RITA DE CÁSSIA R. TARIFA ESPOLADOR DANIELA BRAGA PAIANO
QUESTÕES ATUAIS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS À LUZ DO BIODIREITO discussões sobre negócios biojurídicos
1ª Edição Londrina/PR 2019
© Direitos de Publicação Editora Thoth. Londrina/PR. www.editorathoth.com.br
[email protected] Diagramação e Capa: Editora Thoth e Nabil Slaibi Revisão: os autores. Editor chefe: Bruno Fuga Coordenador de Produção Editorial: Thiago Caversan Antunes Conselho Editorial
Prof. Me. Bruno Augusto Sampaio Fuga Prof. Me. Thiago Caversan Antunes Prof. Dr. Clodomiro José Bannwart Junior Prof. Me. Thiago Moreira de Souza Sabião Prof. Me. Tiago Brene Oliveira Prof. Dr. Zulmar Fachin Prof. Me. Anderson de Azevedo Prof. Me. Ivan Martins Tristão Prof. Dr. Osmar Vieira da Silva Profª. Dr. Deise Marcelino da Silva Prof. Me. Erli Henrique Garcia Prof. Me. Smith Robert Barreni Profª. Dra. Marcia Cristina Xavier de Souza Prof. Dr. Thiago Ribeiro de Carvalho Prof. Dr. Carlos Alexandre Moraes
Prof. Dr. Flávio Tartuce Prof. Dr. Zulmar Fachin Prof. Dr. Celso Leopoldo Pagnan Prof. Dr. Fábio Fernandes Neves Benfatti Prof. Dr. Elve Miguel Cenci Prof. Dr. Bianco Zalmora Garcia Esp. Rafaela Ghacham Desiderato Profª. Dr. Rita de Cássia R. Tarifa Espolador Prof. Me. Daniel Colnago Rodrigues Prof. Dr. Fábio Ricardo R. Brasilino Me. Aniele Pissinati Prof. Dr. Gonçalo De Mello Bandeira (Port.) Prof. Me. Arhtur Bezerra de Souza Junior Prof. Me. Henrico Cesar Tamiozzo
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Q5 Questões atuais dos negócios jurídicos à luz do biodireito: discussões sobre negócios biojurídicos/ [organizadoras] Rita de Cássia R. Tarifa Espolador, Daniela Braga Paiano. – Londrina, PR: Thoth, 2019. 183 p. Inclui bibliografias. ISBN 978-85-94116-41-3 1. Direito e biologia. 2. Genética humana – Legislação. 3. Bioética. I. Espolador, Rita de Cássia R. Tarifa. II. Paiano, Daniela Braga. CDD 340.112 Ficha Catalográfica elaborada pela bibliotecária Rafaela Ghacham Desiderato CRB 14/1437 Índices para catálogo sistemático 1. Direito - Ética : 340.112 2. Bioética : 174.957 Proibida a reprodução parcial ou total desta obra sem autorização. Todos os direitos desta edição reservardos pela Editora Thoth. A Editora Thoth não se responsabiliza pelas opiniões emitidas nesta obra por seu autor.
PREFÁCIO Apresento-lhes obra organizada pelas professoras Rita de Cássia Resquetti Tarifa Espolador e Daniela Braga Paiano, composta por diversos artigos, em sua maioria produzidos como resultado do profícuo debate travado durante as aulas da disciplina “Contratos Pós-Modernos”, do Programa de Mestrado em Direito Negocial da Universidade Estadual de Londrina. A temática da obra converge para questões atinentes aos negócios jurídicos relacionados à Bioética e ao Biodireito, assunto de extrema relevância que vem despontando nos últimos anos como objeto de investigação de um número significativo de pesquisadores preocupados com as novas faces da ciência. Em um passado não tão distante seria obra de ficção colocar a pergunta acerca do que fazer com embriões excedentes. Hoje, porém, o que era futuro se faz presente e desafia o universo jurídico a também oferecer respostas para questões por natureza controversas. É o que faz com muita competência, por exemplo, a primeira organizadora por intermédio do seu projeto de pesquisa. A presente obra materializa a produção acadêmica dos autores acerca das “Questões atuais dos negócios jurídicos à luz do biodireito: discussões sobre negócios biojuridicos”. Os diversos textos mostram o empenho coletivo para abordar temas instigantes, que revelam a necessidade de discussão do Direito Civil numa perspectiva diferenciada, contextualizando os princípios clássicos e contemporâneos nos contratos e outras modalidades negociais que demandam uma interpretação inovadora. No capítulo “Reproducão Humana Assistida e o destino dos embriões em caso de separação conjugal: um estudo a luz dos princípios da parentalidade responsável e planejamento familiar como forma de efetivação da dignidade humana”, de Ana Flavia Terra Alves Mortati e Maiara Santana Zerbini, as técnicas reprodutivas são analisadas à luz da principiologia civil-familiar. Na sequência, Aracelli Mesquita Bandolin Bermejo perscruta com muita propriedade “ A Validade do Contrato de Gestação Substitutiva ou Contratos Gestacionais sob o enfoque de seu objeto”.
Bianca da Rosa Bittencourt e Joice Duarte Gonçalves Bergamaschi, no capitulo “Interpretação dos Contratos de Gestação por Substituição”, seguem na mesma linha, tratando com maestria os negócios jurídicos gestacionais. Gabriela Stefania Batista Ferreira, por sua vez, apresenta o principio da solidariedade em “A tutela da coletividade por meio da proteção aos direitos da personalidade: um olhar contemporâneo a solidariedade”. No capitulo 5, Rita de Cássia Resquetti Tarifa Espolador e Juliana Carvalho Pavão trazem a necessária discussão acerca da “Evolução dos Negócios Jurídicos”. Luana da Costa Leão apresenta texto aprofundado envolvendo o testamento vital, intitulado “O mandato duradouro nas diretivas antecipadas de vontade enquanto negócio biojuridico”. Ainda trilhando o mesmo caminho, Silvana Fátima Troca apresenta “Interpretação dos negócios biojurídicos à luz dos referenciais bioéticos: uma análise crítica”. Os professores Ana Claudia Corrêa Zuin Mattos do Amaral e Renê Chiquetti Rodrigues trazem questão relevantíssima, tratada com muito êxito em “ O Direito a morte digna e a inviolabilidade do direito a vida: a possibilidade de uma leitura constitucional.” Por fim, Alessandra Depieri Viegas encerra as discussões, em “O paradigma pós modernos e o poder de autodeterminação: uma analise do caso do bebe Charlie Gard. Aproveitem a leitura!
