Psicoterapia Breve - Artigo.pdf

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Psicoterapia breve: conslderaç6es sobre suas caracteristicas e potencialidade de aplicaçio na psicologia clinica comunitária brasileira·

MARIA ALICE S. B. DE AzEVEDO··

1. Introdução; 2. Enfoque histórico; 3. Conceituação e aspectos técnicos; 4. Abrangência da.." psicoterapia breve. o presente trabalho enfoca a psicoterapia breve de orientação psl-

canalítica, técnica essa que, aos poucos, vem-se impondo no cenário do campo da saúde mental. Tece considerações sobre o seu desenvolvimento histórico, sua conceituação, seus aspectos técnicos e abrangência. Analisa as suas características peculiares, as quals configuram-lhe uma estrutura própria e a distinguem da psicanálise e da pSicoterapia psicanalitica prolongada, assim como discute as suas possibilidades de permitir acesso à psicoterapia a um grande número de indivíduos necessitados de ajuda psicológica, quando empregada com conhecimento, habUldade e experiência. Finalmente, procura salientar a importância teórica, técnica e de saúde pública da modalidade terapêutica em questão e apresentá-la como o procedimento pSicoterápico de eleição a ser implementado nas clinicas de assistência mental à comunidade, no meio e realidade brasileiros, de acordo com os programas da psicologia clínica comunitária.

1. Introdução "Uma abordagem flexível, baseada nos sólidos princípios gerais da pSicodinâmlca e ajustável à grande variedade daqueles que dela necessitam é. " uma eXigênCia premente de nossos dias." (Franz Alexander, 1965) .. Trabalho resultante de uma pesquisa desenvolvida pela autora para a ela. boração de sua dissertação de mestrado, desenvolvida no Departamento de Pós.. Graduação em PSicologia Clínica da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, e financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de S~ Paulo em 1980. . •• Psicóloga, pesquisadora lI-C do Conselho Nacional de Pesquisas. Endereoo da autora: SON 206, bloco J, aptQ 106, 70.844 - Brasília, DF. Arq. bras. Paic.

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Nos últimos anos temos observado um interesse crescente pela psicoterapia breve no meio clínico brasileiro. Embora apenas hâ poucos anos tenham começado a ser traduzidos para o português livros de autores estrangeiros sobre o assunto, a literatura especializada nos revela que essa técnica psicoterâpica não é um desenvolvimento recente no campo da saúde mental, sendo a mesma conhecida desde hâ. muito tempo na Alemanha, EUA, Inglaterra e Argentina. A revisão da literatura pertinente nos demonstra que durante a li Guerra Mundial as necessidades de assistência mental, em conseqüência da guerra, fizeram com que crescesse o interesse pelos métodos breves de tratamento psicológico. Atualmente, no entanto, uma tomada de consciência dos problemas de saúde mental focaliza a necessidade de se beneficiar e ajudar um maior número de indivíduos neuroticamente perturbados, o que faz com que as técnicas breves assumam uma crescente importância social. Elas são apresentadas por Barten (1971) como um espectro em expansão de técnicas ecléticas, as quais ampliam vastamente a capacidade do terapeuta para oferecer algo útil e relevante a grande número de pacientes, incluindo aqueles para quem os métodos tradicionais têm-se revelado desapontadores ou ineficientes. Segundo ele, na realidade, as psicoterapias breves têm sido "redescobertas" à medida que os psicoterapeutas têmse voltado para o ecletismo, na tentativa de oferecer tratamento psicológico para pacientes de todas as classes,como todos os tipos de problemas, diante da impraticabilidade de se adotar a técnica psicanaliticaclâssica em uma série de situações exigindo intervenção terapêutica, como por exemplo: situações de emergência, situações de crise, problemas de ajustamento de origem recente, reações depressivas e ansiosas não complicadas, assim como para alguns processos de longa dU:ração, como o alcoolismo, esquizofrenia crônica ou desordem orgânica cerebral. Lembra-nos ele, ainda, que mesmo no tratamento de doenças neuróticas clâssicas, às vezes os resultados de uma psicoterapiapsicanalitica prolongada podem-se revelar desapontadores, não podendo assim justificar. a continuação de um tratamento dispendioso e prolongado por vârios anos. Também no tratamento de pacientes. pobres e não instruidos,.-os mesmos podem não ser beneficiados pelas técnicas sofisticadas, que exijam maior~ recursos verbais por parte do paciente, mas podem beneficiar-se de terapeutas comunicativos e calorosos, que ofereçam apoio e ajuda concreta, mais apropriada ao' nível do paciente. Todas essas situações no campo da saúde mental têm chamado a atenção para um emprego mais judicioso das técnicas tradicionais, as quais, infelizmente, têm-se mostrado insuficientes para atender as necessidades concretas de atendimento psicológico das comunidades. Em conseqüência, as técnicas breves expandiram-se, incluindo terapias breves de orientação psicanalítica, terapias breves comportamentais, medicamentosas, de indução de papéis, reeducativas, terapias breves de grupo e do grupo familiar e terapias breves sugestivas. A exploração dos métodos breves surge, então, como uma solução. Entretanto, eles deverão ser usados com discriminação, com conhecimento, deverão ter a sua eficiência melhorada e a sua aplicação ampliada. Portanto, as crescentes demandas de tratamento psicológico e uma Psiooterapia breve

