Jorge Montana
O local tem o potencial de converter-se em global, a única 1
Jorge Montana
possibilidade de fazer design é sendo local. Andries Van Onck
À Vera, minha esposa, sem cuja colaboração e apoio não teria sido possível esta jornada
2
Jorge Montana
Índice:
Apresentação - 3 Introdução - 4 Capítulo 1 –O local é o Nordeste - 5 Capítulo 2 –O setor do móvel e o Design - 10 Capítulo 3 – Estudo do fator local; procurando identidade -14 Capítulo 4 – O móvel popular - 17 Capítulo 5 – Fator local a favor - 24 Segunda parte - Da teoria a prática - 27 Capítulo 6 – A Jangada -28 Capítulo 7 – Da Jangada ao produto -33 Capítulo 8 –À partir do móvel popular espaguete-45 Capítulo 9 – À partir do folclore - 47 Capítulo 10 –Cenários - 50 Capítulo 11 –Outros casos - 57 Conclusão - 63 Bibliografia - 66
3
Jorge Montana
Apresentação: Este trabalho partiu de uma pesquisa das particulares condições climáticas, econômicas, sócio-culturais, matérias primas
e
sistemas produtivos da zona central do Nordeste do Brasil, Ceará e Pernambuco, e de uma análise e aplicação de conceitos implícitos em artefatos como a rede, o móvel popular e a jangada. Com base nesta pesquisa, foram projetados vários móveis
que
aproveitam
a
seu
favor
este
“fator
local”,
demonstrando assim, que à partir do “local”, é possível estabelecer um diferencial perceptível a escala global. O presente texto relata e analisa dito processo teórico - prático. O resultado foi inicialmente apresentado como tese de pósgraduação em Design de Móveis Mercosul, mestrado realizado no “Centro de Diseño Industrial” de Montevidéu em 2000 e 2001. Com o entusiasta apoio do Sindmóveis-PE e algumas empresas pernambucanas de diferentes portes, a teoria aqui apresentada foi aperfeiçoada e posta em prática. A aceitação dos produtos derivados desta experiência, em particular de algumas peças da coleção Jangada - menção honrosa nos concursos Movelsul 2002 e MCB 2001 - culminou com o lançamento destes móveis por parte de uma empresa pernambucana na Movelsul 2002.
Uma consequente teoria
derivada deste trabalho, tem sido expressa em forma de palestras e oficinas práticas, criação de outros produtos inéditos em várias empresas moveleiras de Pernambuco, e finalmente, na
presente
monografia,
que
pretendo
compartilhar,
colaborando assim no discurso da identidade no Design.
4
Jorge Montana
Introdução:
Apesar de que nos encontramos em um mundo cada vez mais uniformizado em virtude da velocidade das comunicações e das políticas globalizadas, cada região do planeta mantém, inclusive dentro de um mesmo país,
características intrínsecas, devido
aos costumes e cultura de seus habitantes, suas condições climáticas,
localização
geográfica,
fatores
sócio-culturais,
condições econômicas, etc. A arte popular, a arquitetura, os móveis e os artefatos são muitas vezes exemplos magistrais de adequação a estas características locais. O designer tem neste tipo de soluções, fontes de sabedoria das quais pode extrair formidáveis lições tornando assim possível desenvolver novos produtos com forte identidade e linguagem próprios, adaptados às novas necessidades e mercados. Tomando como ponto de partida tais elementos, distanciados dos modelos tradicionais ou impostos por outras latitudes,
é possível de forma desencadeante, lograr um
diferencial, sob o qual, futuramente, poder-se-ia falar de móveis ou produtos genuinamente próprios.
5
Jorge Montana
Capítulo 1 O local é o Nordeste Com área superior a 1,5 milhão km² (18% do território nacional) o Nordeste abriga 46,5 milhões de habitantes, quase 30% da população brasileira. A região Nordeste inclui os estados do Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia. As principais metrópoles regionais em ordem de importância econômica são as cidades de Salvador, Recife e Fortaleza. O Nordeste também é a região brasileira mais próxima dos mercados europeu e norte-americano, o que lhe confere vantagens consideráveis no comercio internacional.
Nas últimas quatro décadas, o Nordeste passou de fabricante de bens tradicionais para produtor de aços especiais, produtos eletrônicos e petroquímicos, barcos, chips, software, calçados, frutas e flores para consumo interno e exportação. A economia da região também se baseia na agroindústria do açúcar e cacau, e nas plantações de arroz nos vales úmidos do Maranhão.
A região está investindo pesadamente na modernização da sua infraestrutura e é hoje um ambiente favorável à implementação de diversos tipos de empreendimentos.
O
setor
do
turismo
tem
demonstrado
grande
potencial,
crescendo consideravelmente nos últimos anos. O Nordeste é a região que mais cresce no Brasil e sua economia já ultrapassa
6
Jorge Montana
os R$134 bilhões superando inclusive vários países de América Latina.
Os estados do Ceará e Pernambuco na região central nordestina disputam a liderança na produção de móveis.
O Ceará abrange uma superfície de 148.016Km2, equivalente ao 9,6% dos nove estados da região Nordeste e ao 2% do território brasileiro. Seu litoral estende-se por 573 Km de belas paisagens de inesgotável potencial turístico, uma característica de toda essa região brasileira. Em seus 184 municípios estão distribuídos 6,8 milhões de habitantes. Situado numa região semi-árida, de clima tórrido, e, sendo um dos mais pobres estados do país, apresenta no entanto, desde uma década atrás, um crescimento maior devido a um projeto administrativo moderno e bem fundamentado, que prioriza a instalação de indústrias com benefícios fiscais em seus 22 distritos e parques industriais já implantados, ou em processo de implantação, dotados pelo governo de toda a infraestrutura necessária. Em algumas regiões melhores tratadas pela natureza são produzidas frutas tropicais, carnaúba, algodão, pecuária de bovinos, ovinos e caprinos. Existe certa industrialização para produção de algodão (unidades têxteis), calcário, e pinturas. Ao oeste, a irrigação favorece o cultivo do caju, mandioca, algodão, feijão, milho, hortaliças, café, e cana de açúcar. Possui indústrias de couro, peles, madeira, têxteis, cimento e plástico.
7
Jorge Montana
Pernambuco, estado fronteiriço com o Ceará, está localizado
numa
posição
geográfica
central
e
altamente
estratégica, com cerca de 30 milhões de consumidores a nível regional, sendo sua capital, Recife, um centro dinâmico de distribuição de produtos e serviços da região, eqüidistante de Fortaleza e Salvador. O estado de Pernambuco, responsável por 20% do PIB do Nordeste, conta com a melhor infra-estrutura de transportes da região e uma base produtiva bem diversificada.
O desenvolvimento do Ceará na última década logrou que sua capital, Fortaleza, chegasse a ser a quinta cidade do Brasil em população e uma das mais solicitadas para o turismo. Fortaleza estende-se por 336 Km² de área, a 2 graus do equador,
ao
nível
aproximada de 2,2
do
mar.
Conta
com
uma
população
milhões de habitantes. Os principais
atrativos turísticos da cidade são suas praias contíguas, algumas de areia de diferentes cores, imensas dunas e nascimentos de mananciais de água doce, onde em suas margens, encontram-se pitorescas e multicoloridas povoações de pescadores. Em realidade, a grande Recife, zona metropolitana totalmente emendada, que agrupa as cidades de Paulista, Olinda, Recife e Jaboatão, supera a Fortaleza em população. Cidade tradicional com muitas universidades e um melhor nível cultural, Recife, pela sua localização estratégica é o centro de distribuição regional das maiores empresas do Brasil e base de prestação de serviços, abrigando um dos maiores pólos médicos do Brasil, quatro universidades de gabarito, várias faculdades independentes e centros de pesquisas que possuem um 8
Jorge Montana
quantitativo de pesquisadores e professores com títulos de mestre e doutor que é mais do dobro do que se encontra em qualquer outro estado do Nordeste . Conta com excelente aeroporto, (atualmente em fase de ampliação) detentor da maior pista regional, além de um novo e moderníssimo porto (SUAPE) a 45 Kms da capital. 1-3 PALETA e CULTURA: A maior parte da região Nordeste encontra-se situada em área equatorial, motivo pelo qual sua luminosidade é bastante forte, o que torna as cores muito brilhantes. Esta
luz tão forte desbota rapidamente o colorido
dos móveis e construções à intempérie,
predominando assim
as cores pastéis. A forte brisa marinha ao levantar a areia, causa permanente fricção contra os objetos que estão na praia, produzindo
interessantes
texturas,
que
podemos
apreciar
facilmente. Tratando-se de estados predominantemente secos, não observamos, como em outras regiões tropicais abundante variedade de vegetação. As praias, com suas enormes dunas e o contraste com o azul do mar e a vegetação rala, determina uma
gama
de
cores
bem
característica,
composta
primordialmente por vários tons de azul, creme, areia, marrons e verdes. As frutas típicas, coco e o caju, este último, de cor amarelo
ou vermelho com a castanha na parte
superior; a
abundante fauna nativa, pássaros, borboletas e insetos; a variedade de seus tecidos artesanais, especialmente em linho e algodão; os trabalhos trançados em diferentes materiais como palha de carnaúba, cipó, e um rico universo artesanal
de
grande diversidade, destacam o Nordeste.
