REAGE, BRASIL! PEDRO SIMON - FOLHA SP, 170607 http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1706200709.htm Não creio que as mudanças venham de dentro para fora. Daí a conclamação. Que o povo brasileiro ocupe as ruas e exija mudanças de atitude
EU TIVE o cuidado, nesses dias, de reler os meus pronunciamentos, nos últimos 15 anos, sobre corrupção e desvios de recursos públicos. Fiquei, primeiramente, impressionado com a quantidade. Mas o que mais me impressionou nessa minha volta a um passado não tão recente é a atualidade de todos os meus discursos. Eu poderia escolher, aleatoriamente, qualquer um deles e repeti-lo, hoje. Mudaria o nome da operação da Polícia Federal ou o da CPI. O dos atores envolvidos, nem sempre. Imagine a implantação, como eu defendi, já em 1995, da chamada CPI dos Corruptores. Na verdade, ela se confundia com uma CPI das Empreiteiras, tão reclamada agora. A comissão morreu no nascedouro, pela falta de vontade dos partidos e dos líderes partidários de investigar os desvios que, já então, povoavam a imprensa. Se ela se concretizasse, não haveria hoje, quem sabe, necessidade da Operação Navalha, nem da Xeque-Mate, nem das outras operações e CPIs anteriores, como a dos Sanguessugas, a das Ambulâncias, a do Mensalão, a dos Correios, a Furacão, a Gafanhoto, a Matusalém, a Anaconda e tantas outras, com suas respectivas e criativas nomenclaturas. Não sei quantas operações ainda virão. Nem como se chamarão. Nem quantas CPIs ainda se instalarão. Nem como se comportarão. Espero que não se esgote a criatividade da PF. Nem as minhas esperanças. Não tenho nenhuma expectativa de que as mudanças que a população tanto reclama, em termos de valores e referências, venha a ser concretizada de
dentro para fora. As últimas pesquisas de opinião pública dão conta de que essa mesma população também não acredita mais nas suas instituições públicas. É que nunca, em nenhum momento da nossa história política, os três Poderes da República estiveram tão contaminados pela corrupção. Há um poder paralelo, que se entranha no Congresso, no Executivo e no Judiciário, que faz com que as instituições públicas percam a legitimidade diante da sociedade civil. É por isso que, apesar das nossas melhores intenções, não há que esperar, a partir do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, pelo menos no curto prazo, as mudanças políticas, obviamente no espaço democrático, que a sociedade tanto reclama. Ocorre que a realidade brasileira, hoje, tamanha a barbárie, não pode esperar mudanças além do curto prazo. E, aí, há que ter uma imensa mobilização de fora para dentro. É preciso que o povo seja, de fato, senhor da história. Sujeito, e não objeto. É preciso que a sociedade brasileira volte a exercitar a força das ruas. Um movimento, que poderia orientar-se sob o lema "Reage, Brasil". Ora, um país com tantas e tamanhas riquezas como o nosso não pode permanecer mergulhado na barbárie. Não pode conviver com a corrupção, com a miséria e a pobreza, com a violência, com o analfabetismo e com tão precárias condições de vida. Por isso, a conclamação. Que a população brasileira ocupe, de novo, de maneira pacífica e democrática, as ruas e exija mudanças de atitude dos gestores da coisa pública, em todos os níveis. Que reclame por uma reforma política que legitime, verdadeiramente, as suas instituições democráticas. Que imponha o término da corrupção. Que obrigue o fim da impunidade, principalmente para quem se locupleta com o sagrado dinheiro público. Que reconstrua um Estado em novas bases, verdadeiramente voltado para a democracia, a soberania e a cidadania.
E que as leis busquem, de fato, o interesse coletivo, e não a sanha perversa de alguns. E que todos sejam iguais perante a lei, como determina a nossa Constituição Federal. Ainda está presente na nossa memória o movimento das Diretas-Já, que marcou um dos momentos mais sublimes da nossa história e deu suporte para a abertura política e o resgate das liberdades democráticas. Quem não se lembra dos jovens caras-pintadas, movimento que também ocupou as ruas de todo o país na luta contra a corrupção? Quem não se lembra de tantos outros momentos em que a sociedade ditou, verdadeiramente, os melhores rumos para a construção da história do país? É hora de a sociedade organizada reagir. A partir dos movimentos das igrejas, das escolas, das famílias, dos sindicatos, das organizações de classe. Reagir, em todos os sentidos da palavra e da ação: de demonstrar reação, de protestar, de se opor, de lutar, de resistir. De agir, de novo. A decência vai aonde o povo está. PEDRO SIMON , 77, advogado, é senador da República pelo PMDB-RS. Foi líder do governo no Senado Federal (governo Itamar Franco), governador do Rio Grande do Sul (1987-91) e ministro da Agricultura (governo Sarney).