Elve Miguel Cenci Coordenador do Programa de Mestrado em Direito Negocial da Universidade Estadual de Londrina
SOBRE AS ORGANIZADORAS RITA DE CÁSSIA RESQUETTI TARIFA ESPOLADOR Doutora em Direito pela Universidade Federal do Paraná. Mestre em Direito Negocial pela Universidade Estadual de Londrina. Professora do Mestrado em Direito Negocial e da Graduação da Universidade Estadual de Londrina. E-mail:
[email protected] DANIELA BRAGA PAIANO Doutora em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Mestre pela Universidade de Marília. Professora da Graduação da Universidade Estadual de Londrina e Professora convidada na PósGraduação da Universidade Estadual de Londrina e outras instituições. Advogada. E-mail:
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SOBRE OS AUTORES ALESSANDRA DEPIERI VIEGAS Mestre em Direito Negocial na Universidade Estadual de Londrina. Pósgraduada em Direito Civil e Processo Civil pela Universidade Estadual de Londrina. Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. E-mail:
[email protected] ANA CLÁUDIA CORRÊA ZUIN MATTOS DO AMARAL Doutora em Direito Civil Comparado pela PUC/SP. Mestre em Direito Negocial pela Universidade Estadual de Londrina/PR. Professora e pesquisadora do Programa de Mestrado em Direito Negocial da Universidade Estadual de Londrina/PR. E-mail:
[email protected]. ANA FLÁVIA TERRA ALVES MORTATI Mestranda em Direito Negocial pela Universidade Estadual de Londrina/ PR – UEL. Assistente I de Juiz de Direito, vinculada ao Tribunal de Justiça do Paraná. E-mail:
[email protected]. ARACELLI MESQUITA BANDOLIN BERMEJO Mestre em Direito Negocial da Universidade Estadual de Londrina. Bolsista CAPES. E-mail:
[email protected] BIANCA DA ROSA BITTENCOURT Mestranda em Direito Negocial pela Universidade Estadual de Londrina UEL. Docente. E-mail:
[email protected]. GABRIELA STEFANIA BATISTA FERREIRA Mestre pelo programa de Mestrado em Direito Negocial da Universidade Estadual de Londrina, pós-graduada em nível de especialização em Direito do
Estado pela Universidade Estadual de Londrina, e-mail: gabrielastefania_@ hotmail.com. JOICE DUARTE GONÇALVES BERGAMASCHI Mestranda em Direito Negocial pela Universidade Estadual de Londrina UEL. Bolsista CAPES. E-mail:
[email protected] JULIANA CARVALHO PAVÃO Mestranda em Direito Negocial pela Universidade Estadual de Londrina. Pós-graduanda em Direito Civil e Processo Civil pela Universidade Estadual de Londrina. Advogada. E-mail:
[email protected] LUANA DA COSTA LEÃO Mestre em Direito Negocial pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Advogada. E-mail:
[email protected] MAIARA SANTANA ZERBINI Mestre em Direito Negocial pela Universidade Estadual de Londrina/PR – UEL, bolsista CAPES. Pós-Graduada em Direito e Processo Civil pela Universidade Estadual de Londrina/PR – UEL. E-mail: maiaraszsantana@ gmail.com RENÊ CHIQUETTI RODRIGUES Mestre em Direito das Relações Sociais na Universidade Federal do Paraná na linha de pesquisa “Novos Paradigmas do Direito” (bolsista CAPES). Especialista em Filosofia Moderna e Contemporânea: Aspectos Éticos e Políticos pela Universidade Estadual de Londrina e em Direito Constitucional Contemporâneo pelo Instituto de Direito Constitucional e Cidadania. Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Londrina. e-mail:
[email protected]. RITA DE CÁSSIA RESQUETTI TARIFA ESPOLADOR Doutora em Direito pela Universidade Federal do Paraná. Mestre em Direito Negocial pela Universidade Estadual de Londrina. Professora do Mestrado em Direito Negocial e da Graduação da Universidade Estadual de Londrina. E-mail:
[email protected]
SILVANA FÁTIMA TROCA Pós-graduada em Estudo da Gramática da Língua Portuguesa pela Universidade do Oeste Paulista. Pós-graduada em Gestão e Planejamento Tributário pela Fundação Getúlio Vargas. Pós-graduada em Direito Aplicado pela Escola da Magistratura do Paraná/ Núcleo de Londrina. Graduada em Direito pela Universidade Estadual de Londrina. Graduada em Medicina pela Universidade Estadual de Londrina. E-mail:
[email protected]
SUMÁRIO PREFÁCIO���������������������������������������������������������������������������������������������������������5 SOBRE AS ORGANIZADORAS������������������������������������������������������������������7 SOBRE OS AUTORES������������������������������������������������������������������������������������9 CAPÍTULO 1 Ana Flávia Terra Alves Mortati Maiara Santana Zerbini REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA E O DESTINO DOS EMBRIÕES EM CASO DE SEPARAÇÃO CONJUGAL: UM ESTUDO À LUZ DOS PRINCÍPIOS DA PARENTALIDADE RESPONSÁVEL E PLANEJAMENTO FAMILIAR COMO FORMA DE EFETIVAÇÃO DA DIGNIDADE HUMANA��������������������������������������������������������������������� 17 Introdução ���������������������������������������������������������������������������������������������������� 17 1 Panorama fático acerca da destinação dos embriões em caso de separação conjugal���������������������������������������������������������������������������������������� 18 2 Reprodução humana assistida e o termo de consentimento livre e esclarecido������������������������������������������������������������������������������������������������������ 21 3 Da necessária releitura das técnicas de reprodução humana assistida à luz dos princípios da parentalidade responsável e do planejamento familiar como forma de efetivação da dignidade humana���������������������� 27 Conclusão������������������������������������������������������������������������������������������������������� 30 Referências����������������������������������������������������������������������������������������������������� 31 CAPÍTULO 2 Aracelli Mesquita Bandolin Bermejo A VALIDADE DO CONTRATO GESTAÇÃO SUBSTITUTIVA OU CONTRATOS GESTACIONAIS SOB O ENFOQUE DO SEU OBJETO����������������������������������������������������������������������������������������������������������� 33 Introdução������������������������������������������������������������������������������������������������������ 33 1 As implicações jurídicas e normatização da gestação por substituição������������������������������������������������������������������������������������������������������������������ 34 2 Breves considerações sobre os elementos de existência, validade, eficácia do negócio jurídico������������������������������������������������������������������������� 37 3 A validade do contrato gestação substitutiva ou contratos gestacionais sob o enfoque do seu objeto ���������������������������������������������������������������������� 40
Conclusão�������������������������������������������������������������������������������������������������������43 Referências�����������������������������������������������������������������������������������������������������45 CAPÍTULO 3 Bianca da Rosa Bittencourt Joice Duarte Gonçalves Bergamaschi INTERPRETAÇÃO DOS CONTRATOS DE GESTAÇÃO POR SUBSTITUIÇÃO��������������������������������������������������������������������������������������������47 Introdução ����������������������������������������������������������������������������������������������������47 1 A interpretação dos negócios jurídicos na pós modernidade�������������48 2 O contrato de gestação por substituição�����������������������������������������������51 3 O contrato de gestação por substituição no direito comparado��������54 4 Interpretação dos conflitos oriundos dos contratos de gestação por substituição����������������������������������������������������������������������������������������������������57 Conclusão�������������������������������������������������������������������������������������������������������61 Referências�����������������������������������������������������������������������������������������������������63 CAPÍTULO 4 Gabriela Stefania Batista Ferreira A TUTELA DA COLETIVIDADE POR MEIO DA PROTEÇÃO AOS DIREITOS DA PERSONALIDADE: UM OLHAR CONTEMPORÂNEO À SOLIDARIEDADE�����������������������������������������67 Introdução���������������������������������������������������������������������������������������������������������67 1 Direitos da personalidade: uma análise morfológica ��������������������������68 2 O arquétipo classicista da tutela dos direitos da personalidade����������72 3 Um olhar contemporâneo: a tutela personalíssima na perspectiva da solidariedade��������������������������������������������������������������������������������������������������75 4 A defesa da coletividade por meio da proteção aos direitos da personalidade�������������������������������������������������������������������������������������������������79 Conclusão�������������������������������������������������������������������������������������������������������82 Referências ����������������������������������������������������������������������������������������������������83 CAPÍTULO 5 Juliana Carvalho Pavão Rita De Cássia Resquetti Tarifa Espolador EVOLUÇÃO DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS����������������������������������������85 Considerações iniciais��������������������������������������������������������������������������������������85 1 Evolução histórica no contexto internacional������������������������������������������86 2 Constitucionalização do direito civil no Brasil�����������������������������������������89 3 Negócios jurídicos existenciais.............................................................