9
Jorge Montana
A grande riqueza desta região é sem duvida nenhuma sua cultura popular, presente na música, festas e folclore, literatura de cordel, artesanato e artefatos, arquitetura e outras manifestações.
10
Jorge Montana
Capítulo 2 O Setor Do Móvel e o Design Concentrando 30% da população brasileira, o Nordeste representa quase 20% do potencial de consumo nacional de móveis e artigos do lar. Apenas 20% de todo o mobiliário consumido no Nordeste é aí fabricado; o restante procede principalmente dos pólos moveleiros do sudeste e sul do Brasil, onde está concentrada a produção.
A maior parte da população vive em zonas urbanas (60.6%). O consumidor nordestino procura principalmente preço, porém pela acirrada concorrência dos últimos anos, também apreendeu a exigir qualidade. Outra característica marcante do Nordeste está associada ao fator poder aquisitivo. O contraste entre ricos e pobres é bem maior que em outras regiões
do
Brasil,
sendo
o
Nordeste
o
campeão
em
concentração de renda, o que tal vez explique o fato do varejo de móveis ter duas concentrações distintas: as das lojas de alta classe e a do varejo popular. O padrão médio concentra uma estreita faixa do mercado e encontra-se associado ao fato das grandes redes não proliferarem na região. O varejo de móveis é dominado pelas redes regionais. Diferentemente do sul, onde se praticam prazos mais curtos para obter preços melhores, no Nordeste os prazos médios do varejo são de 120 dias, em função das características já mencionadas.
11
Jorge Montana
O setor de produção do móvel, com contadas exceções ainda é bastante precário no Nordeste. O Ceará, seguido por Pernambuco, é o principal produtor da região, embora com uma parcela pouco significativa do mercado. Pernambuco até os anos 80s era o principal produtor da zona, quando atendia majoritariamente seu mercado interno e regional; à partir desta década até agora, devido a forte concorrência de empresas mais competitivas dos estados do sul do Brasil, e de políticas fiscais errôneas(até hoje o ICMS é 5 pontos maior que o dos estados do sul para os móveis locais), o estado viu sua competitividade
seriamente
afetada,
o
que
ocasionou
o
fechamento da maior parte das fábricas tradicionais de móveis. Os principais pólos moveleiros nordestinos, localizam-se no interior do estado de Ceará, nas cidades de Marco e Bela Cruz, onde são elaborados móveis de madeira, e em Iguatú, onde se fabricam
principalmente móveis tubulares. Em Pernambuco
além da região metropolitana de Recife, destacam-se as cidades de Gravatá, Lajedo e Afogados . As matérias-primas, quase todas elas, são originárias de outros estados; a madeira, da região amazônica, que fica relativamente perto, e também do Paraguai e sul do país. Já se começam a fabricar móveis em eucalipto cultivado, produzido no sul da Bahia. À exceção do algodão, utilizado para tecidos e redes e manufaturado por importantes empresas que exportam a maior parte da produção, o Nordeste não conta com matérias primas próprias a escala industrial, embora qualquer insumo ingresse facilmente via marítima ou terrestre. Isso implica um alto sobre-custo, já que a maioria das peças, especialmente de matérias primas semi-processadas vem do sul. 12
Jorge Montana
Um fator pouco estudado ou mesmo ignorado com respeito ao mobiliário é a sua inter-relação com os fatores climáticos; as altas temperaturas, umidade relativa, insetos, pragas e alta maresia, são fatores que afetam dramaticamente a durabilidade e praticidade do móvel. 2-1 DESIGN NO NORDESTE :
O Nordeste conta com poucas faculdades profissionais de Design, localizando-se estas em Campina Grande (cidade da Paraíba), Recife, São Luís e Salvador; no entanto é muito pobre a participação dos profissionais de Design Industrial dentro do setor produtivo. Observa-se ainda não existir uma vinculação direta das universidades com a indústria. O
Design, a nível
empresarial, é bastante precário, e, com raras exceções, utilizado.
A quase
totalidade dos móveis produzidos nestes
estados corresponde a cópias.
No Ceará, a participação dos designers, é inexistente, assim também como o real interesse do empresariado local em implementá-lo. Os empresários cearenses normalmente copiam os lançamentos efetuados nas feiras do sul e do exterior com minguadas mudanças ou trabalham com modelos determinados pelos clientes. Pernambuco possui a faculdade de design mais antiga
da
região,
e
em
Recife,
encontram-se
operando
reconhecidas empresas de design (especialmente nas áreas visual e de embalagem) e uma tradicional Associação de Designers. O Sindicato de Móveis do estado pernambucano, organiza anualmente um concurso de Design do Móvel na procura de novos talentos dentro da feira regional denominada “Utimóveis”. 13
Jorge Montana
Levando em conta todos estes aspectos, pode-se afirmar, que Pernambuco, a nível de Nordeste, é o estado mais viável em termos de implementação de programas e ações efetivas de Design.
NOTA: Esta análise não inclui o estado da Bahia pois a pesquisa foi feita na região central do Nordeste.
14
Jorge Montana
Capítulo 3 Estudo do Fator Local: procurando identidade A soma das características e dificuldades do setor de móveis e design, sempre inspirado na concorrência ou no mercado alto, e pendente das “tendências” de Milão, não tem dado um resultado apreciável em termos de desenvolvimento, muito pelo contrário, a participação vem decrescendo em termos
comparativos
com
outras
regiões,
com
melhores
vantagens competitivas. É necessário procurar uma linguajem própria; a solução está em procurar os próprios caminhos. A discussão sobre identidade pode parecer ultrapassada em um mundo globalizado, onde as necessidades e desejos de consumo da população parecem estar-se uniformizando, mas na verdade, e devido a isso mesmo, é que esta discussão toma de novo radical importância, já que tal uniformidade, em volume, é causadora
da
guerra
de
preços
em
meio
a
acirrada
concorrência, esquecendo-se aí as características regionais e culturais do consumidor, e principalmente, a sua necessidade de identificação com o objeto comprado, como de fato acontece no setor de moda (vestuário).
A identidade do produto nasce, em primeira instância, do fator adaptação, pois as matérias-primas, processos e mercado específico de cada fábrica vão moldando as características dos seus móveis. A identidade começa a aparecer quando estes fatores locais se fazem conscientes e se tornam pontos fortes.
15
Jorge Montana
Só que neste ponto não basta ser competitivo, é necessário também ser criativo para fazer evidentes estas fortalezas, dando personalidade, alma e caráter ao produto para que este chame a atenção do consumidor. Se quisermos que esta identidade se transforme em vendas e liderança, precisamos tornar consciente, de maneira quase científica, os fatores locais. Estes, inúmeras vezes encontram-se na volta da esquina, nos produtos anônimos da cultura popular, naqueles que continuam
Só o tradicional carro de boi consegue entrar no pedregoso sertão nordestino.
vigorando através dos séculos. Por que objetos como a jangada nordestina, o chapéu de vaqueiro, o gibão e o carro de boi, elementos típicos do Nordeste, região pobre em recursos, porém rica em cultura popular, ainda vem sendo fabricados e utilizados como antigamente? A resposta está nos seus sistemas de produção com matériasprimas
locais,
na
sua
adaptação
ao
meio
e
clima,
no
aproveitamento das habilidades da mão-de-obra local e mais que tudo, na perfeita funcionalidade aperfeiçoada ao longo de gerações.
16
Jorge Montana
Muitos
destes
produtos
contém
implícitas
aulas
magistrais de bom design que estão disponíveis para aplicar em novos produtos. À continuação uma análise de alguns destes elementos demonstrando com exemplos práticos, como estes fatores locais podem
ser
aplicados
em
novos
produtos
adaptados
às
condições locais do Nordeste.
Fotos feitas na feira de Lajedo no agreste pernambucano. O sertão nordestino tem muitas empresas artesanais que fabricam artefatos desenvolvidos para a atender as necessidades específicas do habitante destas regiões. Necessidades estas, não compreendidas pela indústria tradicional.
