Resumo Gomes Leal

  • June 2020
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Universidade de Sófia Sveti Kliment Ohridski Faculdade de Letras Clássicas e Modernas Departamento de Estudos Ibero-Americanos Filologia Portuguesa Disciplina: Literatura Portuguesa – Romantismo, Realismo, Naturalismo Docente: Profa Auxiliar Dra. Yana Andreeva

RESUMO CRÍTICO Gomes Leal

Sofia 2009

Gomes Leal

António Duarte Gomes Leal nasceu em 06.06.1848 em Lisboa, era filho ilegítimo de um modesto empregado de Alfândega, João António Gomes Leal, e de Henriqueta Fernandina Monteiro Alves Cabral. Viveu toda a sua vida da gazetinha e outras formas de trabalho jornalístico, da edição dos livros e sobretudo panfletos, dos rendimentos de que mãe dispunha por morte do pai, e, finalmente, da caridade alheia, reforçada por uma pensão da República. Chegou a estudar no Curso Superior de Letras, mas a sua cultura literária foi sobretudo feuta de outiva, nas redacções e cafés, e em leituras dispersas. A superficialiidade fátua das suas elucubações, a ingeniudade com que sempre mixturou, sem fundir numa síntese, a máxima disparidade de influências e frases feitas denunciam-se nas suas constantes ambiguidades concepcionais, na débil construção dos seus pretensos poemas cíclicos, mas não se deve iludir acerca da sua consciência de artista do verso e até de poemetos inteiros. Salvo quando o improviso se lhe impõe, ou quando pretende ter largas vistas sobre os destinos humanos, sobre a ciência, a filosofia ou a política, Gomes Leal é o mais hábil dos poetas portugueses do seu tempo: é uma consciência fragmentária, mas lúcida nos seus fragmentos poéticos. Todas as suas múltiplas virtualidades estão à vista nas Claridades do Sul, publicadas em 1875; mas, desde 1873 até pouco depois do Ultimato, a sua carreira literária liga-se com uma vida pródiga e dispersa de agitação política, em asociações, comícios e jornais, onde a cada passo se denuncia a demagogia do seu pessoalismo, a inconsciência da sua vaidade literária. Além da colaboração nos jornais, publica uma série de poemas panfletários ou satíricos que, por entre a retórica dos seus defeitos, assinalam hoje, por vezes com garra emocional e justeza de traço, todo um rol de efemérides: a revolução republicana espanhola e os movimentos oprários seus contemporâneos (O Tributo de Sangue e A Canalha, 1873); a celebração republicana de Camões (A Fome de Camões, 1880); a questão de Lourenço

Marques, a agitatação consequente e a passagem de Rodrigues de Sampaio à reacção (A Traição e O Renegado, 1881), o Ultimato (Troça a Inglaterra, 1890). Uma considerável parte da obra lírica de Gomes Leal está marcada pela busca de efeitos de surpresa, exotismos ou simples humorismo gazetinheiro na imprensa periódica onde colaborava. Podem classificar-se nesta categoria muitas das suas composições de colorido satânico ou mefistofélico, em que a lição de Baudelaire ou de Goethe nos surge reduzida a simples contrafacção para assarapantar o leitor. Acrescentemos-lhe ainda numerosos sonetos em que o lirismo se ridiculariza a si próprio numa grosseria, à maneira de João Penha, e obras versejadas que não passam de uma corrida discursiva para chegar até um conceito final estranho, ou que se dá ares de paradoxal ou perverso. Quantos aos seus panfletos e satíras, já notámos que as suas limitações são as do muito que contêm de demagogia egotista – o que resulta, afinal, da mesma necessidade, aqui ainda mais evidente, de dar nas vistas, de interessar um público sem grande experiência de ordem estética ou ideológica, vagamente iconoclasta, anti-romântico, antimonárquico, anticlerical, antiplutocrático, mas sem aspirações definidas a um teor de vida ou a uma ordem social diferente. Os poemas ciclícos de Gomes Leal inteiramente como tais, quer se trate das suas versões quase opostas do Anticristo, quer o niilista Fim de um Mundo, ou da ocultista Mulher de Luto. No entanto, a obra de Gomes Leal obedece, no conjunto, a impulsos mais autênticos, que lhe dão uma fundamental unidade orgânica e se denunciam constantemente na sua estilística. Vários desses impulsos já se haviam verificado em poetas como Gérard de Nerval e Baudelaire, que influenciaram Gomes Leal, através, sobretudo, das Prosas Bárbaras de Eça de Queirós, de que o poeta é o legítimo herdeiro. Como os outros contemporâneos, ele sofreu do profundo abalo das crenças de infância, em sintonia com a crítica bíblica e o darwinismo; e o fundo psicológico da sua obra acusa nitidamente o conflito que se trava entre o apelo