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certa insatisfação com os métodos tradicionais para o atendimento de um amplo número de pacientes, ou de pacientes de baixo nível sócioeconômico que procuram instituições assistenciais, têm desencadeado a instrumentação de terapias breves ou econdmicas ou de tempo e objetivos limitados. Isso não significa, porém, que estejam sendo desprezadas as técnicas tradicionais, e sim que estas passaram a ser usadas mais criteriosamente. Essas situações têm suscitado também a necessidade de se repensar as bases ideológicas da psicoterapêutica, assim como de se dinamizar o processo psicoterapêutico, a fim de se permitir o acesso à psicoterapia a um número cada vez maior de pessoas, e não apenas a uma elite monetariamente favorecida. A importância teórica, técnica e de saúde pública das psicoterapias breves é evidente e considerável, quando avaliamos o grande número de pacientes que poderiam ser beneficiados por elas, quando de outro modo não poderiam receber ajuda· alguma. Embora muita desconfiança e descrédito tenham sido manifestados em relação aos métodos breves de tratamento, a experiência tem comprovado a sua eficácia em muitos casos, como atestam os estudos realizados por algumas autoridades de renome no campo, como Alexander e French (1965), Malan (1975, 1979), Wolberg (1969) e outros. Entretanto, como o espectro de. técnicas breves existentes é amplo, como já foi anteriormente colocado, queremos deixar claro que neste trabalho a técnica breve considerada será a psicoterapia breve de orientação psicanalítica, com as suas características próprias de uma técnica de curta duração, salientando-se as suas perspectivas de emprego e aplicação no contexto da assistência mental à comunidade brasileira. 2. Enfoque hist6rlco

A psicoterapia breve desenvolveu-se a partir do conhecimento fornecido pela psicanálise e, aos poucos, vem impondo-se no cenário terapêutico do campo da saúde mental, devido à flagrante insuficiência dos métodos tradicionais em atenderem as amplas necessidades de assistência da comunidade e da faixa da população menos favorecida economicamente e não instruída. As contribuições psicanalíticas à psicoterapia breve são óbvias, mas ela não deve ser considerada uma psicanálise abreviada. As suas características peculiares configuramlhe uma estrutura própria, que a distingue da psicanálise e da psicoterapia psicanalítica prolo~gada. A psicanâlise, originalmente, embora utilizada por Freud com o objetivo terapêutico, servia à dupla finalidade da terapia e da investigação. Ao mesmo tempo que Freud procurava um meio de tratar as pessoas doentes, ele coletava dados para organizar e ampliar a sua teoria da personalidade. De modo que os interesses de pesquisa de Freud influíram necessariamente na sua técnica terapêutica. O tratamento psicanalítico é a fonte primária do conhecimento psicológico, e tem sido considerado por autoridades do assunto como melhor adequado para a pesquisa. 94