17
Jorge Montana
Capítulo 4 O móvel popular O móvel popular, de origem incerto e autores anônimos, fabricado
localmente
perfeitamente
por
micro-empresas
e
artesãos,
é
adaptado às necessidades e ao meio que o
produz. Por isso torna-se uma excelente fonte de inspiração. Ao chegar anos atrás a Fortaleza, no Ceará, me chamou poderosamente a atenção uma cadeira, tosca e simples, porém muito confortável, e em escritórios e
que abundava na cidade, especialmente
locais de atenção ao público. A cadeira
Cadeiras de palhinha à venda no centro de Fortaleza.
conhecida localmente como Palhinha, parece ser um híbrido entre a cadeira
Cesca de Marcel Breuer e uma tradicional
cadeira de quatro pés. Consiste em duas molduras de madeira para encosto e assento com palhinha, e uma estrutura de quatro pés em ferro. O produto equivale no design cachorrinhos vira-latas que, com pais
aos
de diferentes raças, e
ainda sendo muito feios, tornam-se
atrativos pela sua
personalidade. Tal cadeirinha, ao meu modo de ver, é um representativos
elementos
de
adaptação
às
dos mais condições
cearenses. Ela representa um dos fatores claves do design: a adaptação do produto ao meio, aos materiais e ao sistema de produção local. Jamais figurará nos livros de design e do ponto de vista formal parece imperfeita. No entanto seu preço e comodidade a fazem muito competitiva. Como as cidades da região Nordeste pelo clima seco e acolchoados,
à
caracterizam-se
temperatura tropical, as cadeiras e sofás
temperatura
ambiente,
nem
sempre
são 18
Cadeiras espaguete à venda no interior de Pernambuco.
Jorge Montana
confortáveis, já que a espuma e os tecidos estimulam o suor, dificultando a limpeza e gerando mau odor. A
simplérrima
eminentemente urbana, repartições e origem
e
ventilada
cadeira
"palhinha"
é
utilizada sobretudo em escritórios,
zonas de atenção
ao público, apesar de sua
ser residencial (cadeira de sala de jantar), como
veremos mais adiante. Este mesmo conceito de ventilação o encontramos em outro tipo de cadeiras: as chamadas espaguete, e na tradicional rede. 4-1-1 A “PALHINHA” - ANÁLISE HISTÓRICA
A palhinha, vime ou cana da Índia é um material muito antigo; podemos referenciá-lo como aquele usado nas linhas de cadeiras
de Tonet para assento e encosto. No entanto, a
palhinha é muito
mais antiga, chegando ao
Brasil com os
portugueses, e tornando-se um material muito tradicional no móvel nacional. Foi retomada com muita força nos anos 50s e 60s, combinada com madeira, por personagens como o artista e designer
Joaquim Tenreiro,
e os
famosos arquitetos
Niemayer e Sérgio Rodrigues. A cadeira confeccionada com palhinha, e de maior categoria para mercados mais altos, teve seu auge até a década de 60, à partir da qual decaiu especialmente nos móveis de estratos
altos,
provavelmente
por
caprichos
da
moda
e
popularização de móveis de plástico e sofás com espuma.
19
Cadeira de Palhinha Jockey por Sérgio Rodrigues, produzida nos anos 50´s.
Jorge Montana
4-1-2. A CADEIRA PALHINHA
A cadeira de palhinha, abundante no Nordeste do Brasil, especialmente em Fortaleza, tem sua muito similar ao atual desenhado então
origem num
modelo
A mais famosa de todas as cadeiras em palhinha : a Tonet.
para uso residencial.
Esta cadeira podemos vê-la na foto tomada de um catálogo de 1954 da fábrica Unilabor cujos móveis
eram projetados por
Geraldo de Barros. Foi produzida originariamente com destino ao lar, mas seu uso se estendeu a escritórios e repartições, onde
foi
definitivamente
bem
mais
amplo.
Na foto central, à direita, a cadeira de palhinha na versão original para área de refeições, do catálogo da Unilabor. Embaixo, a versão cearense cinqüenta anos depois.
Até o dia de hoje é vendida e produzida
em grandes
quantidades. Os materiais destas cadeiras, são o vime trançado(agora também em versão com perfil plástico), madeira e tubos 20
Jorge Montana
quadrados, que podem ser adquiridos facilmente em qualquer localidade.
Isto, somado ao seu baixo preço, comodidade e
praticidade, a fazem um autêntico best-seller do móvel. Embora siga sendo produzida e distribuída desde o sul do
Brasil,
especificamente
empresas locais
para
também as estão
o
Nordeste,
inumeráveis
produzindo em diferentes
versões: corrente e giratória em vários tamanhos. Assim foi como uma cadeira projetada em São Paulo para sala de jantar nos anos 50´s foi o modelo de inspiração para a cadeira mais popular vendida em Fortaleza até os dias de hoje.
4-1-3 CADEIRAS ESPAGUETE
Os
móveis
em
mangueirinha ou
tubo de plástico
(espaguete) são elaborados sobre estruturas de vergalhão,
21
Jorge Montana
comumente com design popular. Inumeráveis modelos de cadeiras, poltronas e cadeiras de balanço espalham-se ao longo de toda América Latina, a maior parte delas elaboradas em pequenas oficinas artesanais. A cadeira italiana espaguete, um dos clássicos do design, com sua estrutura em tubo de ferro cromado, com assento e espaldar em plástico tubular, está provavelmente inspirada neste tipo de cadeiras que tanto abundam nas regiões quentes latino-americanas. Diferentemente da eminentemente rural e
"palhinha", a cadeira
espaguete é
popular. Característica de povoados e
cidades pequenas, onde são colocadas nos
terraços
e até
calçadas das casas, é comumente utilizada para descanso ou lazer, já que seu material flexível amolda-se perfeitamente ao corpo. Cadeiras espaguete são encontradas em diferentes versões, sendo mais populares as poltronas e as de balanço. 4-1-4 A REDE
A rede é antiqüíssima. De origem americana, já era utilizada
pelos
europeus; foi
indígenas um
muito
aporte
importante, como o foram
antes
da
americano ao os tomates e
chegada dos mobiliário, tão as batatas
à
culinária. Consistente num pendurado em suas duas repousar e
retângulo de tecido de algodão, extremidades, é
utilizada para
dormir. Até bem entrado o século XX com a
introdução da espuma de poliuretano que permitiu
elaborar
colchões confortáveis, foi a cama da maioria dos habitantes das zonas tropicais americanas e de fato se mantém cumprindo 22
Primeira ilustração da rede, tomada do livro: “História general de las Indias” de Fernando Gonzáles Oviedo 1514
Jorge Montana
este labor sobretudo nos lares humildes das
zonas tórridas
equatoriais. Todas estas cadeiras anteriormente mencionadas, com exceção
da rede,
compartilham espaço e mercado com
cadeiras de plástico injetado, muitos
que,
apesar de baratas, em
casos não são adequadas a seu uso, atestando uma
feia velhice e partindo-se com facilidade, ademais de serem poluentes ao final de sua vida útil.
4-2-
PARÂMETROS
DO
PROJETO,
ditados
pelo
móvel popular:
O estudo do fator local determinar
no móvel popular permite
os principais parâmetros necessários para novos
produtos adaptados às condições locais. Sua transposição na concepção destes novos produtos, é o resultado da análise feita anteriormente.
À seguir, a relação destes parâmetros: - Adequação ao clima cálido tropical. -Elaboração em materiais de fácil consecução, matérias primas abundantes. (não obrigatoriamente próprias do lugar) -Tecnologia simples para sua fabricação. -Durabilidade -Facilidade de limpeza
23
Jorge Montana
-Facilidade de reparação -Uso versátil -Baixo peso. -Aproveitamento da habilidade do nordestino em tecer e trançar materiais. 4-2: MERCADO. O mercado natural para um projeto de fator local no Nordeste, é inicialmente toda a região tropical do país, pois apresenta em
términos
gerais
as mesmas características
básicas: clima, tipo de consumidores, etc. Juntando todos estes estados, eles não chegam a produzir o 6% da totalidade dos móveis brasileiros. Como já foi mencionado, a agressividade, a vocação produtiva, e as economias de escala das grandes empresas dos estados do sul, fazem que os móveis desta região dominem o mercado. Por isso mesmo, parece ser adequado pensar que as empresas nordestinas, em lugar de concorrerem com os mesmos móveis, devem adaptar-se e apropriar-se das condições locais para aproveitá-las a seu favor, com projetos que levem em conta o fator local, impresso nos móveis através da cultura popular ou do entorno. Um mercado possível é o exterior, já que um móvel que aporte um diferencial em seu design, determinado por fatores locais e específicos da região, não deixa de apresentar forte conteúdo étnico, que conquista clientes em outros países. Os móveis deverão aproveitar o fator local a favor.
24
Jorge Montana
Capítulo 5 Fator Local A Favor O móvel popular local além de estar perfeitamente adaptado às necessidades locais, é produzido com técnicas e matérias primas abundantes, os materiais de uma cadeira de palhinha ou de espaguete podem ser adquiridos em qualquer depósito de construção. Por isto um projeto de móvel à partir do
fator
local
não
deve
estar
superditado
a
grandes
investimentos para sua produção. Vejamos como, por exemplo, alguns dos fatores que agora são problemas que atentam contra a qualidade e preço do móvel produzido no Ceará, Pernambuco ou Paraíba, podem jogar a favor. 1) Problema: Falta de fornos para secagem da madeira Solução do projeto local: Uso de madeira cultivada de Eucalipto produzida na Bahia (estado do Nordeste); esta madeira é entregue
semiprocessada, completamente seca e
pré-cortada. 2)
Problema:
Falta
de
espuma
de
várias
densidades, alto custo do poliéster espumado pela falta de produção local e seu alto volume em transporte. Estes fatores somados ao calor fazem que sofás e poltronas locais tenham baixo nível de conforto. Solução: Produzir poltronas sem espuma já que esta não é adequada ao calor, tomando o exemplo da rede, e das cadeiras de vime e espaguete.
