igreja. Um padre, ao avistar William, caminhou ao seu encontro. -Boa tarde irmão. – Disse o padre, em italiano. Sua idade era avançada, com os cabelos brancos e várias rugas pela face amigável. – O que desejas? -Boa tarde. – Respondeu William, que era fluente em italiano, apesar de não precisar utilizar a língua há muito tempo. – Eu sou o irmão William Garret, e fui transferido para cá. -Ahn sim, eu fui informado sobre um novo irmão, mas não esperava que fosse tão jovem! – O padre riu, e estendeu a mão para William. – Meu nome é Pedro. Bem vindo a Roma, irmão William. Agora venha, você deve estar cansado. Vou lhe mostrar seus aposentos. -Sou grato por isso irmão. Pois preciso realmente descansar. – Respondeu William. Pedro o conduziu para dentro da igreja, através de inúmeros salões e corredores. Pelo caminho, William pode observar dezenas de obras de arte. Esculturas, quadros, afrescos e uma infinidade de outras peças chamativas. Alguns salões porém não eram enfeitados, pelo contrário, eram feios e não tinham nada de especial. Entretanto, havia salões dignos de nota, mas nenhum que se comparasse com a fachada e o interior da catedral. Os aposentos de William, apesar de simplórios, o surpreenderam. Ele esperava que a cama fosse feita de madeira, que não houvessem janelas, e várias outras coisas que causassem desconforto. Todavia o quarto era bem arejado, com boas cortinas, uma cama com colchão e um baú, aonde iriam os pertences do inquilino. -Espero que gostes. – Disse o padre. – Fui instruído para tratá-lo bem. Se precisar de alguma coisa importante, pode me procurar pelos corredores, ou então qualquer outro padre será grato em lhe ajudar. Bom, vou deixá-lo sozinho para que possas dormir e orar em paz. Até logo, bom descanso. William agradeceu, e jogou-se na cama. Estava realmente exausto. Um sorriso surgiu no canto de sua boca. Pensava no que Raziel teria inventado para que tratassem-no daquela maneira. Divertiu-se imaginando a cara de espanto dos padres ao saberem que haviam hospedado o inimigo. Fechou os olhos, e não demorou a adormecer. *** Chovia. O céu estava escuro, mesmo durante o dia. O clima conspirava para que não houvesse ninguém nas ruas. Uma sorte, pois o grupo pretendia deixar a cidade incógnito. Aos olhos de uma pessoa mundana, a cena seria até mesmo engraçada. Um velho homem, levemente obeso, trajando roupas vermelhas, envolto por cinco padres de batina que seguravam capas acima da cabeça do velho tentando, em vão, protegê-lo da chuva. O

grupo andava com rapidez, em direção a uma carruagem que se encontrava defronte a igreja de onde tinham saído. Adentraram a carruagem com pressa, dando preferência ao homem idoso. Um dos padres ficou do lado de fora, fez um sinal com a mão e voltou correndo para a catedral. -Vossa Santidade tem certeza de que esta viagem é realmente necessária? – Perguntou um dos padres. -Sim Bento, eu tenho certeza. – Respondeu o velho homem, o Papa Urbano V - A reunião é inadiável, e você sabe muito bem disso. -Estou ciente disso Excelência, - Respondeu Bento. - porém não acha melhor esperarmos até que cesse esta chuva? -A chuva foi bastante providencial para nós. Sabes que não posso sair de Avignon deste jeito. Assim ninguém nos verá. – Disse o Papa. -Como queira, vossa Santidade. – Assentiu o padre. O padre Bento virou-se dentro da carruagem, apertando contra os banco de veludo os outros dois padres ao seu lado. Bateu com os punhos fechados na janela de vidro da carruagem. Do outro lado apareceu a cabeça do chofer, totalmente encharcado. Bento abriu a janela menos de um palmo. -Para onde vamos? – Perguntou o chofer. O padre fitou o céu escuro, visualizando as gotas de água indo contra a carruagem. Abaixou a cabeça com um ar de desapontamento: -Para Roma. *** A luz entrava pelas frestas da janela. A claridade aos poucos foi tomando do quarto. O sinal que já havia passado a hora de acordar. O crucifixo em cima do baú de madeira veio ao chão, que tremia. O som de passos vindo do corredor. Muitos passos, pois eram vários monges, dirigindo-se ao refeitório. William acordou, esfregou os olhos com as costas das mãos, e lentamente sua visão embaçada voltou ao normal. Quando percebeu a situação em que se encontrava, deu um pulo para fora da cama. Foi até o baú, abriu-o e vestiu a batina. Fitou o quarto em busca de seu crucifixo, até encontrá-lo aos seus pés. Ajeitou os cabelos com as mãos, respirou fundo, e abriu a porta do quarto, seguindo para o corredor. Foi de encontro à massa de padres que seguia a sua frente. Apressou o passo e juntouse a multidão. Alguns estranharam o novo homem no grupo, mas a maioria nem ao menos o notou. Após alguns estantes chegaram ao refeitório, um grande salão com várias mesas retangulares, e bancos semelhantes. Vários padres, coroinhas, e outras figuras da igreja, se espalhavam pelo local, fazendo o sagrado desjejum. Em meio a um grupo, William visualizou o irmão Pedro. Foi ao seu encontro, sendo recebido com um enorme sorriso. -Vejo que o irmão não gosta de acordar cedo! – Brincou Pedro. -Desculpe, acho que perdi a hora. – Respondeu William. -Não se desculpe! – Disse o padre, levantando-se do banco e indicando um lugar ao lado do seu. – Venha, vamos comer. Durante o resto da manhã, todos os irmãos tinham os seus afazeres. Porém William, como era recém chegado, foi privado dos serviços normais dos padres, e assim teve tempo para passear e conhecer melhor os vários prédios situados atrás da catedral. Examinou bem os centros importantes, os grandes salões, a catedral, os maravilhosos jardins, e tudo o