������91 4 Negócios biojurídicos�����������������������������������������������������������������������������������94 Conclusão����������������������������������������������������������������������������������������������������������98 Referências �������������������������������������������������������������������������������������������������������98
CAPÍTULO 6 Luana da Costa Leão O MANDATO DURADOURO NAS DIRETIVAS ANTECIPADAS DE VONTADE ENQUANTO NEGÓCIO BIOJURÍDICO �����������101 Introdução����������������������������������������������������������������������������������������������������101 1 Os negócios biojurídicos: novos paradigmas diante da acepção existencial do negócio jurídico������������������������������������������������������������������102 2 As diretivas antecipadas de vontade�����������������������������������������������������106 3 O mandato duradouro como negócio biojurídico existencial: natureza e limites���������������������������������������������������������������������������������������������������������114 Conclusão�����������������������������������������������������������������������������������������������������116 Referências���������������������������������������������������������������������������������������������������117 CAPÍTULO 7 Silvana Fátima Troca A INTERPRETAÇÃO DOS NEGÓCIOS BIOJURÍDICOS À LUZ DOS REFERENCIAIS BIOÉTICOS: UMA ANÁLISE CRÍTICA���121 Introdução����������������������������������������������������������������������������������������������������121 1 Os negócios jurídicos������������������������������������������������������������������������������122 1.1 Os negócios biojurídicos�������������������������������������������������������������������126 2 A bioética e a sua relação com os negócios biojurídicos�������������������128 2.1 Os referenciais bioéticos clássicos���������������������������������������������������132 2.1.1 O princípio da beneficência e não maleficência........................132 2.1.2 O Princípio da Autonomia...........................................................133 2.1.3 O princípio da justiça.....................................................................135 3 A necessária interpretação sistemática dos negócios biojurídicos���138 Conclusão�����������������������������������������������������������������������������������������������������143 Referências ��������������������������������������������������������������������������������������������������145 CAPÍTULO 8 Ana Cláudia Corrêa Zuin Mattos do Amaral Renê Chiquetti Rodrigues O DIREITO À MORTE DIGNA E A INVIOLABILIDADE DO DIREITO À VIDA: A POSSIBILIDADE DE UMA LEITURA CONSTITUCIONAL����������������������������������������������������������������������������������149 Introdução����������������������������������������������������������������������������������������������������150 1 A interrupção da vida humana como crime����������������������������������������151 2 A dignidade humana como fundamento hermenêutico necessário e inafastável�����������������������������������������������������������������������������������������������������153 3 A inviolabilidade do direito à vida como impedimento jurídico ao direito à morte digna����������������������������������������������������������������������������������154 4 A autonomia privada como conteúdo do inviolável direito à liberdade ������������������������������������������������������������������������������������������������������������������159 5 Uma possível leitura hermenêutico-constitucional alternativa���������160 Considerações finais�����������������������������������������������������������������������������������161 Referências bibliográficas��������������������������������������������������������������������������163
CAPÍTULO 9 Alessandra Depieri Viegas O PARADIGMA PÓS-MODERNO E O PODER DE AUTODETERMINAÇÃO: UMA ANÁLISE AO CASO DO BEBÊ CHARLIE GARD��������������������������������������������������������������������������������������������165 Introdução����������������������������������������������������������������������������������������������������������165 1 O caso do bebê Charlie Gard: �����������������������������������������������������������������167 2 A superação do paradigma clássico da relação jurídica para o período pós moderno da situação jurídica: uma análise a autonomia privada e autodeterminação�������������������������������������������������������������������������������������������171 2.1 O paradigma da relação jurídica����������������������������������������������������������171 2.2 A transformação do paradigma clássico-liberal do fenômeno jurídico pela relevância da situação jurídica ����������������������������������������������������������173 2.3 Considerações acerca do conceito de autonomia privada e autodeterminação����������������������������������������������������������������������������������������175 3 A autodeterminação do bebê: caberia aos pais, aos médicos ou ao poder judiciário?��������������������������������������������������������������������������������������������������������177 Conclusão��������������������������������������������������������������������������������������������������������182 Referências bibliográficas�����������������������������������������������������������������������������183
CAPÍTULO 1 REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA E O DESTINO DOS EMBRIÕES EM CASO DE SEPARAÇÃO CONJUGAL: UM ESTUDO À LUZ DOS PRINCÍPIOS DA PARENTALIDADE RESPONSÁVEL E PLANEJAMENTO FAMILIAR COMO FORMA DE EFETIVAÇÃO DA DIGNIDADE HUMANA ANA FLÁVIA TERRA ALVES MORTATI Mestranda em Direito Negocial pela Universidade Estadual de Londrina/PR – UEL. Assistente I de Juiz de Direito, vinculada ao Tribunal de Justiça do Paraná. E-mail:
[email protected]. MAIARA SANTANA ZERBINI Mestre em Direito Negocial pela Universidade Estadual de Londrina/PR – UEL, bolsista CAPES. Pós-Graduada em Direito e Processo Civil pela Universidade Estadual de Londrina/PR – UEL. E-mail: maiaraszsantana@ gmail.com
INTRODUÇÃO As técnicas de reprodução humana assistida representam um dos avanços biotecnológicos mais significativos para a espécie humana, vez que permite sua procriação a despeito das barreais naturais, sejam estas biológicas ou temporais. Desse modo, é dada ao ser humano a faculdade de reproduzir-
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se em laboratório, o que lhe confere maiores possibilidades de planejamento social. Contudo, referidas técnicas trazem em seu bojo diversas consequências para as quais o âmbito jurídico – e também ético – não encontrou soluções pacíficas, havendo a necessidade de conjecturar-se as estruturas existentes a fim de sanar as problemáticas aparentes. Neste cenário, insere-se a questão atinente ao destino conferido aos embriões em caso de separação conjugal, quando não há consenso entre os genitores. Para tanto, importa analisar quais casos já foram objeto de julgamento neste sentido, bem como a previsão de regulamentos referentes à esta situação. Ademais, importa verificar a incidência dos princípios da parentalidade responsável, bem como planejamento familiar enquanto instrumentos balizadores dos interesses envolvidos, buscando-se solução que mais se coaduna com o ordenamento jurídico brasileiro e os valores que o informam.