25
Jorge Montana
3) Problema : Concorrência desigual com empresas externas que por seu tamanho e mercado nacional ou global, detém altas economias de escala de produção. Solução: Em lugar de competir contra estas empresas oferecendo seus mesmos produtos, estudar o fator local para criar
produtos que atendam os problemas locais. Futura
expansão
em
territórios
(nacionais
e
internacionais)
que
atestem similares problemas para os quais nossa solução seja adequada. Atender setores com melhor capacidade aquisitiva que paguem a diferença que oferece o produto adequado ao fator local. 4) Problema: Matérias-primas importadas do sul a altos custos pelos fretes. Solução: Aproveitar as matérias-primas locais ou aquelas abundantes por seu alto consumo noutros setores. 5) Problema: Móveis em aglomerado que se incham devido o alto grau de umidade, mau odor dos sofás, ataques de cupins aos de madeira leve, alta salinidade do ar que oxida os metais. Solução: Seleção de matérias-primas adequadas a estes fatores locais. 6) Problema: Mão de obra que desconhece as técnicas de produção de móveis convencionais treinada
em
outras
atividades
como
a
e está
pesca,
a
manufatura de redes, bordados e confecções. Solução:
Realizar
projetos
que
aproveitem
as
habilidades citadas. 26
Jorge Montana
7) Problema: Pouco hábito de compra de móveis já que se privilegia o exterior ao interior das casas. Solução:
Projetar
móveis
adequados
a
atividades
externas ou portáteis. O
anteriormente
exposto
trata
apenas
de
alguns
exemplos de análise do produto e de seu mercado, com base no fator local. Tal análise, e sua posterior aplicação, torna-se um dos principais fatores para o êxito de uma empresa e de um produto. Ainda que não solucione todos os problemas, nos abre um caminho para a diferenciação, que é,
em síntese, o que
mantém e faz crescer uma empresa. Podemos dizer que os produtos dados como exemplos, e que acompanham este informe, levam em conta estes e outros parâmetros de mercado, estando enfocados inicialmente à classe média e média alta dos centros urbanos do Nordeste e regiões com condições climáticas similares. O estudo do fator local nos proporciona os parâmetros em direção a um conceito diferente, que pode redundar em projetos com design inovador.
27
Jorge Montana
Segunda Parte Da Teoria à Pratica Vários são os possíveis caminhos, para a geração de produtos com base no fator local. Veremos detalhadamente três exemplos: 1-À partir dos artefatos: coleção jangada 2-À partir do móvel popular: cadeira espaguete 3-À partir do folclore(Lampião): linha Cangaço
28
Jorge Montana
Capítulo 6 A Jangada Elemento típico e representativo do Nordeste, desde Alagoas até o Ceará, trata-se de uma pequena embarcação de pesca de origem remota. A jangada de madeira, com casco quase plano adequado às fortes ondas do mar, era até vinte anos atrás, feita em toras maciças, geralmente de piúba, madeira importada do Pará; atualmente são elaboradas com tábuas (bordos, meios e minburá) deixando uma câmara de ar no seu interior.
As mais pequenas, de um tempo para cá,
apresentam
pranchas
aí
insubmergíveis.
em
isopor,
o
que
Sua vela é triangular (latina)
assegurado a um cavalete (banco do mastro) mudar
as
torna
e o mastro é que permite
a posição. Várias cavidades na base deste cavalete
(carlinga) sustentam este mastro na posição desejada. Na parte superior do banco do mastro existe um buraco (enora), no qual passa o mastro, onde se articula o suporte horizontal da vela. Dois suportes cônicos de madeira
em sua parte posterior
(espetes) permitem amarrar a vela a bordo ou estibordo. Entre estes suportes e o mastro localiza-se um banquinho para o pescador (banco do mestre) e um espaço para uma cesta grande onde é colocada a pesca (samburá). Nas jangadas maiores que podem permanecer vários dias em alto mar, a cesta é substituída por uma caixa de maior tamanho. No interior do casco bem estreito, podem dormir os tripulantes. À modo de quilha, para manter o equilíbrio em alto mar, utilizase uma enorme tábua (bolina) que se enfia numa abertura bem no meio da jangada (casa da bolina).
29
Jorge Montana
A âncora das jangadas, de forma piramidal, também elaborada em madeira, contém no seu interior um espaço no qual se coloca uma pedra ou pesos metálicos. É interessante fazer uma análise etimológica dos nomes das peças das jangadas; algumas delas tem origem ibérica (escota, carlinga, espete, bolina), outras, indígena (aracaçanga, tauaçu, atapú, samburá) e até mesmo africana (quimangá), o que demonstra como a jangada é fruto da mistura das três culturas. A jangada é feita totalmente à mão, por mestres especialistas que aprendem o ofício de geração em geração. As ferramentas básicas na fabricação são machado e serrote, e a única ferramenta elétrica utilizada é a furadeira, que facilita a colocação de tarugos de madeira, já que a jangada não leva pregos na sua construção. As proporções e relações geométricas entre as diferentes peças são a clave da perfeita navegabilidade e também da beleza da embarcação. Estas proporções são respeitadas em todos os tamanhos de jangadas que vão deste 3 até 10 metros de cumprimento. (Ver gráfico). O mestre jangadeiro, além de ser ótimo marceneiro, é especialista em trabalhar com fios de nylon e cordas que utiliza para
segurar
firmemente
os
diferentes
componentes
da
jangada. Na segunda metade do século XX devido a adaptação de
novos
materiais,
a
jangada
teve
um
aperfeiçoamento técnico e funcional. O isopor
determinante melhorou a
segurança e flutuabilidade, fazendo a embarcação mais leve e conseqüentemente mais rápida; novas
cordas de fibras em
plástico, substituíram as anteriores de sisal que perdiam suas características com a umidade. Tubos de PVC envolveram
o
30
Âncora de uma jangada
Jorge Montana
mastro nas partes que levam atrito substituindo peças de flange que se enferrujavam e ofereciam perigo de corte ao marujo. A
Jangada
continua
evoluindo
aos
poucos,
sua
permanência, por séculos de aperfeiçoamento, a torna uma das magistrais peças de Design autóctone brasileiro.
31
Jorge Montana
Uma análise geométrica da jangada surpreende pela perfeição das proporções, dadas sem dúvida, por fatores práticos derivados da efetividade na navegação. A jangada insere- se num retângulo perfeito dado pela soma de dois quadrados; a quarta parte desse quadrado (a) é um módulo básico que se encontra repetidamente. A proporção áurea dos antigos gregos, esta presente neste artefato.
3A
3A
8A
4A 2A A A 4A
32
Jorge Montana
AS PARTES DA JANGADA
articulação da vela
Ilustrações tomadas do livro: El Diseño en la Periferia. De Gui Bonsiepe. Este designer alemão que já trabalho muito em América Latina, foi o primeiro a analisar a Jangada: “Neste desenho vernáculo se condensam largas experiências que levam a soluções exemplares”.
ancora
banco do mastro
33
Jorge Montana
Capítulo 7 Da Jangada ao Produto. 7-1 À primeira vista não parece existir muita relação entre um barco e uma cadeira. No entanto, esta pode fazer-se evidente
se
pensarmos
nos
dois
elementos
a
nível
de
estruturas, uma para velejar, a outra para suportar o usuário sentado. Este fator de equivalência levou à constatação de vários
elementos
interessantes
que
foram
analisados
e
retomados no presente projeto, tais como: -Encaixes cônicos por pressão das diferentes partes, sem uso de pregos, já que eles se oxidam e se afrouxam em alto mar. No caso de uma cadeira, os pregos também se desajustam com o uso. A terminação cônica funciona melhor quanto maior seja a pressão. O ponto fraco desta união dá-se na parte externa do cone, onde, na jangada, é solucionado pelas cordas que são tencionadas para baixo do banco e do cavalete. Este elemento de tensão deverá também se fazer presente na cadeira que tenha este tipo de união. -
Os pés ou suportes do cavalete e do banco
estão
sujeitos ao piso da jangada devido a que a estrutura destes elementos é trapezoidal e fechada. Uma estrutura trapezoidal similar em uma cadeira ou poltrona seria interessante.
(ver
foto 5) - A vela na jangada pode ser solta com facilidade; uma capa de cadeira, desmontável e lavável, seria muito prática. A opção de desmonte seria viável para a totalidade da cadeira pois isto facilita sua venda e transporte. 34
Jorge Montana
- O mastro da jangada tem mobilidade em vários ângulos, sendo suportado através de vários furos que se localizam no
chão dentro do “banco do mastro”.