mais. Durante o resto do dia andou pelos corredores e salas do complexo da Igreja. Reservou algum tempo confinado em seu quarto, fingindo estar rezando. O tempo passou depressa, e quando deu por conta, estava anoitecendo. Dirigia-se ao seu quarto, quando algo chamou sua atenção. Uma multidão de homens de batina passou apressada por ele. Tinham, todos, largos sorrisos na face. William não entendeu o porque de tanta alegria, e foi até um dos irmãos para informar-se. -O que se passa? Não obteve resposta. Perguntou novamente. Nada. Colocou a mão pesada no ombro do padre, e perguntou uma terceira vez. -Perdão irmão, estava distraído. – O padre parecia ter acordado de um transe. – Acontece que a carruagem do Pater Patrum está parada em frente à igreja! William não conseguiu disfarçar que não havia entendido. -O Papa! – Esclareceu o monge. – Ele está aqui em Roma! -O Papa? Aqui? – William estava confuso. -Sim, sim, pegou todos nós de surpresa. – O padre virou-se. – Agora com licença, pois preciso me apressar, senão corro risco de não vê-lo. O monge saiu em disparada, e William o seguiu, no mesmo passo, pois estava igualmente – ou até mais – ansioso em ver Urbano V em Roma. Sua mente agora viajava. Pensava em milhares de alternativas para seu plano, o plano da Ordem. O destino descabidamente conspirara em seu favor, e ele estava grato o bastante a ponto de não desperdiçar a chance que lhe fora dada. A turba de monges vazou para o lado de fora da catedral, empurrando-se. Todos queriam colocar seus olhos afoitos sobre o Santo Padre. Este era o momento mais importante na vida de muitos dos ali presentes. Para Urbano V, era apenas o final de mais uma longa e cansativa viagem. Porém, para alguns, era um momento que iria ser fixado eternamente em suas memórias. No momento da chegada dos padres, o Papa já estava fora da carruagem, cercado por outros quatro padres, formando uma barreira humana ao redor de seu senhor. Tanta precaução não era necessária, pois nenhum dos padres de Roma, e possivelmente nenhum no mundo inteiro, teria a audácia de tocar a santidade ali presente. Limitaram-se em formar um semicírculo às suas costas, e a olhar embasbacados para Urbano V. O cardeal responsável pela catedral apareceu à porta. Possivelmente o mais idoso presente, mais até que o próprio Papa, com escassos cabelos brancos, de braços estendidos e um largo traço de felicidade. -Vossa Excelência! Mas que maravilhosa surpresa. – Disse, fingindo espanto. Ele sabia que o Papa iria à Roma, na verdade, ele estava até mesmo atrasado. A improvisação foi feita em virtude da presença dos inúmeros padres, que nada sabia sobre o estava por vir. Urbano V subiu as escadas com certa dificuldade, chegando ofegante ao final. Estendeu a mão para o cardeal, que a beijou. Vários dos padres imaginaram-se no lugar do cardeal, tamanha era aquela honra. Após o gesto, ele apressou-se em dar passagem ao Papa, indicando com um gesto excessivamente cortês o caminho que deveria ser seguido. William vasculhou a multidão com os olhos à procura de Pedro, porém não obteve sucesso em sua busca. Estranhou a ausência do padre. Decidiu procurá-lo, agora que a turba havia se dispersado com a entrada do Santo Padre na catedral. Precisava fazer-lhe algumas perguntas, e estas eram urgentes. Os planos da Ordem previam a visita ilustre, porém não tão breve. Isso significava que a reunião da Inquisição seria em breve, e que Urbano V,

apesar da mais importante, não seria a única personalidade que decidira visitar Roma. Algo muito grandioso estava por vir, e, se tudo decorresse como o esperado, William iria realizar algo ainda maior. *** O som produzido pela madeira forçada despertou a atenção de Pedro. Levantou-se, e deixou para trás a escrivaninha onde trabalhava copiando livros. Atravessou, com dois passos, seu pequeno quarto e abriu a porta para dar de cara com William. -Boa tarde Pedro.- Disse William. – Espero não estar incomodando. Pedro forçou uma expressão de satisfação. -Óbvio, que não. – E abrindo totalmente a porta. – Vamos, vamos, entre. -Não irei me demorar, irmão. – William adentrou o quarto, e parou de pé ao lado da escrivaninha de madeira. – Estranhei sua ausência hoje na recepção do Papa. -Ah sim, a recepção. – O monge ficou levemente constrangido. - Eu estava ocupado com meus afazeres. -É estranho que todos os outros padres largaram suas tarefas para recebê-lo. – Disse William, encarando o padre. – Mas isso não vem ao caso. Eu gostaria de saber sobre essa visita inesperada de Urbano a Roma. Ele normalmente vem para cá? -Bom, não chegam a serem raras as suas visitas à nossa catedral. – Pedro levantou a cabeça para olhar William, que fitava a parede de pedra. – Na maioria das vezes que ele vem até aqui, são feitas missas, rezadas pelo próprio Papa. Talvez você tenha a honra de comparecer a uma. São magníficas! -Hmm. – Assentiu William, notoriamente desinteressado. – E, normalmente, quanto tempo ele permanece em Roma? -Isso eu não sei lhe dizer irmão. Podem ser dias, até mesmo semanas. Ninguém pode dizer. Depende muito. Mas, por que desejas saber dessas coisas? -Por nada irmão, pura curiosidade. – William sorriu para o padre, que retribuiu o gesto. – Eu prometi que não ia tomar muito do seu tempo, e vou cumprir a promessa. Até logo irmão, obrigado pelo seu tempo. O arqueiro virou as costas e deixou o cômodo. Pedro ficou algum tempo pensando em quão estranha havia sido aquela aparição, mas achou melhor voltar aos seus livros. Entreteceu-se copiando outros manuscritos, e não percebeu o lento caminhar do sol. Deu por conta de que a noite havia chegado quando a falta de claridade prejudicou sua tarefa. Enquanto Pedro não notou o anoitecer, William esperava-o ansiosamente. Quando a noite cobriu a catedral com seu negro véu, o arqueiro vestiu sua batina, colocando um capuz sobre a cabeça, e saiu de seu quarto. Espreitou pelos corredores, esperando ouvir os ruídos dos monges que tentavam adormecer. Acalmou-se quando percebeu que todos estavam dormindo. Andava silencioso, tentando ao máximo não produzir ruído algum. Chegou ao jardim principal do complexo da Igreja, enegrecido pela escuridão noturna, visível somente pela singela iluminação da lua. William parou, frente aos portões que dividiam os aposentos especiais da igreja dos outros prédios. Respirou fundo, enchendo o peito, e espirou lentamente, tentando se acalmar. Estava muito nervoso. As mãos tremiam involuntariamente, e suas pernas não tinham o mesmo vigor de sempre. Sabia que se fosse pego andando durante a noite pelas partes restritas da igreja, seria logo reconhecido e, invariavelmente, morto em uma das fogueiras do Tribunal da Santa Inquisição. Muitos de seus amigos tinham sido mortos pela

