poesia, descaso e intervenção. então estamos assim. como sempre queixosos em relação ao lugar historicamente secundário ocupado pela poesia em nosso contexto cultural. os editores alegam o fato de que poesia não vende. não é preciso genialidade alguma para perceber que tal se verifica na prática.os livros com boa vendagem em poesia não representam muita coisa se comparados aos textos em prosa.o lugar da poesia me parece que está naquela zona restrita, abandonada num canto de oficina qualquer como um pneu gasto. a constatação deste estar à margem confere a este gênero uma singularidade deveras interessante. todo discurso é aprisionável, pois que se dá sempre enredado na teia da linguagem.felizmente a arte, o alcance do termo aqui é bem abrangente, convida ao jogo cuja função essencial é chacoalhar, desestabilizar um estado de coisas. a poesia é a arte da palavra enquanto a prosa é a arte do enredo,do plot, da adequação de uma história seus personagens.nossas mentes,que milagrosamente não são binárias, têm como paradigma essencial a ordem e não a fragmentação constante da alma dos versos derramados seqüencialmente.nossas mentes precisam da ordem para poder existir.ao nascer,. desenvolvemos estas funções lógicas e por estes modelos somos guiados. a poesia encontra-se neste lugar desatualizado. ela se mexe sem alarde fora das grandes resenhas ou dos grandes jornais em circulação no país.aparece pouco em documentários nos canais de televisão por assinatura. há saraus organizados aqui e ali, alguns fóruns de debate de quando em vez,grupos que se reúnem ou se estruturam em sempre louváveis performances poéticas.há revistas eletrônicas de excelente qualidade que publicam maravilhosos poetas.algumas revistas da mídia impressa o fazem também. estamos cada vez mais afunilando para a prosa em detrimento da poesia.existe este aspecto incontestável na questão propriamente dita.se analisarmos os cadernos culturais dos periódicos de maior circulação no país, observaremos o fato de que, na lista dos mais vendidos, não se encontram tantos livros de poesia. uma questão é sempre o que é, e por ser o que é, permite várias leituras.uma questão definitivamente séria deve apontar para uma miríade de perguntas. pensar é fundamentalmente levantar questões.pensar é igualmente introduzir o novo num determinada configuração e observar e se deixar afetar por esta inserção. o espaço deste desterro é o espaço no qual se encontra, via de regra ,o vigor que se concretiza na ação.se observarmos o outro lado desta questão,veremos que na maioria dos sites ou portais de poesia o número de acessos é bastante respeitável.o portal palavreiros,do qual tenho a honra de fazer parte, hoje tem um número de entradas significativas em tantos anos de existência..o portal e www.aartedapalavra,que divulga não só poesia,mas prosa e ensaios, ostenta um
considerável número de acessos. o www.palavrarte.com surge com um número bastante significativo de entradas e há alguns outros que omitirei aqui por falta de espaço e tempo. as revistas literárias da mídia impressa publicam corajosamente poetas iniciantes a revista cult, por exemplo,publica mensalmente poesia e prosa de muito boa qualidade.o trabalho desenvolvido pela www.revistaetcetera.com.br, da qual tenho a honra de ser colaborador, é de primeiríssima qualidade.a www.bestiario.com.br publica contos de todas as partes do país abrindo ainda espaço para autores estrangeiros. artigos,resenhas,ensaios,entrevistas,contos e fundamentalmente poesias são publicados bimestralmente e o número de acessos é cada vez maior.a revista www.rodamundo.com.br divulga igualmente muito boa poesia.o portal da escritora vânia diniz abre espaços para autores jovens e promissores. estas revistas corajosas merecem todo crédito do mundo pelo fato de também apostarem em poesia.mesmo assim permanece a sombra do descaso a pairar sobre tal estilo. não se sabe ao certo o motivo pelo qual a poesia emudeceu no correr dos anos.isto demandaria um estudo delongado