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Durante muito tempo a grande maioria dos' psicanalistas usaram o mesmo clás~;ico procedimento para todos os seus pacientes, aceitando aqueles pacientes que pareciam adequados e aconselhando outros a não se submeterem à psicanálise. Assim, os pacientes eram selecionados para se ajustarem à técnica (Alexander e French, 1965). Porém, argumenta Alexander (1961) que a enorme variedade de pacientes faz com que sejam necessárias variações na abordagem terapêutica. Segundo ele, isso é o que acontece em todos os campos da medicina e logicamente seria de se esperar que uma tal flexibilidade de abordagem também fosse adotada no campo da psicanálise. Na época em que o conhecimento da patogenia e patologia dos transtornos neuróticos era pouco desenvolvido justificava-se, e mesmo era -inevitável, que os casos clínicos fossem estudados in extenso, e, conseqüentemente, durante longo tempo, pois que o paciente era ao mesmo tempo um objeto de terapia e um sujeito de investigação. Uma vez que a principal preocupação nas primeiras fases da psicanálise era aumentar o conhecimento básico, aceitava-se o uso quase universal, ou $ej a, para todos os pacientes, da mesma técnica clássica. Entretanto, enfatiza Alexander (1965), é chegado o momento de se utilizar o cabedal de conhecimento acumulado de maneiras diferentes, a fim de que não apenas oS pacientes adequados à técnica original, mas todos os neuroticamente perturbadOs e necessitados de ajuda possam ser beneficiados com o conhecimento existente. Essa extensão da ajuda psicanalítica a uma grande variedade de pacientes é considerada como sendo um movimento novo no campo da psicoterapia. Além disso a falta de correlação entre a duração e intensidade do tratamento ~ os. resultados terapêuticos é reconhecida pela maioria dos psicanalistas atuais, de um modo explícito ou implícito, e constitui, inclusive, uma fonte de insatisfação para eles, pois que impossibilita a predição dos resultados terapêuticos. Isso foi assinalado e estudado por Alexander e French (1965), do Instituto Psicanalítico de Chicago. Segundo esses autores a insatisfação com a falta de correlação entre o êxito terapêutico e a duração e intensidade do tratamento têm levado os psicanalistas a reagirem de dois modos distintos. Alguns sentem-se mobilizados a realizar experimentos, na esperança de detectar os fatores responsáveis pelo êxito terapêutico, enquanto outros assumem uma. espécie de defesa, uma crença quase supersticiosa de que os resultados terapêuticos rápidos não podem. ser autênticos, mas que, sim, são devidos à sugestão e à "fuga para a saúde". Há os que alegam que os resultados terapêuticos rápidos não podem significar modificações profundas e abrangentes na estrutura dinâmica da personalidade, pois que isso só pode ser alcançado após anos de tratamento, enquanto outros atribuem a falta de êxito terapêutico, após uma terapia prolongada, à "resistência" do paciente, a qual, estão convencidos, poderá .ser superada com a continuação prolongada do tratamento. ' Alexander e French (1965) verificaram, através de larga experiência clínica, .que podiam aplicar os mesmos princípios psicodinâmicos da psicanálise em abordagens mais flexíveis e mais breves. Eles trabalhavam com as mesmas teorias e técnicas, com o mesmo instrumental, embora tentando refiná-lo, a fim de ajustá-lo a finalidades p"coterapj(&

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terapêuticas específicas em uma fOl1lla mais eficiente e mais rápida. Concluíram que podiam questionar certos dogmas psicanaUticos como: a) o fato de a profundidade da terapia ser necessariamente proporcional à duração do tratamento e freqüência das sessões; b) a afirmação de que os resultados terapêuticos obtidos após· um número relativamente pequeno de sessões são necessariamente superficiais e temporários, enquanto os resultados terapêuticos obtidos mediante um tratamento prolongado são necessariamente mais estáveis . e profundos; c) a alegação de que a prolongação do tratamento é necessária para se superar a resistência do paciente; pois isso conduzirá, finalmente, aos resultados almejados. Segundo eles, atualmente, com o progresso realizado no conhecimento da patogenia e patologia dos transtornos neuróticos, generalizações e princípios da psicanálise, comprovados pela experiência, permitem o desenvolvimento de técnicas psicoterapêuticas mais flexíveis e mais econômicas, adequadas à natureza individual dos diferentes pacientes neuróticos. Assim, colocam que, considerando-se que os princípios da psicanálise podem ser utilizados em muitos tipos de psicoterapia, a eleição do método a ser utilizado em cada caso particular deverá ser determinada pela natureza do problema terapêutico: "O método psicanalítico tradicional de sessões diárias, através de meses ou anos, é somente um dos procedimentos técnicos possíveis, e não necessariamente o mais econômico, o mais penetrante ou o mais eficiente em todos os casos" (Alexander e French, 196'5). Observaram que, mesmo nos graves casos crônicos de psiconeuroses e transtornos de caráter, a terapia resultará mais eficiente se o procedimento for adaptado às necessidades individuais de cada paciente e às diferentes fases do tratamento. A questão de se repensar as bases ideológicas da psicoterapia, assim como de se dinamizar. o processo psicoterapêutico, tem sido abordada e discutida por muitos outros psicoterapeutas. Surge, assim, atualmente, o campo das psicoterapiascomo um campo que pode-se enriquece1' com o surgimento de novos enfoques técnicos, voltado para novas aberturas e experiências, fértil para o desenvolvimento da criatividade, e não como "um ancoradouro de sistemas 'concluídos" (Fiorini, 1976). Atualmente destaca-se a possibilidade de serem desenvolvidaspsicoterapias individuais que atendam mais prontamente a demanda sempre crescente de tratamento psicoterápico, quer em abordagens de clínica privada, quer, e principalmente, em situações institucionais. A possibilidade e a necessidade de se repensaras técnicas de psicoterapia existentes se fazem presentes, a fim de que haja uma melhor utilização e emprego das mesmas_no campo da saúde' mental, 'POis que há de se pensar também nas necessidades de atendimento psicológico dos indivíduos que, por razões várias, não se podem subméter a uma psicanálise ou psicoterapia dinâmica a longo prazo, devido a problemas monetários, de tempo ou de trabalho. Em resposta a problemas práticos, criados principalmente para as instituições de assistência psiquiátrica, muitos psicoterapeutas têm sido, assim, mobilizados a 96