instituição, que jurara erradicar a todos os feiticeiros, não importando o quão poderosos estes fossem. E alguns realmente o eram. Apesar de incógnitos, os feiticeiros – ou magos – tinham uma enorme influência perante a sociedade. Estudavam com afinco as artes místicas, e alguns poucos desenvolviam poderes que iam além da imaginação mundana. Elevavam objetos apenas com o pensamento, criavam chamas a partir do nada e conjuravam tempestades em questões de minutos, muito embora fossem necessários vários anos de estudo para realizar tamanhas façanhas. E era exatamente por isso que Igreja os temia. Temia-os acima de tudo, pois os magos representavam uma grande ameaça para toda a comunidade católica. Essa era uma das principais razões do comportamento recluso dos feiticeiros. Caso algum feiticeiro de grandes habilidades místicas fosse descoberto, imediatamente era caçado e após um julgamento explicitamente tendencioso, era condenado à morte pelo fogo, pois os inquisidores eram proibidos por Deus de derramar sangue, e o fogo cauterizava-o antes que ele fosse expelido. O fogo, que já havia queimado inúmeros inocentes. E era em honra a estes inocentes que William corria pelos negros jardins. Ainda tremia, mas sabia que a importância de sua empreitada justificava os riscos que corria. Chegou a um grande portão de ferro. “O primeiro de muitos obstáculos”, pensou. Agarrouse às grades adornadas do portão e começou a escalá-lo. Chegando ao topo, jogou-se para o outro lado, porém calculou mal a força do ato, e acabou por desvencilhar as mãos do portão, e cair de costas no chão. Houve um estrondo com sua queda, e William se apressou em esconder-se em meio a um emaranhado de arbustos próximo. Como havia previsto, dois sentinelas, armados com espadas desembainhadas pela metade, vieram checar o local em busca de algo estranho. Não encontrando nada, retornaram para dentro do prédio que se seguia após o portão. O capuz preto de William conseguiu camuflar o arqueiro em meio às plantas. Ele esperou alguns momentos, e saiu de seu esconderijo. Andou a passos largos, precavidamente agachado, até debaixo das janelas do prédio dos aposentos especiais. Ficou estático por algum tempo, esperando ouvir algum som que denunciasse o caminho a ser tomado. Permaneceu na mesma posição por vários instantes, até ouvir um ruído inidentificável, provindo de sua esquerda. Engatinhou até debaixo da janela de onde vinha o ruído. À medida que se aproximava, foi distinguindo melhor do que se tratava. Ao chegar ao pé da janela, pode perceber que se tratava de uma conversa, pois eram duas vozes distintas. Sorriu, dando-se conta do ridículo de sua posição, mas concentrou-se novamente em distinguir o que ouvia. -...primeiro temos de nos certificar se esta acusação é mesmo verdadeira. – Disse a primeira voz, claramente a de um homem. -Eu não me importo. Verifique o que quiser, eu já estou farto disto tudo. – Disse a segunda voz, também um homem. – Me dispus a vir até aqui com toda a boa vontade, mas agora chega! -Excelência, - Voltou a se pronunciar o primeiro homem. – ainda não temos certeza de muita coisa. Talvez seja somente uma suspeita sem fundamento algum. -Talvez. - Falava com rispidez. – Ou talvez não. Eu não quero correr o risco. Avise ao cardeal que deixarei Roma amanha mesmo. Meu compromisso aqui é importante, e tenho ciência de que é inadiável, mas pode ser transferido para Avignon, não pode? -Sim, vossa Santidade, a vontade do Papa é a vontade de Deus. Com licença. William ouviu barulho de passos, culminando em uma porta sendo fechada. Os passos continuaram, quase inaudíveis, até desaparecerem, mas o arqueiro não mais prestava atenção. Estava intrigado. Pois deduzira pela conversa que Urbano V retornaria a Avignon,

por medidas de segurança. Por certo que o alto clero havia descoberto alguma coisa sobre a infiltração da Ordem de Luft na Igreja, mas William não sabia do que se tratava. O fato era que o Papa estaria deixando Roma em algumas horas. Se isto acontecesse, todo o plano que engenhosamente criado desmoronaria. Necessitava do conselho de Raziel, mas ele estava a mais de dois dias de viagem a cavalo. Abaixou a cabeça e pressionou a parte superior do nariz com os dedos, tentando pensar em uma solução. Levantou-se, e abanou a cabeça, como que desaprovando seu próprio pensamento. Eram necessárias medidas drásticas. William precisava chegar à sede da Ordem em pouco tempo. Lá eles saberiam como resolver este gigantesco empecilho. A Ordem era formada na sua maioria por feiticeiros poderosos. Muitos deles, antigos anciões que dedicaram uma grande parte de suas vidas ao estudo das artes místicas. Toda esta vivência e estudo, a deu a eles uma erudição extraordinária. Raziel, o mais antigo, sábio, e poderoso de todos, fora um grande amigo de William, durante os tempos em que os dois ainda eram aprendizes. Ao entrar na Ordem, William rapidamente fez amizade com o mago, apesar da grande diferença de idade. Um, feiticeiro em formação, com algumas graduações, o outro, um novato enviado a ordem como pagamento de uma dívida por parte de seu pai. Os magos de Luft certa vez salvaram a casa do pai de William de um incêndio, e este assumira uma dívida perante seus salvadores. Não dispondo de dinheiro e ignorando o apelo dos magos para que esquecesse o acontecido, o homem deu à ordem seu filho mais novo, para que fosse treinado e viesse a se tornar um dia um feiticeiro, assim como aqueles que o haviam salvado. E assim, com menos de treze anos de idade, William adentrou a Ordem de Luft. Sua amizade com Raziel o ajudou muito no estudo da magia, e ele demonstrava uma incrível aptidão natural para as artes místicas. Tão incrível que, após seis anos, seu poder praticamente rivalizava com o de Raziel - agora um mago graduado - embora ele nem ao menos suspeitasse disto. Mas William nunca desejou ser um mago. Assim que alcançou a idade necessária, rompeu com a Ordem, e voltou para casa. Seus pais não mais viviam, e a casa agora era ocupada por uma família de desabrigados, condenados à Peste Negra, que assolava as cidades. Refugiou-se em uma casa pobre em meio às matas da cidade, e tornouse um caçador. William, um arqueiro, agora precisava de suas habilidades como mago. Corria em direção à um emaranhado de árvores, contrariamente ao prédio dos aposentos reais, sem se importar com o barulho que produzia. Não era momento para discrição. Parou, e agachouse próximo à uma árvore. Levou a mão a testa e recitou alguns versos em uma língua há muito esquecida. Os galhos da árvore ao seu lado moviam-se frenéticos, pois o vento soprava com força. A intensidade do ar foi aumentando, gradativamente. De repente, o arqueiro calou, e os ventos cessaram imediatamente. Ergue as mãos para o negro céu da noite, e saltou. Uma nova e fortíssima lufada de vento o carregou, e William planou sobre os prédios da Igreja. Aumentou sua concentração, e ganhou altitude. Sua velocidade aumentava a cada segundo, e ele tomou o rumo adequado. Voava em direção a sede da Ordem. *** Uma gota de suor percorreu o rosto conturbado de Raziel. O mago sussurrava algumas palavras em quanto virava-se de um lado para o outro de sua cama de palha.