1 PANORAMA FÁTICO ACERCA DA DESTINAÇÃO DOS EMBRIÕES EM CASO DE SEPARAÇÃO CONJUGAL Em razão da temática abordada, seja pela complexidade da situação fática, seja pela coligação da ciência médica e jurídica, evidencia-se o apelo à explanação de casos concretos. Compreender a extensão de reflexos que decorrem das técnicas de reprodução humana assistida, bem como as esferas jurídicas que mencionado procedimento alcança mostra-se indispensável para o desenvolvimento salutar do presente estudo. Em linhas gerais, as técnicas de reprodução humana assistida possuem, essencialmente, o papel de auxiliar na resolução dos problemas referentes à procriação da espécie humana. Neste cenário, evidencia-se que a técnica de criação do ser humano em laboratório entusiasmou a embriologia, caracterizando-se como desafio para a ciência jurídica em decorrência dos problemas ético jurídicos dela advindos (DINIZ, 2011, p. 521). Sob o prisma jurídico há a necessidade de alcançar essas situações jurídicas subjetivas1 advindas dos termos pactuados quando da realização de 1. Para Pietro Perlingieri (2002, p. 105-106) as situações jurídicas subjetivas devem ser conceituadas sob diversos aspectos concorrentes. Concebida com o intuito de dar forma conceitual a comportamentos, toda situação jurídica encontra a sua concepção em um fato, voluntário ou natural, juridicamente relevante. Assim, fazem parte de seu conceito geral, por exemplo, o direito subjetivo, o poder jurídico (potestà), o interesse legítimo, a obrigação, o ônus, etc. Francisco Amaral (2014, p. 236) ao delimitar as situações jurídicas também indica estas se correlacionam a determinadas situações ou comportamentos, as quais são qualificadas ou legitimadas pelo direito. Para ele, as situações jurídicas consistem uma categorial geral e
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tal procedimento médico. Isto porque, conforme será observado na análise de caso, as vicissitudes que se transcorrem ao longo desses procedimentos, muitas vezes, podem resultar no conflito de direitos e interesses2 das partes envolvidas. Outrossim, a elaboração, na maioria das vezes, de termos simples, com cláusulas padrões, omissas e dúbias, bem como o não acompanhamento de especialistas, tanto da área médica, como jurídica, ocasionam acordos obscuros e ineficazes. É preciso cautela, pois não se pode olvidar que tais situações jurídicas subjetivas estão muito além da finalidade de conceber uma vida, mas de idealizá-la com base nos preceitos dignos e fundamentais que o ordenamento jurídico determina. Nessa acepção, com relação à técnica de fertilização in vitro3, por exemplo, podem decorrer indagações atinentes ao direito de disposição do material genético fertilizado ou mesmo quanto ao destino conferido aos embriões resultantes deste procedimento, na falta de anuência de um dos consortes (DINIZ, 2011, p. 539). Assim, cumpre mencionar alguns dos casos paradigmáticos que envolveram a problemática ora analisada, o que demonstra, inclusive, a recorrência das divergências de posicionamentos havidos quanto à solução conferida ao destino dos embriões excedentários em caso de separação conjugal. A princípio, merece destaque a situação de Natallie Evans, que ficou infértil após o tratamento de câncer por ela realizado. Evans buscou, por meio do poder judiciário, a possibilidade de utilizar os embriões decorrentes da técnica de reprodução humana assistida na constância da sociedade conjugal com seu então companheiro, Howard Johnston. A necessidade da busca da tutela jurisdicional se deu em razão do fato de que, após a separação do casal, o companheiro retirou o consentimento para utilização dos embriões. abrangente, que apresenta as diversas manifestações de poder e dever contidas em uma relação jurídica, como direito subjetivo e o dever jurídico, etc. 2. O interesse jurídico se configura como substrato do direito subjetivo, designando uma situação de vantagem, posição favorável à satisfação de uma necessidade. Diferencia-se do direito subjetivo, não dependendo do titular, mas de outra situação mais proeminente e do comportamento discricionário de um sujeito diverso (AMARAL, 2014, p. 257-258). 3. Segundo Valéria Silva Galdino Gardin (2015, p. 41-42) entende-se reprodução humana assistida como o conjunto de técnicas que possibilitam a fecundação humana. As técnicas mais conhecidas são a inseminação artificial e a fecundação/fertilização in vitro. A primeira distinguese da segunda em razão do fato de que, nesta última, a fecundação ocorre em laboratório por posterior implantação do embrião ao passo em que, na primeira, o procedimento se dá dentro do corpo da mulher.
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As leis vigentes no Reino Unido há época – local em que o caso foi inicialmente julgado - exigia o consentimento do casal para utilização dos embriões, permitindo ainda que qualquer das partes retirasse dito consentimento até a implantação dos embriões. Embora os referidos embriões fossem a chance mais remota de Natallie tornar-se mãe biológica de outrem, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos decidiu pela impossibilidade de sua utilização, sob o argumento de que o direito a uma vida familiar, consagrado no artigo oitavo da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, não poderia ignorar a retirada do consentimento de Johnston, o qual não poderia ser substituído (BBC, 2017). Situação semelhante e, inclusive, com o mesmo desfecho, ocorreu com Lorraine Hadley, que congelou dois embriões com material genético de seu ex-marido, Wayne Hadley. A mulher em questão adquiriu disfunções biológicas relacionadas à esterilidade e teve negado seu pedido de utilização dos embriões, em razão da ausência de concordância do marido, que, para tanto, afirmou não ter o interesse no nascimento de um(a) filho(a) do casal depois da separação conjugal (BBC, 2017). Ainda, merece destaque o caso da médica Mimi C. Lee que, também vítima de câncer, optou por realizar fertilização in vitro com o material genético de seu então companheiro, Stephen Findley. Após a separação do casal, Lee manifestou-se pela utilização dos embriões. Contudo, seu exmarido ingressou com uma ação visando impedir dito procedimento. As alegações de Mimi foram no sentido de que a utilização dos embriões deveria ser permitida em decorrência das razões que ensejaram a adoção da prática da reprodução humana assistida, isto é, risco de a médica não poder engravidar naturalmente após o tratamento de câncer ao qual iria submeter-se. Todavia, Stephen, ao postular a não utilização dos embriões, aduziu que o interesse de possuir filhos em comum não mais existia, hipótese inclusive prevista em documento por eles subscrito no sentido de que ditos embriões fossem destruídos em caso de separação conjugal. Na decisão referente ao caso, entendeu-se pela preservação das intenções das partes no momento em que optaram pela possibilidade de destruição dos embriões, caso houvesse divórcio (LOS ANGELES TIMES, 2017). Sobre a análise dos casos envolvendo o destino dos embriões, importa mencionar a decisão havida no processo judicial entre a atriz colombiana Sofía Vergara e Nick Loeb. Na demanda em questão, Loeb pretendia o
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que se chamou de custódia exclusiva de dois embriões fecundados com o material genético de ambos. Contudo, segundo consta, a pretensão foi indeferida por uma questão processual, já que o juiz responsável pelo caso entendeu não ser competente para julgamento da demanda. Isto porque, a ação foi ajuizada em estado diverso daquele no qual os embriões foram fecundados e encontram-se atualmente congelados (JORNAL DE NOTÍCIAS, 2017). Do panorama fático exposto, observa-se que, embora haja certa unanimidade quanto ao destino dos embriões em caso de separação conjugal, os contratos firmados quando da utilização das técnicas de reprodução humana assistida, por si só, revelam-se insuficientes para solução dos conflitos deles decorrentes. As várias demandas judiciais ajuizadas mundialmente indicam a possibilidade da existência de inúmeras interpretações concernentes à possibilidade ou não de realização do projeto de parentalidade responsável de um dos cedentes do material genético. Por esta razão, impõe-se uma releitura das técnicas de reprodução humana assistida, sopesadas nos princípios da parentalidade responsável e planejamento familiar, consequentemente, uma reestruturação na fase pré-contratual com o intuito de trazer efetividade e proteção jurídica a todas as partes envolvidas.