Em uma
cadeira com estrutura trapezoidal similar, se poderia lograr a possibilidade de optar por vários pontos de inclinação de encosto e assento em forma simultânea. (foto) Os elementos anteriormente especificados e detalhados, de por si, geram produtos com uma estética própria, a qual está totalmente baseada na funcionalidade. Totalmente desarmáveis, as cadeiras Jangada possuem sua estrutura elaborada em madeira de eucalipto cultivado e encosto em tecido de rede ou lona. Produtos da linha apresentarão alternativas de assento em palhinha
ou
madeira.
Planejada
para
diferentes
espaços
habitáveis, trata-se de uma linha bastante adequada não apenas para zonas litorâneas como também zonas cálidas em geral. 7-1-2 Parâmetros de Design tomados da jangada - Seleção de madeira e tecido como materiais do produto. - Estrutura trapezoidal. - Estrutura vertical de seção circular com arremate cônico. - Sujeição vertical para não deixar sair os arremates cônicos. - Possibilidade de articulação do encosto similar à da vela da jangada.
35
Jorge Montana
- Acabamento rústico desgastado (jato de areia). - Triângulo da vela como proposta formal. - Encosto e/ou assento em tecido desmontável.
7-1-3 Parâmetros de Design tomados da vela e da rede: - Uso de tecido de algodão. - Frescura do tecido. - Portabilidade. -Possibilidade de lavado. 7-1-4 Parâmetros de Design tomado
Poltrona Enora, da coleção Jangada, desmontada.
do móvel popular -Assento de palhinha 7-1-4: Mercado: Classe média de zonas de clima quente. Possibilidades futuras de exportação, devido ao baixo peso e volume. 7-1-5: Produto: COLEÇÃO JANGADA Os resultados à continuação, correspondem à origem de uma
coleção
de
cadeiras,
mesas,
estantes
e
poltronas
inspiradas nesta embarcação. Inicialmente pensou-se ilustrar este trabalho unicamente com uma poltrona, no entanto, a riqueza conceptual da jangada foi gerando várias alternativas, que acumuladas, formaram uma coleção. Para efeito de 36
Jorge Montana
avaliação de resultados, foram elaborados inicialmente três protótipos em madeira “Lyptus” com algumas peças torneadas, predomínio de encaixes cônicos com amarre vertical através de
Poltrona Enora e cadeira Tauaçu, encima de uma Jangada. Visualiza-se com clareza a origem conceitual.
parafuso de aço inoxidável ou bronze. Os móveis desta coleção podem
ser
montados
por
pessoas
inexperientes, já que
dispensam de colas e prensados; todos os produtos são desmontáveis. A coleção jangada consta dos seguintes móveis: Poltrona Minburá Poltrona Enora (graduável) Cadeira Tauaçu Mesas de jantar Mesas de centro de sala.
Mercado: Classe média de zonas de clima quente. Possibilidades futuras de exportação, devido ao baixo peso e volume. 37
Jorge Montana
Uso: residencial e institucional (hotéis, pousadas e restaurantes de climas quentes). Comprovação: premiadas.
A
totalidade
das
cadeiras
foram
A poltrona Enora ganhou Menção Honrosa no XV
Prêmio Museu da Casa Brasileira 2001. A poltrona Minburá foi Menção Honrosa no concurso de design Movelsul 2002 e a cadeira Tauaçu, Menção Honrosa no concurso Expodema na Argentina. A coleção completa foi finalista no concurso Design Movelsul 2002. A coleção Jangada entrou em produção pela
empresa
pernambucana Kakakis Móveis, a meados de 2002.
Poltrona Minburá da coleção Jangada. A poltrona desmontada cabe em um pequeno saco, já desmonta-se em peças soltas. Menção Honrosa Salão Design Movelsul 2002 * patente requerida
38
Jorge Montana
Mesa e cadeiras Tauaçu da Coleção Jangada. Menção Honrosa Expodema 2001Argentina * patente requerida
Mesa de sala Jangada. * patente requerida
Poltrona Enora: Os principais elementos da jangada são reinterpretados numa cadeira que conserva o espírito da embarcação. Menção Honrosa XV Prêmio Museu da Casa Brasileira. * patente requerida
39
Jorge Montana
CADEIRA TAUAÇU(*):
a
d
c
b
Na figura podemos ver um gráfico desta cadeira, inspirada na jangada nordestina: a- Encosto em tecido entre duas peças de madeira com inspiração no mastro e na vela. b- Peça de amarração entre pés e assento; os pés entram dentro desta peça que apresenta furos cônicos e um parafuso de tensão que fica preso ao assento; a inspiração vem do banco do mastro. c- Reforços horizontais; estas peças também tem encaixe cônico. d- Assento: A forma e o material inspiram-se no formato do casco da jangada. A cadeira é totalmente desmontável, o que facilta sua exportação e transporte. Elaborada em madeira Lyptus com encosto em tecido de algodão ou couro; acabamento com verniz PU. Medida montada : 90x48x45 Medida desmontada: 45x60 x7
*Patente requerida
40
Jorge Montana
POLTRONA MINBURÁ(*)
a
b
d
c
Na figura, podemos ver um gráfico desta poltrona inspirada na jangada nordestina: a- Encosto em tecido entre duas peças de madeira com inspiração no mastro e na vela b- Estrutura lateral à partir da análise dos espetes do banco do leme da popa da jangada. c- Pé de apoio, à partir dos mesmos elementos. d- Reforços horizontais, com encaixe cônico, tais como nas peças da jangada. Esta poltrona conta com seu respectivo banquinho para os pés. É totalmente desmontável em peças soltas. A Coleção Jangada se complementa com mesas de centro, laterais e de jantar levando em conta os mesmos conceitos. A poltrona é totalmente desmontável, o que facilta seu transporte. Elaborada em madeira Lyptus, com encosto em tecido de algodão; acabamento com verniz PU. Medida montada : 90x60x70 Medida desmontada: 95x18x18
*Patente requerida
41
Jorge Montana
Quadro de referencia Poltrona Minburá
42
Jorge Montana
Quadro de referencia Poltrona Enora
43
Jorge Montana
POLTRONA ENORA(*)
a d
b
c Na figura, podemos ver um gráfico desta poltrona inspirada na jangada nordestina: a-Encosto em tecido entre duas peças de madeira, com inspiração no mastro e na vela. b- Peça lateral à partir da análise do banco do mastro, do qual utiliza-se o sistema de articulação; a poltrona oferece três posições de graduação para encosto e assento. c- Reforços horizontais, onde as peças, como as da jangada, apresentam encaixe cônico. d -Assento: moldura com recobrimento em palhinha, lembrando a cesta e a rede de pesca. A mão de obra cearense tem tradição de tecelagem. A cadeira é totalmente desmontável o que facilta seu transporte. Elaborada em madeira Lyptus com encosto em tecido de algodão ou couro; acabamento com verniz PU. Medida montada : 85x67x70 Medida desmontada: 70x60x18
*Patente requerida 44
Jorge Montana
Partindo dos quadros ergonômicos de O´hara (Ergonomia na arquitetura e nos interiores) onde o autor analisa cerca de 200 inclinações de assentos e encostos ,( entre 90° e 110°)e concluindo que na prática, existem seis tipologias significativas, o designer Andries Van Onck criou o quadro superior. A aplicação na poltrona Enora, do princípio deste quadro, permite quatro posições diversas de encosto e assento.
45
Jorge Montana
Fotos do catálogo da coleção Jangada: O ambiente e a presencia do mar evocam o origem das peças. 46
Jorge Montana
Capítulo 8 À Partir Do Móvel Popular Espaguete.
Outra opção para criar novos produtos, é partindo do móvel popular, o que leva a uma pesquisa das soluções aplicadas de longa data, já que elas apresentam as soluções funcionais e técnicas adequadas à região; é o caso das cadeiras e poltronas com estrutura em vergalhão e espaguete plástico abundantes em toda a zona tropical do Brasil. Estas dão origem a
um
novo design
mais
necessidades, porém com
urbano
e
adequado
às
novas
o mesmo conforto. O produto de
origem determina os fatores funcionais e produtivos, porém implica busca de um conceito criativo externo. O móvel popular proporcionou os seguintes parâmetros: -Preço acessível. -Comodidade e ventilação (adequação ao clima). -Mistura de dois materiais abundantes e econômicos (perfil P.V.C. e metal). -Facilidade de reparação (espaguete ou palhinha). -Habilidade
da
mão
de
obra
local
em
trançado
(espaguete ou palhinha). À
diferença da Jangada, muito rica em conceitos
construtivos, as cadeiras populares oferecem ao designer exclusivamente parâmetros práticos úteis para a produção. 47
Jorge Montana
Após uma análise do espaguete, do seu efeito ótico quando está trançado, aliado à transparência, procurei uma fonte conceitual nos insetos, pois estes precisamente por sua transparência atestam os mesmos efeitos óticos do material espaguete. Assim, originou-se uma cadeira com corpo e coluna vertebral, onde como asas, surgem assento e encosto. A transparência, o material plástico, e o metal, se identificam bem com os computadores e interface da Apple, de moda quando estava trabalhando nesta cadeira; isto de por si, já dá algumas pistas do mercado da mesma. Criada tomando os principais elementos dos móveis populares de espaguete e inspirada nos peixes e insetos, sua estrutura, composta de duas partes, é elaborada em tubo de alumínio, ferro ou aço inoxidável. Acabamento epóxico prata ou cromo com recobrimento em espaguete ou vime. Mercado: classe média Uso: copas, salas de jantar
e escritórios
domésticos. Fonte de conceitos: A borbuleta e os insetos. Computadores Mac da Apple ( acima) Resultado Final: Cadeira Bugboleta. 1° lugar concurso de Design Utimóveis Recife 2001 * patente requerida
48
Jorge Montana
Capítulo 9 À Partir Do Folclore Quando se trata de obter um conceito de partida para desenhar um produto, torna-se até válido inspirar-se em personagens do folclore ou lendas populares; isto pode parecer estranho ao leitor, porém vários dos carros que são os maiores sucessos de venda, partem conceitualmente das histórias de quadrinhos que o novo consumidor lia quando criança. Este é o caso do Renault Twingo e todos os “feiosos”, ou seja, aqueles novos carros pequenos de maior altura, mistura de carro de passeio com utilitário (Fiat Doblo, Renault Kangoo) que estão tendo o maior sucesso.