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reexaminar os métodos tradicionais de psicoterapia buscando novas técnicas. Psicoterapias breves, ou de tempo e objetivos limitados têm, pois, sido instrumentadas em resposta a essas situações. A atual onda de interesse manifestado pela psicoterapia breve, principalmente por autores norte-americanos, ingleses e argentinos, faz com que se tenha a impressão de que ela é um desenvolvimento recente no campo da psicoterapia, mas de fato ela não o é. Na verdade eles estão recapitulando e desenvolvendo o que já era conhecido desde há muitos anos. Algumas psicoterapias realizadas pelo próprio Freud são consideradas formas de psicoterapia breve, e Malan (1975) nos lembra que a' psicanálise originalmente era um procedlmeuto breve que foi-se estendendo devido à crescente passividade dQ terapeuta e crescente interesse pela reeonstrução genética do passado do paciente. "Os primeiros analistas parecem ter possuído o segredo da psicotera-' pia breve e, com a crescente experiência, tê-la perdido" (Malan, 1975). Ferenczi e Rank, discípulos de Freud, também fiZQram experiências com métodos breves (Malan, 1975), e há tfabalhos cientificos sobre psicoterapia breve que datam de há mais de 80 anos. Ao próprio gênio de Freud e à sua agudeza de percepção não escaparam as limitações da psicariálise clássica para um atendimento amplo da população. Em 1918, no quinto Congresso Psicanalítico Internacional, em Budapeste, ele deu ênfase aos métodos "ativos". Freud (1918) previu a possibilidade de a técnica psicanalítica clássica não ser adequada às futuras demandas colocadas pelos problemas de saúde mental, e previu futuros desenvolvimentos na técnica psicanalítica e a futura instrumentação de métodos ativos em psicoterapia, a fim de se beneficiar um maior número de pacientes necessitados de ajuda psicológica. Segundo ele, a doença mental ameaça a saúde da população tanto quanto a tuberculose e, portanto, requer atenções por parte dos órgãos do governo responsáveis pela saúde pública, não podendo ser deixada nas mãos de alguns poucos profissionais, mas devendo, sim ser cuidada pelo Estado, a fim de que seja possível abranger a população e~ ampla escala. Desse modo, ele antecipou, previu e propÔS as necessidades de atendimento comunitário, sugerindo a adaptação da técnica psicanalítica para um atendimento abrangente da comunidade. Segundo ele, no fundo, os analistas se veriam obrigados a fundir o "puro ouro da análise" com o "cobre" dos outros métodos, a fim de ser possivel estender a ajuda psicoterapêutica a um número mais amplo de pacientes. Advertiu, então, que no futuro os t>sicoterapeutas defrontar-se-iam com a tarefa de adaptar a técnica psicanalítica às novas condições de um atendimento' mais abrangente da população, lembrando-os porém que, qualquer que fosse a forma que essa "psicoterapia para o povo" pudesse assumir, os seus ingredientes mais eficientes e mais importantes seriam os provenientes da psicanálise estrita, ou seja, essa psicoterapia deveria fundamentar-se nos conceitos psicanalíticos. .3. Conceituação e aspectos técnicos