2 REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA E O TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO A necessidade de delimitar um olhar jurídico mais atento para as técnicas de reprodução humana assistida justificam-se na função que o Direito exerce frente à sociedade, uma vez que este deve tutelar a situação jurídica que se evidencia. Sabe-se que tais procedimentos tem o condão de efetivar o direito de planejamento familiar, evidentemente, responsável. Além disso, ao Direito cabe a função de resguardar também as demais previsões normativas envolvidas, como por exemplo, a dignidade da pessoa humana, os direitos da personalidade, a própria projeção da expectativa vivenciada, a qual está reconhecida através do princípio da solidariedade. O que se observa é a existência de um paralelo de aspectos positivos e negativos, que devem ser harmonizados pelo Direito, quando da elaboração do termo de consentimento, com o intuito de evitar conflitos posteriores. A Ciência constitui uma das expressões mais elevadas no conhecimento humano, motivo pelo qual deve ter liberdade suficiente para avançar nos diversos campos em que atua. A melhoria da qualidade de vida
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da população na sociedade moderna está, em grande medida, atrelada à promoção dos progressos científicos e técnicos (ANDORNO, 2009, p. 78). Atesta-se que “o acúmulo de descobertas feitas pelo ser humano gera o progresso científico, tendo em vista que uma descoberta em determinada área do conhecimento, necessariamente interfere nas demais” (SILVA, 2012, p. 34). Desta forma, verifica-se que a realidade social encontra-se em constante transformação de acordo com as necessidades apresentadas e as soluções buscadas para saná-las, o que é feito como desdobramento da Ciência. Referida afirmação reflete, inclusive, a realidade do desenvolvimento das técnicas de reprodução humana assistida que se deu, sobretudo, diante das questões de infertilidade e esterilidade que assolam a Humanidade, posto que a reprodução “representa etapa fundamental no clico da vida dos seres vivos” (MARINHO, 2010, p.17). Neste âmbito, cumpre destacar que a reprodução natural exige algumas condições biológicas necessárias para a fecundação, a qual se dá pela união das células germinais que constituem os gametas (óvulos e espermatozoides). Estes possuem metade do número de cromossomos existentes nas células somáticas (aquelas que constituem o corpo humano, tendo em seu núcleo as informações genéticas distribuídas em quarenta e seis pares de cromossomos), resultando no ovo ou zigoto (MARINHO, 2010, p.18). No entanto, podem surgir problemas no processo de reprodução natural, dentre os quais merecem destaque a esterilidade e a infertilidade. A primeira representa a incapacidade definitiva e irreversível de procriação, sendo impraticável o uso de algumas técnicas artificiais de reprodução. A infertilidade, no entanto, é considerada uma esterilidade relativa por representar uma hipofertilidade. Neste caso, a pessoa possui as células germinativas necessárias para procriação e desenvolvimento do embrião e do feto, demonstrando, no entanto, dificuldades para que a reprodução ocorra naturalmente (MARINHO, 2010, p.19). Diante disso, a importância do desenvolvimento das técnicas de reprodução humana assistida insere-se no contexto de que “a reprodução representa, para todo ser vivo, a continuidade de sua espécie, a perpetuação no mundo de seu patrimônio genético e, para o Homem, a perpetuação de seu nome, tradição e valores” (MARINHO, 2010, p.17). A incapacidade de procriar constitui para muitos uma prolongada crise na vida e este estresse resulta em morbidade emocional e problemas interpessoais. O desejo da prole pode ser um instinto herdado, e a reprodução
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como um objetivo essencial da vida torna-se implícito já nos primórdios dos processos de socialização (...). Pelo exposto observa-se que o desejo de ter filhos é uma aspiração legítima do casal, sendo incontestável. Porém, um em cada seis casais no mundo ocidental apresenta problemas de fertilidade e para 20% desses, o único modo de tratamento é a reprodução assistida (PETRACCO, 2004, p. 01).
Em razão disso, defende-se a existência de direitos reprodutivos e sexuais que consistem no reconhecimento do direito básico de todos os casais e indivíduos decidirem livre e responsavelmente o número de filhos, o espaçamento dos nascimentos e o intervalo entre eles, e a dispor da informação e dos meios necessários para tanto (DINIZ, 2011. p. 135). Maria Helena (2011, p. 136-137) afirma que o planejamento familiar responsável é um direito reprodutivo, constituindo um direito humano básico reconhecido pela Organização das Nações Unidas (ONU), na Resolução de 1968, e pela Constituição Federal Brasileira (CF), em seu art. 226, §7º, “sendo, com base nos princípios do respeito à dignidade humana e da paternidade responsável, um paradigma da política populacional”. Desta forma, o direito ao planejamento familiar encontra nas técnicas de reprodução humana assistida “o campo de debate fértil sobre o ‘direito de procriação’ em sentido estrito” (BARBOZA, 2004, p. 163). Isto porque, no momento em que não há a procriação natural, decorrente da relação sexual, pode-se recorrer a uma das técnicas de concepção para se ter um filho. Todos têm direito à concepção e à descendência (CF; arts. 5º, L, 7º, XVIII, XIX e XXV, 208, e 226, §7º; CC, art. 1.565, §2º; Lei n. 9.263/96), podendo exercê-lo por via de ato sexual ou fertilização assistida, em caso de infertilidade. O casal estéril tem direito à filiação por meio de reprodução assistida (...). Apesar de a infertilidade ser um problema de saúde pública, os órgãos públicos nunca elaboraram um programa de terapia para casais sem filhos, solucionando crises de autoestima, angústias ou ansiedades, que podem causar abalo conjugal, nem os planos de saúde cobrem seus tratamentos (DINIZ, 2011, p. 137).
Vale ressaltar, porém, que ao mesmo tempo em que as técnicas de reprodução humana assistida trazem consigo uma maneira de efetivar o direito ao planejamento familiar responsável, também são eivadas de ponderações peculiares acerca de suas consequências. Os pais devem, também, sopesar os interesses da criança que, ao nascer, deve encontrar um ambiente familiar saudável para que se desenvolva.
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Neste sentido, Heloisa Helena Barboza afirma que a admissão do direito à procriação possui aspectos positivos e negativos, não tendo caráter absoluto: A corrente que afirma ser duvidosa a existência de um direito à procriação enfatiza que, a ser admitido, tal direito não poderá ser absoluto, estando sempre limitado pelos direitos da criança por nascer, fundamentalmente por seu direito à dignidade e à formação de sua personalidade no seio de uma família (...) (BARBOZA, 2004, p. 159-160).