Nestes
veículos
o
conceito
é
tão
óbvio
que
personagens de quadrinhos se misturam com o veículo real na publicidade televisiva. Se Mickey e Pateta podem ser fontes de conceitos para novos produtos, porque não o Saci Pererê ou Lampião? Neste caso os parâmetros práticos são os usuais para móveis de madeira, à partir da minha experiência como designer e do conhecimento
das
condições
produtivas
da
fábrica
que
encomendou o projeto (Kakakis Móveis de Recife) 9-1 COLEÇÃO CANGAÇO Virgolino Ferreira, o Lampião, era o chefe de um grupo de bandidos que assolou
o Nordeste do Brasil a princípios do
século passado. O carisma fanfarrão e desrespeito por um estado,
até
hoje
omisso
com
respeito
às
necessidades
49
Twingo e Kangoo, Veículos da Renault inspirados nos quadrinhos.
Jorge Montana
elementares da população, fizeram deste personagem uma lenda que segue incólume no imaginário popular, integrando-se ao patrimônio cultural desta região através da música, da moda, do artesanato e literatura de cordel entre outras manifestações. Lampião e sua banda de cangaceiros, vestiam com as roupas utilizadas pelos vaqueiros da região, em couro cru, para se protegerem da caatinga nordestina, um terreno monótono cheio de
pequenas
árvores
sem
folhas
na
época
da
seca
e
normalmente cheias de espinhos.
Lampião
O tradicional gibão, o chapéu nordestino, a cartucheira, a espingarda e os enfeites de prata, constituíram-se para o Designer, num ícone muito forte, do qual poude extrair vários conceitos para criar uma linha de móveis em sua homenagem (ver figuras). Infelizmente não foi possível aproveitar elementos tais como as costuras de couro ou a riquíssima decoração dos chapéus, pelo menos dentro das condições da fábrica que encomendou esta linha, mas também para não correr o risco de
ser
assaz
óbvio
e
cair
no
“kitch”,
em
cujo
caso,
estabeleceria-se mais um desrespeito que uma homenagem. Deste modo, os elementos tomados do cangaço foram os mais representativos, onde simplificou-se a figura do vaqueiro: a forma do chapéu, as espingardas e a cartucheira. O uso de couro, metal, tecidos e a madeira, lembram também os apetrechos e a roupa destes personagens.
50
Jorge Montana
O fato de inspirar-se no Lampião, para uma cadeira, não deixa de ser engraçado, de modo que o humor é um elemento importante no projeto. Estes móveis são elaborados na mesma região originária do personagem, aproveitando as técnicas e matérias primas abundantes na região, de forma industrializada.
A coleção Cangaço, inicialmente para sala de jantar, é elaborada em madeira cultivada da região Nordeste (Lyptus) com detalhes em metal e couro. Totalmente desmontável em peças separadas, já foi concebida para exportação.
Protótipos da linha Cangaço por Jorge Montana para Kakais Móveis (PE) 51
Jorge Montana
Capítulo 10 Cenários A diferença de um projeto de design realizado para uma empresa com um esquema já existente de vendas; seja rede própria, representante ou lojas - um projeto que nasce de uma procura conceitual nos fatores locais, precisa encontrar o seu setor do mercado especifico no qual vai apresentar-se e com a finalidade de criar a estratégia de comunicação para introduzi-lo no mercado. A estratégia do fator local determina em forma natural estes campos novos do mercado, já que basea-se na comparação do existente com respeito às condições do lugar, motivo pelo qual pode-se inferir que estes produtos teriam o maior sucesso no mercado
original,
neste
caso
o
Nordeste,
onde
foram
projetados. Infelizmente as coisas não são tão simples assim. Não podemos ainda determinar um público alvo específico que precise e compreenda estes produtos. Não sabemos ainda qual é o setor do mercado, o nicho, como se denomina em marketing aonde nosso produto vai se posicionar. Para compreender isto é de utilidade aplicar o método de “cenários”, esta técnica aplicada inicialmente na moda, começa a
ser
utilizada
em
outros
eletrodomésticos e automóveis.
setores
do
consumo
como
Seu objetivo é estabelecer
claramente as ligações do produto através de seus fatores semânticos com o grupo dos potenciais consumidores. Como a resposta à pergunta não se faz de forma automática, o sistema de cenários permite visualizar claramente estas relações. 52
Jorge Montana
A novidade neste caso especifico é que dita relação foi feita depois de ter os produtos e não antes como manda a teoria. Esta é outra das características interessantes da aplicação do fator local; o cenário já está configurado na prática e implícito na estrutura dos projetos, o que não acontece com um projeto convencional; em outras palavras, o produto baseado no fator local, tem um forte caráter dado pela simbiose com os conceitos originais, isto se a base de pesquisa conceitual tão rica e variada, for transposta corretamente e com bom senso. Para efeito de montagem do cenário dos produtos: “Bugboleta”, “Coleção Jangada”, e móveis Lampião, veremos um quadro para cada produto onde relaciona-se em uma matriz, as “sensações” que estes produtos transmitem versus outros fatores que possam ser de interesse como contexto, tradição e consumo. Esta relação determina uma série de fatores psicológicos e sócio-culturais que nos ajudam a determinar em forma prática e bem elaborada o setor de mercado, características e uso do produto. Estas conclusões não só serão ótimas para determinar o mercado senão também para uma futura campanha publicitária que pretenda fazer desejável a compra do produto, para a ambientação de espaços de venda e design de catálogos.
53
Jorge Montana
10-1 CADEIRA BUGBOLETA SENSAÇÕES VISUAIS
OUTROS SENTIDOS
COMPONENTES
AMBIENTE
PSICOLÓGICOS
USUÁRIO -USO
POPULAR
CALOR
EXTERIOR
COZINHA
TRADIÇÃO
BRISA
ESPORTE
COPA
PASSEIO AO INTERIOR
LIMPEZA
TEMPO LIVRE
ESCRITÓRIO
RECARREGADO
METAL FRIO
LABORATÓRIO
HOME-OFFICE
COR FORTE
PLÁSTICO
INDIVIDUALISMO
25-35
VELOCIDADE
DIRIGÊNCIA
IRIDISCÊNCIA
QUENTE
PEIXES
CONFORTÁVEL
AGILIDADE
INDEPENDENTE
INSETOS
EFEITO ÓTICO
JOVEM
MÉDIO-ALTO
AUDÁCIA
URBANO
BICHO -AGILIDADE CARDUME OU GRUPO
LINHAS
TRANSPARENCIA
RESOLUÇÃO
MOVIMENTO VELOCIDADE
DE ATUAL GRUPO – TRIBO E-BUSSINES
AMPLITUDE
AQUÁRIO -CAZULO
REMINISCÊNCIA
TECNOLOGIA
MATERIAL ARTIFICIAL
A transposição das sensações na cadeira bugboleta indica um mercado jovem, para casa, estudo e copa, o quadro nos indica a necessidade de complementar o projeto com uma mesa de copa e uma cadeira giratória para o mercado de escritório e estudos.
