o amor exige expressão, diz a epígrafe de duas iguais e esta frase, repetida no derradeiro parágrafo do livro, é o mote desta terna, pungente, encantadora novela. o amor exige expressão, e a expressão do amor está na gênese das grandes obras de arte, seja em literatura, seja em música, seja na pintura. duas iguais, livro de estréia de cintia moscovich, é a expressão do amor entre duas mulheres, um daqueles amores que, na expressão de oscar wilde, não ousava dizer o seu nome. não ousava: o passado é necessário, porque estes tabus já perderam a razão de ser. É preciso chamar o amor por seu nome. faz parte da expressão do amor. e faz parte da grande ficção. cintia moscovich é uma grande ficcionista. cumpriu-se plenamente a promessa representada por seus primeiros textos literários, que anunciavam uma nova e surpreendente voz na literatura do país. cintia venceu o concurso de contos guimarães rosa, foi indicada para o jabuti – e conquistou um público fiel que a acompanha nos livros e no jornal. É uma voz eminentemente feminina, uma das novas vozes que surpreendem o brasil e mostram que as escritoras já não são “as loucas no sótão”, para usar uma expressão norte-americana, são figuras atuantes no contexto cultural brasileiro. cintia conquistou o seu lugar por várias razões. para começar, domina de forma soberba a linguagem literária; sua narrativa prende a atenção do leitor. mas cintia tem também características originais. ela situa esse caso de amor no contexto da comunidade judaica de porto alegre, da qual é originária, e que portanto conhece bem. o que temos, nesta novela, é um verdadeiro choque cultural (e emocional). cintia descreve-nos um grupo humano inseguro quanto à sua inserção social, no qual o negócio e os filhos são fatores de estabilização. quando clara, a protagonista, destoa deste esquema, torna-se duplamente transgressora, e o conflito que daí se origina contrasta com a sua relação com ana e só a enfatiza. “eu queria contar uma história de amor”, diz clara. ao contar esta história, cintia moscovich nos emociona a todos. e integra-se nessa corrente de criadores que, desde sempre, souberam expressar nossos sentimentos. “o amor estilhaça o cristal”, mas não antes que esvaziemos esse cálice, o cálice que contem o vinho da paixão.