Imagens retorcidas tomavam sua mente conturbada. Via seu amigo William queimando em uma fogueira inquisidora, e Urbano V ao seu lado, gargalhando. Após alguns instantes, a agonia cessou, e Raziel lentamente abriu os olhos, contente por ter sido apenas um sonho. Um frio percorreu sua espinha. Não era um sonho, e sim uma premonição. Levantou da cama com um salto, vestiu-se e deixou seu aposento correndo. Passou rapidamente pelos corredores da sede da Ordem, seu lar, até chegar ao portão de entrada e constatar o que sua intuição já o havia certificado. Do outro lado dos enormes portões que separavam a sede das ruas da cidade, pousou William, que caiu ajoelhado, com a mão pressionando o peito. Correu em sua direção, dando ordens aos guardas, que não haviam reconhecido, e muito menos ajudado o arqueiro, para que abrissem os portões de ferro. Para sua surpresa, antes de alcançá-lo, William já se encontrava de pé, mas com uma expressão de espanto. -O que fazes aqui? – Gritou Raziel, tentando competir com o ruído insistente da chuva que caia. -Houve um problema, eu preciso de ajuda. – Respondeu William ofegante. Raziel nada falou, apenas jogou ao amigo sua capa, para que se protegesse da fraca chuva que apenas a ele era apenas um pequeno incomodo, mas que havia encharcado William. Os dois então caminharam para dentro da mansão. A sede da Ordem de Luft era, pela fachada, uma bela mansão, assim como muitas outras existentes na cidade. Porem internamente era muito diferente. Suas enormes proporções não podiam ser notadas pelo lado de fora, pois muitos salões eram subterrâneos. A parte da mansão dedicada aos aprendizes abrigava alguns poucos alunos, enquanto outros cinqüenta adultos povoavam efetivamente o resto da sede. Eram, em sua maioria, magos graduados, porém haviam também os criados e alguns poucos guerreiros destinados a segurança armada do recinto. A mansão possuía inúmeros salões, e um número muito maior de quartos. E era para um destes salões que Raziel levava Willian. O arqueiro estava exausto, pois a viajem demorara mais do que ele suspeitava. Voara por mais de duas horas para falar com o homem no momento encontrava-se em sua frente, estendendo a mão com uma xícara de chá quente. William bebeu do líquido e respirou fundo. Olhou para Raziel, que o fitava com olhar preocupado. -Agora me conte Will, o que você está fazendo aqui. -Houve um problema em Roma, algo que não sei como solucionar. – Respondeu o arqueiro, com humildade. -E por isso você veio pedir o nosso conselho. – Acrescentou o velho homem. –O que aconteceu de tão grave para fazer um padre voar até aqui? William não havia percebido, mas ainda estava vestindo a batina habitual. -O Papa. Ele foi até Roma, mas isso você já deve saber, - Raziel assentiu com a cabeça – e eu fui até seu quarto durante a noite para observá-lo. Para tentar ouvir algo que confirmasse suas suspeitas sobre a reunião da Inquisição. -Um ato de extrema imprudência. O arqueiro respirou fundo outra vez. Estranhamente sentia as forças voltarem aos músculos, e o cansaço mental lentamente diminuía. -Consegui encontrar o quarto de Urbano, e ouvi sua conversa com um outro homem. -E o que ouviste? – Perguntou o mago. -Ele sabe da infiltração da Ordem na Igreja. Ele vai voltar para Avignon, Raziel. Pelo que entendi, a reunião será realizada lá.

Raziel bateu com o punho cerrado na perna, e praguejou, tentando em vão conter a raiva. Levantou-se e deu as costas para William. Refletiu alguns instantes com o dedo indicador pressionando os lábios. Enfim voltou-se novamente. -Mas como ele pode saber? Como eles o descobriram e ainda estás vivo? -Eles não me descobriram, ainda, apenas sabem que a Ordem tem alguém infiltrado em Roma. Você tem alguma idéia do que fazer, ou acha melhor desistirmos? -Nunca! Lembre-se Will, isto não é por nós, é por Eleanor. A lembrança da antiga amiga pegou William desprevenido. Esquecera-se por completo o que estava vingando acima de tudo. Lembrou de sua antiga mestra, sua amiga, e sentiu uma profunda raiva de si mesmo por pensar em desistir de sua vingança. -O que devo fazer? – Perguntou William, falando mais consigo do que com o amigo. – Se Urbano deixar Roma, a reunião da Inquisição será feita em Avignon. -Então não poderás deixar que ele vá embora. Os dois ficaram calados por alguns instantes, pensando. Raziel pareceu ter finalmente tomado uma decisão. -Venha Will, quero lhe mostrar algo. Ambos deixaram o salão, fazendo um caminho rotineiro para o mago, porém totalmente desconhecido por William. Após alguns corredores, entraram na sala onde se reunia a alta cúpula da Ordem. Um salão como todos os outros, porém restrito, sendo liberado apenas aos mais poderosos e influentes membros. Em um dos cantos do salão havia uma mesa, e sobre ela um canudo de madeira, geralmente usado para o transporte de mapas e de documentos importantes, envolto por uma redoma de vidro. Ao lado da mesa havia uma estante, com alguns livros e pergaminhos, e em sua frente encontrava-se Aleph. Ele cumprimentou Raziel com um aceno ao vê-lo, mas não conseguiu disfarçar o espanto ao reconhecer William. Os dois caminhavam juntos, apressados, em sua direção. -William? – Exclamou Aleph. – Você não deveria est... -Sim, - Interrompeu Raziel. - ele deveria. Mas ouve um imprevisto e ele solicitou minha assistência. O mago foi até a mesa, e retirou o cilindro de madeira de dentro de sua proteção. Girou uma das extremidades e ela se soltou. Virou-o, e de dentro do canudo caiu um pergaminho. Ele o entregou a William. Aleph, percebendo a ação do mago, imediatamente interveio. -O que você está fazendo? – Falou em tom tão alto que pareceu estar gritando. -Depois eu lhe explicarei tudo com detalhes, pois não há tempo a ser gasto. Por hora, seria melhor se você não questionasse minhas atitudes. – Disse Raziel, ríspido. O bom senso de Aleph fez com que se calasse. Voltou-se para o arqueiro. -Você entende o que está escrito Will? O arqueiro concordou com um aceno de cabeça e continuou sua leitura. Por fim, se pronunciou. -Eu entendo o que está escrito, e agora entendo também porque estás me mostrando isso, mas não sei se sou capaz de realizar o que pensas. -Não importa, não há outra saída. – Sentenciou Raziel. – Agora tens de se apressar. Vai, volta para Roma, e não permita que nem o Papa nem ninguém deixe a cidade. ***