54
Jorge Montana
10-2 COLEÇÃO JANGADA SENSAÇÕES VISUAIS
OUTROS SENTIDOS
COMPONENTES PSICOLÓGICOS
AMBIENTE USUÁRIO USO
NAVEGAÇÃO ÁGUA ESPAÇO ABERTO AMPLO MOVIMENTO PAZ LIBERDADE
CALOR VENTO MOLHADO MARESIA PROTEÇÃO FETO ABRAÇO CARINHO
EXTERIOR DESCANSO TEMPO LIVRE INTROSPECÇÃO SEGURANÇA TRADIÇÃO PERMANÊNCIA IDENTIDADE CULTURA EDUCAÇÃO PROTEÇÃO REFÚGIO PAZ
TERRAÇO EXTERIOR ESTUDO HOTEL POUSADA INTERIOR
FUNCIONAL TRANQULIDADE SIMPLICIDADE PRAIA INTERIOR CIDADE
DESCANSO PAUSA PERMANÊNCIA ESPAÇO ABERTO REMINISCÊNCIA
GER 5–120
EVOCAÇÃO REUNIÃO ATEMPORAL INTROSPECÇÃO PRAZER
A Coleção Jangada é atemporal, talvez por ser baseada em um elemento eminentemente funcional e aperfeiçoado por séculos, seu mercado torna-se muito amplo com ênfase em espaços abertos em climas tropicais. Por ter uma linguajem mais neutra, evoca um coletivo cultural; as poltronas geram uma sensação de paz quase maternal que convida ao descanso. É uma linha de móveis atemporal, poderia ser projetada hoje, ou 40 anos atrás e teria a mesma permanência no gosto do consumidor.
55
Jorge Montana
10-3 COLEÇÃO LAMPIÃO SENSAÇÕES VISUAIS
OUTROS SENTIDOS EVOCAÇÕES
COMPONENTES PSICOLÓGICOS
AMBIENTE USUÁRIO USO
AVENTURA SECA DUREZA ESPAÇO ABERTO POEIRA MOVIMENTO VIOLÊNCIA RUSTICIDADE LIBERDADE POBREZA FORÇA UNIÃO DESERTO SOFOCO SIMPLICIDADE SERTÃO
CALOR VENTO PESADO TRADIÇÃO EXOTISMO
EXTERIOR SEGURANÇA TRADIÇÃO PERMANÊNCIA IDENTIDADE ROMANTICISMO CULTURA
CASA SITIO HOTEL POUSADA INTERIOR
ESPAÇO ABERTO REMINISCÊNCIA TRANSPOSIÇÃO HUMOR
EVOCAÇÃO REUNIÃO EVOCAÇÃO INTROSPECÇÃO COMPROMISSO
GER 35–120
À Coleção Lampião é “de difícil digestão”, pois mistura elementos
como
tradição
e
humor
ou
violência
com
romanticismo. O curioso é que a figura de Lampião e o cangaço, apresentam as mesmas contradições, estas se fazem explÍcitas nos móveis; não está claro ainda o sucesso comercial desta linha porÉm garante-se seu sucesso ao nível de imagem para a empresa produtora, pois o usuário e a mídia percebem inconscientemente esta contradição e o produto se destaca. O sucesso comercial poderá estar na sua apresentação no ponto de venda e conseqüente imagem. Para venda no exterior, ou em regiões onde não existem tais contradições, estes móveis entrariam com sucesso dentro de um mercado étnico que valoriza o cultural, que em últimas, contém forte identidade brasileira.
56
Jorge Montana
Capitulo 11. Aprendizado O presente trabalho deixa como fruto alguns produtos que mais que propriamente um resultado, são uma afirmação e manifestação da tese
exposta, com a qual pretende-se
demonstrar o seguinte: -O fator local, que várias vezes é apercebido como um obstáculo, é na verdade a soma de várias oportunidades que podem ser analisadas e aplicadas. -O fator local, aplicado através dos móveis populares nos proporciona parâmetros claros com respeito a matérias primas, adaptação e funcionalidade. É com base a
função do designer selecionar,
estes elementos de avaliação, os conceitos que
conduzem a um produto inovador. -O fator local partindo de lendas, folclore e personagens, traz intrínsecos os conceitos. É função do designer depurá -los e selecioná-los assim como as matérias primas e técnicas construtivas. -Alguns artefatos magistrais como a jangada,
levam
intrínsicamente os conceitos que farão a diferença no produto; isso sobretudo quando ditos conceitos são de ordem prática, funcional e estrutural, e não apenas decorativos ou estéticos. -O trabalho de estudo do fator local baseado nos artefatos, permite diminuir o componente subjetivo do design, logrando-se produtos mais racionais, e portanto, de mais fácil aceitação.
57
Jorge Montana
-Devido a isto, o estudo destes artefatos e o traslado de suas lições aos produtos, permitem dar aos mesmos, uma linguajem mais limpa que se constituirá em garantia de permanência no gosto do consumidor. -É possível com este processo de Design, definir com absoluta claridade o mercado destes novos produtos, fazendo explícitos os conceitos neles contidos, inclusive transferindo-os às características do consumidor. - Quando o conceito gerado a partir da cultura popular local
é principalmente de tipo estético
é preciso analisar
também as limitações e características do entorno local e produtivo. -O estudo e aplicação do fator local e os conceitos daí originados, não apenas funciona como arma defensiva para conquistar seu mercado original, mas também pode resultar no elemento agressivo para a introdução bem sucedida de novos produtos a escala global. -O estudo e aplicação do fator local têm o potencial para ser
a
principal
conferindo-lhes competirem
arma assim
para os
o
progresso
elementos
e
das
empresas,
produtos
para
globalmente com produtos que possuem própria
identidade. -Os resultados apartam-se das regras e parâmetros do que se considera “bom design” tendo como referencial o design europeu, caminho a meu entender altamente passível de saturação, que já se começa a perceber nesta mistura de moda e alta tecnologia descartável que apresenta-se em Milão todos os anos. 58
Jorge Montana
-O estudo e aplicação do fator local potencializa a identidade dos produtos desenvolvidos como um diferencial cultural atrativo perante o futuro usuário.
59
Jorge Montana
Capitulo 11 Outros casos
O tema da identidade cultural do produto brasileiro não é novidade, de fato vários designers no Brasil estão aplicando com êxito os fatores locais como fonte de conceitos para novos produtos. A maior parte destes trabalhos nasce como uma adaptação e aproveitamento das condições existentes no local. Quem já recorreu sem pressa o centro de São Paulo, cheio das mais
inusitadas
lojas
de
materiais
para
usos
diversos,
compreende melhor o trabalho dos irmãos Campana e a sua escola, que procura surpreender com o uso não convencional de materiais inéditos no mobiliário. Este tipo de proposta não seria possível numa cidade diferente a Rio ou São Paulo. Ao respeito cito palavras dos designers: “São Paulo é nossa grande fonte de inspiração, o caos, a forma como as pessoas se organizam nas ruas, as lojas de materiais ou mesmo pequenos cantos da cidade. Procuramos fincar o olhar na cultura local” .
As
madeiras
amazônicas
na
sua
diversidade
cromática
são a fonte da criação para o trabalho muito pessoal Maurício vários
do
designer
Azeredo outros
e que
pretendem valorizar a 60
Cadeira vermelha por Fernando e Humberto Campana para EDRA (Itália) Luminária Euca de Chico Lobo ( à direita) e gaveteiro de Maurício Azaredo(embaixo)
Jorge Montana
beleza das madeiras da Amazônia, trabalho complexo, pois o multi-cromatismo das madeiras torna as peças visualmente carregadas, e por isto de difícil aceitação ambiente, exceto como peças soltas.
dentro de um
Outros designers que
trabalham no Nordeste procuram seus conceitos na mistura de técnicas artesanais em produtos industriais, como é o caso da luminária Euco do designer maranhense Francisco Lobo. (foto) Elaborada em fibra de carnaúba e com estrutura em aço inox e chapa de latão perfurada originada no descarte da produção das moedas, onde a fibra é trançada ou amarrada manualmente. O mais destacado trabalho dos anos recentes, atualmente
em
produção pela empresa Schuster, mas gestado na
Primeira
Casabimovel,
evento
organizado
pela
Abimovel em 1999, é sem dúvida à criada
pelas
linha imigrantes, designers
gaúchas
Ana Luisa Lo Pumo, Ma. Cristina Moura (mais conhecidas como Tini e
Lui
) e
Debora Eichenberg.
Inspirada nos móveis coloniais dos imigrantes italianos e alemães do sul do país porém adaptadas às medidas dos espaços e às condições modernas. Trata-se de uma linha completa para sala de refeições e estar,
onde
as
designers
não
só
retomaram
conceitos
61
Móveis Imigrante por Tina e Lui. Produzidos pela Schuster (RS)
Jorge Montana
esquecidos como o guarda louça superior e inovações práticas como o reaproveitamento de espaços nos tampos das mesas, mas também conceitos de aproveitamento multiutilitário em móveis que os artesões europeus trouxeram consigo quando imigraram ao Brasil, há mais de um século.
Retoma a simplicidade do móvel antigo integrado às condições produtivas da indústria moveleira atual.