A psicoterat>ia breve é fruto da tentativa de se adat>tar o procedimento terapêutico psicanalítico às necessidades individuais dos pacientes, psicoterap1.a breve

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visto que estes apresentam não apenas problemas e perturbações diferentes, mas também diferenças físicas e psicológicas, e tem sido assim denominada para contrastar com o tratamento psicanalítico prolongado. Embora as contribuições psicanalíticas à psicoterapia breve sejam óbvias e evidentes, ela apresenta diferenças técnicas, as quais a tornam distinta e lhe atribuem características próprias. Com muita propriedade, Szpilka e Knobel (1968) a conceituam como uma psicoterapia de tempo e objetivos limitados, de essência não-regressiva, que oferece uma estratégia e uma ideologia basicamente diferentes das da terapia psicanalítica, embora ambas se nutram dos postulados psicodinâmicos da psicanálise. Todavia, mesmo entre psicoterapeutas experimentados, há uma tendência a aplicar no tratamento breve as mesmas táticas consideradas úteis para o tratamento longo, o que devido à limitação do tempo somente conduzirá a frustrações, desapontamentos e insucesso. O seu enquadramento, os seus objetivos, pontos de ataque e condições de realização diferem dos da psicanálise. No tocante ao enquadramento, difere quanto à freqüência das sessões, posição do paciente e atividade do terapeuta. Ela é realizada com uma menor freqüência de sessões. em geral uma vez por semana. às vezes duas. O paciente senta-se frente a frente em relação ao terapeuta, o que coloca o paciente em situação de realidade. ajudando-o a discriminar o terapeuta em sua pessoa e papel objetivos. Isso contrasta com o enquadramento analítico, com o uso do divã e o terapeuta fora do controle visual do paciente, que induzem este último a uma ligação com um objeto virtual e à projeção transferencial. A intervenção do terapeuta também é mais ativa e pessoal. As modificações adotadas na técnica são em função do ljInite de ' tempo, a fim de se evitar a prolongação do tratamento. Considerando-se que o tratamento psicanalítico estrito se baseia . em certos aspectos fundamentais, que são: a) a estimulação à regressão; b) a emergência da neurose transferencial; c) a elaboração; d) a mutação de objetos internos através da projeção e introjeção . como mecanismos fundamentais, a psicoterapia breve pode ser discriminada do verdadeiro tratamento psicanalítico justamente graças ao diferente manejo e à diferente estratégia que se dão em cada um deses itens mencionados (Szpilka e Knobel, 1968). No combate à "barreira do tempo", destaca-se na psicoterapia breve o manejo especial da tra~ferência e da regressão. Há um acordo geral entre os que advogam a psicoterapia breve quanto à necessidade de se controlar cQnscientemente a dependência, a regressão e a neurose transferencial. Na psicoterapia breve a menor freqüência das sessões ajuda a desestimular os anseios de dependência do paciente, o que, contrariamente, é favorecido pelas sessões diárias do procedimento psicanalítico padrão. Evitando-se a situação de dependência, 98