É regra que cada mago, assim como Raziel e Aleph, possua seu grimório. Em um grimório são descritas todas as habilidades de seu possuidor. Ali estão listadas todas as magias que o feiticeiro é capaz de conjurar. As magias tem de ser escritas, pois são, em sua maioria, muito complexas para serem memorizadas, envolvendo vários gestos, palavras, e itens especiais para serem realizadas. Este processo é conhecido como ritual, nos meios místicos. Todos os rituais poderosos levam bastante tempo para serem executados, e alguns são tão destrutivos que a maioria dos feiticeiros não tem forças suficientes para canalizar a energia que o envolve no momento da realização da magia. E era um destes rituais que William levava em meio a sua batina quando voltou para Roma. A arqueiro pousou próximo ao local de onde havia partido. Correu para os portões negros e saltou-os pela segunda vez na noite. Andou pelos jardins a passos largos, visivelmente apressado. Adentrou novamente os prédios da Igreja, e dirigiu-se para seus aposentos, se esforçando para não produzir ruídos. Entrou em seu quarto e revirou o pequeno baú de madeira. Tirou de lá suas roupas habituais de caçador. Capa com capuz, botas, camisa e calças negras. Estendeu em sua cama de palha a batina que usara durante todos os dias que estivera infiltrado na igreja, dobrou-a e colocou em uma mochila, que prendeu às costas. Deixou o cômodo e dirigiu-se até a catedral. O monumento adquiria um estranho ar sombrio durante a noite. Deixou a morada de Deus e ganhou as ruas. A escuridão e o frio asseguravam que não haveria companhia em sua caminhada. Alternou períodos de corrida e de caminhada por mais de uma hora, até avistar os muros da cidade. Apressou ainda mais o passo ao olhar para trás e ver os primeiros raios solares cortando o horizonte negro. Cruzou os limites da cidade e seguiu em direção à floresta que circundava Roma. Embrenhou-se na mata e andou por entre as árvores até alcançar uma grande clareira, tão grande quanto um campo, um pouco mais elevada do que a cidade. De seu centro era possível visualizar a metrópole em todo o seu esplendor. William decidiu que aquele seria o local adequado. Retirou o cilindro de madeira de dentro das mochila, e também um objeto fino, de aproximadamente um metro, envolto em um pano negro. Depôs o pano e contemplou um cetro de prata, criado e finamente adornado para a ocasião que se seguiria. Retirou o papiro de dentro de sua proteção, abriu-o e colocou na grama, de modo que ficasse visível. Respirou fundo. Segurou o cajado de prata verticalmente, usando ambas as mãos. Fitou o papiro no chão uma última vez, e concentrou seu olhar na cidade, agora iluminada pela claridade da alvorada. A luz da manhã dava uma beleza ainda maior a Roma, e por um instante William sentiu um pesar pelo que iria realizar. Balbuciou algumas palavras, praticamente sem emitir som. Continuou recitando os versos do ritual, e lentamente o avanço da aurora cessou. Nuvens se agruparam nos céus, tapando a maioria dos raios de luz. Uma lufada de vento cortou a cidade. William foi aumentando o tom de voz, e as nuvens foram gradativamente tomando cores mais escuras. Poeira foi levantada na cidade, decorrente de uma rajada de vento. O choque entre duas massas escuras no céu gerou as primeiras gotas de chuva. Alguns andarilhos praguejaram, devido à forte chuva iminente. O arqueiro segurou o cetro de prata com força, e aumentou o volume de sua voz. A intensidade dos ventos aumentou, levando os transeuntes a protegerem os rostos com as mãos da poeira levantada. A cidade enegreceu-se novamente, como se a noite tivesse retornado, pois a fraca luminosidade da alvorada não se atrevia a competir com as nuvens negras que tomavam o céu. As gotas da chuva caiam com força, e cada vez em maior volume. Os ventos dificultavam o caminhar dos pedestres. Um trovão

ribombou por toda a cidade, anunciando a tempestade. Uma carroça perambulou pela cidade, impulsionada pelos ventos, que aumentavam de intensidade a cada segundo. As energias de William começaram a serem drenadas pelo ritual. A chuva começou a formar pequenos lagos nos pontos mais baixos da cidade, tamanha a quantidade de água. O arqueiro agora gritava as palavras místicas e sua voz, que soava pelos quatro ventos, era imponente como os trovões que agora repetiam-se com freqüência em Roma. A face do arqueiro se contraiu, expressando o cansaço latente. O desgaste físico era enorme, mas a imagem de Eleanor em sua mente lhe dava energias para continuar. -Liberta ab omni incursu et totius nequitiae! Apertou o cajado com toda a sua força. -Sit fons vivus aqua, ut omnes purificans! O cajado foi elevado acima da cabeça de William, e desceu alucinado para de encontro ao chão. -Per Luna! Per unda venti! – William fechou seus olhos. - MAELSTORM! O cajado de prata fincou-se na terra, e por um breve instante, a escuridão cedeu. Um relâmpago irrompeu pelos céus, indo de encontro a uma árvore, dividindo-a em duas partes disformes e incandescentes. Um homem que tentava desesperadamente encontrar um abrigo em meio às ruas encharcadas foi arremessado ao céu por uma lufada de vento, indo cair a quinze passos de distância. Pequenos furacões eram formados esporadicamente pelo choque de duas correntes de vento. Casas tinham seus telhados de sapê arrancados, e os moradores de Roma faziam o possível para tentar manter suas casas de pé em meio a maior tempestade que a cidade já presenciara. *** -Fechem as janelas! Fechem as janelas! – O monge gritava desesperadamente, correndo pelos corredores da Igreja. A tempestade do lado de fora do complexo era aterradora. Em um prédio próximo, o Santo Padre preparava-se para deixar a cidade quando foi surpreendido pela ira divina. Agora conversava com o cardeal, igualmente perplexo pelas proporções do temporal, sobre algum antecedente daquela tragédia, e o que deveria ser feito frente a ela. Discutiram sobre a partida de Urbano V para Avignon, e chegaram a conclusão que era loucura qualquer pessoa aventurar-se em meio a tamanha força da natureza. A reunião da Inquisição, a razão pela qual o Papa estava em Roma, teria de ser feita ali mesmo, pois não podia ser adiada, além do mais, todas as carruagens de posse do cardeal, que estavam ao ar livre quando a tempestade começou, agora se resumiam a um amontoado de madeira quebrada. O transporte para fora da cidade, além de loucura, agora era impossível. Por sorte, a maioria dos cardeais e os outros membros importantes da Igreja católica já se encontravam hospedados dentro da catedral. Com exceção de Urbano V, todos chegaram incógnitos, sem chamar atenção para o evento que se sucederia. -Cardeal. – Chamou o Papa. -Sim? -Avise a todos para se prepararem. A reunião será feita hoje a noite. -Perfeitamente, Excelência. – Fez uma reverência e retirou-se do cômodo. ***