Isto, sem
perder de vista características artesanais como o trançado de couro no assento. A coleção “Imigrante” ganhou o XIV Prêmio Museu da Casa Brasileira 2000. As autoras gentilmente enviaram a seguinte descrição: “Sempre nos interessou o mobiliário original de época encontrado em uso ainda pelos descendentes . O resultado da busca e posterior análise tanto do móvel trazido além do mar, como o móvel aqui elaborado pelo colono, utilizando a memória e matrizes como modelo, tudo isso ensejou a transição e a releitura para o móvel contemporâneo. È claro que nessa transposição, ocorreram simplificações
de detalhes, novas
propostas de funcionalidade e supressões de adornos para adaptar
o
móvel
ao
uso
e
forma
adequados
à
contemporaneadade. È lógico que as técnicas construtivas e material
utilizado,
visando
a
produção
industrial,
foram
preocupações básicas. O espiríto da funcionalidade quisemos ressaltar. A queijeira, que em sua origem provém das queijeiras elaboradas pelos pomeranos radicados na região Sul do estado, e cuja função era a preservação de queijos recém elaborados em móvel ventilado, daí advindo o gradil de madeiras nas portas . Na versão moderna suprimimos frontão decorativo superior e 62
Queijeira Imigrantes. ( acima) Móvel colonial gaúcho inspiração da linha. ( embaixo)
Jorge Montana
mantivemos o gradil, a escala e a simplicidade da forma. Serve para guardar, como bar, guardar som, etc....” “Nosso foco além de pesquisa das nossas raízes para inspiração dos móveis é também a apropriação de ícones ou temáticas de nossa história como pontos de partida. O método básico foi observação, pinçar o que achávamos relevante, no caso, o sentido funcional dos móveis (tanto que em alemão os móveis chamam-se guarda-louças, quarda-queijo etc., indicando explicitamente sua função”
A idéia de trabalhar à partir da jangada, teve neste trabalho minha
principal
referência;
esta
dupla
de
irmãs
menos
conhecidas que o seu par masculino no design brasileiro, porém com muito mais sucesso de vendas no mercado nacional tem grande respeito dentro do setor moveleiro. Em todos os casos citados anteriormente, fica claro uma origem, um conceito e uma identidade local. Quando o criador do produto não tem um conceito claro, como infelizmente acontece com alguma freqüência, o resultado não tem “alma”, suas formas ficam sem sentido, desconexas ou rebuscadas, confundindo ao consumidor, gerando rejeição: quando não se tem em conta o local, o produto será inviável e de péssima qualidade. Quando como designers, nos inspiramos nos produtos de outras praças, estamos desperdiçando o potencial dos fatores locais e tomando uma identidade emprestada, fazendo então, uma amálgama de má qualidade pela qual o produto vai se perder na selva do mercado. Tomando emprestada uma frase copiada do livro de visitas da exposição Brasil faz Design 2002, apresentada em Milão na semana da feira do Móvel: “estamos 63
Jorge Montana
pretendendo vender gelo no pólo norte”, pode-se entender melhor o anteriormente explicitado. Neste sentido considero funesta a influência do “design de autor” do móvel de Milão, correspondente a uma realidade diversa de um mercado maduro e saturado, de alta tecnologia e com forte concorrência, onde o fator moda peza muito na compra mais por impulso que por necessidade. O que realmente temos que aprender dos italianos são as estratégias de marketing que conseguem que o mundo inteiro aplauda, sem parar para pensar, o festival do desperdíçio em que se converteu o chamado “móvel de design”, cujo destino à volta de dois anos será a cesta do lixo. Quando o produto parte do local, e por isto mesmo, possui caráter e adaptação às condições produtivas e necessidades específicas
de
nossos
clientes,
vai
vender
não
só
pela
integração destas condições, mas também pela identificação “maternal” que o consumidor faz dos seus valores e tradição. Vai ter sucesso também no exterior pelo exotismo e novidade que o consumidor de fora encontra no novo produto. Aplicando o velho ditado, “vamos ter a faca e o queijo na mão”.
64
Jorge Montana
Conclusão: A pesar dos esforços do setor moveleiro representado no Abimovel e seu programa Promovel, o móvel brasileiro não consegue aumentar as exportações de forma significativa, muito pelo contrario, começa a perder inclusive parte de seu mercado interno. Uma crise de identidade toma conta do setor na hora de exportar, isto é normal em um setor novo e até pouco tempo sem concorrência externa.Por outra parte a força da cultura popular brasileira é tão forte que transcende as fronteiras. A imagem do Brasil no mundo é de alegria, exotismo e colorido. Os
elementos
para
isto
estão
aqui,
no
nosso
quintal,
infelizmente temos a tendência a olhar fora dele procurando no sucesso dos outros a receita para o próprio sem perceber o que temos de bom e não estamos aproveitando. O presente trabalho consistiu numa reflexão sustentada pela prática dos produtos projetados e do que considero seja um caminho que leve as empresas a crescerem a traves do estudo das características que lhes confere estar localizadas num determinado lugar. Em qualquer empresa este estudo junto a sua própria individualidade,
as
particulares
condições
de
mercado
e
produção, são o antídoto contra uma agressiva globalização de mercados
que
apesar
de
estar
apoiada
em
empórios
econômicos não tem como poder valorizar e aproveitar isto que definimos como o fator local.
65
Jorge Montana
O fator local ademais, não só permite as empresas crescer em sua zona de influência mas é condição para que o produto seja exitoso em
outros
mercados já, que esta
adaptação e aproveitamento dos fatores locais representada no produto, é fator de novidade no mercado externo e finalmente se transformam em um fator de identidade. A sabedoria popular em suas produções materiais, como já aconteceu com a biônica e a arte, podem ser fonte de inspiração de soluções
inéditas e não só cosméticas, já que
nelas
soluções
se
encontram
magistrais
com
a
maior
simplicidade. É em nos mesmos, em nossa cultura e entorno que devemos procurar nossas respostas não tento em propostas exógenas que chegam na velocidade da informação pero não sempre são as melhores soluções. A vida de um designer é a luta contra a tendência pessoal a procurar referências e conceitos em produtos já existentes, é por isto que não sempre surgem trabalhos realmente ineditos O presente trabalho, como já mencionado, deixa como fruto alguns produtos, que mais que um resultado são o manifesto palpável do aqui escrito. Para mim como designer, registrar e fazer o esforço de tornar consciente todo o processo foi fascinante e enriquecedor cheio de constantes descobertas, na luta pessoal para racionalizar um processo que finalmente, apesar de todos os esforços tem sempre um definitivo elemento subjetivo e pessoal, a pesar que como designer intente de forma consciente gerar um linguajem objetivo, medível e qualificável. 66
Jorge Montana
Neste ponto me aproximo da velha metodologia da escola alemã de ULM que marcou até pouco o ensino de design; tal vez a forma seja conseqüência da função depois de tudo, só que a função esta muito mais no campo da percepção e a psicologia do que achavam os velhos mestres.
Para mim,
submergir neste processo mas como interprete que como criador foi fonte de aprendizado e sabedoria. O tema das cadeiras como produto escolhido no trabalho prático foi o grande reto; não tem no design de móveis produto com maior complexidade na hora de avaliar uma novidade que uma cadeira, pois cada dia torna-se mais limitada possibilidade de lograr algo diferente. O fato de ter-lo conseguido é a prova final e a grande conclusão deste trabalho; a dificuldade de projetar cadeiras e poltronas, não está em conseguir variações formais, senão em encontrar um ponto de partida, neste caso, as soluções populares. Esta monografia relaciona a pratica profissional com a teoria do design; poucas publicações cumprem este objetivo. Poderá viabilizar-se como o ponto de partida para estudos mais rigorosos a serem executados por designers acompanhados de antropólogos e fotógrafos que pesquisem a cultura popular procurando extrair conceitos, Uma deste teor, seria de fundamental importância tanto para os designers como para a industria brasileira. Apoiar a criatividade no marco da interpretação dos artefatos e da cultura populares, as vezes com centenas de anos de lenta evolução, é beber das fontes da sabedoria.
67
Jorge Montana Fortaleza, Junho de 2002 www.jorgemontana.com www.jangadacollection.com Fone- fax: 85- 4768029
[email protected]
Jorge Montana
BIBLIOGRAFÍA A Indústria de Móveis no Brasil Leitura Moveleira 2 - Abimóvel Promóvel - Alternativa Editorial Project Management David Burstein - Frank Stasiowski De GG Móvel moderno no Brasil Ma. Cecilia Loschaivo Dos Santos - Studio Nobel Fapesp Edusp El diseño en la Periferia Gui Bonsiepe Ed GG -1985 Design - El sentido de las formas en los productos. Andries Van Onck - Centro Analise Sociale Progetti 1995 Antología do Folclore Cearence Florival Seraine - Edições UFC –1983 11° ao 15° Prêmio Museu da Casa Brasileira 1997/2001 Milan, Acayaba, São Paulo; Museu da Casa Brasileira Salão Design Movelsul- 2002 Catálogo geral. Revista Móveis de Valor, Edição Especial: Nordeste Top Curitiba Junho de 2002 Revistas Mobile Nordeste, números vários. Curitiba 2000-2002
Revista Arc Design São Paulo, Julho Agosto 1999 SITIOS WEB: www.brasil.gov.br www.ceara.gov.br www.pernambuco.gov.br www.lyptus.com.br www.abimovel.org.br www.fiesp.org.br www.geocities.com.br/msslkc www.brfcolors.com www2uol.com.br/animae/desenho anonimo www.chicolobo.com.br 68