Por oportuno, cumpre mencionar que a reprodução humana assistida, representando aqui uma das formas de manifestação do desenvolvimento biotecnológico, circunscreve-se de outras polêmicas dentre as quais se destacam as decorrentes da inseminação artificial e da fertilização in vitro, sobretudo no que diz respeito ao destino conferido aos embriões em caso de separação conjugal, objeto do presente estudo. Em que pese as explanações feitas alhures, merece maior atenção o estudo da técnica de reprodução humana assistida que se utiliza da fertilização in vitro já que a problemática do destino dos embriões e, consequentemente, o objeto de estudo do presente trabalho, se relaciona diretamente com esta última. Referida técnica é fruto da atividade científica desenvolvida pela moderna embriologia médica e ocorreu com sucesso, pela primeira vez, em 26 de julho de 1978. Na ocasião se extraiu de Lesley Brown, estéril por obstrução das trompas de Falópio, um óvulo maduro, que, “em condições químicas e termostáticas adequadas e controladas eletronicamente” (DINIZ, Maria Helena, 2011, p. 537), foi fecundado em tubo de ensaio com o sêmen de seu marido. A ectogênese ou a fertilização in vitro concretiza-se pelo método ZIFT (Zibot Intra Fallopian Tranfer), que consiste na retirada do óvulo da mulher para fecundá-lo na proveta, com sêmen do marido ou de outro homem, para depois introduzir o embrião no seu útero ou no de outra (DINIZ, Maria Helena, 2011, p. 520). Como se percebe, a fertilização in vitro é uma técnica capaz de reproduzir artificialmente o ambiente da trompa de Falópio, onde a fertilização ocorre naturalmente (LEITE, 1995. p. 41). Uma vez conseguida a fecundação in vitro, num momento posterior considerado ideal, procede-se ao translado ou ‘transferência dos embriões’ para o interior do útero da mulher. Há, portanto, duas operações. Ambas constituem o FIVTE, cujas fases assim podem ser resumidas: 1ª) Retirada do óvulo da mulher. (Mulheres com problemas
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nas trompas, anovulação crônica, endometriose ou com ovários policísticos). 2ª) Contato dos gametas e fecundação in vitro. (A ovulação é geralmente estimulada, os óvulos são colhidos por meio de punção guiada por ultrassonografia endovaginal e colocados juntamente com espermatozoides). 3ª) Transferência dos embriões para o útero. (Após 24 a 48 horas, os pré-embriões formados contendo quatro a oito células são transferidos para a cavidade uterina por via transcervical, ou seja, através do colo do útero, e por meio de fino cateter especial) (BETIOLI, 2013. p. 94).
Em outras palavras, a fertilização in vitro proporciona a fecundação extracorpórea do gameta feminino pelo masculino em ambiente propício, criado em laboratório (GOMES, Renata Raupp, 2004, p. 345), para que, em momento oportuno seja transferido para o corpo da mulher o embrião decorrente dessa operação. Cumpre salientar que esse procedimento realiza-se, obrigatoriamente fora do corpo da mulher (em tubo ou laboratório de proveta) (GOMES, 2004, p. 345), motivo pelo qual o procedimento recebeu o nome autoexplicativo de fecundação ou fertilização in vitro desde as primeiras experiências bem sucedidas desenvolvidas na França, Inglaterra e Estados Unidos (GOMES, 2004, p. 345). Assim como a inseminação artificial, também a fecundação in vitro pode receber diferentes nomenclaturas a depender das peculiaridades do caso que a envolve. Desta forma, destacam-se aqui igualmente as modalidades homóloga e heteróloga. A fecundação in vitro homóloga ocorrerá quando o gameta feminino pertencer à esposa e o masculino ao marido (ou companheiro), a exemplo do que ocorre na mesma hipótese de inseminação artificial. No entanto, cumpre ressaltar que: A distinção que se verifica – com relação a inseminação artificial homóloga – com a utilização dessa técnica é, na verdade, muito sutil, tanto do ponto de vista jurídico, como também filosófico, consistindo precisamente no fato de que a concepção ocorre realmente na vigência da sociedade conjugal, ainda que a filiação, propriamente dita, venha a se tornar realidade concreta após o divórcio ou mesmo a morte de um dos cônjuges ou companheiros (GOMES, 2004, p. 345).
Destaque-se que as várias problemáticas acerca da fecundação in vitro verificam-se quando um dos gametas não pertence a um dos cônjuges, ou nenhum dos gametas é proveniente dos cônjuges ou companheiros
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(doadores), ou ainda quando a gestação em qualquer um dos exemplos citados desenvolver-se-á em útero alheio ao da esposa, casos em que se estará diante da modalidade heteróloga. No intuito de sanar eventuais questões decorrentes das problemáticas suscitadas, sobretudo no que fiz respeito ao destino dos embriões em caso de divórcio, a Resolução nº 2.121/2015 do Conselho Federal de Medicina dispõe acerca da obrigatoriedade de se firmar um termo de consentimento livre e esclarecido: O consentimento livre e esclarecido informado será obrigatório para todos os pacientes submetidos às técnicas de reprodução assistida. Os aspectos médicos envolvendo a totalidade das circunstâncias da aplicação de uma técnica de RA serão detalhadamente expostos, bem como os resultados obtidos naquela unidade de tratamento com a técnica proposta. As informações devem também atingir dados de caráter biológico, jurídico e ético. O documento de consentimento livre e esclarecido informado será elaborado em formulário especial e estará completo com a concordância, por escrito, obtida a partir de discussão bilateral entre as pessoas envolvidas nas técnicas de reprodução assistida (CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, 2017).
No que diz respeito especificamente à problemática analisada, a mesma Resolução prescreve a necessidade de que os pacientes expressem sua vontade quanto ao destino dos embriões criopreservados na hipótese de dissolução da sociedade conjugal por meio do divórcio (CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, 2017). A despeito disto, há que se destacar a insuficiência de dito documento para sanar todas as questões jurídicas advindas dessa circunstância. Em primeiro lugar porque o termo técnico utilizado refere-se ao divórcio, o que demandaria a necessidade de interpretação judicial para extensão do conceito. Ademais, não há um consenso estabelecido acerca da natureza do termo de consentimento livre e esclarecido informado, razão pela qual a obrigatoriedade de sua observância padece de dúvidas. Outrossim, há que se levantar a hipótese de determinada clínica de reprodução humana assistida não observar o procedimento, já que dita inobservância poderia não acarretar maiores consequências, seja em decorrência da falta de fiscalização ou mesmo da ausência de normatividade da norma decorrente de simples resolução editada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM). Importa, pois, recorrer a princípios outros que sustentem as decisões mencionadas neste estudo, a fim de que o poder judiciário, quando solicitado,
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não possua apenas argumentos formais, consistentes na existência ou não de previsão de determinada circunstância entre as partes. É, portanto, neste cenário, que se insere a necessidade de analisar os princípios do planejamento familiar e o exercício da parentalidade responsável.