A tempestade perdurou por toda a manhã, até o meio da tarde. Ao seu término, um terço das casas da cidade haviam sofrido graves danos, e nenhuma de todas as residências da metrópole conseguiu se manter imune perante a força dos ventos. As ruas manteriam-se alagadas por mais dois dias, e o prejuízo causado levaria anos para ser recuperado. No topo da clareira, William jazia deitado de costas sobre a relva. Respirava com dificuldade, ofegante. O cetro de prata em suas mãos, o pergaminho em seus pés, e a destruição à sua frente. Rezava para que a tempestade tivesse feito Urbano V transferir a reunião novamente para Roma, sem saber que seu plano havia funcionado com perfeição. Inicialmente, William pretendia estender a tempestade por durante todo o dia, mas não teve forças o bastante. Implorava para que fosse o suficiente. Após passar uma hora deitado, imóvel, o arqueiro levantou-se com dificuldade, e começou seu caminho de volta para a catedral, vestia novamente a batina, tendo posto suas roupas dentro da mochila. Saiu de dentro da mata, e contemplou de perto o que seu ritual havia realizado com as casas mais pobres. Sentia-se culpado por ter causado tanto dano a pessoas inocentes, mas estava decidido a fazer o que fosse necessário para a conclusão com êxito de seu plano. Após a extensa caminhada, chegou em frente a catedral, e notou que somente agora o dia estava plenamente iluminado. Adentrou a igreja e foi diretamente para seus aposentos. Enquanto seguia seu caminho, deparou-se com a única pessoa que poderia ter sentido sua falta, e a única que não poderia vê-lo. Pedro. Estranhamente o padre não notou a presença de William. Ele estava em um canto de um corredor, conversando com um homem que, para o arqueiro, pareceu ser o cardeal. Pedro recebeu de seu superior um envelope vermelho com uma cruz dourada em seu emblema. William estranhou o fato, e aproximou-se o suficiente para ouvir a conversa entre os dois, tentando não chamar atenção. -Neste envelope estão todas as informações necessárias. – Disse o cardeal. -Isso quer dizer que... – Pedro abaixou o tom de voz, fazendo William esforçar-se para conseguir distinguir o que dizia. – A reunião será feita aqui? -Isso mesmo. Como praticamente todos já estão aqui, a reunião será hoje a noite. As instruções detalhadas estão no envelope. – Confirmou o cardeal. William sentiu um alivio imensurável ao ouvir aquelas palavras. Afinal, o sacrifício valera a pena. O padre e o cardeal se despediram, e o arqueiro rapidamente tomou um caminho alternativo para chegar a seu quarto. Trancou a porta, guardou a mochila em seu baú, e vestiu uma batina sobressalente, pois a sua se encontrava imunda. Deixou o cômodo e saiu a procura de Pedro. Encontrou-o em meio a catedral, coordenando ao concerto de um dos vitrais, quebrado pelas fortes lufadas de vento. -Olá irmão. – Cumprimentou William. – Estás ocupado? -Não, não! – Disse o padre. – Só alguns empecilhos. Que tempestade! Eu nunca vi nada igual. Alguma coisa deve ter deixado o Senhor muito irado. Agora diga-me, o que desejas? -Nada de importante, só necessito de um favor seu. – William esforçou-se para parecer convincente. - Em meio a minhas leituras do Santo Livro, eu encontrei algumas partes que não fazem sentido para mim. -Não estás entendo a bíblia, irmão? – Pedro estranhou. -Sim, e eu pensei que o senhor, como mais experiente, pudesse sanar as dúvidas de um jovem padre.

-Obviamente! Terei o maior prazer. -Excelente! – Exclamou William.- Poderia ser hoje à noite? -Hoje a noite? Bom, talvez eu possa reservar algum tempo. Sim, pode ser hoje a noite. A dúvida de Pedro confirmou a William sobre a reunião. Perfeito, pensou o arqueiro. Despediu-se, e voltou aos seus aposentos. Deixou um sorriso escapar durante o percurso. -Hah! Duvidas sobre a bíblia... não tinha nada pior para inventar? – Falava baixo, consigo mesmo. O sorriso desapareceu de sua face, pois lembrou-se da importância do que deveria realizar na noite que se aproximava. *** William despertou assustado. Esfregou os olhos com as costas das mãos, e lentamente seus olhos acostumaram com a escuridão que assolava seu quarto. Ficou alguns instantes parado, até sua mente subitamente lembrá-lo do que deveria estar fazendo. Levantou da cama de palha, e saiu porta afora. Deitara-se para descansar do esforço do ritual, e acabara por adormecer. Andava desesperado, temendo ter dormido muito mais do que imaginava. Chegou à porta do quarto de Pedro, e seus punhos cerrados arremeteram-se contra a porta de madeira repetidas vezes. Pedro abriu a porta, com o espanto explícito no rosto. Passado o susto, sua expressão mudou e tornou-se severa. -Desculpe-me William, mas agora não posso mais ajudá-lo. Deverias ter vindo mais cedo. Tenho afazeres muito importantes. -Oh sim. – William fingiu estar desapontado. – Desculpe Pedro. Amanhã conversamos então? -Sim, amanhã. – Disse o padre, e bateu a porta. Assim que a porta foi fechada, William desatou a correr. Seu plano havia estranhamente se concretizado. Ele planejava encontrar-se com Pedro durante uma boa parte da noite, atrasando-o para a reunião, para depois segui-lo até a entrada do local onde ela seria realizada. No entanto, seu sono imprevisto não havia sido tão longo quanto ele esperara, e ainda havia tempo de seguir o padre. Escorado na parede de seu quarto, estava uma vara preta, do tamanho de um homem alto, que parecia um apoio à primeira vista. William remexeu seu baú até encontrar um pequeno rolo de uma fina corda. Colocou-a em seu bolso, apanhou a vara e todos os outros pertences valiosos que trouxera para a catedral, pois não pretendia voltar àquele aposento. Deixou o cômodo e correu silenciosamente em direção ao quarto de Pedro. A vinte passos de distância do quarto do padre, um ruído de madeira rangendo fez com que William se escondesse nas sombras do corredor. Pedro estava saindo. O frade olhou para os lados para ter certeza de não ter ninguém em seu encalço, como que prevendo que seria seguido, mas como nada viu, seguiu seu caminho, oposto ao qual William estava. O arqueiro começou a segui-lo, usando todas as suas habilidades de caçador para não emitir sons. A furtividade era uma habilidade primordial para qualquer pessoa destinada a viver da caça, e a selva havia ensinado a William como ser silencioso. Pedro adentrou os jardins da Igreja, e foi em direção aos portões de ferro que dividiam a parte nobre do resto das dependências, seguido sempre por William. Em frente aos portões estavam dois guardas, porém não eram os habituais vigias noturnos. Estes usavam armaduras de placas, que de tão polidas reluziam até mesmo a fraca luz do luar, e portavam espadas e lanças adornadas. Eram visivelmente superiores aos guardas substituídos, pois a reunião necessitava de proteções especiais. Pedro andava confiante,