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evita-se, conseqüentemente, a regressão, e mantém-se o paciente mais ligado ao seu "conflito vital atual", razão pela qual ele procurou o auxílio do psicoterapeuta. Para isso a transferência não é utilizada como o eixo da terapia, como o é no processo psicanalítico. Desse modo, o terapeuta deve deliberadamente manipular a relação transferencial, a fim de não permitir que se desenv.olvam, ou a desestimular a dependência e a regressão, evitando-se uma neurose transferencial. Na técnica breve a regressão deve ser conscientemente desestimulada, assim como, inversamente, na psicanálise o fenÔmeno da regressão e sua exploração técnica constituem a essência do tratame~to psicanalítico. Evitando-se a regressão, conseqüentemente é evitada a crise regressiva da neurose transferencial. Na terapia breve o tempo não seria suficiente para a sua resolução e as devidas elaborações necessárias para tal. Szpilka e Knobel- (1968) enfatizam que o manejo da regressão constitui o ponto capital que distingue uma terapia breve de uma terapia psicanalítica longa, e, considerando que a emergência das tendências regressivas pode e deve ser desestimulada, propuseram eles o termo terapia não-regressiva para a terapia breve, pois que a seu ver essa denominação enfatiza um conceito teórico-prático essencial nessa técnica terapêutica, visto considerarem o termo breve de caráter relativo e ambíguo. Quanto à transferência, o terapeuta deve utilizar tanto a trafts;. ferência positiva como a negativa, ou seja, esta deve ser incluída, mas de modo a não se transformar no eixo da terapia, como ocorre na terapia psicanalítica. Nesse sentido, ela é utilizada mais para se compreender o paciente que como instrumento a serviço da regressão. O terapeuta deve saber "fazer uma boa utilização da transferência" na técnica breve, "desfazer a transferência tanto positiva como negativa, apenas esta emerge, usá-la e em seguida retificá-la, para dispersá-la entre os muito diferentes objetos da realidade do paciente" (Szpilka e Khobel, 1968). A elaboração, por sua vez, diferentemente do que ocorre no tratamento psicànalítico, em psicoterapia breve ocorre sobretudo ao nível cognitivo, ou seja, _em termos de compreensão de um conflito e de suascausas, com maior participação cognitiva que afetiva. No que diz respeito à mutação de objetos internos em prot1.11ldi.. dade, a qual ocorre no processo psicanalítico longo com base na r~­ gressão, na elaboração e na neurose transferencial, o que ocorre em psicoterapia breve, em realidade, é a mudança de informação falsa por informação verdadeira, em um nível fundamentalmente cognitivo e, portanto, de uma maneira muito diferente da que ocorre uma terapia psicanalítica longa. Na psicoterapia breve ela ocorre ·pela correção de ihformação deturpada, que vai-se tomando mais objetiva. "Nas psicoterapias breves o que falta é á história viva de um processo, o que falta é tempo, atualidade, historicidade, processo; existe em troca uma releitura da história e um intento, mais que de vivê-la, de entendê-la e de pensá-la" (SzpUka e Xnobel, 1968). Conquanto haja divergência entre os diferentes autores' quanto aos objetivos e tipos de interpretações a serem realizadas, a fim de

se ajudar o paciente a obter os i'q-sights necessários à elaboração e resolução de seu conflito, a atividade do terapeuta em psicoterapia breve é uma questão a respeito da qual há uma concordância geral nesse campo. O papel do terapeuta em psicoterapia breve é completamente distinto do papel do terapeuta em psicanálise, e o seu comportamento contrasta vivamente com o comportamento do analista dentro do enquadramento analítico. A atitude convencional do analista chamado clássico não se encaixaria de modo algum em psicoterapia breve e resultaria em fracasso por falta de participação apropriada. Portanto, a psicoterapia breve pressupõe atividade consciente ·e planejada por parte do terapeuta, o qual deverá desempenhar um papel essencialmente ativo. Essa atividade consiste em uma gama variada de intervenções e a falta dela poderá redundar no fracasso do tratamento. Ela se inicia com a compreensão da psicodinâmica da problemática do paciente, para um planejamento estratégico de objetivos limitados desde o início, ou seja, a elaboração de uma abordag~m inidivualizada. Para isso o terapeuta deve ser ativo desde a entrevista inicial, realizando uma coleta de dados minuciosa para a elaboração da história clínica, em cuja compreensão se baseará a planificação da terapia. Esta é vista como fator muito important.e devido ao limite de tempo. A planificação baseia-se na avaliação psicodinâmica da problemática do paciente. ·A partir da avaliação p~icodinâmica será elaborada uma estratégia terapêutica para o paciente. Essa avaliação na psicoterapia breve, embora não omitindo os fatores disposicionais históricos, considera também a compreensão psicodinâmica dos "determinantes atuais da enfermidade" do paciente. Por isso é de grande importância o "diagnóstico total" de cada indivíduo enfermo, levando-se em consideração toda a constelação pessoal, história vital, estrutura e passado familiar, desenvolvimento e nível sócio-econômico do sujeito. Com base nessa compreensão geral do paciente são realizadas a planificação do tratamento e a estratégia terapêutica. Da problemática do paciente é delimitada uma área particular, uma "dificuldade central", um "foco" para o tratamento, e o esforço terapêutico será realizado através de interpretações e atenção seletiva para se encaminhar o paciente para a compreensão desse "foco", para a compreensão da função e significado dos seus sintomas e enfermidade. O terapeuta adota uma atenção seletiva, ou seja, focaliza o que é importante, negligenciando seletivamente, também, o material não r~levante para os objetivos, embora o mesmo possa ser interessante. Malan (1975, 1979) popularizou o termo focal, referindo-se à psicoterapia breve como terapia focal, termo esse que foi originalmente introduzido por Balint, em seus trabalhos sobre psicoterapia breve na Clínica Tavistock em Londres. O "foco" é entendido como uma área particular da problemática do paciente que precisa ser trabalhada e que será tema para interpretações. Muitos outros autores também usam o termo foco, e consideram igualmente importante delimitá-lo na terapia. Os que não o usam reconhecem também a necessidade de se delimitar uma dificuldade central do paciente para ser trabalhada durante o tratamento; isso é considerado indispensável dentro da téc100