3 DA NECESSÁRIA RELEITURA DAS TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA À LUZ DOS PRINCÍPIOS DA PARENTALIDADE RESPONSÁVEL E DO PLANEJAMENTO FAMILIAR COMO FORMA DE EFETIVAÇÃO DA DIGNIDADE HUMANA As consequências das técnicas de reprodução humana assistida devem ser avaliadas também sob o prisma da parentalidade responsável e do planejamento familiar já que se referem não só à possibilidade de viabilizar os direitos reprodutivos de determinada pessoa, mas também gerar uma nova vida. Neste aspecto, verifica-se que a parentalidade responsável delimita um princípio constitucional, previsto legalmente no §7º do art. 226 da Constituição Federal, bem como nos artigos 3º e 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente, e no inciso IV do artigo 1.566 do Código Civil. Valéria Cardin (2015, p. 25) conceitua a parentalidade responsável como a “obrigação que os pais têm de prover a assistência moral, afetiva, intelectual, material, espiritual, bem como aceitar a orientação sexual dos filhos”. O planejamento familiar, por sua vez, conforme já exposto no presente estudo, configura um direito garantido constitucionalmente. Contudo, importa que seu exercício fundamente-se nos princípios da dignidade da pessoa humana e da parentalidade responsável. O planejamento familiar associado à parentalidade responsável compreende não só decidir o número de filhos, mas também aumentar o intervalo entre as gestações, decidir pela esterilização, utilizar as técnicas de reprodução assistida como último recurso à procriação, não praticando a seleção de embriões com finalidades eugênicas para escolha de atributos físicos, bem como suprimir a filiação por meio da monoparentalidade, dentre outros direitos e obrigações (CARDIN, 2015, p. 25).
A parentalidade deve ser exercida desde a concepção do filho, seja ele biológico ou socioafetivo, mesmo porque decorre da responsabilidade pela realização do projeto parental. Por esta razão, os princípios ora
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analisados devem ser corroborados com a dignidade humana, já que essa responsabilidade incide também na necessidade de se formar e, sobretudo, manter a família, enquanto ambiente propício para que seus membros possam se desenvolver de forma saudável e se realizar enquanto pessoa. Ademais, entende-se que “existem alguns princípios que norteiam a parentalidade responsável, tais como, os princípios da dignidade da pessoa humana, do melhor interesse do menor, da convivência familiar e da afetividade” (CARDIN, 2015, p. 25). No que tange a dignidade humana, em razão de sua proeminência como fundamento da República Brasileira (Art. 1º, inc. III, da CF), esta deve ser uma das finalidades a ser alcança pelo que se propõe o presente estudo. Dentre as funções a que destina, a dignidade humana tem como fator a legitimação do Estado e do Direito, estabelecendo direção para a hermenêutica jurídica, atuando como instrumento pelo qual se estabelece a ponderação entre os interesses conflitantes. É, também, fator de delimitação dos direitos fundamentais, determinando o controle de validade entre os atos estatais e particulares (SARMENTO, 2016. p.77). A dignidade humana concretiza o próprio valor intrínseco4 e singular do indivíduo, estabelecendo sua dimensão intersubjetiva, interligando este ao meio em que se insere (relações sociais). Por esta razão, ora orientase como princípio, ora como vetor, ora como regra (SARLET, 2015, p. 73-88), reconhecendo reciprocamente a linha tênue de direitos e deveres (SARMENTO, 2016, p. 90). Assim, estabelecer parâmetros que alcancem uma maior clareza, quando da formulação do termo de consentimento dos procedimentos de reprodução humana assistida, é uma forma de efetivar a dignidade da pessoa. Compreender que tal procedimento envolve diversos núcleos de situações jurídicas, que devem e merecem ser tuteladas, faz nascer uma nova perspectiva. No tocante ao afeto, faz-se mister salientar que este possui natureza de fato jurídico, já que estabelece relações intersubjetivas entre as pessoas, tendo a prerrogativa, portanto, de constituir, modificar ou mesmo extinguir situações jurídicas. Dispõe de conteúdo ético e compreende a fraternidade e a reciprocidade, promovendo a formação do indivíduo, seja moral, social, ou psicologicamente, e impulsiona a autoestima (CARDIN, 2015, p. 23). 4. Para Maria Celina Bondin de Moraes (2010, p. 85-112), necessário distinguir quais os atributos intrínsecos à pessoa humana, cuja proteção o Direito é chamando para garantir e promover. Nessa acepção, a autora elenca como substrato material da dignidade humana quatro postulados, são eles: igualdade; integridade psicofísica; liberdade e solidariedade.
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A esse respeito, revela-se salutar destacar a importância do afeto como elemento formador das relações familiares, mesmo porque verificase, hodiernamente, decisões reconhecimento o abandono afetivo, mediante a intervenção do Poder Judiciário na garantia do dever de cuidado para com o filho. Tamanha é sua importância que, atualmente, o afeto encontra-se no rol de direitos da personalidade, sendo também reconhecido como valor jurídico, decorrente dos princípios da solidariedade e da dignidade da pessoa humana (CARDIN, 2015, p. 34). O princípio da solidariedade, por sua vez, encontra previsão no artigo 3º, inciso I do texto constitucional, correspondendo, em síntese, ao compromisso pelo qual as pessoas se obrigam umas pelas outras, em comunhão de atitudes e sentimento. Tal princípio carrega tanto ou mais importância que o próprio princípio da dignidade humana, pois é por meio dele que se efetiva a promoção social da existência digna. Do ponto de vista jurídico, como mencionado, a solidariedade está contida no princípio geral instituído pela Constituição de 1988 para que, através dele, se alcance o objetivo da “igual dignidade social”. O princípio constitucional da solidariedade identifica-se, desse modo, como o conjunto de instrumentos voltados para garantir uma existência digna, comum a todos, numa sociedade que se desenvolva como livre e justa, sem excluídos ou marginalizados (MORAES, 2010, p. 111).
É ele quem possibilita o direito ao reconhecimento do indivíduo perante a sociedade na qual se encontra, relacionando-se diretamente com a expectativa projetada no desenrolar do já mencionado procedimento médico. O princípio da solidariedade desperta o reconhecimento necessário para que os indivíduos possam se realizar e desenvolver livremente sua personalidade (SARMENTO, 2016, p. 240), bem como se enquadre nas concepções da parentalidade responsável e do planejamento familiar. Desta forma, embora a permissão da utilização de embriões após a dissolução da sociedade conjugal sem o consentimento de ambos os pais biológicos viabilize os direitos reprodutivos de determinada pessoa, verifica-se a não concretização dos princípios da parentalidade responsável e do planejamento familiar. Nota-se que em determinado momento houve concordância quanto à maneira de planejar o desenvolvimento de uma família. Contudo, com a
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separação do casal, dito projeto se perdeu, de forma que as consequências não podem recair sobre o embrião. Assim, a fim de garantir que o novo ser seja concebido e nasça em um ambiente apto à proporcionar todas as condições para seu livre desenvolvimento, importa que ambos aos pais estejam dispostos a empregar os esforços necessários para tanto, o que evidentemente não se configura quando do não consentimento de um deles na implantação de um embrião. Entender pela possibilidade de utilização do embrião, nestas hipóteses, redundaria no atendimento do interesse de uma só pessoa (aquele que pretende ser pai ou mãe), em detrimento de outras duas (aquele que discorda e a criança a ser gerada). É o mesmo que admitir o risco de que determinada pessoa seja concebida em um ambiente no qual já não é desejada, inviabilizando assim qualquer tentativa de emprego da solidariedade ou mesmo realização da dignidade que lhe é inerente.