com um capuz negro encobrindo seu rosto e tornando sua visualização praticamente impossível em meio à escuridão noturna. Retirou do bolso da batina o envelope que havia sido entregue a ele pelo cardeal, e mostrou aos guardas, que ao reconhecerem o documento, abriram os portões dando passagem ao padre. O arqueiro, vendo que a possibilidade de pular os portões fora vetada, tentou um velho truque. Jogou um pequeno graveto do chão na direção oposta a que se encontrava, no intuito de que os guardas fossem até o local da queda do graveto para averiguar o ruído estranho, porém ambos os guardiões pareceram não ter notado o som produzido pela madeira. Continuaram inexoráveis em suas posições. William, percebendo que aquilo de nada adiantaria, decidiu apelar para soluções mais drásticas, pois logo perderia o rastro de Pedro. Agachou-se e colocou seus dedos frente a seu rosto, e iniciou a recitar versos em uma língua antiga. Lentamente os ventos começaram a aumentar, à medida que sua voz também aumentava. Subitamente suas palavras e o assobio do ar em movimento cessaram. William saltou, e foi levado aos céus por uma forte rajada de vento. Os dois guardas não notaram o vôo do arqueiro, pois este estava trajando roupas unicamente pretas, e cuidou para afastar-se do campo de visão dos guardiões. Voando, William contornou, com uma boa distância, os negros portões e seus sentinelas. Ao longe, apesar da fraca luminosidade, conseguiu distinguir uma sombra se movendo, e pensou tratar-se de Pedro. Achou estranho o fato do padre não ter entrado diretamente no prédio onde ficavam os membros importantes, e sim tê-lo contornado, para usar a entrada dos fundos, uma porta de madeira. Esperou alguns instantes após a entrada de Pedro para pousar nas proximidades. Colocou seu capuz preto, respirou fundo, e começou a caminhar na direção da porta pela qual o padre adentrara o recinto, usando a vara preta como apoio para a caminhada. Estava extremamente nervoso, e rezava para que não transparecesse este sentimento. Raziel havia dito que todos os membros importantes da Igreja estariam presentes, e William supôs que a grande maioria ali presente não se conhecia. Se estivesse certo conseguiria entrar, caso contrário, morreria. Pensou em desistir no meio do caminho até a porta do prédio, mas fixou seus pensamentos em Eleanor, e isso o cedia a coragem necessária. Ajeitou o capuz preto o para que ele dificultasse ao máximo seu reconhecimento. Apertou com força a vara que segurava. Parou em frente à porta de madeira e a abriu. A velha porta rangeu, e William deparou-se com uma escada circular de mármore que adentrava o solo. Agora entendia a razão pela qual Pedro tomara este caminho. O salão onde aconteceria a reunião era subterrâneo. Tateando as paredes, William desceu os degraus com cuidado, pois a ausência de luz fazia a situação propícia para que escorregasse. Ao longe podia ouvir vozes, que aumentavam à medida que se aproximava. Terminando as escadas, o arqueiro tomou o corredor que se seguia, agora com mais segurança, pois havia a luz das tochas presas por suportes nas paredes. Andou cerca de cinqüenta passos, estranhando não encontrar nenhum membro da Igreja, mas o cessar das vozes ao fundo indicou o que William supunha. A reunião da Inquisição estava começando. *** William ficou estupefato quando finalmente chegou ao fim do corredor, atravessou uma porta com panos de seda e deparou-se com o salão onde seria feita a Inquisição. Era gigantesco, lembrando os grandes teatros, e até mesmo o Coliseu. O local tinha a forma de um semicírculo, com cadeiras estufadas com veludo ao redor de um palco ao centro, no

local mais baixo. Um imenso número de pessoas estava presente, dando proporções épicas à reunião. William deu alguns passos para trás e ficou observando o grande salão detrás das cortinas de seda. Ao centro, sob a atenção de todos, estava Urbano V, o Papa de Avignon. O Papa trajava um luxuoso robe dourado, adornado com fios vermelhos que se cruzavam para formar uma cruz a altura do peito, e tinha em suas mãos um cetro de ouro puro. Próximo a ele estavam cerca de trinta guerreiros que trajavam armaduras idênticas aos guardas dos portões negros, porém estes, além das espadas, possuíam também grandes e finas lanças. Eram os Gladius Dei, os soldados da Inquisição. O nome era derivado do gládio, a espada utilizada pelos gladiadores nos jogos. Quando os imperadores mostravam-se alegres e piedosos, freqüentemente davam essa arma aos cristãos que seriam condenados aos leões para que se defendessem por um tempo. Mais tarde, essa arma passou a ser considerada um símbolo da resistência cristã durante os anos de perseguição e foi adotada pelos Inquisidores como arma principal. Em sua origem, os Gladius Dei eram afiliados a Inquisição e também aos cavaleiros Templários, mas após a dissolução da última, anexaram-se em definitivo sob as ordens do Papa, e se tornaram a guarda de elite dos Inquisidores, responsáveis pelos ataque diretos às forças malignas. Nas cadeiras mais próximas ao Santo Padre estavam os Scholars, os estudiosos da Igreja. Os estudiosos possuíam a arma mais valiosa da Inquisição, o conhecimento. Era de posse dos estudiosos praticamente todos os livros da Igreja. Os Scholars possuíam o maior status dentro da Inquisição, sendo parte do grupo todos os principais bispos, arcebispos, cardeais, e até mesmo Urbano V. O resto dos acentos, e eram muitos, eram ocupados por membros menos importantes da Inquisição, mas mesmo assim líderes em suas cidades. William procurou por Pedro entre as cadeiras mais afastadas, pois um padre normalmente tem pouca influencia dentro da Igreja, mas se espantou ao encontrá-lo em uma das cadeiras mais próximas do centro do salão, onde se encontrava o Papa, que agora pronunciava palavras que William não consegui distinguir pela distância que se encontrava e por serem em latim, língua que o arqueiro não dominava perfeitamente. Tentou não prestar atenção no que o Papa dizia, pois tinha um feito a ser realizado. Retirou de um dos bolsos uma fina corda enrolada, que fora embebida em cola para se tornar flexível, mas ao mesmo tempo resistente. Enganchou a ponta da corda que formava um arco em uma das pontas de sua vara de apoio, e então, com um grande esforço, curvoua e enganchou a outra ponta na extremidade oposta da vara, que agora revelava ser o arco de William. O arco que ele havia feito anos atrás, que carregava em sua madeira de teixo um número considerável de mortes, agora seria necessário mais uma vez, e se não fosse rápido o suficiente, talvez a última. De dentro de sua mochila, que estava sob sua capa negra, retirou uma flecha, da mesma madeira do arco, com a ponta de ferro e com uma pena branca de ganso na outra extremidade. Encaixou a flecha no arco, e puxou a corda até o ponto que achou adequado. Não seria um disparo forte, pois o alvo não se encontrava protegido por nenhuma espécie de armadura. A precisão seria primordial, pois William não poderia errar. Era para isso que Raziel fora até sua cabana, e lhe contara seu plano insano, e era com isso que vingaria Eleanor. Iria executar o Papa. A ocasião era perfeita, pois todos os importantes membros da Igreja estariam presentes, e assim poderiam testemunhar que a Inquisição não era imune às retaliações dos grupos cujos membros eles haviam injustamente queimado.