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nica breve, devido ao limite de tempo do tratamento. Como o tempo de tratamento é limitado, é imprescindivel que se delimite o problema que será trabalhado, assim como que sejam feitas as interpretações adequadas para a obtenção de insight pelo paciente. A flexibilidade da psicoterapia breve se evidencia não apenas na individualização da mesma para atender as necessidades individuais dos diferentes pacientes, como também na adequação cambiante da estratégia e táticas, de acordo com o desenvolvimento do tratamento, a fim de se atingir o máximo do esforço terapêutico. Prescrever um tratamento psicanalítico prolongado a todo e qualquer paciente que procure uma psicoterapia, sem levar em consideração a situação vital do paciente, embora teoricamente o paciente pudesse vir a se beneficiar com esse tratamento prolongado, poderia se incorrer em "uma mons_truosidade de características patógenas iatrogênicas" (Szpilka e Knoble, 1968). Considerando o paciente dentro de sua realidade existencial particular e tratando-o mediante uma técnica breve, o terapeuta poderá oferecer a ele e propiciar-lhe uma melhora sintomatollr gica que lhe permita melhor adaptação à realidade, ou, mediante um aumento de sua capacidade cognitiva, propiciar-lhe melhor compreensão das suas possibilidades para modificar as situações em que se desenvolve sua vida e a da sua família, a fim de alcançar um modo de vida mais conveniente e mais gratificante. , Tudo isso considerado, "a psicoterapia breve pode assim~r aplicada não como uma terapia substitutiva da psicanálise, e sim como uma indicação precisa, surgida do diagnóstico não de um quadro nosológico, mas de uma personalidade enferma em um quadro sócioeconômico e cultural determinado" (Szpilka e Knobel, 1968). 4. Abrangência da psicoterapia breve

Devido à sua potencialidade de oferecer ajúda a grande número de pacientes, tem havido um aumento de interesse por essa técnica psicoterápica, a qual, porém, tem sido sempre considerada como uma segunda alternativa melhor de tratamento, ou seja, um gênero menor de psicoterapia, quando comparada à terapia longa, e raramente tem sido considerada como um recurso terapêutico extra no ars.enal do terapeuta. Ela tem, entretanto, indicações precisas. Enquanto alguns profissionais da área da saúde mental relutantemente cedem a ela como um mal necessário e inevitável, outros a abraçam como um desenvolvimento necessário para a expansão dos serviços psicoterapêuticos. Contrariamente ao que se pensa, porém, a psicoterapia breve, para obter êxito, não deve ser implementada por psicoterapeutas principiantes e inexperientes. Muito pelo contrário, "só um terapeuta familiarizado com as mais amplas variedades de técnica e amadurecido através do tratamento do mais vasto espectro de problemas emocionais pode conduzir o paciente para além das consolações de apoio, para as áreas que ·prometem uma mudança de personalidade. As tolerâncias na terapia breve são reduzidas; só há lugar para uma margem de Psicoterapia breve