afectivo da concepção transcedentista cristã, constantemente sustentado pela influência da mãe e por um conjunto de rotinas quotidianas – e, por outro lado, uma aspiração indefinida de progresso histórico e de sobrevivência pessoal, que é, ao tempo, contraditada por sentimentos opostos de decadência histórica, de fim do mundo, e por uma obsessão materialista mecanicista da realidade. A natureza aparece-lhe como uma vasta necrópole de vidas findas, de pessoas, e até de deuses desacreditados. Mas da constante conversão recíproca entre a morte a vida, o que mais impressiona a poesia de Gomes Leal é a morte, a dissolução de vidas, pessoas, religiões. No fundo, interessa-o, especulativa e afectivamente, não o que será, mas o que foi: de que modo poderá subsistir o que morreu (como substituirá o próprio copro, o da mulher amada, o das flores, etc.). A riqueza metafórica de Gomes Leal, certa exploração certeira de sinestesias da alucinação nevrótica são o selo autenticador destes sentimentos. O seu erotismo transfunde-se das mulheres para as coisas. Em numerosos passos, a sua poesia dovumenta uma agudeza sensorial que exige o ineditismo da imagem e da comparação. Algumas das suas inesperadas combinações não deixam de fazer pensar em tendências muito posteriores de poesia experimental. Gomes Leal apresenta-nos, assim, a mais requintada estética do verso seu contemporâneo em português. Há nele, aliás, amostras de tudo quanto os outros poetas portugueses do seu tempo variadamente tentaram; há ritmos fraseológicos já batidos, e há-os surpreendentes: narrações, descrições, enumerações, desdobramentos analógicos banais, mas também a expressão inexcedivelmente exacta dos mais variados tons de sensibilidade, que exife fartos elementos de uma escrita poética completamente nova no idioma. A contradição mais importante na sua poesia conciste em que nos sugere, sim, uma desconhecida animação do mundo objectivo e subjectivo, a riqueza de correspondências materiais e psiquícas, mas através de uma estilística e, em parte, através de uma linha de evolução ideológica que estão carregadas de sugestões, precisamente opostas, de catástrofe universal apocalíptica, de

degenerescência civilizacional, de submissão pessoal a forças ou ditames ocultos que, pretensamente, acabariam por dominar os homens. O mundo, tal como Gomes Leal o sente, parece radicalmente inumano por duas razões opostas mas concorrentes nisso: o seu alheamento fatal a qualquer animação, incluindo a animação do espírito humano (materialismo mecanicista, inspirado por certa divulgação da ciência, por certo darwinismo, pela crítica bílica de Renan, etc.); e a sua animação devida a uma vontade transcedente, a que só cumpre resignarmo-nos (concepção teológica ou ocultista). Gomes Leal utilizou uma linguagem de efeitos singulares, novas fontes inspiradoras e novos motivos de emoção e por causa disto e da da sua individualidade é considerado uma das quatro supremas glórias da poesia portuguesa.

BIBLIOGRAFIA: 1. MACHADO, Àlvaro Manuel (org., coord.), Dicionário da Literatura

Portuguesa, Lisboa, Ed. Presença, 1996. 2. SARAIVA, António José, LOPES, Óscar, História da Literatura

Portuguesa, 13.ª ed. rev., Porto, Porto Ed., 1985

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