Urbano V seguia com seu sermão sobre os atuais problemas da Inquisição, e suas possíveis soluções, quando seus olhos elevaram-se para contemplar os membros mais afastados, e seu olhar cruzou com o de William, no exato momento em que a corda do arco foi solta. Um Gladius Dei próximo também percebera o arqueiro e seu disparo, e jogou-se na frente da flecha, porém era tarde demais. A flecha descreveu uma pequena parábola no ar, e foi de encontro ao peito do Papa, atravessando o tecido, a carne e perfurando seu coração, tingindo de vermelho a parte dourada de seu robe. Por um segundo que pareceu uma eternidade, o salão calou. Todos olhavam perplexos para Urbano V, que levava a mão ao peito ensangüentado. Lentamente o Papa foi ao chão, a vida esvaindo-se juntamente com seu sangue derramado, e todos levantaram de seus acentos para ajudá-lo, a exceção dos Gladius Dei, que partiam em disparada em direção a William. O arqueiro não vira se a flecha havia encontrado seu alvo, mas tinha a certeza de que não errara. Ele agora corria desesperado para fora do prédio, temendo ser morto. Subiu a escada de mármore com três degraus em cada passo. Ao longe, porém se aproximando, podia ouvir o bater de espadas e armaduras, correndo em seu encalço. Os Gladius Dei estavam avançando para capturarem o assassino de seu santo líder. Subiram as escadas e saíram porta a fora. Os que ainda não haviam desembainhado suas espadas o fizeram, esperando um confronto. Para sua eterna vergonha, limitaram-se a observar um volto preto lentamente sumindo nos céus, com um sorriso sarcástico no canto da boca... *** Uma carroça parou ao lado de um emaranhado de árvores. O sol despedia-se, indo de encontro ao horizonte, dando lugar a noite que não demoraria. O entardecer dava ao pequeno bosque uma beleza que William pensou que nunca mais teria a oportunidade de contemplar. Virou-se e despediu-se do chofer. -Obrigado Henrique. A partir daqui eu vou a pé. - O chofer acenou com a mão, e bateu nas costas do cavalo, que deu movimento a carruagem. William estava finalmente em casa, passados dois dias que o Papa jazera sob suas mãos. Poderia ter chegado rapidamente se tivesse continuado seu vôo, mas optou por um meio mais discreto, pois um pequeno descuido poderia custar-lhe a vida. Caminhava devagar, tranqüilo, até perceber uma estranha fumaça vindo da direção para a qual se dirigia. Apressou o passo, prevendo o que acontecera. Após alguns instantes de caminhada, teve a certeza do que imaginava. Sua casa fora reduzida a cinzas pelo fogo, e um estranho esperava-o em frente ao amontoado de madeira queimada. Tirou de seu ombro o arco negro, e, percebendo que não possuía flechas, voltou-o a posição inicial. -Quem é você? – Vociferou William ao estranho, a dez passos de distância. -Quem sou eu? – Respondeu o homem, que trajava um escuro manto, com um capuz igualmente negro que lhe cobria a face. – Achei que me reconheceria, mas parece que me enganei. William imediatamente reconheceu a voz, e antes mesmo que o estranho retirasse seu capuz, o arqueiro já tinha a certeza de quem se tratava. -Pedro? – Balbuciou William. – Eu não entendo. -E não o culpo por não entender. É uma longa história. Mas parece que você dispõe de tempo. Acho que após tudo o que fizestes para mim, mereces saber o que se passou.

-O que? Eu não lhe fiz nada Pedro! -Ah, fizeste. – Respondeu Pedro, sorrindo. – Porém não o sabes. Primeiramente, não me chames de Pedro. Tu não és do meu nível para me tratar como igual. Para você, é cardeal Pedro. Mas quando me tornar Papa, o que não deve demorar muito, acho que mudarei de nome, o que tu achas de Gregório? -O que você está dizendo? – William não entendia absolutamente nada. -O que eu estou dizendo, que agora que finalmente o Papa está morto, eu assumirei de bom grado o seu lugar. Acredite, eu estou planejando a morte daquele bastardo à algum tempo. -Mas o Papa foi morto pela Ordem! Por mim! Você não teve nenhuma ligação com isso. -É neste ponto que você se engana, William. Era eu o contato de Raziel, aquele grande tolo, dentro da Igreja. Fui eu que incitei ao seu grande mestre para que terminasse com a vida de Urbano, plano que ele de início recusou. Então eu tive que dar um pequeno estímulo. É uma pena, mas tive que entregar para a Inquisição onde se escondia aquela bruxa de quem ele tanto gostava. Como era mesmo o nome dela? Eleanor? Isso, Eleanor. Foi uma pena que ela teve que morrer, mas foi um sacrifício para um bem maior. Pedro continuou, mas William não mais o escutava, pois estava sendo consumido pela raiva. -Também fui eu que convenci Urbano a realizar a reunião em Roma. Ele decidiu ir embora depois de um tempo, mas aquela tempestade veio realmente em uma hora oportuna. Porém isso não mais importa. O importante é que agora o Papa está morto, e eu, o cardeal Pedro serei o seu sucessor. – Seu rosto abandonou o irritante sorriso habitual e contraiu-se em uma expressão séria. – E então eu poderei erradicar do Reino de Deus todos vocês. Mas você, por hora, irá viver, pois apesar de tudo, estou em dívida perante ti. Na realidade, você está oficialmente morto, pois eu disse aos soldados que queimaram sua casa que você estava lá dentro. Não faça com que eu me arrepen... Pedro não terminou a frase, pois William saltara para cima do cardeal. Os punhos fechados e a fúria explícita no rosto. Sua mão foi de encontro ao rosto do cardeal com tanta força que o atirou para trás. Espantosamente, Pedro levantou-se rapidamente, tirou de dentro do manto uma espada, e esticou-a em direção a William. O cardeal, apesar de um homem de idade avançada, mostrava experiência no manejo da espada. -Tolo! – Esbravejou Pedro. - Achas realmente que eu viria até aqui desprotegido? Agora afasta-te, pois eu já disse que não quero matá-lo. Ao menos não hoje. William soltou uma gargalhada macabra. -Pedro, acho que não és o único com segredos por aqui. – Disse o arqueiro, com um sorriso maléfico no rosto. -Cala-te, antes que eu decida por matá-lo. – Ordenou o cardeal. -A tempestade, Pedro. Não foi ao acaso. Eu a conjurei. Pedro deu alguns passos para trás. Recompôs-se e fitou William seriamente. -Não. Eu te conheço. Tu és um simples arqueiro. Não és como Raziel. William não preocupou-se em responder. Esticou os dois braços em direção a Pedro, que foi atirado ao chão por uma forte rajada de vento. Sua espada voou, indo cravar no solo a três metros de distância. Pedro pensou em levantar-se para alcançá-la, mas William foi mais rápido. Em poucos segundos estava com a ponta da espada tocando o pescoço nu do cardeal.

-Um movimento e será a última coisa que você fará, cardeal. – Ameaçou William. E virando-se para a floresta, gritou. – Saiam! Eu sei que estão ai. Agora saiam! Ou eu arranco a cabeça deste bastardo fora! – De dentro da mata que circundava a casa queimada, William distinguiu três guerreiros, os mesmo que ele havia visto na reunião. – Como eu pensei. Você não seria estúpido o bastante para vir até aqui sem companhia. Agora vocês três. Joguem suas espadas para mim, e afastem-se. – Os três guerreiros seguiram as instruções de William, que tirou do pescoço do cardeal o ferro da espada. Pedro levantou-se, e fitou o arqueiro com chamas nos olhos. -Tu sabes aonde isso irá levar, não sabe? – Perguntou o cardeal. – Tu deverias ter me matado quando teve a chance. -Não Pedro, agora tu que estás enganado. Eu não desisti de matar-te. Somente adiei a data um pouco. Eu ainda irei matá-lo do mesmo jeito que fiz com Urbano. Só você nunca saberá quando. Pode ser daqui a um mês, um ano, ou mais, mas você morrerá pelas minhas mãos. E este será teu castigo Pedro. Viverás com medo de mim, e este medo só terá fim quando finalmente uma flecha minha perfurar teu peito. Agora vai Pedro, e espere tua morte. O cardeal deu as costas a William, e junto com seus três guerreiros desarmados, deixaram o local. O arqueiro se voltou para sua antiga casa, sentou-se ao lado de suas cinzas e suspirou. Passou mais alguns instantes ali sentado, vendo o cardeal e seus súditos sumirem no horizonte. A guerra estava longe de terminar.

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