CONCLUSÃO As técnicas de reprodução humana assistida constituem um avanço inegável não só para a ciência, mas para o homem, vez que as barreiras naturais são transpassadas pelo desenvolvimento tecnológico. Contudo, não se pode olvidar que, nesta cenária, surgem embates não previamente discutidos, que demandam soluções éticas e jurídicas de forma célere. No caso do presente estudo, abordou-se a problemática atinente ao destino conferido aos embriões em caso de separação conjugal do casal responsável pelo material genético fornecido na fertilização in vitro homológica. Embora o Conselho Federal de Medicina preveja – por meio de resolução – a necessidade de se estabelecer o destino do referido embrião, verifica-se que o instrumento por meio do qual isso se realiza (termo de consentimento livre, informado e esclarecido) é insuficiente para sanar as discussões advindas desta técnica, mesmo porque desprovido de normatividade. Assim, demonstra-se a imperatividade de recorrer-se aos princípios da parentalidade responsável e do planejamento familiar enquanto balizadores das interpretações conferidas ao destino do embrião após a separação conjugal. Com a utilização dos princípios mencionados ficou clara a impossibilidade de permitir-se a implantação de embriões sem o consentimento de ambos os genitores, eis que do contrário estar-se-ia
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admitindo a ampliação de uma família desprovida do ambiente necessário ao sadio e completo desenvolvimento do ser humano.
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CAPÍTULO 2 A VALIDADE DO CONTRATO GESTAÇÃO SUBSTITUTIVA OU CONTRATOS GESTACIONAIS SOB O ENFOQUE DO SEU OBJETO ARACELLI MESQUITA BANDOLIN BERMEJO Mestre em Direito Negocial da Universidade Estadual de Londrina. Bolsista CAPES. E-mail: [email protected]
INTRODUÇÃO A medicina reprodutiva vem avançando a passos largos e torna possível novas formas de procriação humana. Dentre as diversas técnicas de reprodução humana assistida, há a gestação por substituição, através da qual o bebê é gestado em útero de terceira pessoa. Do envolvimento do interesse de todos os envolvidos podem surgir conflitos eminentemente de caráter existenciais, que clamam por solução rápida, justa e eficaz. A situação é delicada pois, ao mesmo tempo que viabiliza a geração de um filho por quem não pode manter uma gestação, pode culminar na coisificação do ser humano e adotar caminhos sem regras. Atualmente, não há no ordenamento jurídico pátrio regulamentação legal específica para os contratos gestacionais e nem tampouco regras específicas para solucionar os novos conflitos, que compreendem desde a definição da filiação, com consequências no Direito sucessório, possibilidade de arrependimento contratual, limites de negociação para não se perder a validade do contrato firmado, possibilidade de execução contratual forçada,
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dentre inúmeros outros fatores que podem decorrer como consequência indesejada no procedimento de gestação por útero alheio. Com vista de pacificar os conflitos, o Direito busca respaldo nas Resoluções do Conselho Federal de Medicina, no Direito Comparado e nas normais gerais a fim de traçar regras de condutas a serem adotadas e suas respectivas consequências. Através do método dedutivo e pesquisa bibliográfica, permeará brevemente sobre a possibilidade biológica de gestação através de útero alheio e suas formas, na busca de solução de pontos de debate jurídico dentro de um recorte relativo aos pressupostos de existência e requisitos de validade dos negócios jurídicos. A necessidade de releitura das definições das estruturas da Teoria Geral dos Negócios Jurídicos é confirmada a fim de dispor de um tratamento jurídico adequado a essas situações existenciais. O presente estudo visa, portanto, contribuir para o aprofundamento dos debates sobre os contratos gestacionais, identificar possíveis conflitos e oferecer soluções compatíveis com o ordenamento jurídico que sejam não somente legais, mas principalmente justas tomando em conta a sensibilidade dos interesses envolvidos.
1 AS IMPLICAÇÕES JURÍDICAS E NORMATIZAÇÃO DA GESTAÇÃO POR SUBSTITUIÇÃO A gestação substitutiva representa a possibilidade de realização do sonho na construção de famílias por pessoas que não podem gerar, naturalmente, os próprios filhos e ganhou forças com o avanço da medicina, a qual viabilizou técnicas de fertilização in vitro que vieram possibilitar que o material genético do bebê seja o mesmo dos pais que elaboram o projeto parental. Nas palavras de Eduardo de Oliveira Leite (1995, p. 28) “consiste em apelar a uma terceira pessoa para assegurar a gestação quando o estado do útero materno da doadora dos óvulos não permite o desenvolvimento normal do ovo fecundado ou quando a gravidez apresenta um risco para a mãe”. Diante das novas formas de reprodução humana, pode-se sugerir ampliação considerável do termo maternidade e paternidade, sendo possível que o bebê “tenha sua parentalidade filial titulada por três ou mais pessoas, tanto na linha materna, como na linha paterna.” (SILVA, 2011, p.52). Essa ampliação se deve não somente à presença essencial da cedente do útero, mas na possibilidade de realização da técnica de fertilização
A validade do contrato gestação substitutiva ou contratos gestacionais sob o enfoque do seu objeto
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homologa ou heteróloga. Na reprodução homológa, o material genético é do casal que firma o projeto parental, recebendo de terceira pessoa a concessão de uso do útero. Na reprodução heteróloga, o material genético pode ser parcialmente do casal, mas há necessariamente material de terceiros, no caso de infertilidade do homem e/ou da mulher. O material genético de terceiros pode, por sua vez, advir da cedente do útero ou ainda de uma quarta pessoa envolvida no objetivo final de conceber a vida. Em virtude dessa elasticidade da maternidade, pode-se conceber até três conceitos de mãe relacionadas à gestação em substituição: mãe genética, a qual fornece o material genético e pode ou não coincidir com a mãe sócioafetiva, que é aquela que idealiza o projeto parental e a mãe hospedeira, que cede o útero para gestação (SILVA, 2011, p. 53). Eduardo de Oliveira Leite, ao classificar as espécies de mãe, vislumbra duas espécies de maternidade de substituição: a) a mãe portadora, a qual cede somente o útero e o material genético é do casal idealizador do projeto parental; e b) mãe de substituição, a qual além de emprestar o útero, cede também os óvulos. (LEITE, 1995, p. 68). Da definição da gestação por substituição já é possível vislumbrar os inúmeros fatores que demandam cuidado e devem ser respeitados e regulamentados. O obstáculo à efetivação do projeto parental, ao desejo de ter filhos, à vontade de constituir família formada por pais e filhos é ferida que atinge a vida do casal, se estendendo à família e até mesmo à sociedade. (LEITE, 1995, p. 87). A medicina vem avançando consideravelmente na busca de alternativas eficazes de viabilizar a concretização do projeto parental e permitir o nascimento de filhos, no entanto, surge o embate religioso, moral e jurídico sobre as novas técnicas de reprodução humana assistida que clamam por respostas. Muito se discute sobre os caminhos que as técnicas de reprodução humana assistida ainda podem percorrer e as consequências advindas das novas possibilidades. O embate não se limita no seara jurídico, mas encontra raízes arraigadas na moral, na ética e na religião. A “fabricação de pessoas” em laboratório gera a preocupação com a banalização do ser humano e da vida.