POEMAS PARA A PERFORMANCE DE APRESENTAÇÃO Introdução – Ushmael, dollar brand
Antes o homem fosse como a águia | que nunca afirma nada mas cuja presença é bastante afirmativa | antes o homem tivesse penas a cobri-lo | em vez de ter vergonha como tem | em vez das penas que lhe escapam ou que por uma ou outra razão entende mal | se ao menos não entendesse nada já não era mau | ou pelo menos não era tão mau como entendê-las mal | que é tê-las cravadas na carne | e com grande desgosto e grande dor | arrancá-las para não ser como a águia | superior e afirmativa e ser apenas | um animal nu e flácido encolhido | com temor da própria grandeza precariamente equilibrada no malentendido da sua superioridade. 1. Improvisação atonal
Não sei mais se das horas das pancadas Que já não sinto que se diluem As pancadas surdas que se diluem nas horas E o que eu sempre procuro sem achar E do que eu sempre encontro sem procurar Diluído nas horas vago na existência e no ser Como uma nuvem de fumo invisível O mundo invisível com as coisas visíveis Por cima da estrutura brutal As frágeis coisas como bolas de cristal Como a atmosfera opiácea Como tudo o que é invisível e impalpável Mas desesperadamente perceptível. 1
Mais improvisação atonal
Aquilo que eu vejo Acredito realmente que vejo Mas não acredito que exista. Apenas o meu amor que é grande E se dirige a tudo e deseja tudo O meu amor que sofre a compaixão O saltimbanco envelhecido O meu amor que ergue a cabeça entristecido Entre os milénios subtérreos O meu amor que é grande como uma bola E é generoso demais e perfeito Apenas ele que é de antes do que eu sou Serenamente exala Mesmo aos que me voltam a cara Eu o endereço generoso e grande E ao ténue passarinho que ainda hoje me voltou a cara Eu endereço o meu enorme azul Que é uma sombra pálida de um outro amor maior E alucinante A todos eu o endereço como testemunho Da minha enorme compaixão Amanhã quando tiverem passado de moda as calças com . pregas Tudo voltará à palidez constante E o meu amor sobreviverá Já sem o calor e a ternura do passado 2
Já sem existir O meu imenso amor generoso e amarelo Consinto-o no peito e sangro-o Como se fosse o meu próprio sangue O meu amor perdido O meu amor volatilizado O meu amor diluído Como se eu tivesse morrido E amar fosse já só uma suave recordação póstuma O meu amor sangrando em mim Olho-o e vejo que também não existe Morreu comigo envolto em ranho e sangue E a música a agonizar no meu fim É uma dura cruz que eu arrasto lentamente Antes de deixar crucificar-me nela. Tema do fá# silêncio…
Ficava sereno nos limites das tardes A brisa do mar temperando o calor soalhão As flores e as ervas secando em castanho de Verão A solta labareda em que eu ardia e tu ardias e ardes. Falava de um Agosto esquecido quase morto E de um Algarve que eu quisera cantar em versos mais … floridos Se o que brilhasse dentro do meu olhar absorto Não fosse a cicatriz aberta dos meus passos perdidos.
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Tema em 6/8 – Ré pentatónico / Mi mixolídio / Fá# eólico
Gostava de saber de uma certeza certa O que me faz cantar E confundir as vozes que ouço a vozear Com uma voz maior Única e superior e que me faz cantar A ilusão heróica De uma agonia lenta que se prolongava Inútil iludindo A busca do momento que parado Faz prolongar um som. Gostava de saber o céu caindo O som vibrando A canção se construindo e destruindo Sem construção E tudo se desmoronando na quietude Do chão que eu ando. Gostava de saber dizer por que razão Sem razão me cruzo pelas ruas Tendo a recordação De ter nas ruas nuas um sonho passeando E sobretudo sim P’ra quê sonhar Gostava de saber.
termina Fá# eólico e entra o tema «Cai a noite» instrumental
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«Cai a noite em Portugal» - instrumental
Fixo um ponto no universo Fixo dentro de mim também O mesmo ponto Apenas um ponto no universo Fixo no além Donde vem derivando todo o elan Arriscado na alma Um ponto fixo todo fixo Dentro de mim Aqui ou depois Seja onde for será Para mim o que é para toda a gente Esta imensidade assim Que a vontade não importa já O que ela seja nesse momento Não importa Tão grande é ali A superior determinação. Deito as amarras ao mar Como atirei as pedras Que o que eu atiro ao mar É sempre a mesma alma Sempre a mesma pessoa Corpo que se afoga Assassino que o atira ao mar Anjo que a tudo assiste.
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De que serve chorar por sofrer Mesmo sofrer de que serve Misto de um ser que o foi Com um outro que o ser será Nenhum que é Não pode sofrer Isto é certo é verdade E não se pode desmentir Certamente é poético E não há nada a dizer. .
CAI A NOITE EM PORTUGAL canção
Cai a noite em Portugal É de dia no Brasil Minha alma perdida quer ficar Naquele imaculado arco de anil Que é o nem lá nem cá em que medeia A chama que os meus olhos incendeia Aqui é onde as aves não gorjeiam Aqui é onde o transe se faz fé De infinita vertigem onde se espraia O ser que já se foi e ainda não é Encontra contra o muro a sua sanha Mas remanesce e grita alma tamanha. À noite quando a paz parece estranha E o mistério no mundo se engrandece A alma se desperta e não se sonha E a vida com a morte se parece A chama com que arde o sonho então Não deixa descansar o coração. 6