e não é esta a proposta deste artigo.posso e desejo apontar apenas alguns indícios,algumas pistas que,assim sinceramente espero,algum dia sirvam de ponto de partida para uma futura pesquisa aprofundada. a partir talvez do século 18,com o sempre fatídico advento da revolução industrial, as luzes calaram aos poucos o fluxo poético moderno e contemporâneo..o fragmento passava então a ocupar um lugar bastante diferenciado, pois o nervo da sociedade era atingido pela necessidade de formas encadeadas por seqüências lógicas de expressão.o plot, a força da descrição, se sobrepôs estilisticamente ao misterioso refinamento dos versos.nossa configuração mental se tornava ainda mais relacional e não tão mais diretamente orientada para os sentidos.a percepção demandava uma compreensão aprofundada e crítica dos fatos. tal quadro se estenderia então até os dias de hoje.vemos que os números de exemplares vendidos pelos chamados ícones de poesia no mundo todo não se compara aos vendidos pelos prosadores.quer queiramos ou não, nossas configurações mentais são simétricas.nossos sentidos domesticados desde que nascemos.muitos grandes artistas, ou artistas em potencial na infância, se perderam neste momento onde o que aflorava foi podado por esta moral avassaladora ,por esta neurótica ética discursiva do bem viver. a poesia remete a um estado de consciência ..para se ler poesia é preciso estar dentro da mesma.o estado a ser alcançado é aquele semelhante ao dos japoneses. bashô nos fala de um introspecção profunda.ele produz o haikai quando está mobilizado para tal.o haikai está precisamente enraizado na idéia de concentração e observação silenciosa de tudo que está ao redor.não é preciso ser poeta para se mergulhar neste estado de consciência.quem não é haikaista pode aprender a revirar o olhar e ouvir o inaudível e compreender o incompreensível.fala-se aqui de uma delicada e profunda mobilização dos sentidos. este movimento não se coaduna com as exigências da vida moderna.hoje nossas precárias noções de tempo e espaço acham-se vinculadas às leituras
mercadológicas em nível de otimização.direcionar tarefa significa poupar tempo. os poemas dispostos página após página no livro.a falta de um enredo coerente e seqüencial.a ausência na grande maioria das vezes de capítulos. mesmo a divisão por tópicos e as tentativas de delimitação das séries por alguns artistas se distanciam em muito daquele rigor da prosa. lemos os livros de poesia e nossas almas se fragmentam.os versos dispostos de várias maneiras e mais tradicionalmente em estrofes. É de se esperar que algo aconteça em termos perceptivos quando estamos imersos na leitura de livros deste gênero relegado ao ostracismo. o grande legislador grego péricles costumava deixar a pólis por algum tempo para verificar junto com seu povo se as medidas implementadas haviam surtido efeito.tal era a noção de ostracismo na verdadeiro e talvez mais genuíno exercício de democracia de quem se tem idéia. atualmente tal sentido vem sendo deturpado continuamente e seria interessante se pudéssemos aprender mais estudando os gregos pormenorizadamente.para tal, sugiro o livro democracia na grécia antiga, do criterioso historiador finley. nossa tola noção de democracia não acolhe e nunca acolheu a diferença.o tempo das luzes trouxe a derrocada do espírito que não se enquadrava nas exigências de uma suposta racionalidade.o mercado não mais acolhia algo estranho à boa consciência.o aspecto mais triste em toda democracia se tornou então a repressão pela liberdade, a coerção sistemática através do estigma da imobilidade das formas préconcebidas que se arrasta até os nossos dias.o mercado dita e literalmente rotula e modela o gosto. sempre concordei com os marxistas acerca de tal fato.as leis do mercado governam ou têm uma considerável influência no gosto. o mercado já estipulou que poesia não vende.quanto a isto eu tenho lá as minhas sinceras dúvidas quando verifico o número de entradas nas páginas e nos portais da internet.