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erro mínima" (Wolberg, 1969). Desse modo, a instrumenta,cão da técnica breve exige do terapeuta experiência, o conhecimento de suas particularidades técnicas, e profundos conhecimentos psicodinâmicos e psicopatológicos, assim como a utilização de recursos vários, dentro do ecletismo, que façam o esforço terapêutico produzir o máximo. Atualmente a prática da psicoterapia breve é provavelmente muito mais extensa do que publicamente se revela. O que parece não haver é um reconhecimento formal da sua prática por um grande número de psicoterapeutas militantes, que receiam não estar procedendo cientificamente em &eu trabalho; isso, principalmente, por estarem trabalhando intuitivamente, numa tentativa de ajudarem seus pacientes, porém sem o valioso e indispensável embasamento científico da técnica em questão. Contudo, atualmente, a bibliografia sobre o assunto é ampla e o seu estudo demonstra inequivocamente a sua potencialidade de obter melhoras de longo alcance não somente em relaçãoà eliminação de sintomas como também na modificação de comportamentos neuróticos em pacientes com neuroses recentes ou antigas, como demonstram _os trabalhos realizados por vários psicoterapeutas de renome no campo, como já anteriormente mencionado. No-momento, o reconhecimento das necessidades de atendimento comunitário colocam a psicoterapia breve em situação de destaque. Ela vem ao encontro das necessidades práticas da comunidade necessitada de ajuda psicológica, devido às suas características peculiares. Devido às suas características de flexibilidade e adaptação às necessidades individuais dos düerentes pacientes, ela se apresenta como o método terapêutico de' escolha para o atendimento de indivíduos ao nível ambulatorial ou institucional, de acordo com os programas de assistência da psicologia clínica comunitária., O 'movimento de saúde mental comunitária, ainda recente no Brasil, mas já mais antigo nos EUA,como nos revela a literatura existente' sobre o assunto, é decorrente da tentativa de se beneficiar w;na ampla faixa da população que não é economicamente favorecida, e tem estimulado esforços para uma reavaliação do custo, tempo e técnicas envolvidos em psicoterapia. Como a psicanálise e a psicoterapia. a longo prazo, embora com resultados satisfatórios, possibilitam ápenas favorecer indivíduos ou pequenos grupos economicamente favorecidos, uma espécie de "elite", a aplicação consciente e planejada da psicoterapia breve possibilitaria favorecer o acesso à psicoterapia a um número cada vez mais amplo de pessoas, as quais, geralmente, não podem arcar com as despesas de um tratamento prolongado. Visamos, assim, apresentar a psicoterapia breve como um procedimento psicoterápico reconhecIdamente de valor, porém sem a intenção de diminuir o valor da psicoterapia prolongada, e, também, salienta a potencialidade de sua aplicação na psicologia clínica comunitária brasileira, a fim de se fornecer uma psicoterapia eficaz para uma grande faixa da população brasileira, que, do contrário, continuará sem ajuda. É com base no estudo da já ampla literatura sobre o tema e em nosso trabalho clínico, assim co:mo no atendimento de pacientes externos ao nível ambulatorial dentro dessa modalidade terapêutica (Azevedo, 1980), que propomos a sua aplicação consciente e planejada

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em nosso meio clínico comunitário. As características dessa técnica terapêutica a tomam o tratamento ideal a ser implementado nas clínicas de assistência mental à comunidade. Finalmente, queremos enfatizar que consideramos a psicoterapia breve como uma conduta terapêutica que se coloca como uma alternativa no campo da psicoterapia em relação à psicanálise ou à terapia psicanalítica prolongada, e niúi como em oposição a elas. Assim, consideramos o êxito do uso da psicoterapia breve de orientação psicanalítica em geral, e, mais particularmente, dentro da psicologia clínica comunitária, como um devido tributo a ser pago à psicanálise, e não como um ataque a ela, pois que a primeira somente é possível graças à segunda, visto ser esta última a fonte de todo o conhecimento que tomou possível a existência de métodos de tratamento mais flexíveis e breves para o atendimento em larga escala. Abstract

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In recent years; for pragmatic reasons, short-term psychotherapy has been progressively gaining scope in the mental heal.th field. Due to the impossibility of meeting the ever-increasing demand for psychological care through classical psychoanalysis, it seems to be the feasible psychotherapeutic technique to offer psychological treatment on a largescale. Although psychoanalysis represents the fundamental scientific basis of short-term psychotherapy, the latter presents its own particular characteristics and differs from the former in its ,methodology, goals, , theoretical and, technical frameworth. The shortterm technique is not an abridged psychoanalysis, and neither does it, stand in opposition to classical psychoanalysis nor to long-term analytic therapy. It presents itself as a psychotherapeutic alternative, which should be considered as a precise indication emerging from the diagnosis of a sick personality, taken within its particular existential reallty and its own socio-economic and cultural framework. Shortterm psychotherapy has a growing social significance because it enables many people to benefitfrompsychological care, when utilized with knowledge, tact and experience. Consequently, the present work tries to point out the potentiality of its careful. and planned utiliza, tion, by skUled and experienced psychotherapists, within the Brazilian C,ommunity Mental Health Services, and to present it as the treatment of choice to be implemented in the mental health clinics for the community. Referências blbHográflcas Alexander, F. Conclusões e perspectiva Ileral. In: pêutica pBÍcanalítica. Buenos Aires, Paldós, 1965.

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